Um dos requisitos essenciais para o sucesso da ação de usucapião é a demonstração inequívoca da posse.
O presente artigo visa apresentar breves considerações acerca da posse “Ad Usucapionem” e da sua importância na construção e reconhecimento do direito à usucapião.
A usucapião está contida no Capítulo II do Código Civil que trata da Aquisição da propriedade imóvel e de outros direitos reais, também denominada prescrição aquisitiva, a qual se perfaz pelo exercício contínuo da posse, esta, de forma ininterrupta, de bem imóvel.
Possui previsão legal na Constituição Federal e pelo Código Civil.
Para melhor exemplificarmos a questão, analisemos o contido no art. 1.238 do Código Civil:
Art. 1.238: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único: O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-à a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nela realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
A doutrina e a jurisprudência apontam e informam o caminho para o bom entendimento deste conceito e de sua importância.
Segundo o ensinamento de Maria Helena Diniz[1], a usucapião é “direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto assim que o transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença aquisitiva por usucapião”.
Para Rodrigues[2], a usucapião é “modo originário de aquisição de domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, fixado na lei”.
Daí se extrai que trata-se de originalmente do reconhecimento judicial de uma ocupação continuada, que atingiu determinado requisito temporal, somada a outros não menos importantes itens, os quais serão descritos abaixo.
Há que se considerar, portanto que ara que a posse seja considerada como “Ad Usucapionem”, ela deve contemplar alguns requisitos pessoais e essenciais.
No entender do mestre Orlando Gomes[3], os requisitos pessoais são exigências relativas à pessoa do possuidor (usucapiente), eis que este demonstra a ambição de adquirir a coisa através da usucapião.
Passemos agora a tecer breves considerações acerca destes requisitos.
POSSE MANSA E PACÍFICA:
Será considerada como mansa e pacífica, a posse que não tiver contra si nenhum tipo de oposição. É a posse exercida sem vícios objetivos, ou seja, sem o emprego da violência, clandestinidade e precariedade.
Isto significa que o conceito de posse mansa e pacífica é justamente o oposto a posse violenta ou que sobre ela recaia algum tipo de oposição.
Assim, temos que “Mansa” é aquela que se obteve sem a oposição do antigo possuidor, e “Pacífica” é aquela que se manteve sem contestação ou o emprego de violência, coação, ameaça ou outro vício.
Ademais, no entender do próprio artigo 1.208[4], sequer poderia denominar-se posse o ato de detenção de coisa por intermédio da tolerância, força ou violência.
Há que se observar que no decorrer da posse, o possuidor não poderá ter encontrado, qualquer obstáculo para o gozo da posse. Posse mansa e pacífica não se coaduna com conflito.
Segundo a nossa doutrina majoritária, a posse será considerada como mansa quando sobre ela, não pairar oposição bem como durante todo o tempo exigido por lei para a caracterização da usucapião.
Questão que enfrenta grandes debates versa sobre o que seria a definição de oposição.
Para Rodrigo Barioni[5], “no caso da ação de usucapião, dada sua especificidade procedimental, veda-se o manejo da oposição. Na ação de usucapião, todos os eventuais interessados têm oportunidade de contestar o pedido do requerente. Assim não se vislumbra interesse processual do terceiro para ingressar com essa forma de intervenção de terceiros”.
Já para Fábio Araújo[6], “cabe indagar se na ação de usucapião é possível que o terceiro se utilize da oposição como forma de demonstrar a existência de pretensão contraditória aquela formulada pelo autor”.
No presente artigo, não estaremos abordando a oposição como possível modalidade de intervenção de terceiros, mas simplesmente como a oposição à posse, algo que se revela muito mais simples.
Isto porque a oposição deve ser clara e manifesta, não podendo ser declarada à posteriori, por meio de uma simples notificação, através da qual o possuidor ou proprietário originário manifesta a sua oposição à posse, o que em tese, teria o condão de suspender o prazo para a usucapião.
Defendemos que o meio apropriado para manifestar a oposição à posse deverá ser constituído através da propositura de uma ação judicial, eis que a notificação, por si só, não teria o poder de demonstrar oposição.
Importante se faz, acrescentarmos que no caso do emprego de violência e da clandestinidade, fatalmente a posse será eivada por vício insanável, posto que se demonstrará como injusta.
Desta forma, o uso da violência poderá até cessar, mas tal fato apresenta a mácula que a inquinou, não sendo, portanto, segundo o entendimento majoritário de nossa doutrina, apta a gerar a usucapião.
PRECARIEDADE:
A precariedade está consubstanciada na afronta a confiança e ao abuso de um direito.
Segundo ensina Jean de Martino[7], “Inicialmente há a existência de uma posse justa e direta sobre bem alheio, a qual lhe foi transmitida a posse devido a negócio jurídico, como por exemplo, a locação, o depósito, o usufruto, o comodato, etc., entretanto no momento em que deveria restituir o bem ao possuidor direto se recusa a fazê-lo sem motivo justo, desta forma eivando sua posse de vício”.
Neste entendimento, como exemplo, o inquilino que quando findado o período da locação, não entrega o imóvel, estaria abusando do seu direito de posse, e caso viesse a ingressar com uma ação de usucapião, esta se demonstraria insuficiente a lhe garantir o direito pleiteado, posto que sua posse é precária.
PÚBLICA:
Como o próprio nome já informa, a posse Pública é aquela a qual é exercida com publicidade, com o conhecimento do legítimo possuidor e ou de terceiros juridicamente interessados. Não se demonstra como velada, clandestina.
CONTÍNUA / ININTERRUPTA:
A posse Contínua ou Ininterrupta se apresenta como a que é exercida pelo “usucapiendi” dentro do prazo legal exigido, variando apenas este requisito legal quanto a modalidade de usucapião, todavia sendo inconteste que esta posse seja exercida sem que ocorram intervalos, sendo bem demonstrada a sua continuidade.
COM ANIMUS DOMINI:
Um dos requisitos ensejadores da usucapião é a plena demonstração de que o possuidor, exercia a posse do imóvel exercendo o Animus Domini, o que significa que o “usucapiendi” exerce a posse do imóvel como se dele fosse. Assim, demonstra perante terceiros, a sua vontade de pertencimento, como se a coisa, realmente fosse sua.
Como exemplos do exercício deste Animus Domini, citamos o pagamento de tributos incidentes no bem, como o IPTU, a realização de melhorias e benfeitorias dentre outros, comprovando sobremaneira, que a propriedade está cumprindo com a sua função social.
Desta forma, concluímos que a posse “Ad Usucapionem” é aquela que prolonga-se pelo tempo definido em lei e que dá ao seu titular a aquisição do domínio, ou seja, a que enseja o direito de propriedade sobre o bem. Ademais, necessário se faz, o preenchimento dos requisitos estabelecidos e acima elencados, para que se configure.
Cristiano Gimenes Goulart, advogado inscrito na OAB/PR sob o n° 59.496, sócio do escritório GOULART, WILLEMANN & BERNERT SOCIEDADE DE ADVOGADOS
e-mail: cristiano@gweb.adv.br
REFERÊNCIAS
1 – DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas. 22 ed. São Paulo. Saraiva. p.155.
2 – In Direito Civil: Direito das Coisas. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 108.
3 – In Direitos Reais. 20ª ed. (rev., atual. e aum.). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 181.
4 – Código Civil Brasileiro – Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm, acesso em 01/07/2020.
5 – BARIONI, Rodrigo. Oposição. In: Direito civil e processo: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim. Coordenação Araken de Assis et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 790.
6 – ARAÚJO, Fabio Caldas. Intervenção de terceiros. São Paulo: Malheiros, 2015, págs. 414-415.
7 – https://jeandemartino.jusbrasil.com.br/artigos/111812290/da-possibilidade-da-posse-precaria-ser-usucapida acesso em 01/07/2020.
[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas. 22 ed. São Paulo. Saraiva. p.155;
[2] In Direito Civil: Direito das Coisas. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 108;
[3] In Direitos Reais. 20ª ed. (rev., atual. e aum.). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 181.
[4] Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
[5] BARIONI, Rodrigo. Oposição. In: Direito civil e processo: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim. Coordenação Araken de Assis et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 790
[6] ARAÚJO, Fabio Caldas. Intervenção de terceiros. São Paulo: Malheiros, 2015, págs. 414-415
[7] https://jeandemartino.jusbrasil.com.br/artigos/111812290/da-possibilidade-da-posse-precaria-ser-usucapida acesso em 01/07/2020;
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