Resumo:
Em face da recente polêmica
envolvendo a qualidade das disposições legais sobre o tema bem como a atuação
jurisdicional, o artigo tenta esmiuçar detalhadamente a medida bem como
traduzir quando se faz imperiosa e absolutamente necessária.
A prisão preventiva não pode ser
decretada em se tratando de contravenção e nem crime culposo, e só pode ser
deferida mediante despacho fundamentado.
É prisão cautelar de natureza
processual decretada por juiz durante o inquérito policial ou processo
criminal, antes do trânsito em julgado, sempre que estiverem preenchidos os
requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores. E são exatamente nestes
motivos onde exata reside toda a controvérsia em torno da dita prisão.
É até temerária classificá-la como
medida odiosa, pois que os requisitos da referida prisão nada mais são que os
mesmos da tutela cautelar, pois uma vez deflagrado o fumus
boni iuris e
o periculum in mora, é curial a
decretação da custódia.
O primeiro pressuposto ou requisito
é a prova da existência do crime, ou seja, a materialidade delitiva, é de caráter fático e irrefutável muito embora seja um
juízo de probabilidade que se pratica.
O segundo requisito corresponde aos
indícios suficientes da autoria, quer dizer, que não se exige prova plena, bastando
apenas que os indícios sejam concretos e razoáveis capazes de demonstrar a
possibilidade do réu ou indiciado em ter sido o autor do delito.
Borges da Rosa esclarece que os indícios devem ser tais que gerem
a convicção de que foi o acusado o autor do crime, embora não haja certeza
absoluta disto. Devem, portanto, ser suficientes para munir de tranqüilidade à
consciência do julgador.
A dúvida em prol da sociedade é mais
relevante do que a do réu, pesa, portanto o princípio in dubio
pro societate daí decretar-se a prisão preventiva
em razão de garantia de ordem pública, de ordem econômica e, ainda por
conveniência da instrução criminal (in verbis
o art. 312 do CPP).
Inúmeras vezes o julgador terá que
avaliar a relevância de tutelas jurídicas diferentes… Qual o bem jurídico é
mais importante em face do processo, da realidade e do Direito.
A prisão desta forma é decretada com
a finalidade de impedir que o infrator em liberdade continue a delinqüir, ou no
sentido de proteger o meio social, garantindo a credibilidade da justiça em
crimes que provoquem grande indignação popular. Aliás, a credibilidade desta
está cada vez mais esmaecida com episódios recentes como o caso do Jader
Barbalho entre outros tantos.
Para garantir e proteger a ordem
pública é indispensável que haja um crasso perigo social decorrente da demora
em se aguardo o provimento definitivo, porque até o trânsito fatal do julgado
da condenação, o réu ou o indiciado já teria cometido inúmeros delitos ou
simplesmente se evadido.
Entre os indícios podemos
identificar os maus antecedentes e a reincidência como os que autorizam a
decretação da prisão preventiva. Outro fator igualmente relevante é a
brutalidade do delito que provoca grande impacto negativo na opinião pública e,
ainda a grande necessidade de se abreviar o mais que possível à demora na
prestação jurisdicional.
O crime publicamente cruel já
demonstra por si só, a necessidade de redobradas cautelas e, neste sentido tem
sido os acórdãos da jurisprudência criminal brasileira (vide RT 656/374).
Já outra corrente dissidente, não
vislumbra o periculum in mora, visto
que a medida seria decretada não por necessidade do processo e, sim, compelida
pela gravidade do delito, caracterizando-se uma afronta ao presumido status inicial
de inocência.
O próprio Supremo Tribunal Federal
já se pronunciou neste sentido RT 594/417. É indispensável para a decretação
preventiva de prisão, a efetiva e irrefutável presença dos requisitos da
tutelar cautelar; no entanto, tanto num como noutro, evidencia-se o periculum in mora que já é eficiente para
autorizar a custódia preventiva.
A conveniência da instrução criminal
visa impedir que o réu ou indiciado logre e medre a produção de provas,
atemorizando testemunhas, apagando vestígios e indícios do crime, destruindo o inter-criminis. É claro o periculum
in mora é atentatória à verdade real se continuar
o réu em liberdade.
A garantia de aplicação da lei
penal, no caso de iminente fuga, tornando inviável e ineficaz a execução da
pena. Nos casos em que o réu não tenha residência ou domicílio fixo, ocupação
lícita nada que o fixe ao lugar do delito, sendo completamente provável e
previsível a sua evasão.
Quanto à garantia da ordem econômica
que foi introduzida como hipótese para prisão preventiva pela Lei Antitruste
(Lei 8.884/94), é na verdade, uma reedição da garantia da ordem pública um
pouco mais específica.
É certo que só ser cabível a prisão
preventiva nos crimes dolosos punidos com reclusão ou detenção (e, ainda quando
houver razoável incerteza quanto à autêntica identidade do criminoso e, ainda
quanto este tiver domicílio e profissão ignorados ou incertos).
Em qualquer fase do inquérito
policial ou da instrução criminal pode ser requerida pelo Ministério Público
(MP) ou por representação de autoridade policial, ou ainda de ofício pelo juiz
sendo cabível tanto na ação penal pública como na privada.
E se apesar da autoridade policial
apresentar o pedido, o juiz deixar de decretá-lo não caberá recurso, pois a
dita autoridade não a requer e, sim simplesmente expõe a conveniência da medida
preventiva.
Feita a representação, em geral o
juiz, após a oitiva do ilustre representante do Ministério Público, mediante o
endosso deste, se der indeferimento ao pedido, caberá
recursos nos termos do art. 581, V do CPP. E, neste caso, o endosso do MP terá
acepção de requerimento.
A preventiva só se justifica como
necessidade de assegurar o império da lei penal. É então decretada antes pela
incontrastável necessidade e, endossada apenas pelo juiz quando identifica as condições e pressupostos legais presentes.
De qualquer maneira, a ordem pública
segundo a maioria dos doutrinadores que francamente admitem sua imprecisão e
variabilidade conceitual tem sido o centro de toda a polêmica. O que nos
parecer levar ao desprestígio toda a capacidade hermenêutica de nossos
julgadores.
Em direito público se defende a
concepção material ou objetiva da ordem pública que é semelhante à que vigora
na política.
Bobbio pontifica que é concebida como um fato ou um fim
do ordenamento político e estatal e, nesse sentido, a legislação
administrativa, policial e penal a encara como sinônimo de convivência
ordenada, segura, pacífica e equilibrada. Na verdade é o princípio da segurança
social que assegura a legitimidade da decretação preventiva da prisão sem
prejuízo do princípio do contraditório e da ampla defesa.
A ordem pública é objeto de
regulamentação pública (bem como as suas mais variadas matizes) para fins de
tutela preventiva, contextual, sucessiva ou repressiva.
A jurisprudência tende assim ampliar
o conceito material de ordem pública fazendo incluir nele o normal
funcionamento de diversas instituições tais como a propriedade e a publicidade.
Parece certo afirmar que os
ordenamentos jurídicos conceberam uma noção bastante elástica de ordem pública.
Discute-se muito se a defesa da ordem pública acaba por restringir os direitos
fundamentais, acabando por se traduzir como um conjunto de finalidades que
deveriam caracterizar idealmente as relações sociais.
No direito privado, a ordem pública
é evocada como limite ao exercício de direitos, paira uma noção residual que é
um tanto impreciso de definir. Ora é parâmetro legal específico, ora é
exigência integrativa dos princípios do Estado.
De qualquer modo não há
discricionariedade do juiz ao decretar a prisão preventiva tendo em vista que
terá que proferir em despacho devidamente fundamentado, ainda que denegue a
medida cautelatória. A prisão preventiva repousa
sobre o juízo da probabilidade e, desta forma acompanha o estado da causa.
Se, posteriormente a instrução
demonstrar que não subsistem os elementos que fundamentaram a decretação da
prisão, cumpre ao juiz reformar a sentença em face da nova realidade
processual.
Mesmo ocorrendo à apresentação
espontânea do acusado, não há impedimento para decretação da prisão preventiva,
até porque poderá ser um mero embuste.
De qualquer forma, conforta Basileu Garcia que a prisão sofrida para fins
processuais, antes da condenação irrecorrível, não é pena; sendo mesmo antiga a
polêmica acerca se deve ou não deduzi-la do cumprimento da pena privativa de
liberdade.
Determina o Código Penal de 1940 que
seja computado tal tempo em benefício do sentenciado. Mas o Código Criminal de
1890 continha diretriz oposta, sendo elogiado por Moraes Melo principalmente
nos casos atinentes em internação em manicômio judiciário dos loucos.
De qualquer maneira a lei atual não
contém tantas falhas que lhe imputam sendo mesmo coerente e apta ser apreciada
e interpretada quer pelos doutos julgadores, quer pelos Egrégios tribunais.
Aliás, em prol da credibilidade da justiça não se clama exatamente por leis com
textualidade rígida e específica que facilmente caducará com evolução dinâmica
dos fatos, clama-se evidentemente por efetividade e probidade na concessão e na
decretação das medidas judiciais na esfera criminal capazes de garantir e
proteger a paz pública.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.