Considerações sobre os embargos de declaração na sistemática recursal brasileiro

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Correspondem ao um recurso destinado a requerer ao juiz ou tribunal prolator da sentença ou acórdão que elucide a obscuridade, afaste contradição ou supra a omissão existente no julgado, tal definição é a de Moacyr Amaral dos Santos.


Sua existência é um corolário do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, conforme podemos analisar do script histórico-sistemática, pois os jurisdicionados têm o direito à prestação jurisdicional, que há de ser completa e veiculada através de decisão que seja clara e fundamentada. Assim se propõem os embargos como recurso à tarefa de esclarecer ou integrar o pronunciamento impugnado.


Todo e qualquer pronunciamento jurisdicional pode ser objeto de embargos de declaração: decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos. Não havendo restrições para essa função em atenção as suas raízes constitucionais.


Tampouco importa que a decisão seja definitiva ou não, final ou interlocutória. Ainda quando o texto legal, in verbis, a qualifique de irrecorrível, há de entender-se que o faz com a ressalva implícita concernentes aos embargos declaratórios.


A palavra embargo igualmente por ser assaz comum, sofre de dificuldade etimológica. Embargo decorre de embargar, verbo transitivo direto que significa deter a execução de, obstar a.


Quanto à utilização no plano processual consta que se trata de substantivo masculino plural. Expressão polissêmica e diversa do singular embargo, e é sempre empregada em vários institutos jurídicos, com o traço em comum de opor empecilho, ou obstáculo (daí o traço com o latim tardio imbarricare) à pretensão do adversário na conquista de um direito.


É unânime entre os doutrinadores de que o direito romano não conheceu semelhante mecanismo, pois, uma vez proferida a sentença romana, ali terminava o ofício do juiz que podia corrigir a sua decisão.


Considerando que tais embargos não objetivam a reforma do decisum, ainda que acolhidos aqueles, deverão em regra se manter, intangível o seu conteúdo, o que tem levado parte da doutrina a não lhe reconhecer a natureza de recurso (A respeito Gabriel de Rezende Filho, Machado Guimarães, Lopes da Costa, Odilon de Andrade, João Monteiro).


Contudo, esses embargos são efetivamente inseridos dentro da sistemática recursal brasileira, como é de tradição no direito pátrio, ressaltando de que do ato decisório de que recorre o embargante em decorrência do gravame que lhe proporciona a obscuridade, contradição ou omissão.


Tal circunstância sublinha que os embargos declaratórios visarem à reparação do prejuízo que os defeitos do julgado trazem ao embargante, o que bastaria para caracterizá-los como recurso.


A obscuridade pode estar tanto no fundamento quanto do decisório, da mesma forma que a omissão. A contradição pode estar nos fundamentos, no decisório, pode existir entre os fundamentos e o decisório, ou ainda, localizar-se entre a ementa e o corpo do acórdão.


O autêntico fim dos embargos de declaração é a revelação do verdadeiro sentido da decisão, é trazer a lume a decisão prolatada, desta forma, não se destina à correção de decisão errônea, gerando, portanto, efeito modificativo da decisão impugnada.


Pode, todavia, ocorrer que, como efeito colateral e secundário, corra esse efeito modificativo, também denominado doutrinariamente de efeito infringente. Pode ocorrer particularmente quando o juiz for suprir a omissão, fazendo que o restante da decisão não seja aproveitável.


O exemplo clássico dessa é hipótese é o de um juiz que, tendo apreciado a matéria de prescrição quando da prolação da sentença, se esquece e julga a ação procedente. O réu recorre, pedindo que o juiz analise, seja para rechaçar ou para acolher a prescrição. Evidentemente, se o juiz ao julgar os embargos, acolher a prescrição, o resto da decisão tornar-se-á imprestável.


Parte da doutrina considera que pode haver efeito modificativo é a de se usarem os embargos declaratórios como veículo acidental para a provocação do Judiciário, no sentido de corrigir erro material. Sabe-se que os erros materiais podem e devem ser corrigidos a qualquer tempo e de ofício, não ficando nem mesmo acobertados pelo trânsito em julgado.


Portanto, os embargos de declaração podem bem se prestar, embora não seja esse seu objetivo precípuo, a veicular pedido de correção de erro material, e assim gerar uma decisão diferente daquele de que se recorreu. Vislumbraria-se uma nova sucumbência.


Para que sejam cabíveis os embargos, o ato decisório deve ser obscuro, contraditório ou omisso. Por isso, na petição dos embargos que deve ser apresentada em cinco dias (art. 536 do CPC), será indicado o ponto obscuro, contraditório ou omisso, não estando sujeitos a preparo.


Por obscuridade entende-se a falta de clareza na redação do julgado, o que implica na dificuldade de se subtrair à verdadeira inteligência ou exata interpretação, isto é, quando a decisão é enigmática, ambígua.


A contradição consiste na incerteza que os termos da decisão acarretam, resultando em dificuldades para seu cumprimento, ou quando apresenta proposições entre inconciliáveis.


A omissão dá-se quando o julgado deixa de se manifestar acerca de ponto, ou questão, que deveria ter sido dirimido, podendo aparecer na fundamentação, na parte dispositiva, e até mesmo do confronto do acórdão com a sua ementa.


Exigem-se os mesmos pressupostos genéricos da sistemática recursal, salvo no concernente ao interesse de agir, porquanto o embargante poderá ser tanto o sucumbente como também a parte vencedora.


Os embargos declaratórios serão interpostos através de petição escrita dirigida ao relator do acórdão, ou ao juiz prolator da decisão, no prazo de cinco dias. Tal recurso não requer nem preparo e nem tem contraditório. Não comporta sustentação oral e deve ser julgado, se possível, pelo mesmo relator.


O primeiro dos efeitos dos embargos é de obstar a coisa julgada, e ainda possui o efeito devolutivo. Que o ocorre mesmo quando o órgão do Poder Judiciário para o qual se desenvolve a matéria para reapreciação não seja hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão impugnada.


Interrompem-se com sua interposição os prazos para interposição para os demais recursos, por qualquer das partes, não se trata de interrupção, pois os prazos passam a contar novamente (é o que boa parte da doutrina entende).


Humberto Theodoro Junior salienta segundo o texto primitivo do art. 538 do CPC, os embargos de declaração suspendiam o prazo para a interposição de outros recursos, efeito que valia tanto para o embargante quanto para a parte contrária, e até para terceiros prejudicados. Com a nova redação dada pela Lei 8.950/94 os embargos passaram a ter efeito interruptivo em relação ao prazo dos demais recursos.


Outro efeito quando forem evidentemente protelatórios, é a condenação do embargado a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa. Reiterados os embargos protelatórios, pode-se elevar a multa de um até dez por cento, ficando condicionada a interposição de outro recurso ao depósito desse referido valor.


Segundo Grinover Gomes Filho e Fernandes, não se confundem os embargos de declaração com a possibilidade de o juiz corrigir inexatidões materiais da sentença, de ofício ou a requerimento da parte, expressamente prevista no art. 463, I do CPC.


José Frederico Marques reitera que os embargos declaratórios são “recurso exclusivamente de retratação”, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery sustentam que os mesmos possuem natureza jurídica de recurso (art. 496, IV, CPC), sujeitando-se aos requisitos de admissibilidade e à teoria geral dos recursos. Reiteram os eminentes doutrinadores que os referidos embargos não têm caráter substitutivo, modificador ou infringente do julgado.


Quanto aos demais recursos, NERY e NERY esclarecem que “a dedução tempestiva dos embargos de declaração interrompe o prazo para interposição de outros recursos”.


As disposições legais que disciplinam os embargos declaratórios deixaram um silêncio quanto à impossibilidade de modificação (inserido o legislador a locução “só podendo alterá-la”) tem plena justificativa, para, principalmente e em caráter excepcional, permitir o juízo infringente quando necessário para se atender a necessidade de resolver a contradição ou suprir a omissão.


É admissível, excepcionalmente, a alteração do julgado em sede de embargos declaratórios, quando houver, no acórdão, contradição entre o fundamento e o decisum ou em caso de manifesto erro material, cujo reconhecimento não implique reexame de prova ou da tese jurídica adotada na decisão embargada.


Outro ponto a ser abordado, nesse particular, é em relação à necessidade de oposição de embargos de declaração, a fim de se ter o prequestionamento obrigatório para interposição de recursos especial e extraordinário, nos moldes das Súmulas 282 e 356 do STF (reiteradamente aplicadas pelo STJ).


Deve o prequestionamento segundo entendimento firme do STF deve ser explícito, inclusive em se tratando de questão cujo conhecimento de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, a própria lei admite. E nesse caso, os embargos perdem o possível caráter de protelatório para ser sinalizado para cumprir o requisito exigido do prequestionamento.


A oposição dos embargos de declaração apenas suspende e não interrompe prazo para interposição de outro recurso nos processos que tramitam perante os Juizados Especiais em face do que dispõe o art. 50 da Lei 9.099/95, e nos que tramitam perante a Justiça Eleitoral (art. 275, parágrafo quarto da Lei 4.737/65).


Ocorrerá o efeito expansivo dos embargos declaratórios toda vez que tiverem eles caráter modificativo e lhes for dão provimento. Opera-se o efeito substitutivo nos embargos quando conhecidos os embargos pelo órgão prolator, dando-lhes ou negando-lhes provimento. Entretanto, este efeito será sempre parcial, pois a decisão que aprecia os embargos de declaração não substitui a decisão impugnada.


Nos casos em que o juiz fica vinculado ao processo, em face do princípio da identidade física do juiz, sendo obrigado a proferir a sentença, também restará vinculado para apreciar os embargos declaratórios propostos contra esta.


È aplicável aos esses embargos também o princípio do contraditório, ficando o juiz ou tribunal obrigado a abrir vistas ao embargado para oferecimento de contra-razões toda vez que o recurso for oposto com propósito modificativo da decisão.


 


Referências:

SILVA, Antonio Carlos. Embargos de Declaração no processo Civil. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2000.

MIRANDA, Gilson Delgado. Processo civil: recursos. São Paulo, Editora Atlas, 2000.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.