Resumo: Didaticamente aduz o artigo sobre as consequências jurídicas reconhecidas tanto pela jurisprudência como doutrina pátria sobre a união homoafetiva. Que ainda clama por regulamentação efetiva do direito positivo.
Palavras-chave: Direito da família contemporâneo, união homoafetiva, direito brasileiro, princípio da igualdade, princípio da preservação da dignidade humana.
Résumé: Ajoute didactiquement l'article sur les conséquences juridiques reconnus à la fois par la jurisprudence que la doctrine sur le mariage homoafetiva patrie. Qui crie toujours pas d'une réglementation efficace du droit positif.
Mots-clés: droit de la famille contemporaine, homoafetiva mariage, la loi brésilienne, le principe d'égalité, le principe de la préservation de la dignité humaine.
É muito importante para o Direito de Família para que haja regulação científica e sistemática das relações afetivas que venha se despir de concepções morais e religiosas. Sem que isso signifique que não haja o inexorável diálogo das fontes bem como o respeito a dignidade da pessoa humana.
Sem dúvida, o direito é essencialmente uma ciência normativa e ética cuja finalidade primaz é ordenar a conduta social dos homens no sentido da justiça. E, o primeiro passo para se galgar a justiça contemporânea é promover a tolerância com as diversidades propiciando uma convivência pacífica de todos.
Aliás, é curial observarmos a evolução que se deu com a união homoafetiva é bem similar a que se deu a união estável, num primeiro momento, mais conservador, era uma união espúria, e destituída de qualquer proteção, num segundo momento passou uma sociedade de fato, e, por fim, em seu ápice, já então sob a tutela jurídica, reconhecidamente se transformou numa sociedade de direito, fundadora de entidade familiar[1].
No conteúdo do direito à vida, consta certamente a autodeterminação sexual, ou seja, a liberdade de cada um de possuir sua própria sexualidade, usada como signo distintivo próprio, promovendo a sua identidade sexual, que abarca o homossexualismo, o intersexualismo e transexualismo[2], bem como a livre escolha de seus parceiros e da oportunidade de manter com estes de forma consentida relações sexuais.
A homossexualidade é parte do direito de liberdade, e ainda integra o direito à intimidade e à vida privada (que são naturais desdobramentos do direito de liberdade) e como tais são direitos fundamentais[3] substanciados em cláusula geral da dignidade da pessoa humana (que é fundamento da república brasileira) e que exige não haver discriminações injustas.
Aliás, o Direito de Família contemporâneo possui peculiar característica que é sua interdisciplinaridade posto que reconheça cientificamente o núcleo familiar importando forçosamente na comunicação com outros campos do conhecimento. Nesse sentido é bastante eficaz a atuação das equipes multidisciplinares na jurisdição das Varas de Família e da Infância e Adolescência.
Ademais, o tratamento técnico-jurídico não pode estar sujeito às posições pessoais do julgador sobre o que seria supostamente mais adequada ou moralmente recomendável de viver.
O fato social da família deve ser analisado pela perspectiva imparcial, levando-se em pauta os princípios jurídicos reguladores da matéria. Reconhecemos o longo caminho percorrido pela evolução da família principalmente pela busca da felicidade de seus membros e pelo prestígio alcançado pelo afeto que nos permite reconhecer a existência, a validade e eficácia das relações socioafetiva (seja maternidade ou paternidade).
Até mesmo a irregular adoção à brasileira galgou não só abrandamento de sua punição, mas tornou-se possível a maior facilitação para sua devida regulamentação. A concepção jurídica de família conforme Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho “é efetivamente um núcleo moldado pela efetividade dos seus membros (socioafetiva) e, além disso, traduz a ambiência necessária para que realizem os seus projetos pessoais de felicidade, berço da formação da personalidade dos seres em desenvolvimento”, aonde se vai aos poucos cativando a dignidade da pessoa humana.
O sistema constitucional de família é aberto, inclusivo e não discriminatório e que trouxe a lume a isonomia entre o cônjuge-varão e o cônjuge mulher. Então, se reconheceu explicitamente a união estável, a família monoparental, e até socioafetiva. Desta forma, como podemos não reconhecer a união entre as pessoas do mesmo sexo?[4].
Primeiramente, precisamos distinguir transexualismo e homossexualidade. A transexualismo ou transexualidade é uma patologia consistente em transtorno de identidade psicossocial, catalogado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) bem como pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Esclarece o professor Luiz Salvador que o transexual rejeita tudo que se refere ao seu sexo, o que inclui aversão ao órgão genital daí, desejar tão intensamente a mudança corporal mais completa que possível para afinal adequar ao gênero humano com o qual mais se identifica.
Caso não deseje uma total mudança corporal e sexual, trata-se de travesti. É bom que se realce que a cirurgia de transgenitalização é irreversível[5]. Por isso, é preciso ter o maior grau de certeza possível através de exames clínicos e psicológicos da real necessidade da readequação sexual.
O transexualismo é doença neurológica e que carece ainda de regulamentação jurídica no Brasil, mas existe na área administrativa a previsão em Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina[6].
A expressão “homossexualismo” deve ser evitada posto que superado o conceito patológico sobre o fenômeno. Também inadequada a expressão “homoerotismo” posto que seja o afeto o maior referencial e, não a sexualidade para ser considerado para análise da família. Assim a homossexualidade não é perversão e qualquer tentativa jurídica desse enquadramento representa uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Trata-se, pois de um modo de ser, de interagir mediante o afeto e/ou contato sexual com um parceiro do mesmo sexo, não decorrente de uma mera orientação ou opção, mas sim, derivado de um determinismo cuja causa não se poderia apontar.
Aliás, devemos evitar a expressão “opção sexual” posto que não haja certeza científica sobre a existência da escolha quer seja para o heterossexual, seja para homossexual. Não há um processo pelo qual as pessoas tornam-se homossexuais, assim como não existe um único tipo de processo psíquico pelos quais as pessoas tornam-se heterossexuais.
A infindável busca da causa para a homossexualidade remonta à própria concepção de pecado em diversas religiões – deveria ser substituída por um processo mais humano e solidário de aceitação da diferença. Já se disse na Itália que a orientação sexual não é mera opção sexual. Houve uma polêmica reação na tentativa de se identificar o gene determinante da homossexualidade.
Os estudos científicos apontam no sentido de explicar a sexualidade humana, de qualquer modo é imperiosa a aceitação do outro, e da sociedade, tal como é, só podemos respeitar à igualdade, só quando somos capazes de reconhecer e aceitar a diferença e combater o preconceito[7].
Preferível para o Direito utilizar a expressão homoafetividade para caracterizar o vínculo que une e justifica a concepção de família derivada do núcleo entre pessoas do mesmo sexo.
Transcendendo a invisibilidade e a condenação moral em face das famílias matrimonializadas e das informais, veio então, a jurisprudência[8] pátria aos poucos enfrentar que é possível haver um núcleo estável como objetivo de família formado pela união de pessoas do mesmo sexo.
De fato, o conceito é bem similar à união estável que por não ser formal e matrimonial percorreu cruéis percalços, pois em primeiro momento era tão-só uma sociedade de fato (cuja dissolução transitava em vara cível[9]), tendo antes permitido indenização pela prestação de serviços sexuais, o que atualmente representaria uma afronta à dignidade da pessoa humana.
Traduzia-se a união estável em ser uma relação afetiva estável de caráter não-matrimonializado, com fito de fundar a família, com uma única diferença que é a ausência de diversidade sexual.
E, seguindo o vetusto adágio “onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito”. A homossexualidade[10] é uma realidade histórica desde as comunidades tribais, vindo desde a Antiguidade Clássica até a contemporaneidade, assim há ainda um extenso caminho para haver a constatação jurídica da homoafetividade como causa justificadora e autorizadora da constituição de uma modalidade de família.
A Dinamarca foi o primeiro país a reconhecer a união dos homossexuais, no ano de 1989, permitindo inclusive o direito de troca de sobrenome. Já a Noruega tal reconhecimento em 1993, e na Suécia em 1995.
Já a Catalunha, Groelândia e Islândia possuem leis que concedem à parceria os mesmos direitos das pessoas casadas, só havendo impedimento à adoção. Todavia, a expressão formal de casamento civil homoafetivo somente foi admitida em 2001 na Holanda, sendo o primeiro país a admiti-lo.
E o reconhecimento dessa união, como formadora de família já é possível em diversos países, quer seja pelo reconhecimento da união civil, ou seja, pela admissão explícita ou implícita da possibilidade jurídica de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Atualmente, apenas o título de exemplo, os países que admitem o casamento homoafetivo são: Bélgica, Canadá, África do Sul, Espanha, Noruega, Suécia, Portugal, Islândia, Argentina e México. Além de vários estados dos EUA, tais como: Vermont, New Hamphire, Massachussets, Connecticut e Washington D.C.
Ressalte-se que em Portugal somente recentemente foi revogada a positivação sobre a inexistência do ato (casamento homoafetivo) vide Lei 9/2010, de 31 de maio de 2010 que passou admitir o casamento homoafetivo, dando assim nova redação ao art. 1.577 do Código Civil português (que define casamento como contrato entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante comunhão de vida), sem alusão a diversidade sexual.
Infelizmente nosso legislador ainda não disciplinou a regulamentação do casamento civil ou da união estável entre pessoas do mesmo sexo apesar de grande avanço normativo experimentado pelo direito estrangeiro, e de recente jurisprudência.[11]
Em verdade, novamente é a jurisprudência que vem cumprindo sua missão colmatadora e, mesmo diante de séria resistência, vem reconhecendo juridicamente a relação entre companheiros do mesmo sexo, aplicando analogicamente as regras da união estável[12].
Porém, o mesmo não se dá com relação ao casamento posto que seja pressuposto de existência de diversidade de sexos[13] e que é também exigida para o procedimento de habilitação dos nubentes[14].
Resta ainda a insegurança jurídica[15] diante da lacuna da lei, e registre-se que é vagaroso o tramitar da PL 1551/95 (e, ainda) no Estatuto das Famílias (art. 164) que subtraem a exigência da diversidade de sexos como requisito existencial da relação jurídica.
Mesmo com o vazio normativo observado por Maria Berenice Dias que apesar da resistência do legislador, o STF já garantiu às uniões das pessoas do mesmo sexo o acesso à justiça, ao afastar do processo da extinção com base na impossibilidade do pedido. Seja fazendo analogia, com a união estável quer invocando garantido direitos no âmbito do direito de família, assistencial e sucessório.
E, na seara administrativa, particularmente no direito previdenciário prevê a concessão de benefícios[16] e, ainda em caso de morte do parceiro é prevista a concessão de visto de permanência para parceiro estrangeiro, quando comprovado o vínculo afetivo com brasileiro.
Mas o reconhecimento da união civil não inclui a hipótese de casamento que desde a remota antiguidade é instituto que tem sua origem não somente na regulação do patrimônio, mas na legitimidade da prole resultante da união. Não há de se cogitar em lacuna da lei posto que não seja proibido, é permitido embora o casamento homossexual[17] não se consolide no plano de existência, e há instrumentos jurídicos válidos e eficazes, para regular seus interesses, seja pela via contratual, seja via testamento.
Contudo, não supre o direito à segurança jurídica que só a norma legal confere, lembremos que uma das formas mais perversa de exclusão é o silêncio que veste de constrangedora invisibilidade a realidade e afronta o mais elementar dos direitos que é o direito à cidadania principalmente num estado que diz a Constituição Federal vigente que é um Estado Democrático de Direito.
O projeto de lei da parceria civil pretende o acréscimo no art. 1.727-A, in litteris: “São aplicáveis os artigos anteriores do presente Título com exceção do art. 1.726, às relações entre pessoas do mesmo sexo, garantidas os direitos e deveres decorrentes”.
Defende-se então tal união pelo princípio da preservação da dignidade humana e pela analógica aplicação da união estável do art. 1.723 ao art. 1.727 do Código Civil.
O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base nestes geradas, e a quebra de paradigmas do Direito de Família contemporâneo tem com nítido traço a valorização do afeto nas relações surgidas de libre manifestação superando a postura meramente patrimonialista e matrimonialista, bem como o intuito de procriação da família.
A inserção de relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no Direito de Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões como entidades familiares, deve vir acompanhada da firme observância dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação da intimidade, da não discriminação, da solidariedade e da busca da felicidade, enfim, respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual.
Comprovada a existência da união afetiva entre pessoas do mesmo sexo é de se reconhecer igualmente o direito do companheiro sobrevivente de receber os benefícios previdenciários[18] decorrentes de plano de previdência privada no qual o falecido era participante com idênticos efeitos operados pela união estável.
Entendendo que o parceiro homoafetivo não poderia figurar como dependente em seguro saúde, posto que não haveria relação familiar entre estes. Decidiu o TJRJ, in litteris:
“Apelação. Relação homossexual. Empregado que pretende que o companheiro seja aceito como seu dependente em plano de saúde empresarial, ao fundamento de que vivem em união estável. Recusa da seguradora que se justifica em contratos vinculados a cálculo atuarial, posto que a solvabilidade do fundo que cobre as indenizações depende de probabilidades previamente estimadas. Se a Constituição da República apenas reconhece a união estável entre o homem e a mulher (art. 223, parágrafo terceiro), não é possível estender o conceito às relações homoafetivas para o fim de obrigar planos de saúde a incluírem-nas na cobertura securitária sem previsão contratual. As seguradoras podem admiti-las como fato gerador de cobertura securitária em planos de saúde, mas não podem ser a tanto obrigadas sem expressa previsão contratual. Interpretação conforme a Constituição, sem eiva de preconceito ou discriminação. Recurso a que se dá provimento (TJRJ, Ap. Cível 2005.001.44730, 2.a. Câmara Cível, Rel. Des. Jessé Torres, j.23.11.2005).
Se por força do art. 16 da Lei 8.213/91 a necessária dependência econômica para a concessão da pensão por morte entre companheiros de união estável é presumida, também deve ser o caso de companheiros do mesmo sexo, diante do emprego de analogia que se estabeleceu entre duas entidades familiares.
A admissibilidade jurídica de registro em cartório da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, efetivamente afigura-se sendo um relevante passo na direção do efetivo reconhecimento dos direitos dos companheiros, mas não é suficiente. E, tal medida ainda faz perdurar a cruel invisibilidade jurídica.
Aliás, a negativa de lavratura do ato registral tinha dois fundamentos: a vedação de avenças contrárias à moral e aos bons costumes e a ausência de lei reconhecimento à validade e licitude do objeto do contrato.
A justificativa, às claras, encobria postura preconceituosa e discriminatória, já que não há ilicitude e ilegalidade nas uniões homoafetiva.
Por esse motivo, a Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul inseriu um parágrafo ao art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral, autorizando o registro de documentos constitutivos.
Nesse mesmo sentido, a Procuradora Geral da Fazendo Nacional que exarou o Parecer 1.503/2010 que assentou a possibilidade da inclusão cadastral de companheira homoafetiva como dependente de servidora pública federal para efeito de dedução do Imposto de Renda.
No plano legislativo há o projeto de lei 1.151/1995 apresentado pela então Deputada Marta Suplicy com o fim de disciplinar “a união civil entre pessoas do mesmo sexo, que prevê uma tímida tutela dessas parcerias de afeto e de vida, uma vez que, sem encarar esse núcleo como efetiva entidade familiar”.
O §3º do art. 226 da Constituição Federal Brasileira se refere ao reconhecimento da união estável entre homem e mulher, representou a superação da distinção que se fazia anteriormente entre o casamento e o companheirismo. Trata-se de norma inclusiva, que sublima o apego ao formalismo e o caráter matrimonializado de família.
Pretende a norma ser antidiscriminatória, que não deve ser interpretada como norma excludente e voltada a impedir a aplicação do regime de união estável às relações homoafetivas.
Juntamente ao contrário, os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da liberdade impõem a extensão do regime jurídico da união estável às uniões homoafetivas.
Igualdade importa em política de reconhecimento assim como dignidade em respeito ao desenvolvimento da personalidade de cada um; e liberdade no oferecimento de condições objetivas que permitam as escolhas legítimas.
Ademais, o princípio da segurança jurídica como vetor interpretativo indica como compreensão mais adequada do Direito, aquela capaz de propiciar previsibilidade nas condutas e estabilidade das relações.
Portanto, sendo reconhecida a união homoafetiva como fundadora de forma de família, enfrentaremos os seus efeitos jurídicos de ordem pessoal (direitos e deveres recíprocos) e patrimoniais (alimentos, regime de bens e direitos sucessórios).
Os efeitos pessoais consoantes à união estável são previstos no art. 1.724 do C.C. que possui equivalente no art. 5º da Lei 9.278/96 sendo perfeitamente aplicável a esse núcleo, na perspectiva constitucional do Direito de Família, defendida por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho.
São, em síntese, quatro deveres básicos que consideramos aplicáveis analogicamente às uniões homoafetivas: a) dever de lealdade; b) dever de respeito; c) dever de assistência; d) dever de guarda, sustento e educação dos filhos. Não faz alusão ao dever de coabitação.
Assim como é possível a escritura constitutiva de união homoafetiva também é possível o desfazimento pela via administrativa (Lei 11.441/2007), abrindo-se também a via judicial. E, no entender de boa parte da doutrina a ação dissolutiva de união estável homoafetiva também deverá tramitar na vara de família[19].
Quanto aos efeitos patrimoniais aplicam-se as regras gerais atinentes à união estável. E, possuem assim as naturais consequências como a fixação de alimentos ao companheiro necessitado, a observância de um regime de bens, e, ainda, o direito à herança.
Porém, permanece um impasse com relação aos direitos sucessórios, posto que ao cônjuge casado sob o regime de comunhão parcial de bens é reconhecido direito à herança, porém, não à companheira(o). Desta forma, conforme se dê o reconhecimento jurídico da união homoafetiva, teremos o automático reconhecimento dos direitos sucessórios, ou não.
A flexibilização do sistema jurídico brasileiro que fora capitaneada pela Constituição Federal Brasileira de 1988 principalmente em admitir a tutela de novos arranjos familiares que não seguem o modelo standard, com o objetivo de bem prestigiar o maior e mais relevante princípio que é o da dignidade da pessoa humana que significa fundamento da república brasileira.
Assim existem julgados que admitiram o reconhecimento do direito ao pensamento alimentício mesmo antes das leis reguladoras da união estável. Evidentemente, não é a orientação pessoal ou mesmo sua consciência pessoal que deva prevalecer, e sim, a detida análise sub judice, com uma interpretação capaz de reconhecer a afetividade como núcleo do conceito de família, daí a impropriedade de se excluir a tutela jurídica somente por conta do critério simplesmente sexual.
Na ausência da lei expressa sobre a matéria aplica-se o art. 4º da LICC cabendo o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
O direito aos alimentos é consectário lógico do reconhecimento da união homoafetiva como forma de família, podendo também ser negado se não demonstrado o binômio: necessidade do alimentando versus possibilidade econômica do alimentante.
Quanto ao regime de bens, aplicar-se-á o regime da comunhão parcial de bens que é previsto no art. 1725 C.C. ou conforme o art. 5º da Lei 9.278/96 e normalmente aplicado à união estável.
Nesse sentido, há um contrassenso intransponível pois reconhecemos o afeto, como matriz do núcleo formado durante a vida e o consideraríamos terminado com a morte. Mas o amor vence até mesmo a morte.
Portanto, padece de sólida inconstitucionalidade o tratamento diferenciado dado a viuvez da esposa e a mesma viuvez da companheira. Assim partindo de uma interpretação conforme a Constituição, concluímos, também para a união homoafetiva, no sentido da necessária extensão da tutela jurídica ao companheiro, em parêmia isonômica com o tratamento dispensado ao cônjuge sob pena de estarmos instaurando descabida hierarquia entre as diferentes entidades familiares, e novamente violando o princípio da dignidade da pessoa humana.
Outro tema igualmente polêmico é a adoção por homoafetivos[20]. A Dinamarca foi o primeiro país do mundo a reconhecer o direito dos parceiros registrados à adoção. E, desde 1999 está autorizado em adotar os filhos biológicos do outro, exceto no caso de ser criança estrangeira.
A África do Sul, Bélgica, Espanha, Canadá e Holanda admitem também a adoção por casais homossexuais em âmbito nacional. De qualquer forma, a adoção deve ser decidida tendo como norte o interesse existencial da criança ou do adolescente que se pretende adotar.
Nos EUA a adoção por casais homossexuais dependerá de legislação de cada Estado tanto adoção unilateral como a bilateral. E, como bem observou o Ministro Luis Felipe Salomão a adoção é ato sagrado de amor, não cabendo ao Judiciário, sob nenhum argumento, se verificada a garantia do bem-estar da criança ou do adolescente, impedir a sua concretização, pois, em assim agindo, desrespeitaria a maior das leis, segundo a qual devemos sempre amar o nosso semelhante como a nós mesmos.
Vale destacar que o projeto de Lei do Estatuto das Famílias (PL 2.285/2007) ainda em trâmite no Congresso Nacional, reconhece expressamente a união homoafetiva como uma entidade familiar, nos termos do seu art. 68, in verbis:
“É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável.”
Parágrafo Único: Dentro os direitos assegurados, incluem-se:
I -Guarda e convivência com os filhos;
II -A adoção de filhos;
III -Direitos previdenciários;
IV -Direito à herança.”
O tema “considerações jurídicas sobre a união homoafetiva” nos leva a refletir que precisamos reconhecer esse novo tipo de família no Brasil, aquela composta por gays, lésbicas (sejam assumidos ou não). Como é comum, os filhos ficarem sob a guarda das mães, após a separação, há mais filhos morando com mães homossexuais do que com pais homossexuais.
Antes de falecer, Cássia Eller deu uma entrevista dizendo que o amor supera tudo e que “Chicão”, seu filho, quando escuta alguém gritando que sua mãe é sapatão, logo responde: “E daí?”. Ela e Maria Eugênia, sua companheira, sempre conversaram muito abertamente com ele sobre o assunto, dando-lhe suporte para enfrentar o preconceito na escola e na vida. Recentemente, após o falecimento de Cássia Eller (dezembro de 2001), o Brasil se viu envolvido com uma decisão inédita.
Em outubro de 2002, a justiça do Rio de Janeiro concedeu a guarda do filho de Cássia Eller a Maria Eugênia, que a ajudou a criar o garoto desde seu nascimento e o tem como filho. O mais interessante é que a opinião pública pendeu a favor dos dois permanecerem juntos. Nesse sentido, escrevi um artigo intitulado: “Ponderações sobre a guarda de menor” disponível em http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/395081.
A luta pelos direitos das uniões homoafetivas vem se difundido por todo mundo e já há bastante tempo. A tendência mundial segue em atender e respeitar os direitos humanos e consagrar a dignidade humana, desta forma descriminalizando a homossexualidade, bem como editando leis coíbem a prática de preconceitos e segregação de qualquer forma, até mesmo na seara trabalhista (vide http://www.cntm.org.br/mateeria.asp?id_CON=2665).
Enfim a igualdade é esboçada a dar as uniões homoafetivas os mesmos direitos que os heteroafetivos.
Precisamos finalmente acolher o princípio da igualdade expresso em nossa Constituição Federal vigente em seus arts. 3º, IV, 5º, I e art. 7º, XXX e o princípio da dignidade humana. Resta então a evidente impossibilidade de tratamento diferenciado em razão de orientação sexual. Apesar do endosso jurisprudencial urge haver a necessária a regulamentação legislativa para espancar quaisquer dúvidas, hesitações e injustiças.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.