Considerações sobre a intervenção de terceiros nas modalidades assistência e amicus curiae em sede de Mandado de Segurança

Resumo: No presente estudo, busca-se discorrer sobre a admissibilidade de intervenção de terceiros no processo deflagrado por Mandado de segurança, em especial, nas modalidades assistência e amicus curiae, analisando a compatibilidade desses intervenientes com o procedimento, sem que haja subversão de sua verdadeira essência, demonstrando sucintamente a importância e os reflexos de sua participação, a partir de seu amparo Constitucional, sua regulamentação legal e sob a ótica da nova sistemática processual civil.

Palavras-chave: Intervenção de terceiros; Garantias; Assistência; Amicus curiae; Mandado de segurança; Processo civil.

Abstract: In the present study, it is sought to discuss the admissibility of third-party intervention in the process initiated by the writ of mandamus, especially in the assistance and amicus curiae modalities, analyzing the compatibility of these actors with the procedure, without subversion of their true essence , demonstrating succinctly the importance and the reflexes of its participation, from its constitutional protection, its legal regulation and from the point of view of the new civil procedural system.

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Keywords: Intervention by third parties; Guarantees; Assistance; Amicus curiae; Writ of mandamus; Civil lawsuit.

Sumário: Introdução. 1. Natureza Jurídica do Mandado de Segurança. 2. Breve prédica sobre o litisconsórcio no Mandado de Segurança. 3. Da Intervenção de terceiros no Processo Civil Brasileiro. 4. A assistência, modalidade de intervenção de terceiro, no Mandado de Segurança. 5. O amicus curiae, modalidade de intervenção de terceiro, no Mandado de Segurança. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Dentre os vários princípios Constitucionalmente consagrados, em matéria de jurisdição, o primeiro é, sem dúvida, o do acesso à justiça, determinando que nenhuma lesão ou ameaça a direito subjetivo pode ser subtraída ao Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). O Estado proíbe, em regra, a justiça privada (justiça pelas próprias mãos do ofendido), mas garante a todos a tutela jurisdicional. Mas, para cumprir seu papel tutelar, não basta ao Estado instituir regras formais para determinar o procedimento de acesso aos juízos e tribunais ou a tutela jurisdicional das liberdades públicas. Esses procedimentos e os deveres dos órgãos jurisdicionais hão de representar a efetiva sistemática de pleno acesso à justiça, não só no sentido formal, mas, sobretudo, no sentido substancial.

Neste sentido, a própria Constituição apresenta mecanismos, garantias ou remédios para garantir o exercício desses direitos, a exemplo do Mandado de Segurança, que aqui se debruça o presente estudo.

Faz-se mister salientar que o Mandado de Segurança pode ser visto sob 3 óticas: Sob a ótica Constitucional; à vista do Código de Processo Civil; e na visão do Direito Administrativo. Cinge-se neste estudo enfatizar a visão processual do instituto, que tem previsão legal no Art. 5º, LXIX (individual) e LXX (coletivo), sendo disciplinado na Lei nº. 12.016/2009, que revogou a Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951 promulgada por Getúlio Vargas.

“Art. 5º, LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;“

Na diferenciação entre direitos e garantias constitucionais, um dos primeiros estudiosos a fazê-lo foi Rui Barbosa, analisando a Constituição de 1891. Ele distinguiu as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito. Garantias fundamentais, como o Mandado de Segurança, não são meramente direitos, por assim dizer, mas meios que os asseguram. Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou repressivamente, caso sejam violados.

Há vozes na doutrina que classificam e distinguem garantias fundamentais e remédios constitucionais, sendo estes últimos espécies do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua garantia nem sempre estará nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex: mandado de segurança, habeas corpus, habeas data, etc.). Em determinadas situações a garantia poderá estar na própria norma que assegura o direito. Por exemplo: É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5º, VI), sendo isto um direito, no entanto, garantindo-se na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas garantias, é a respectiva garantia.

No mesmo sentido, o direito ao juízo natural é o direito elencado no art. 5º, XXXVII, mas a vedação a instituição de juízo ou tribunal de exceção é a garantia.

1 – NATUREZA JURÍDICA DO MANDADO DE SEGURANÇA

O Mandado de Segurança é uma ação judicial constitucional, de rito sumário especial, a ser utilizada quando violado direito líquido e certo do indivíduo por ato de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica privada que exerça atribuições do Poder Público, ou seja, qualquer manifestação ou omissão desses sujeitos passivos. Ressalte-se que omissões das autoridades também podem violar direito líquido e certo do indivíduo, legitimando a impetração do mandado de segurança.

A Constituição exige que o direito invocado seja líquido e certo, ou seja, aquele demonstrado de plano através de prova documental préconstituída, e sem incertezas, a respeito dos fatos narrados pelo declarante. É o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Se a existência do direito for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não será cabível o mandado de segurança. Esse direito incerto, indeterminado, poderá ser defendido por outras vias, mas não em sede de MS. Por essa razão, não há dilação probatória no mandado de segurança; as provas devem ser pré-constituídas, documentais, levadas aos autos do processo no momento da impetração.

São legítimas a impetrar Mandado de Segurança as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, domiciliadas ou não no Brasil; as universalidades reconhecidas por lei, que, embora sem personalidade jurídica, possuem capacidade processual para a defesa de seus direitos (ex: o espólio, a massa falida, o condomínio de apartamentos, a herança, a sociedade de fato, a massa do devedor insolvente, etc.); os órgãos públicos de grau superior, na defesa de suas prerrogativas e atribuições; os agentes políticos (governador, prefeito, deputados, senadores, vereadores, membros dos Tribunais de Contas, Ministros de Estado, Secretários de Estado); magistrados, na defesa de suas atribuições e prerrogativas; e, é claro, o Ministério Público, que além deter a legitimidade para impetração, funcionará sempre como oficiante, como parte pública autônoma, encarregada de velar pela correta aplicação da lei e pela regularidade do processo. Sua atuação é imparcial, como custos legis, podendo opinar pelo cabimento ou descabimento da ação, sendo indispensável o efetivo pronunciamento do MP no feito, sob pena de nulidade.[1]

Noutro giro, são legitimados passivos (autoridades coatoras) a autoridade pública de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, bem como de suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista; e os agentes de pessoa jurídica privada, desde que no exercício de atribuições da Função Pública, onde só responderão se estiverem, por delegação, no exercício de atribuições do Poder Público.

A competência para o processo e julgamento do MS é definida ratione personae, ou seja, em razão de quem seja a autoridade pública ou o agente delegado e pela sua sede funcional. É irrelevante, para fixação da competência, a matéria a ser discutida em MS. Assim, se um Ministro de Estado pratica um ato por delegação recebida do Presidente da República, o tribunal competente para apreciar o mandamus impetrado contra tal ato do ministro será o Superior Tribunal de Justiça (CF 105, I, b), não o STF (que seria o Tribunal competente se o ato tivesse sido praticado pelo próprio Presidente da República – CF 102, I, d).

O mandado de segurança não é um simples processo de conhecimento para declaração de direitos individuais. Nem se limita à condenação para preparar futura execução forçada contra o Poder Público. É procedimento especial com imediata e implícita força executiva contra os atos administrativos. Acolhida a segurança impetrada, o juiz vai além da simples declaração e condenação. Expede ordem de autoridade para cumprimento imediato. Por isso, a nomenclatura ação mandamental. Não cabe à autoridade coatora resistir ao cumprimento do mandado judicial. Ter-se-á, na hipótese, desobediência à ordem legal de autoridade competente, sujeitando o descumpridor às penas administrativas e criminais correspondentes à desobediência (Lei nº 12.016, art. 26). O juiz poderá valer-se de todos os instrumentos do Poder Público tendentes a submeter a autoridade coatora à ordem de segurança, inclusive a prisão do infrator, em casos extremos.[2]

Não se presta o Writ, no entanto, para atacar lei em tese, conforme preconiza o verbete nº. 266 da súmula do Supremo Tribunal Federal, pois para o questionamento de leis em tese já existe a via apropriada do controle abstrato de constitucionalidade. A doutrina brasileira sustenta que se afigura razoável a superação de referida súmula, pois há muitos casos de leis que produzem imediatamente efeitos concretos, afetando posições jurídicas de forma imediata, e que deveriam, portanto, ensejar o cabimento da ação constitucional. Essas leis de efeitos concretos equivalem a atos administrativos e, por terem destinatários certos, podem violar, de imediato, direitos individuais. (Exemplos: Quando o indivíduo se encontrar na hipótese de incidência tributária prevista na lei (STJ), ou leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam novos Municípios, as que concedem isenções fiscais, decretos que fazem nomeações, etc.)

O prazo para impetração do mandamus é de 120 dias, a contar da data em que o interessado tiver conhecimento oficial do ato a ser impugnado (publicação do ato na imprensa oficial, por exemplo). Trata-se, de acordo com o STF, de prazo decadencial que, salvo disposição em contrário, não passível de suspensão ou interrupção (art. 207 do Código Civil Brasileiro) [3]. Não ocorre a decadência, entretanto, se o MS tiver sido protocolado a tempo perante juízo incompetente. Para o STF, referido prazo decadencial não é inconstitucional, vide verbete sumular 632 do STF: ‘‘É constitucional lei que fixa o prazo para a impetração de MS’’.[4]

Se o ato impugnado é de trato sucessivo (pagamento periódico de vencimentos ou prestações mensais de determinado contrato), por exemplo, aí o prazo de 120 dias renova-se a cada ato. Se o MS é do tipo preventivo, naturalmente não haverá prazo para sua impetração, porque não há se falar em ato coator concretizado nesse caso.

É ação de natureza residual, subsidiária, pois somente é cabível quando o direito líquido e certo a ser protegido não for amparado por recursos ou outros remédios judiciais (habeas corpus, habeas data, ação popular, etc.)

O Mandado de Segurança poderá ser individual (para proteger o direito líquido e certo do impetrante ou impetrantes, no caso de litisconsórcio ativo) ou coletivo (impetrado por partido político, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados). A exigência de 1 ano somente recai sobre as associações, não obrigando as organizações sindicais e entidades de classe.

No Writ coletivo, o interesse invocado pertence a uma categoria, grupo ou classe, agindo o impetrante como mero substituto processual (legitimação extraordinária) na relação jurídica, daí porque não se exige a autorização expressa dos titulares dos direitos, conforme exigência do art. 5º, inc. 21 da CF, que contempla caso de representação. Ou seja, se uma associação pleitear em juízo determinado direito em favor de seus associados por outra via que não seja a do mandado de segurança coletivo, será necessária a autorização expressa, prescrita no art. 5º, inciso 21. Mas em se tratando de Mandado de Segurança tal exigência não incidirá, por se tratar de hipótese de substituição processual.

Não se exige, também, que o direito defendido pertença a todos os filiados ou associados, bastando que pertença a parte deles, conforme o verbete 630 da súmula do STF. Por exemplo: Um benefício que aproveite apenas aos policiais militares inativos (parte da categoria).

Outro detalhe importante: embora sendo uma ação coletiva, segundo o STF, para o ajuizamento do Writ coletivo, exige-se a comprovação de direito subjetivo, líquido e certo de um grupo, categoria ou classe, não se permitindo a sua utilização para o fim de proteger direitos difusos e gerais da coletividade.

O MS pode ser repressivo ou preventivo, conforme se destine a reparar uma ilegalidade ou abuso de poder já praticados ou apenas afastar uma ameaça de lesão ao direito líquido e certo do impetrante.

Urge, no entanto, distinguir mandado de segurança preventivo e mandado de segurança contra lei em tese. Para que se configure a última hipótese é necessário que a impetração se volte contra dispositivo legal que a parte, abstratamente, entenda como inválido, sem apoiar-se em situação fática capaz de colocá-lo sob o alcance imediato ou iminente da norma atacada. Por outro lado, para o uso do mandado preventivo não se exige que a autoridade pública tenha ameaçado in concreto aplicar o preceito legal. Mas é necessário que a situação fática do impetrante já o ponha em condições de sofrer a incidência lesiva da norma. A ameaça de lesão, portanto, torna-se concreta e real, justificando o mandado de segurança preventivo, mesmo antes de a autoridade tomar a iniciativa de submeter a parte aos efeitos da norma inválida. Quando isso ocorre, não é lícito qualificar a impetração como ataque à lei em tese. Trata-se de legítimo mandado de segurança preventivo, autorizado pelo art. 1º da Lei nº 12.016.

2 – BREVE PRÉDICA SOBRE O LITISCONSÓRCIO NO MANDADO DE SEGURANÇA

O terceiro é estranho à relação processual estabelecida inicialmente entre o autor e réu. Tal característica distingue o instituto da intervenção de terceiro do litisconsórcio, uma vez que os litisconsortes são partes originárias do processo, ainda que por equívoco, não venham mencionados na petição inicial, no caso de litisconsórcio necessário, por exemplo.

A Lei nº. 12.016/2009, em seu art. 24, assim prescreve: ‘‘Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil’’, ou seja, os dispositivos que tratam do litisconsórcio no CPC de 1973, matéria hoje disciplinada no novo Código de Processo Civil de 2015, nos artigos 113 a 118. Neste sentido, é cediço que o litisconsórcio é permitido em sede de mandado de segurança, pois o litisconsorte é parte, adere ao impetrante, é beneficiário direito da pretensão que se leva à apreciação jurisdicional, não terceiro. Diferencia-se, apenas sutilmente, do impetrante inaugural, pelo momento processual em que adentra e integra a geometria da demanda.

O litisconsorte está no processo em meio a uma das hipóteses do art. 113 do novo CPC. Adentra ao processo devido a um daqueles motivos ou ingressa na condição de parte por causa de sucessão processual ou algum incidente qualquer que o levou efetivamente para um dos polos.

No entanto, é questionável na doutrina e jurisprudência se, nessa onda, também seria possível a intervenção de terceiros em processo de mandado de segurança já que, ao contrário do litisconsórcio, a lei nº. 12.016/2009, não menciona expressamente esta possibilidade.

3 – DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

O exercício do direito de ação materializa-se no processo. Em linhas gerais, traduz-se, no seio pragmático, na pretensão resistida posta em discussão perante o Estado-juiz.

As partes protagonizam a discussão nos autos, daí autor é aquele que deduz a pretensão em juízo, exercendo seu direito de ação, provocando a jurisdição para que Estado resolva o conflito, e o réu, por sua vez, é aquele contra quem é oferecida essa pretensão.

É diante dessa perspectiva que ninguém, em regra, gostaria de ver sua situação jurídica alterada por meio de uma decisão judicial sem que sequer tenha participado do processo, ou seja, as relações jurídicas não permanecem isoladas com as partes e em algumas ocasiões poderá atingir o interesse alheio (terceiro).

O sentido de terceiro se alcança justamente no contexto da situação jurídica do ingressante na demanda em relação aos litigantes originais. O terceiro uma vez admitido em processo alheio, passa a ocupar posição distinta dos demais litigantes, É nesse ínterim que se faz importante sua figura no processo, principalmente para dar-lhe a oportunidade de se manifestar, interferindo na decisão judicial que possa vir a atingir sua esfera jurídica e, consequentemente, na coisa julgada que se formará contra ele. Ou seja, existe intervenção de terceiros no processo quando alguém dele participa sem ser parte da causa, com o fim de auxiliar uma das partes ou não, para defender algum direito em comum com uma delas ou interesse próprio inconciliável com o direito sustentado pelos ligantes, que possa ser prejudicado pela decisão final, já que, porventura, os efeitos da sentença podem expandir-se, até mesmo indiretamente, atingindo a alguém que esteja, por uma forma ou outra, ligado às partes, produzindo influências de vários tipos sobre alguma relação jurídica de que participem.

Diante disso, Barbosa Moreira conceitua terceiro como “todo aquele que não é considerado parte no processo“[5]. Esse conceito, embora sucinto, é adotado pela maioria dos processualistas. Sua utilidade pragmática e acadêmica despertam alguns interesses na análise das consequências decorrentes da intervenção de terceiros no processo.

Fredie Didier, em linhas mais contemporâneas preconiza que intervenção de terceiro é um ato jurídico processual pelo qual este (terceiro), autorizado por lei, assumirá uma posição no processo pendente conforme duas premissas basilares: a) que se tornará parte no momento que intervenham; b) e que o acréscimo de sujeitos no processo não importa na criação de um processo novo. Mas, é claro que nem todo terceiro será considerado parte no processo.[6]

Cassio Scarpinella Bueno ensina que, na distinção de terceiro e partes no processo, deve-se analisar o estágio anterior ao momento de sua intervenção. É saber quem pode e quem deve intervir na qualidade de terceiro, para após olhar, em último aspecto, as relações de direito material que determinam a condição que o legitima.[7]

Ao que parece, a conceituação do terceiro no processo se complementa, num ou outro entendimento, para justamente trazer a visão pragmática de como esse terceiro se comportará no processo e quais seriam as consequências decorrentes da decisão para o interveniente; e, procura-se esclarecer que, essa interpretação, não excluirá a máxima ponderação do conceito, conforme afirmado em linhas anteriores, de que é considerado terceiro no processo aquele que não é parte.

É fundamental mensurar a relação jurídica de direito material para a compreensão da figura do terceiro no processo. Essa consideração encontra-se na análise do interesse jurídico que o terceiro tenha em processo alheio.

Por fim, não menos importante, o conceito que se adota para a compreensão das modalidades da intervenção de terceiros no Novo Código de Processo Civil é justamente aquele ratificada pelos processualistas, de que, o terceiro, é aquele que não é considerado parte no processo, porém, apenas para complementação, essa afirmação para ensejar um resultado declarativo diante de sua interpretação, depende da análise conjunta do direito material e sua influência no interesse jurídico do terceiro, pois, como comentado, há algumas figuras de terceiros que assumem o processo no mesmo contexto que as partes. Os aspectos evidenciados e tratados no novo código de processo civil, a respeito do tema, focam sob o prisma das mais variadas interpretações que as suscitam, e, que, diante da atuação pragmática do tema nos tribunais, tenha se verificado um acréscimo de questões processuais, que hodiernamente representam o avanço da ciência processual no contexto da nova empreitada do direito processual civil no trato aos terceiros e sua garantia ao acesso à justiça.

A admissibilidade da intervenção de terceiro no processo alheio garante que, por meio de única decisão, possa o magistrado resolver duas lides ou mais, corroborando com a duração razoável do processo, a entrega de uma prestação jurisdicional mais célere e a garantia do acesso à justiça.

A verdade é que a intervenção de terceiro é excepcional posto que em geral não se admite que terceiro intervenha no processo, uma vez que a sentença normalmente só opera seus efeitos entre as partes, não atingindo a terceiros, vide o art. 506 do CPC/2015.

4 – A ASSISTÊNCIA, MODALIDADE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO, NO MANDADO DE SEGURANÇA

Conforme preconiza o art. 119 do Código de Processo Civil, assistente é aquele terceiro que, em uma causa entre duas ou mais pessoas, seja ele juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas, no que poderá intervir no processo para assisti-la. [8]

Embora excepcional no procedimento comum, e com mais razão nos procedimentos especiais, como o mandado de segurança, por exemplo, há corrente doutrinaria e alguns precedentes judiciais que defende e permitem, respectivamente, a intervenção do assistente em sede do mandamus aqui apreciado. Como já exposto no capítulo 2, litisconsorte é parte, e não terceiro, na relação processual. Assim, para legitimar-se como litisconsorte é indispensável, antes de tudo, legitimar-se como parte. Em nosso sistema, salvo nos casos em que a lei admite a legitimação extraordinária por substituição processual, só é parte legítima para a causa quem, em tese, figure como parte na relação de direito material nela deduzida. A assistência litisconsorcial supõe, conforme o art. 124 do novo CPC, a existência de uma relação jurídica material entre o assistente e o adversário do assistido que pode ser afetada pela sentença de mérito.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de admitir a intervenção de assistente, simples ou litisconsorcial, em qualquer procedimento judicial, mesmo em mandado de segurança, em qualquer tempo e grau de jurisdição, ainda que depois do prazo de decadência da ação. Nessa linha, a Segunda Turma nos autos do Recurso Especial nº. 616.485 [9] oriundo do Distrito Federal, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, julgado em 11 de abril de 2006 e publicado no Diário de Justiça em 22 de maio de 2006, negou o recurso da Associação dos Antigos Servidores do Banco Nacional da Habitação (Asas/BNH) que visava impedir a atuação da Associação de Previdência dos Empregados do Banco Nacional da Habitação (Prevhab) em mandado de segurança impetrado contra o Secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência e Assistência Social.

O mandado foi inicialmente impetrado contra a retirada da Caixa Econômica Federal como patrocinadora da Prevhab, determinada pelo secretário. O pedido foi negado e, após a interposição de recurso no Tribunal Regional Federal da 1ᵃ Região, a Prevhab pediu que fosse admitida sua intervenção como assistente litisconsorcial dos impetrantes, por entender que havia interesse imediato seu na ação, já que os resultados irão atingi-la diretamente qualquer que seja a decisão em relação ao pedido inicial. 
O Tribunal entendeu que a Prevhab iria ser afetada independentemente de seu ingresso na ação, já que o próprio direito em litígio pertenceria à entidade. Assim sendo, não haveria violação do princípio do juiz natural, por não haver ampliação do objeto da ação e porque, se outra ação sobre o mesmo caso fosse proposta pela Prevhab contra a mesma resolução, ela seria conexa ao mandado de segurança. A intenção da entidade de previdência também não seria a de tumultuar o processo, mas apenas acompanhar seu andamento, até porque não haveria a possibilidade de produção de provas no mandado de segurança e a fase de contradizer as informações já teria passado.

Para a associação impetrante, a decisão de permitir o ingresso de assistente litisconsorcial em mandado de segurança depois de ultrapassado o prazo decadencial violaria legislação federal. Tal seria o entendimento do Supremo Tribunal Federal e também de precedentes do próprio STJ.

A então Ministra Eliana Calmon assim proclamou:

´´O litisconsórcio caracteriza a pluralidade subjetiva da lide e consiste na possibilidade da existência de mais de um litigante figurar em um ou ambos os pólos da relação processual […]. A não-formação do litisconsórcio necessário compromete a validade da sentença, enquanto que o ingresso do litisconsorte facultativo somente pode ser admitido até a angularização da relação processual. No caso do mandado de segurança há divergência quanto ao termo – até a concessão da liminar ou até prestadas as informações –, mas, em qualquer caso, o objetivo é impedir a violação do princípio do juiz natural".

"Diferentemente, trata-se a assistência de intervenção de terceiro em processo alheio, pressupondo a pendência da lide entre duas ou mais pessoas, considerando ter esse terceiro interesse jurídico (não meramente econômico ou moral) em que uma das partes vença a ação. […] A assistência pode ser simples ou litisconsorcial (ou qualificada) e o que diferencia ambos, na prática, é que na assistência litisconsorcial assemelha-se a uma espécie de litisconsórcio facultativo ulterior, ou seja, o assistente litisconsorcial é todo aquele que, desde o início do processo, poderia ter sido litisconsorte facultativo-unitário da parte assistida.´´

No caso concreto em apreço, a pretensão da Prevhab diz respeito ao objeto material do processo, mas não a um interesse processual propriamente dito, porque tal não foi deduzido por ela em juízo. Os precedentes sustentados pela Asas/BNH no recurso apresentado, no entanto, diziam respeito ao litisconsórcio, e não à assistência litisconsorcial, o que impediu a análise do mesmo em razão de divergência jurisprudencial.

A ministra entendeu a prevalência do Código de Processo Civil, que autoriza a admissão de assistente, litisconsorcial ou simples, em qualquer procedimento e grau de jurisdição, passando a atuar somente a partir daí, incidindo a preclusão sobre as fases anteriores, justamente para não tumultuar o processo que deve ter tramitação célere, por natureza.

Deve ficar claro que o terceiro assistente intervém no processo por causa de um interesse jurídico dele. Como se ele fosse um satélite, a lua em relação à terra, que seria a parte. Para fins de exemplificação, imagine-se um contrato de locação onde houve renúncia ao benefício de ordem do fiador. Isto significa que o fiador não ficaria em segundo plano, pois ele será parte, assim como o locatário. Será, portanto, litisconsorte junto com o locatário, devido a conexão com a causa de pedir, pois ambos se comprometeram a uma determinada obrigação e houve inadimplemento.

No entanto, caso não tenha havido a renúncia ao benefício de ordem, a natureza da obrigação do fiador é subsidiaria em relação a obrigação do locatário, então nesse caso, locador e locatário são ‘‘planetas’’ e o fiador, a lua, o satélite de um deles. O fiador, muito provavelmente irá intervir, pois tem interesse jurídico na causa, qual seja o tamanho da dívida de alugueis. O resultado que se obtiver da discussão sobre o tamanho da divida afetará o fiador. Sendo assim ele ingressa na discussão como assistente litisconsorcial.

A assistência litisconsorcial vem de um interesse jurídico que é a tal ponto relevante que a intervenção que ali se formou no sentido de o assistente litigar prestigiando os interesses do assistido e refutando os argumentos do adversário, sendo que o resultado dessa dinâmica interfere também na própria esfera do assistente.

No Mandado de Segurança, na mesma razão de ser, imagine-se um candidato que o impetre questionando a ordem de classificação em um concurso público com 10 vagas. O candidato impetrante, que se classificou em 12º lugar, descobriu que três candidatos se classificaram dentro das 10 vagas oferecidas, se valendo de algum tipo de fraude, ou seja, caso haja a concessão da segurança e os três candidatos saírem da ordem de classificação, ele que estava em 12º lugar vai para o 9º lugar. Aquele sujeito que esta em 13º, um atrás do impetrante, teria interesse jurídico nessa causa? A resposta é afirmativa, pois se o impetrante, que está em 12º, conseguir a concessão da segurança para eliminar os três candidatos fraudadores, o candidato que se classificou em 13º vai pra a 10ª colocação e aí estaria dentro do rol de classificados no certame. Sendo assim, ele pode ingressar como assistente litisconsorcial no mandado de segurança interposto pelo 12º colocado pois, nesse caso, o resultado (sentença) beneficiaria ele próprio. Noutro giro, se o candidato que se classificou em 15º lugar, e logo, não vai ficar entre os 10 primeiros caso seja concedida a segurança ao impetrante e sejam eliminados os três fraudadores, ele teria uma expectativa de direito mais próxima de se tornar realidade. Gize-se que ele não estaria dentro da ordem classificatória, mas, caso alguém desista, por exemplo, ele tem interesse jurídico dentro do período de validade do certame, podendo vir a chegar ao número de vagas e, consequentemente, ser convocado. Neste caso, deveria lhe ser permitido ingressar como assistente simples.

Decerto que o assistente não vem ao processo no intuito de tumultuá-lo ou de torná-lo moroso, mas apenas para defender a manutenção de seu direito ou alcançá-lo. Não se deve admitir a premissa da incompatibilidade da intervenção da assistência no mandado de segurança, por este ter um rito célere, com espectro probatório delimitado pela préconstituição, pois, na prática, o que se vê, são mandados de segurança que perduram anos a fio, sem a intervenção de terceiro algum.

Se assim fosse, a citação de vários litisconsortes (o que a lei do mandado de segurança admite expressamente no art. 24) também poderia gerar tumulto e, consequentemente, atraso no processo, nem por isso o legislador deixou de assegurá-lo. Como é da sabença acadêmica, a assistência é admitida em todos os procedimentos, tanto comuns, quanto especiais, não restando suficiente a justificativa da ausência de previsão expressa na Lei 12.016/09, máxime quando se sabe que o CPC tem atuação subsidiária.

Cabe ao julgador, verificar a pertinência da relação jurídica do interveniente no processo e balizar sua atuação, coibindo eventuais exacerbações, mas preservando-lhe o direito a ter sua lesão ou ameaça a direito, levados ao Judiciário, conforme preconiza o constitucional princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, também conhecido como princípio do acesso à justiça, insculpido no art. 5º, XXXV da Constituição Federal que assim prevê: ‘‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’’

Portanto, não se deve tolher o uso, pelo medo do abuso.

5 – O AMICUS CURIAE, MODALIDADE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO NO MANDADO DE SEGURANÇA

Da mesma forma que na modalidade de assistência, há vozes que defendem a intervenção de terceiros na condição de amicus curiae, figura processual oriunda do direito norte-americano que permite a terceiros integrar a demanda, para discutir objetivamente teses jurídicas que vão afetar a sociedade como um todo, ou seja, alguém que ingressa no processo no afã de fornecer subsídios para a solução da questão discutida, sem é claro, titularizar posições subjetivas relativas às partes, nem mesmo, limitada ou subsidiária. Defendem que diferentemente das modalidades tradicionais de intervenção, onde o cabimento é aferido a partir do interesse jurídico do terceiro em face do resultado do processo em curso, a admissibilidade do ingresso do amicus curiae deve ser definida a partir da aptidão que esse tenha para contribuir para uma adequada solução da causa. Esse terceiro há de demonstrar que está em condições de apresentar argumentos relevantes e subsídios úteis que enriqueçam a discussão instaurada, clareando a lide, ao invés de embaraçá-la ainda mais.

Neste mesmo sentido, o incontroverso amparo legal do novo Código de Processo Civil:

“Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.

§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.

§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.”

A prédica de que a natureza subjetiva e a celeridade preconizada no rito do mandado de segurança não se coadunam com os procedimentos de intervenção de terceiros não se faz muito válida, já que tramitam hoje no judiciário brasileiro mandados de segurança que já duram cinco, dez anos, como o MS 0002823-88.2008.4.02.5103 impetrado por Marcelo Lopes Cardoso Gomes contra o Chefe de recursos humanos da Gerência Executiva do INSS, que, sem sofrer nenhuma intervenção de terceiro, já possui nove anos sem que se tenha alcançado seu trânsito em julgado. Isso se deve ao número infindável de recursos oferecidos pela Advocacia-Geral da União, agravando de instrumento da decisão que concedeu liminar, apelando da sentença que confirmou a liminar, embargando de declaração da decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, apresentando recurso especial da decisão do TRF-2, e, não obstante, agravando da decisão no REsp. Gize-se que não se trata de matéria complexa, controvertida ou de relevância de âmbito nacional. Apenas um mandado de segurança contra ato de desconto em folha de pagamento de servidor público federal.

No Supremo Tribunal Federal existem decisões inadmitindo a intervenção do amicus curiae no processo, como no mandado de segurança 29192 oriundo do Distrito Federal, julgado em 10/10/2014. Isso certamente se deve ao grande número de associações, partidos e grupos temáticos de toda sorte, pouca responsabilidade e nenhuma fidelidade com a causa em que, em tese, militam, tentando ingressar como amici curiae em mandados de segurança, sem que tragam aos autos elementos que venham a acrescentar no debate, contribuindo verdadeiramente para a solução da demanda, ao invés disso, tentam intervir no afã de perseguir interesse próprio.

No entanto, o próprio pretório excelso já permitiu a intervenção do amigo da corte em sede de MS. O ministro Edson Fachin declarou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) como amicus curiae em processo referente a mandado de segurança impetrado pela deputada federal Erika Kokai (PT/DF) contra a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal que investigava trabalhos da Funai e do Incra na demarcação de terras indígenas e quilombolas.

O mandado de segurança 33882, julgado em 19/05/2016, pedia a nulidade da CPI da Funai/Incra justificando que sua instalação não se baseou em fatos determinados, atacava legislação vigente que regulamenta os trabalhos da Funai e do Incra nas demarcações e criminalizava a atuação de organizações não-governamentais sem provas de que elas mantinham relações escusas com o Poder Público. O ministro Fachin reconheceu no Conselho Indígena uma instituição com vasta atuação na questão analisada pelo processo e com condições de subsidiar a Corte para uma decisão justa, admitindo-a como amicus curiae no MS impetrado pela deputada, exaltando, inclusive, a importância dessa modalidade de intervenção. Como se lê no trecho do brilhante voto a seguir reproduzido:

“…O Conselho Indigenista Missionário – CIMI (eDOC 38) requereu a admissão no feito na condição de assistente litisconsorcial. Subsidiariamente postulou sua admissão na qualidade de amicus curiae. Preliminarmente, o CIMI requer a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, bem como “(…) a suspensão do requerimento nº 217/2016, com o consequente desentranhamento de toda e qualquer documentação referente ao CIMI dos autos da CPI, bem como a exclusão dos seus membros do dever de prestar depoimento à CPI, já que extrapola a determinação do fato investigado, incidindo em grave ilegalidade” (eDOC 38, p. 3 e 9) Em defesa de sua pretensão, alega que não obstante não seja “parte direta” na CPI instaurada pelo ato de nº 16/2015, “(…) não há dúvida que o presente writ tem o condão de modificar o direito subjetivo do CIMI. Primeiro, porque se mantidos os trabalhos da CPI, manter-se-ão, também, os atos que afrontam o direito líquido e certo da entidade, já que investigada através de determinação da Comissão; teve documentos próprios de sua atuação juntados nos autos, importados da CPI do CIMI instalada na ALMS, objeto de questionamentos na Justiça Federal de Campo Grande; há requerimento de oitiva do seu presidente; e, é citado várias vezes no requerimento e aprovação da CPI instalada através do ato de nº 16/2015, da Câmara dos Deputados. Por segundo, se suspensa a CPI, e é o que requer, terá a segurança jurídica garantida e não haverá exposição desnecessária de suas contas, quadro de funcionários, missionários e doações oriundas de entidades religiosas” (eDOC 38, p. 5). Defende a impossibilidade de invasão da órbita privada do CIMI mediante os requerimentos de instauração da CPI e de requisição de instauração de inquérito policial (eDOC 43). Acosta declaração de que “(…) não mantém nenhuma espécie de convênio ou contrato com os governos federal, estaduais ou municipais do Brasil, e portanto não geri (sic) recursos oriundos das esferas públicas brasileiras (…)” (eDOC 44). Expõe argumentação pela inexistência de fato determinado para instauração da CPI e da falta de motivação das decisões da mesa diretora da CPI (eDOC 38, p. 12/14). No que se refere ao pedido subsidiário de admissão como amicus curiae, aduz que a atuação dois órgãos públicos investigados na CPI, FUNAI e INCRA, possui, inquestionável abrangência e amplitude, a indicar indubitável interesse coletivo. Decido. Quanto ao pedido de ingresso do Conselho Indigenista Missionário – CIMI como assistente litisconsorcial no polo ativo do presente mandado de segurança, tenho que não merece acolhida por encontrar óbice expresso no disposto no art. 10, § 2º, da Lei nº 12.016/2009 (“o ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da petição inicial”). Resta prejudicado, assim, o pedido de concessão de assistência judiciária gratuita. No que se refere ao pedido subsidiário de ingresso do CIMI na qualidade de amicus curiae, tenho que a questão merece análise com maior vagar, especialmente diante do Código de Processo Civil atualmente vigente. O amicus curiae revela-se como importante instrumento de abertura do STF à participação na atividade de interpretação e aplicação da Constituição, o que não apenas se restringe ou se pode restringir aos processos de feição objetiva. Como é sabido, a interação dialogal entre o STF e pessoas naturais ou jurídicas, órgãos ou entidades especializadas, que se apresentem como amigos da Corte, tem um potencial epistêmico de apresentar diferentes pontos de vista, interesses, aspectos e elementos nem sempre alcançados, vistos ou ouvidos pelo Tribunal diretamente da controvérsia entre as partes em sentido formal, possibilitando, assim, decisões melhores e também mais legítimas do ponto de vista do Estado Democrático de Direito. Conforme dispõe o CPC em seu art. 138, duas balizas se fazem necessárias para a sua admissão. De um lado, tem-se a necessidade de relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia. De outro, a representatividade adequada do possível amicus curiae. Não obstante o desate da questão posta no presente writ circunscreva-se, precipuamente, de um lado, à compreensão sobre a presença dos requisitos constitucionais do fato determinado e prazo certo para fins de instauração de CPI, bem como, de outro, à extensão dos poderes investigatórios do Parlamento à luz da separação de Poderes, é manifesta a repercussão da controvérsia. Tal fato ocorre por envolver discussão sobre os limites de investigação sobre a atuação de importantes órgãos públicos (a FUNAI e o INCRA) na demarcação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos. De outra banda, conforme documentação acostada aos autos, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI é uma pessoa jurídica de direito privado, que tem, dentre outras, as finalidades “conhecer e respeitar os direitos e as culturas dos povos indígenas”, “comprometer-se com o protagonismo e a autonomia dos povos indígenas” e “providenciar assessoria técnica e jurídica aos povos indígenas, na defesa dos seus direitos e do patrimônio indígena” (eDOC 40). É composta, entre outros, por todos os Bispos e Prelados católicos do Brasil em cujas dioceses ou prelazias se situam comunidades indígenas, bem como por todas as pessoas que atuam de modo estável, ativa e diretamente, na Pastoral Indigenista, que manifestem vontade de vincular-se à Entidade, além de pessoas que, por sua inestimável contribuição à defesa dos interesses dos povos indígenas, tenham sido indicadas pelo Conselho (eDOC 40). Exibe o requerente, dessa forma, representatividade, tanto em relação ao âmbito espacial de sua atuação, quanto em relação à matéria em questão, possuindo, dessa forma, interesse direto e imediato no tema em pauta. Dessa maneira, sua colaboração no feito tem a moldura coerente com a figura jurídica do amicus curiae. No que se refere à petição de manifestação apresentada em nome do Centro de Trabalho Indigenista – CTI, esta veio desacompanhada de quaisquer documentos (inclusive de instrumento de mandato), o que inviabiliza, neste momento, o exame de sua eventual admissão no feito na condição de amicus curiae. Diante de todo o exposto: a) Admito o Conselho Indigenista Missionário – CIMI como amicus curiae nos termos do art. 138, do CPC, facultando-lhe a apresentação de informações, memoriais escritos nos autos e de sustentação oral por ocasião do julgamento definitivo do mérito do presente mandado de segurança; b) Determino a intimação do Conselho Indigenista Missionário – CIMI para, no prazo de 15 (quinze) dias, acostar aos autos procuração com poderes específicos para atuar na condição de amicus curiae; c) Determino a intimação do Centro de Trabalho Indigenista – CTI, por meio do subscritor da petição juntada aos autos (eDOC 32), para, no prazo de 15 (quinze) dias, acostar instrumento de mandato com poderes específicos para atuar na condição de amicus curiae, bem como juntar eventuais documentos que repute pertinentes para comprovar a sua representatividade. c) À Secretaria para as providências necessárias. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 19 de maio de 2016. Ministro Edson Fachin – Relator – Documento assinado digitalmente.“[10]

Como se vê, essa é a verdadeira essência dessa modalidade de terceiro interveniente: contribuir, na medida do possível, com subsídios e argumentação técnica, que certamente o julgador não possui com tanta percuciência a fim de que ele julgue a causa com mais tranquilidade e justiça.

Ademais, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), nos seus artigos 200 a 206, parte que trata do mandado de segurança naquela corte, não faz qualquer proibição à intervenção de terceiro neste especial procedimento, nem tão pouco consta da sua súmula qualquer vedação, quando, ao contrário, o Supremo querendo proibir qualquer ato processual o faz das formas citadas.

CONCLUSÃO

Vê-se, ao longo do presente estudo, que o Mandado de Segurança é ferramenta essencial para o acesso à Justiça no afã de se assegurar materialmente os Direitos Constitucionais e infraconstitucionais, garantindo a efetividade dos Direitos Fundamentais do cidadão face aos atos lesivos praticados por autoridades que possam vir a tolhê-los. No mesmo sentido, a intervenção de terceiro neste processo especial, na modalidade assistência pode ser imprescindível para que o direito do interveniente não seja violado, ou seja alcançado, valendo-se da relação jurídica de direito material entre ele e as partes, tudo isso corrigindo interpretando a lei 12.016/09 em consonância com o Código de Processo e precipuamente com a Constituição. Da mesma forma, o amicus curiae pode ser de grande valia para esclarecer situação fática no seio da relação jurídica entre impetrante e autoridade coatora e, de certo, não virá a intervir no processo sem que tenha o intuito de contribuir para a melhor resolubilidade da demanda, principalmente em se tratando de entidades que guardem pertinência temática com a matéria em discussão. Cabe ao julgador o juízo de valor da contribuição do terceiro no processo, sempre inadmitindo, em caso de distorção, aquele que não intervém como amigo da corte, mas inimigo de uma das partes.

 

Referências
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BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 01 de julho de 2017.
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BRASIL. Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm> Acesso em: 25 jun. 2017.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Procedimentos Especiais, vol. II, 50ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
Notas
[1] BRASIL. Lei nº. 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm> Acesso em 28 de junho de 2017.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Procedimentos Especiais, vol. II, 50ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 666.
[3]BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 01 de julho de 2017.
[4] BRASIL. Lei nº. 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm> Acesso em 28 de junho de 2017.
[5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
[6] DIDIER JUNIOR, Fredie. Ações Constitucionais. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2007.
[7] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei n. 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015.
[8] BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 24 jun. 2017.
[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº. 616.485/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 11 abr. 2006. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200302291441&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea> Acesso em 19 jul. 2017.
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 33882/DF, Rel. Luiz Edson Fachin, julgado em 19 mai. 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=309553912&tipoApp=.pdf.> Acesso em 18 de julho de 2017.

Informações Sobre o Autor

Felipe Gomes Manhães

Advogado e discente do Programa de Pós-graduação lato sensu da Universidade Federal Fluminense


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Equipe Âmbito Jurídico

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