Resumo: Esse artigo aborda o problema dos maus antecedentes criminais, e sua interpretação na doutrina jurídica e Tribunais, tentando demonstrar uma concepção em consonância com a Carta Magna de 1988 e com o corolário da presunção de inocência.
Palavras-chave: Maus antecedents criminais. Presunção de inocência. Constituição Federal.
Abstract: This article approach the problem about bad criminal antecedent and the interpretation in juridical doctrine and Tribunals, trying an interpretation in consonance with the Magna Charta of 1988 and the corollary of presumption of innocence.
Keywords: Bad Criminal antecedent. Presumption of innocence. Federal Constitution.
Sumário: Introdução. Antecedentes Criminais. Divergências na compreensão dos maus antecedentes. Uma interpretação dos maus antecedentes à luz da Constituição Federal de 1988. Considerações Finais. Referências bibliográficas
Introdução
Apesar de parecer tema que não gera polêmicas ou dúvidas no momento da aplicação da pena, os antecedentes criminais carregam grandíssima controvérsia em sua interpretação jurisprudencial e doutrinária, quando a discussão adentra na definição dos maus antecedentes para fins de exasperação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal.
No intuito de refletir acerca das controvérsias existentes, e buscar uma compreensão em consonância com a Carta Magna, o artigo pretende passar pela breve conceituação do termo antecedentes criminais, adentrando em seqüência na demonstração das linhas de compreensão sustentadas pela doutrina e julgados pretorianos sobre maus antecedentes criminais, tentando, por fim, apontar aquela corrente que mais se adéqua aos preceitos emanados da recente ordem Constitucional.
1. Antecedentes Criminais
Os antecedentes criminais tratam de todo e qualquer envolvimento que a pessoa já teve com o Poder Judiciário na esfera penal. Nas palavras de Celso Delmanto em seu “Código Penal Comentado”:
“São os fatos anteriores de sua vida, incluindo-se tanto os antecedentes bons como os maus. Serve este componente especialmente para verificar se o delito foi um episódio esporádico na vida do sujeito ou se ele, com freqüência ou mesmo habitualmente, infringe a lei.” (2002, p.110.)
Na mesma linha segue a jurisprudência do TJSP versando sobre antecedentes:
“Antecedentes são todos os fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, a avaliação subjetiva do crime. Tanto os maus e os péssimos, como os bons e os ótimos. Em primeiro lugar, deve-se ter em conta os antecedentes judiciais, nunca restringindo simplesmente a existência ou inexistência de precedentes policiais e judiciais, mas levando-se em conta, também, o comportamento social do réu, sua vida familiar, sua inclinação ao trabalho e sua conduta contemporânea e subseqüente à ação criminosa, para então qualificá-los em bons ou maus.” (TACRIM-SP – HC – Rel. Manoel Carlos – RJD 7/191 -JUTACRIM 80/108, 87/127. In: STOCO. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. SP: RT, 2007, p.1186.)
No que toca ao conceito de antecedentes criminais, não há qualquer divergência em sua concepção. Realmente volta-se para a vida pregressa penal daquele que tem a conduta analisada pelo Poder Judiciário.
O problema central do trabalho, que será abordado nos tópicos seguintes, apenas surge quando é necessária a definição do que sejam maus antecedentes para fins de fixação da pena-base[1], seguindo ao critério trifásico previsto no art. 68 do Código Penal[2].
Doutrina e jurisprudência guardam infinita divergência, apesar de tratar de tema que deveria estar pacificado há muito tempo.
2. Divergências na compreensão dos maus antecedentes
Maus antecedentes seriam aquelas condutas criminosas pregressas do acusado, passíveis de possibilitar o aumento da pena-base a ser aplicada na dosimetria da pena[3]. O problema a ser resolvido, é saber se fazem parte do conceito de maus antecedentes, processos criminais em andamento, arquivados, anteriores (que não geram reincidência), e inquéritos policiais.
Para Fernando Capez (2004, p. 412, Vol. I.), Guilerme de Souza Nucci (2005, p.334), Nelson Hungria (1976, p.220 e 221, Vol. II) e Cézar Roberto Bittencourt (2004, p. 212), quaisquer envolvimentos na seara criminal que não geram reincidência fazem parte do conceito de maus antecedentes, porque conforme Bittencourt (2004, p.212):
“A finalidade desse modulador, como os demais constantes do art. 59, é simplesmente demonstrar a maior ou menor afinidade do réu com a prática delituosa. Admitir certos atos ou fatos como antecedentes negativos não significa uma “condenação” ou simplesmente uma violação do princípio constitucional de “presunção de inocência”, como alguns doutrinadores e parte da jurisprudência têm entendido. Não nos parece a melhor corrente, embora respeitável, o entendimento de que “inquéritos instaurados e processos criminais em andamento”, “absolvições por insuficiência de provas”, “prescrições abstratas, retroativas e intercorrentes” não podem ser considerados como “maus antecedentes”, porque violaria a presunção de inocência. Com efeito, ao serem admitidos como antecedentes negativos, não encerram novo juízo de censura, isto é, não implicam condenação; caso contrário, nos outros processos, nos quais tenha havido condenação, sua admissão como “maus antecedentes” representaria uma nova condenação, o que é inadmissível. A persistir esse entendimento mais liberal, restariam como maus antecedentes somente as condenações criminais que não constituam reincidência. E, se essa fosse a intenção do ordenamento jurídico, em vez de referir-se “aos antecedentes”, ter-se-ia referido “às condenações anteriores irrecorríveis”.”
Na visão dessa corrente, que dentre a doutrina é majoritária, o simples fato de o acusado responder por outros processos criminais, ter boletins de ocorrência nos quais é indiciado, ou ter cometido crimes anteriores (que não configurem reincidência), pode ensejar o aumento da pena-base estipulada nos termos do art. 59 do CP. Na jurisprudência, tanto STF quanto STJ seguem ainda, em vários casos, tal linha de raciocínio:
“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNÇÃO PRECÍPUA DO STF. INQUÉRITOS POLICIAIS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. MAUS ANTECEDENTES PARA FIXAÇÃO DA PENA. NÃO OFENDE AO PRINCIPIO DA INOCÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I – Inexistência de argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora atacada, que deve ser mantida. II – O Supremo Tribunal Federal deve, ante sua função precípua de guardião da Constituição, julgar se o acórdão recorrido deu ao texto Constitucional interpretação diversa da adotada pela Corte. III – Inquéritos policiais e ações penais em andamento configuram, desde que devidamente fundamentados, maus antecedentes para efeito da fixação da pena-base, sem que, com isso, reste ofendido o princípio da presunção de não-culpabilidade. IV – Agravo regimental improvido.” (STF – AI-AgR 604041 RS. Relator Min. Ricardo Lewandowski. 1ª T. Publicação: DJe-092 DIVULG 30-08-2007 PUBLIC 31-08-2007 DJ 31-08-2007 PP-00030 EMENT VOL-02287-07 PP-01455.) (grifou)
“[…] 1. Ausência de constrangimento ilegal na consideração do fato de o recorrente estar respondendo a outros processos, o Que, segundo a jurisprudência da Corte, configura maus antecedentes, circunstância não considerada em nenhum outro momento da fixação da pena. (…)” (STF- RE 427.339/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ 27.05.2005). (grifou)
“HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INQUÉRITOS. ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXASPERAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA PRESUMIDA. 1. Folha criminal: existência de inquéritos e procedimentos por desacato e receptação. Maus antecedentes. Exasperação da pena. 2. Compreende-se no poder discricionário do juiz a avaliação, para efeito de exacerbação da pena, a existência de inquéritos sobre o mesmo fato imputado e outros procedimentos relativos a desacato e receptação, que caracterizem maus antecedentes. 3. Dentre as circunstâncias previstas na lei penal (CP, artigo 59) para a fixação da pena incluem-se aqueles pertinentes aos antecedentes criminais do agente, não se constituindo o seu aumento violação ao princípio da inocência presumida (CF, artigo 5º, LVII). Habeas-corpus indeferido.” (STF – HC 81759 SP. Relator Des. Maurício Corrêa. 2ªT. Publicação: DJ 29-08-2003 PP-00035 EMENT VOL-02121-16 PP-03234.) (grifou)
“RESP. PENAL. FURTO. EXACERBAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO. CONDENAÇÕES ANTERIORES SEM TRÂNSITO EM JULGADO. MAUS ANTECEDENTES. A existência de condenações anteriores contra o réu, mesmo sem trânsito em julgado, configura maus antecedentes para efeito de exacerbação da pena-base. Entendimento predominante no STF e no STJ. Recurso conhecido e provido.” (STJ – REsp 236681 MG 1999/0099000-5. Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca. 5ªT. Publicação: DJ 22/10/2001 p. 345. LEXSTJ vol. 149 p. 399.) (grifou)
Na outra corrente, em que se destacam como doutrinas as de Rogério Greco (2009, p.128) e Celso Delmanto (2002, p.110), depreende-se que em hipótese alguma processos e inquéritos policiais em andamento podem ser considerados de forma negativa para o denunciado, pois nas palavras de Delmanto (2002, p.110):
“Processos ou inquéritos em curso, mesmo com indiciamento: Não devem ser considerados como maus antecedentes, diante dagarantia constitucional da presunção de inocência (CR/88, art. 52, LVII; PIDCP, art.14, 2; CADH, art. 82, 2, 12parte). Processos com absolvição ou inquéritos arquivados: entendemos que não podem ser pesados em desfavor do agente, pois há a presunção de sua inocência. Processos com prescrição: Tratando-se de prescrição da pretensão punitiva (da ação), não devem ser considerados contra o agente.Fatos posteriores ao crime:a conduta posterior ao crime, sem ligação com este, é estranha ao fato que está sendo julgado e não pode, por isso, ser nele considerada.Condenação transitada em julgado antes do novo fato:Como gera reincidência (CP,arts. 61, I, e 63), não deverá ser considerada, ao mesmo tempo, mau antecedente,para não constituir bis in idem. Caso o prazo depurador de cinco anos (CP, art. 64,I) já tenha passado, não deve igualmente ser considerada nos antecedentes, pois não seria coerente que a condenação anterior, não gerando mais reincidência,passasse a ser considerada mau antecedente.Condenação por fato anterior,transitada em julgado após o novo fato:Embora não gere reincidência, sendo o acusado “tecnicamente primário”, pode ser considerada como mau antecedente.Esta, a nosso ver, em face da garantia constitucional da presunção de inocência, é hoje a única hipótese que pode ser considerada como mau antecedente.Durante a menoridade: Reputamos inadmissível considerar, contra o agente, fatos ocorridos anteriormente à sua maioridade penal.”
Pela pesquisa empreendida nos Tribunais Superiores, a conclusão é de que os julgados mais recentes vêm seguindo a doutrina minoritária. Tanto STF quanto STJ têm entendido que apenas sentenças transitadas em julgado, que não geram os efeitos da reincidência podem ser consideradas como maus antecedentes. Nesse sentido são as decisões abaixo:
“[…] PENA-BASE – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – MAUS ANTECEDENTES – PROCESSOS EM CURSO E PROCESSOS EXTINTOS PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – CONSIDERAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Conflita com o princípio da não-culpabilidade – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal)- evocar processos em curso e outros extintos pela prescrição da pretensão punitiva a título de circunstâncias judiciais (artigo 59 do Código Penal), exacerbando a pena-base com fundamento na configuração de maus antecedentes. PENA-BASE – MAUS ANTECEDENTES – INEXISTÊNCIA. Constatada a erronia na fixação da pena-base, no que ocorrida a partir de processos extintos pela prescrição da pretensão punitiva, ou ainda em curso, bem como ausentes circunstâncias judiciais contempladas no arcabouço normativo, impõe-se a observância da pena mínima prevista para o tipo. […]” (STF -RHC 80071 RS. Relator Min. Marco Aurélio. 2ª T. Publicação: DJ 02-04-2004 PP-00027 EMENT VOL-02146-03 PP-00679.) (grifou)
“HABEAS CORPUS – INJUSTIFICADA EXACERBAÇÃO DA PENA COM BASE NA MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS OU DE PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO – AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII)- PEDIDO DEFERIDO, EM PARTE – O princípio constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Política não permite que se formule, contra o réu, juízo negativo de maus antecedentes, fundado na mera instauração de inquéritos policiais em andamento, ou na existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso, revelando-se arbitrária a exacerbação da pena, quando apoiada em situações processuais indefinidas, pois somente títulos penais condenatórios, revestidos da autoridade da coisa julgada, podem legitimar tratamento jurídico desfavorável ao sentenciado. Doutrina. Precedentes.” (STF – HC 79966 SP. Relator Min. Marco Aurélio. 2ª T. Publicação: DJ 29-08-2003 PP-00034 EMENT VOL-02121-15 PP-03023.) (grifou)
“O ato judicial de fixação da pena não poderá emprestar relevo jurídico-legal a circunstancias que meramente evidenciem haver sido, o réu, submetido a procedimento penal-persecutório, sem que deste haja resultado, com definitivo transito em julgado, qualquer condenação de índole penal. A submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais, ou, ainda, a persecuções criminais de que não haja derivado qualquer titulo penal condenatório, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica para justificar ou legitimar a especial exacerbação da pena. Tolerar-se o contrario implicaria admitir grave lesão ao principio constitucional consagrador da presunção de não-culpabilidade dos réus ou dos indiciados (CF, art. 5.º, LVII). É inquestionável que somente a condenação penal transitada em julgado pode justificar a exacerbação da pena, pois, com ela, descaracteriza-se a presunção juris tantum de não-culpabilidade do réu, que passa, então – e a partir desse momento – a ostentar o status jurídico-penal de condenado, com todas as conseqüências legais dai decorrentes. Não podem repercutir contra o réu situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do poder judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de titulo penal condenatório definitivamente constituído. (STF HC 68465/DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 21.02.92, p. 2694).” (grifou)
“[…] A existência de inquérito e de ações penais em andamento contra o Apelante não é suficiente, no caso concreto, para configurar os maus antecedentes, tendo em vista que sequer é possível saber por quais crimes ele está respondendo. […]” (STF – AO 1046 RR. Relator Min. Joaquim Barbosa. Julgado pelo Tribunal Pleno. Publicação: DJe-042 DIVULG 21-06-2007 PUBLIC 22-06-2007 DJ 22-06-2007 PP-00016 EMENT VOL-02281-01 PP-00043.) (grifou)
“A pena individualizada pode levar em conta os `maus antecedentes’ do réu. Inadmissível, todavia, para esse fim levar em conta inquérito policial, ou processo em curso. Caso contrário, raciocinar-se-á com mera hipótese. Tanto assim, pode não ser oferecida a denúncia, ou, afinal, o processo reconhecer a atipicidade, excludente de ilicitude, ou de culpabilidade” (STJ — HC 7.997/SP — Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro — j. 03.11.1998 — DJU 1.°.03.1999 — Bol. IBCCrim 78/350). (grifou)
“RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSO PENAL. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. INQUÉRITOS E PROCESSOS EM ANDAMENTO. PRESUNÇÃO DA NÃO INOCÊNCIA. Viola o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF) a consideração, à conta de maus antecedentes, de inquéritos e processos em andamento para a exacerbação da pena-base e do regime prisional. (Precedentes). Recurso não conhecido.” (STJ – REsp 259073 RS 2000/0046904-1. Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca. 5ªT. Publicação: DJ 07/04/2003 p. 307.) (grifou)
“CRIMINAL. ESTELIONATO. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO. CONSIDERAÇÃO DE INQUÉRITOS E PROCESSOS NÃO FINDOS COMO MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE AUTORIA. […] 3. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça referente à impossibilidade de, em respeito ao princípio da presunção da inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), inquéritos e processos em andamento serem considerados como maus antecedentes para exacerbação da pena-base. 4. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.” (Súmula do STF, Enunciado nº 283). 5. Recurso não conhecido. (STJ – RESP 278187/TO; Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 27/08/2001) (grifou)
“CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DOSIMETRIA. FATOS POSTERIORES AO QUE SE ENCONTRA EM JULGAMENTO CONSIDERADOS COMO ANTECEDENTES CRIMINAIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.I – Fatos cometidos posteriormente ao delito em andamento não podem ser considerados para efeitos de antecedentes penais. II- Evidenciado que, à época do cometimento do fato em julgamento, o réu possuía bons antecedentes, não há ilegalidade na decisão de segundo grau de jurisdição que determinou a redução da pena. III – Recurso desprovido”. (STJ- REsp 297774/DF; Relator Min. GILSON DIPP, DJ de 16/09/2002) (grifou)
“HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PENA-BASE E REGIME PRISIONAL EXACERBADOS. MAUS ANTECEDENTES. INQUÉRITOS E PROCESSOS EM ANDAMENTO. PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. Viola o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF) a consideração, à conta de maus antecedentes, de inquéritos e processos em andamento para a exacerbação da pena-base e do regime prisional. Precedentes. Ordem concedida.” (STJ- HC 21238/SP; Relator Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 10/06/2002) (grifou)
“CRIMINAL. HC. EXECUÇÃO. TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO IMPROPRIAMENTE FUNDAMENTADO NA EXISTÊNCIA DE OUTROS PROCESSOS EM ANDAMENTO, CONSIDERADOS COMO MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. DIREITO AO RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA MONOCRÁTICA QUE CONCEDEU O REGIME ABERTO E O BENEFÍCIO DO SURSIS. ORDEM CONCEDIDA. O envolvimento em inquéritos diversos e em vários processos ainda em curso não podem servir como indicativos de maus antecedentes, no momento da fixação da pena e do regime prisional. […]” (STJ- HC 19686/SP; Relator Min. GILSON DIPP, DJ de 03/02/2003) (grifou)
“Aplicação da pena (exacerbação). Maus antecedentes (fundamentação). Processos em andamento (presunção de inocência). Redução da pena (possibilidade). 1. Em respeito ao princípio estabelecido no art. 5º, LVII, da Constituição, não se considera mau antecedente o processo criminal em curso. 2. Tendo sido considerada pelo Juiz como circunstância judicial desfavorável a existência de maus antecedentes, isso com base exclusivamente em processos em andamento, é de ser afastado o aumento da pena-base daí decorrente. 3. Agravo regimental improvido”. (STJ -AgRg no HC 94052 DF 2007/0262863-8. Relator Ministro Nilson Naves. 6ªT. Publicação: DJe 19/12/2008.) (grifou)
“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. MAUS ANTECEDENTES. PROCESSOS EM ANDAMENTO. FATOS POSTERIORES. VÍCIO NA DOSIMETRIA. Em respeito ao princípio da presunção de inocência, esta Corte e o Supremo Tribunal Federal têm entendido que não se pode anotar a existência de maus antecedentes processos que ainda estejam em curso contra o acusado, ainda mais se advindos de fatos posteriores aos da condenação. Demonstrada a necessidade do regime mais gravoso, não se pode afastá-lo somente pelo fato de a pena ter sido acomodada em situação mais vantajosa ao réu. Ordem concedida em parte a fim de retirar do quantum da pena o aumento relativo aos maus antecedentes, equivalendo-se, ao final, na fixação da reprimenda no mínimo do homicídio simples.” (STJ – HC 42175 SP 2005/0033336-0. Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca. 5ªT. Publicação: DJ 26/09/2005 p. 422.) (grifou)
“PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA. DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO. MAUS ANTECEDENTES. INQUÉRITOS EM CURSO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Em respeito ao princípio da presunção de inocência, inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes para exacerbação da pena-base (Precedentes). Writ concedido.” (STJ- HC 50.442/MS, 5ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 03/09/2007.) (grifou)
De fato, conforme demonstrará a seguir, diante da Carta Magna de 1988, não há como dar outra interpretação ao conceito de maus antecedentes, que não aquela defendida pela doutrina minoritária e jurisprudência em consonância com tais autores. Considerar inquéritos e processos em andamento como maus antecedentes, vai em desacordo com um dos principais corolários elencados no art. 5º da Constituição: o da presunção de inocência.
3.Uma interpretação dos maus antecedentes à luz da Constituição Federal de 1988.
O art. 5º, LVII da CRFB expressa claramente que “[…] ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Isso significa que antes do surgimento de sentença crime de cunho definitivo, uma pessoa não pode ser tida como responsável por algum delito, presume-se que seja inocente.
De acordo com Alexandre de Moraes em seu “Direito Constitucional”:
“Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal”. (2003, p.132.)
Em seguimento ao apresentado por Moraes, o corolário da presunção de inocência existe para evitar que uma pessoa sofra coações nos direitos e na liberdade de ir e vir, antes que sua responsabilidade tenha sido apurada em definitivo. A lei prevê exceções, como nas prisões de cunho cautelar, que apenas existem para resguardo da ordem jurídica e coesa vida na sociedade, ocorrendo em caráter de exceção[4].
O princípio da presunção de inocência, em continuidade ao raciocínio do autor referido, evita que o Brasil retorne a um Estado de Exceção ou arbítrio estatal, no qual é necessário provar a inocência, ao invés de presumi-la. Apesar de ser conhecido que muitos são contumazes, deve-se considerar por sua candidez[5] para que se evite a condenação indiscriminada de acusados, como ocorreu na época ditatorial pela qual o país passou. Acerca do assunto ensina o STF no HC 73.338, que:
“Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, nº 5). Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se — para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica — em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet.” (STF-HC 73.338, Rel. Min. Celso De Mello, DJ 19/12/96) (
O princípio da presunção de inocência visa evitar arbitrariedades na responsabilização criminal de acusados, para que não sejam considerados culpados, até que o Poder Judiciário tenha se pronunciado em caráter definitivo acerca da questão. Se tem por escopo afastar a incriminação precoce, porque a presunção de inocência deve ser deixada de lado no momento de considerar a culpabilidade para aplicação da pena?
Permitir que processos e investigações em curso sirvam a maus antecedentes, é simplesmente aceitar que o poder judiciário adote pesos e medidas diferenciados numa mesma circunstância: se a pessoa é presumida inocente durante toda a persecução criminal, porque no momento da dosimetria da pena, antes do trânsito em julgado da decisão, o julgador deve deixar de lado essa suposição?
É inadequado que o juiz considere ações em andamento e inquéritos policiais como provas de que a pessoa tem má índole.
No caso de processos em andamento, é notório que o Direito Penal consta de inúmeros meandros pelos quais o acusado e até réu confesso é absolvido. Não são raros os casos de reconhecimento do princípio da insignificância, da inexigibilidade de conduta diversa, atipicidade da conduta, ausência de provas ou prescrição. Por causa disso que processos em que foi reconhecida a prescrição também não podem ser considerados maleficamente.
Já nos boletins de ocorrência, a situação se complica ainda mais, pois sequer são certeza do início de uma persecução criminal. Apenas visam à aquisição de indícios mínimos de autoria e materialidade, para que o parquet analise a viabilidade da propositura de uma ação. Além disso, percebe-se na atualidade que infelizmente é muito fácil a confecção de boletins de ocorrência buscando responsabilização penal de qualquer pessoa, sem a mínima procedência probatória. Em muitos delitos como os de ameaça, calúnia, injúria e outros, a mera palavra da vítima serve como prova inicial para que se dê embasamento a procedimento inquisitório!
Os casos em que acusados tiveram benefício da transação penal nos Juizados Especiais (art. 76 da Lei 9.099/95), ou da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95), também não podem ser levados em consideração. Tratam de políticas criminais que visam àqueles que cometem delitos de menor potencial ofensivo, e sequer geram reincidência[6].
A lógica da não-culpabilidade é muito clara, e embasa-se na inexistência de certeza quanto à condenação, por mais que as provas pareçam conduzir a tal via. Se a lógica é da incerteza (pois um acusado noutros autos pode ser absolvido ao fim), porque o juiz poderia mudá-la tomando por base mera presunção de que poderá haver condenação?
Por mais que o acusado responda por inúmeros processos criminais, e tenha vários boletins de ocorrência nos quais é investigado por crimes similares, a presunção de culpa só pode servir negativamente, se comprovada através de sentença condenatória com trânsito em julgado.
Olhando pelo prisma de outros princípios constitucionais que não o da presunção de inocência, é possível perceber que considerar boletins de ocorrência e processos criminais sem trânsito em julgado como embasamento para exasperação da pena-base, é também afronta aos corolários do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
No caso de afronta ao devido processo legal (art. 5º, LIV), ocorre nos inquéritos policiais porque neles apenas vige o sistema de inquisição, em que não há em efetivo, os direitos resguardados aos litigantes no processo. Nas ações em andamento, o devido processo legal ainda está sendo garantido, e por isso, não é possível considerar que tenha sido propiciado em sua plenitude.
Em relação ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º LV), estes não são compulsórios nos inquéritos policiais, por causa da natureza inquisitorial de tal procedimento[7]. Nas ações em tramitação, estão a se concretizar, com fim somente quando houver trânsito em julgado da sentença.
Portanto, a consideração de processos criminais em curso e boletins de ocorrência como maus antecedentes para fins de exacrebação da pena-base, também é desconsideração ao descrito no art. 5º, LIV e LV da CRFB. Não é possível culpabilizar alguém sem que lhe tenham sido garantidos todos os aparatos legais, apenas efetivamente propiciados quando finda a persecução criminal.
Considerações finais
Na recente sistemática jurisdicional inovada pelo STF em várias decisões que vêm garantindo de forma expressa o direito à liberdade, reconhecendo a excepcionalidade dos decretos segregatórios e a improcedência de prisões infundadas[8], não há dúvidas de que a interpretação que deve ser levada definitivamente a cabo, é aquela que não aceita como maus antecedentes inquéritos e processos criminais em curso. Apenas podem ser levadas em conta, condenações que não gerem os efeitos da reincidência.
Considerar o contrário é deixar de lado todo o trabalho que vem sendo feito em prol de uma Constituição garantista, que deve visar a evicção de qualquer presunção de culpabilidade.
Cabe destacar que a questão é inclusive tema de repercussão geral através do RE 591054/SC sob relatoria do Ministro Marco Aurélio. A repercussão foi noticiada no Informativo nº528, de 10 a 14 de novembro de 2008, e tem a seguinte ementa:
“CRIMINAL – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL – PROCESSOS EM CURSO – PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE – ALCANCE. Possui repercussão geral controvérsia sobre a possibilidade de processos em curso serem considerados maus antecedentes para efeito de dosimetria da pena, ante o princípio da presunção de não-culpabilidade”. (STF- Inf. 528 de 10 a 14 de outubro de 2008.)
Tomando por base decisões anteriores proferidas pelo Ministro Marco Aurélio em alguns habeas corpus[9], a possibilidade de que seu voto seja no sentido da impropriedade dos maus antecedentes quando há processos em curso é muito grande. Resta saber qual será o posicionamento dos demais ministros, que pelo percebido em decisões mais recentes, provavelmente em sua maioria, deverão seguir o voto do relator.[10]
Por enquanto, as decisões do Pretório Excelso em HC’s vêm mantendo compreensão que se adéqua explicitamente ao entendimento que precisa ser sedimentado. O informativo 585 do STF, de 17 a 21 de maio de 2010, por exemplo, trouxe através do HC 97.665 a compreensão de que:
“Processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para reconhecer, em favor do paciente, o direito de ter reduzida, em 8 meses, a sua pena privativa de liberdade, cuja pena-base fora exasperada ante a existência de inquéritos e processos em andamento. Realçou-se recente edição, pelo STJ, de súmula no mesmo sentido (Súmula 444: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.”). HC 97665/RS, rel. Min. Celso de Mello, 4.5.2010. “(HC-97665) (In: Inf. 585 STF.)
Já no STJ, ao que tudo indica, a questão se encontra claramente pacificada por meio da edição da súmula 444, acima referida, quando diz que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.”. Tal súmula, noticiada no Informativo 432 do STJ, de 26 a 30 de abril de 2010[11], deixa claro qual posicionamento deve ser seguido a partir de então pelos julgadores monocráticos em suas decisões, jogando por terra, aquela concepção mantida por vários dos grandes doutrinadores pátrios.
Licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei e professor de Filosofia. Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo Neves e pós-graduado em direito público. Advogado militante.
Acadêmica de Direito Direito pelo Instituto de Ensino Superior “Presidente Tancredo de Almeida Neves”
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