Refletirmos sobre os 16 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente é analisar nossa responsabilidade de cidadãos, pois ele nasceu da legitimidade democrática, de intensa mobilização que envolveu os movimentos sociais organizados, políticos, juristas, incorporando os princípios da Constituição de 1988.
Propõe a descentralização político-administrativa das ações governamentais em relação ao público infanto-juvenil; a participação da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas através dos Conselhos de Direitos, dando uma nova concepção na história da democracia, que se quer participativa.
Como mecanismo administrativo de exigibilidade dos direitos constitucionais das crianças e adolescentes, o Estatuto criou o Conselho Tutelar.
Seus membros são escolhidos pela comunidade local orienta a Lei 8.069/90, assim a sociedade confia a eles que zelem para que sejam cumpridos os direitos fundamentais que a Constituição e as Leis prescrevem no que se refere à criança e ao adolescente, sujeitos então destes direitos.
Direitos que devem ser assegurados pela família, apoiada e orientada quando necessitar pela comunidade e pelo Poder Público através de um conjunto articulado de ações das políticas públicas. A tão falada rede de proteção, que ainda não conseguimos consolidar. Há relevantes práticas da sociedade civil e do poder público, porém que funcionam de modo isolado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente possibilitou a divisão das tarefas antes centralizadas no “juizado de menores”. Hoje deve ser um conjunto composto pelo poder público, pela sociedade civil organizada, pelo advogado, pelo juiz, pelo promotor de justiça, pelos Conselhos setoriais e pelo Tutelar formando o sistema de garantias.
Do sistema de garantias o Conselho Tutelar dos Direitos é um órgão que compõe um organismo que é o Município tendo como características básicas a permanência: que uma vez criado por Lei Municipal não desaparece, apenas se renovam seus membros a cada três anos. Só poderá ser extinto se a lei federal que determinou a criação do mesmo assim dispuser.
Ele é não-jurisdicional, isto é, não integra o poder judiciário ou o Ministério Público, suas atribuições são delimitadas pela lei que é o Estatuto (princípio da legalidade).
É autônomo, ou seja, não deve sofrer interferência externa em suas decisões. Somente a autoridade judiciária poderá rever as decisões do Conselho Tutelar a pedido de quem tenha legítimo interesse.
Com essas características o Conselho Tutelar assume funções que anteriormente eram exercidas exclusivamente pelo Juizado de menores. Hoje chamado juiz da Infância e Juventude deve decidir acerca de conflito de interesses e garantir a aplicação da lei quando houver desvio.
Entendendo que muitos casos teriam encaminhamento mais rápido e adequado se submetidos à apreciação de pessoas escolhidas pelo povo, idealizou-se o Conselho Tutelar. Autoridade instigadora de uma reflexão crítica acerca da realidade social que constata tendo como referência o Estatuto da Criança e adolescente e a Constituição Federal.
O fato de conselheiros serem escolhidos pela comunidade local, dentre aqueles que acumularam um saber científico ou empírico e, se espera que não indicados política ou administrativamente, legitima o desempenho de suas funções
Colegiado formado por cinco cidadãos que decide e determinam as medidas de proteção, ações exigíveis e obrigatórias diante da notícia de fatos que constituem direitos ameaçados ou violados.
Ele controla administrativamente no caso a caso como fazer cessar essas ameaças ou violações pondo em movimento muitas vezes pais, ações programadas, autoridades, servidores públicos e/ou voluntários responsáveis pelo correto atendimento aos direitos.
O Conselho Tutelar não deve ser acionado sem que antes o munícipe tenha acessado o serviço público específico de que necessita para si, para seu familiar ou vizinho. Ele não pode ser a porta de entrada da rede de atendimento ou o serviço de apoio de outros órgãos, como muitos estão orientados.
O Conselho Tutelar não foi previsto para fazer aquilo que os que deveriam fazer não o fazem; atender em substituição ou na ausência de. Sua criação se deu exatamente para corrigir os desvios daqueles que, devendo prestar certo serviço e/ou cumprir certa obrigação não o fazem, seja por negligência, seja por falta de vontade, seja porque simplesmente repetem antigos hábitos, usos e costumes do abolido Código de Menores.
Confundimos o conselho tutelar com o extinto Conselho de Assistência e Proteção, delegando àquele ações específicas de proteção, muitas destas que nosso Município ainda não disponibiliza 24h, o que é inconcebível, pois a necessidade não tem hora para acontecer.
Situações sociais são levadas ao juiz e/ou são atendidas pela polícia em vez de serem prevenidas por agente-educadores sociais do âmbito das políticas sociais de assistência social integrada à saúde, a educação, ao esporte, lazer como prescrevem a Carta Magna (art. 24-XV), o Estatuto, a LOAS, o SUS, a LDB.
Estamos em processo de evolução e adequação ao Estatuto, que dizem muitos tratar-se de um projeto de nova sociedade, que pretendemos ser, menos individualista, mais participativa, comprometida com a transformação ética e política. O Conselho Tutelar vem construindo sua identidade, ao completar dezesseis anos precisa evoluir em sua prática de receptor de queixas e expedidor de encaminhamentos, para exercer sua missão político-pedagógica, assessorando de fato o poder executivo na elaboração da proposta orçamentária garantindo-se a prioridade dos recursos públicos para as políticas públicas, talvez assim, gastaríamos menos no paliativo que pouco resolve diante da vulnerabilidade já instalada. Também a de auxiliar o poder legislativo na fiscalização da execução orçamentária. E por fim provocar o Ministério Público, o poder judiciário quando do descumprimento da Lei.
Contudo têm-se constatado que um Conselho zelador de direitos, atuante e consciente de sua função, é visto pelo poder público e pelos que ainda o ignoram como a pedra no sapato. O que se lamenta, pois é preciso apontar para as necessidades básicas que ainda não são devidamente priorizadas pelo poder público, e enxergar as condições que muitas crianças vivenciam com suas famílias sem poder fornecer-lhes os mínimos para o ser humano que são a alimentação, saúde, moradia, saneamento básico, o direito à educação, ao esporte, à cultura, ao lazer e a profissionalização.
Informações Sobre o Autor
Mareli Pfützenreuter
Diretora de Capacitação da ACCT- Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares