Constituição definitiva do crédito tributário pelo lançamento

Sumário: 1 Conceito de lançamento. 2 Natureza jurídica do lançamento. 3 Notificação do lançamento. 4 Distinção entre procedimento administrativo do lançamento e processo administrativo tributário. 5 Conclusões.


1 Conceito de lançamento


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Ao teor do art. 142, do CTN o lançamento é um procedimento administrativo em que um agente capaz procede a averiguação da subsunção do fato concreto à hipótese legal (ocorrência do fato gerador), a determinação da matéria tributável mediante  a valoração dos elementos que integram aquele fato concreto (base de cálculo), a aplicação da alíquota prevista na lei para a apuração do montante do tributo devido, a identificação do sujeito passivo, e, sendo o caso, a propositura de penalidade cabível. Esta série de atos podem ser praticados, inclusive, em diferentes dias, mas no final da verificação dos requisitos previstos no art. 142 do CTN haverá sempre um documento exteriorizador daqueles atos, que é o lançamento eficiente para a constituição definitiva do crédito tributário.


2. Natureza jurídica do lançamento


O legislador brasileiro, superando a interminável discussão acerca da natureza jurídica do lançamento, fixou-se na tese de que o mesmo tem efeito meramente declaratório da obrigação tributária, mas constitutivo[1] do crédito tributário. Realmente, o lançamento constitui o crédito tributário declarando a preexistência da obrigação tributária, que surgiu em virtude da ocorrência do fato gerador definido na lei (art. 113, § 1º c/c art. 114 do CTN). Por essa razão o art. 144,[2] do CTN dispõe que o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e rege-se pela lei então vigente, ainda que, posteriormente, modificada ou revogada. De fato, o lançamento, em relação ao crédito, é constitutivo porque não se limita a declarar a preexistência da obrigação tributária. No final do procedimento administrativo a que alude o art. 142 do CTN haverá sempre a emissão de um documento formal que confere à obrigação tributária preexistente o caráter de liquidez e certeza, antes inexistente, o que evidencia a modificação da situação jurídica anterior. É o lançamento que representa o título jurídico que confere à Fazenda a exigibilidade do crédito.


3 Notificação do lançamento


A atividade do lançamento, que é obrigatória e vinculada, tem-se por concluída com a notificação do resultado ao sujeito passivo, quando então opera-se a constituição definitiva do crédito tributário. Prescreve o art. 145 do CTN:


“Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:


I – impugnação do sujeito passivo;


II – recurso de ofício;


III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149”.


O dispositivo supra fixa a imutabilidade do crédito tributário constituído pelo lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo. A sua modificação só é possível nas três hipóteses aí mencionadas: I – impugnação do sujeito passivo em obediência ao princípio constitucional do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da CF); II – recurso de ofício que a autoridade administrativa judicante obrigatoriamente deve interpor de decisões favoráveis ao contribuinte proferidas em primeira instância; e III – revisão de ofício nos casos enumerados no art. 149[3].


Saber o momento em que se tem por definitivamente constituído o crédito tributário, inclusive, e principalmente para efeito de fixar o termo inicial da prescrição que se sucede à decadência, constitui um dos temas mais controvertidos com diferentes posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. Mais de quatro décadas já se passaram após o advento do Código Tributário Nacional, porém essa questão ainda não está pacificada. Prova disso é o freqüente pedido de esclarecimento de diversos leitores do nosso livro onde afirmamos:


“A atividade do lançamento, que é obrigatória e vinculada, tem-se por concluída com a notificação do resultado ao sujeito passivo, quando então se opera a constituição definitiva do crédito tributário” (Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 496).


Alegam que o crédito tributário só é definitivo quando não for impugnado pelo sujeito passivo, ou, em sendo impugnado, somente quando confirmado pela decisão administrativa irreformável.


Na verdade, essa matéria  não se reveste da complexidade argüida por parcela ponderável da doutrina. É preciso recapitular alguns conceitos básicos de direito administrativo. Não se pode confundir procedimento administrativo com processo administrativo tributário.


4 Distinção entre o procedimento administrativo do lançamento e o processo administrativo tributário


O procedimento administrativo, referido no art. 142 do CTN, finda-se com a notificação do lançamento ao sujeito passivo (art. 145 do CTN). Uma vez notificado, o sujeito passivo pode efetuar o pagamento exigido extinguindo o crédito tributário (art. 156, I do CTN). Ora, se extingue o crédito tributário é porque esse crédito já estava definitivamente constituído. Não é a extinção pelo pagamento que confere definitividade àquele crédito tributário. Ademais, não se pode cogitar de extinção de crédito tributário provisório, mesmo porque não é dado ao fisco efetuar uma cobrança provisória a ensejar, no futuro, uma cobrança definitiva. A outra alternativa do sujeito passivo notificado do ato do lançamento é opor resistência à pretensão fazendária, apresentando impugnação. Com a impugnação surge o processo administrativo tributário como meio de solução da lide, tal qual, o processo judicial. Exatamente porque o crédito tributário está definitivamente constituído pelo lançamento é que a legislação tributária, em obediência ao princípio constitucional do contraditório e ampla defesa, faculta ao sujeito passivo a sua impugnação. Não há crédito tributário provisório a ensejar defesa administrativa, da mesma forma que não há recebimento pelo juiz de denúncia criminal provisória a deflagrar o direito ao contraditório e ampla defesa.


Não é a decisão administrativa irrecorrível que constitui definitivamente o crédito tributário[4]. Ela limita-se a confirmar o crédito tributário mantendo o auto de infração lavrado, ou a extinguir no todo ou em parte o crédito tributário definitivamente constituído pelo lançamento (art. 156, IX do CTN). Em outras palavras, a decisão administrativa pode desconstituir o crédito tributário. O mesmo acontece se o contribuinte notificado do lançamento, ou após encerramento da fase administrativa, ingressar em juízo para anular o crédito tributário. A sentença judicial definitiva manterá aquele crédito tributário ou o extinguirá no todo ou em parte. Nem por isso cabe sustentar que o crédito tributário é definitivamente constituído somente com a final manifestação do Poder Judiciário.


5 Conclusões


Resumindo e concluindo, o procedimento administrativo do lançamento, que é unilateral, termina com a notificação do lançamento ao sujeito passivo, quando se tem por definitivamente constituído o crédito tributário.  O processo administrativo tributário, que é meio de solução da lide, desenvolve-se sob a égide dos princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, encerrando-se com a decisão irreformável na esfera administrativa.


 


Notas:

[1] Ato constitutivo é aquele que tem por fim imediato adquirir, modificar ou extinguir direito ao passo que ato declaratório limita-se a declarar um direito preexistente.

[2] Parcela ponderável da doutrina invoca esse mesmo artigo para sustentar a tese da natureza declaratória do lançamento em relação ao crédito tributário. Entretanto, o CTN, por seu art. 142, separou de forma clara o momento do nascimento da obrigação tributária e o momento da constituição do crédito tributário.  

[3] Nos casos previstos em lei; quando há omissão de declaração do contribuinte; quando o contribuinte deixa de atender a pedido de esclarecimento, recusa a prestá-lo ou o preste de forma insatisfatória; quando se comprove a falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária etc.

[4] Nos órgãos colegiados de segunda instância administrativa existem representantes de contribuintes, os quais, sabidamente não têm a prerrogativa de constituir o crédito tributário, tarefa, aliás, exclusiva dos servidores efetivos, exercentes de cargos de auditor ou de agente fiscal de rendas, o que exclui os próprios servidores incumbidos da missão de julgar. 


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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