Resumo: O presente trabalho tem como objetivo o estudo a análise do princípio da proporcionalidade na disciplina dos direitos fundamentais assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro, em suas duas faces, quais sejam: a proibição da proteção deficiente do Estado e a proibição do excesso. Ao realizar o estudo sobre o referido princípio, será demonstrada sua origem, bem como sua importância no contexto sócio-político, a fim de dar real eficácia aos direitos fundamentais exarados na Constituição Federal de 1988. Outrossim, será analisada a necessidade da proteção de direitos fundamentais através da adoção de técnicas tendentes a coibir a atividade estatal de forma excessiva ou de forma insuficiente. Sabe-se que uma das características dos direitos fundamentais é o seu aspecto de não ser absoluto e ilimitado; podendo, por essa razão, ocorrer colisões ou relativas contradições entre esses direitos. Desta forma, imperiosa será a utilização do princípio da proporcionalidade para uma necessária ponderação entre tais direitos perante o caso concreto.
Palavras-Chave: Princípio, proporcionalidade, direitos fundamentais.
Abstract: This work aims to study the analysis of the principle of proportionality in the discipline of the fundamental rights guaranteed by Brazilian law, in its two faces, namely: the prohibition of the poor protection of the state and the prohibition of excess. Upon study of that principle, it will be demonstrated its origin and its importance in the socio-political context in order to give real effect to fundamental rights formally recorded in the Federal Constitution of 1988. Moreover, the need for protection of rights will be analyzed fundamental by adopting techniques aimed at curbing state activity excessively or insufficiently. It is known that one of the characteristics of fundamental rights is its appearance is not absolute and unlimited; and may, therefore, cause collisions or related contradictions between these rights. Thus, pressing will be the use of the principle of proportionality for a necessary balance between such rights in the case.
Keywords: Principle, proportionality, fundamental rights.
Sumário: Introdução. 1. Normas, princípios e regras. 1.1. Princípios constitucionais. 1.2. Princípio da proporcionalidade. 1.3. Princípio da razoabilidade. 1.4. Distinções entre o princípio da proporcionalidade e razoabilidade. 2. Princípio da proporcionalidade: aspectos gerais. 2.1. A origem do princípio da proporcionalidade. 2.1.2. O princípio da proporcionalidade no direito comparado (Alemanha e Estados Unidos). 2.2. Princípio da proporcionalidade e seus subprincípios. 2.2.1. Adequação 2.2.2. Necessidade. 2.2.3. Proporcionalidade em sentido estrito. 3. Proporcionalidade e direitos fundamentais. 3.1. Princípio da proporcionalidade e ponderação de direitos. 3.2. Proibição do excesso. 3.3. Proibição da proteção deficiente. Conclusão. Referências.
Introdução
Sem obliterar o caráter constitucional do princípio da proporcionalidade, esse trabalho visará sua análise nos seus peculiares contornos, notadamente face à necessidade de sua aplicação no que diz respeito aos direitos fundamentais.
A República Federativa do Brasil adotou, de forma expressa no texto constitucional, mais precisamente em seu preâmbulo, bem como em seu artigo 1º, a política do Estado Democrático de Direito. Sendo assim, a garantia dos direitos fundamentais tornou-se questão primordial, como meio de proteção e respeito ao cidadão.
Destarte, o tema estudado é de essencial importância, visto que o princípio da proporcionalidade se encaixa como peça fundamental no ordenamento jurídico de um Estado Democrático de direito, sendo ele um instrumento de tutela dos direitos constitucionais.
O reconhecimento do princípio da proporcionalidade pela doutrina e pela jurisprudência nacionais propõe uma reflexão sobre a qualidade desse instrumento e o alcance que, hoje, ele conhece, e as potencialidades que nele podemos identificar, especialmente no âmbito da aplicação dos direitos fundamentais, há que se ter em conta a forma como dele se tem feito uso.
As premissas da proporcionalidade estão contidas no binômio meio e fim, na qual se busca controlar os excessos e deixar que os direitos fundamentais alcancem a todos os cidadãos.
Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo principal a análise da técnica da ponderação de direitos fundamentais que se conflitam, através da devida adequação desses direitos diante do caso concreto com o binômio meio-fim. Para tanto, é utilizado o método hipotético dedutivo.
A Constituição não pode conter normas constitucionais que se contrariem. Como, de fato, não contém. No caso dos direitos fundamentais, poderá haver uma aparente contradição entre eles, na qual, então, utilizar-se-á da aplicação do princípio constitucional fundamental da proporcionalidade, que concederá ao caso concreto uma aplicação coerente e segura da norma constitucional.
Nesse contexto, será feita a análise da proporcionalidade em suas duas faces, quais sejam: a proibição da proteção deficiente e a proibição do excesso.
Por força do princípio da proibição de proteção deficiente, nem a lei nem o Estado podem apresentar insuficiência em relação à garantia dos direitos fundamentais, ou seja, cria-se um dever para o Estado, (diga-se para o legislador, juiz e demais aplicadores do direito) que não pode abrir mão dos mecanismos de tutela, a fim de assegurar a proteção de um direito fundamental.
Por outro lado, por força da proibição do excesso visa-se, na consecução de um fim, a utilização do meio estritamente adequado, evitando-se uma atuação estatal de forma excedente.
2 Normas, princípios e regras
De início há de se observar que o sistema jurídico tem como elemento as normas, que, por sua vez, subdividem-se em regras e princípios, sendo estruturadas de forma hierárquica, coesiva e com base na unidade do conjunto.
A distinção entre princípios e regras foi estabelecida por inúmeros juristas consagrados, tais como: Joaquim Gomes Canotilho, Ronald Dworkin, Robert Alexy, Virgílio Afonso da Silva, entre outros.
Canotilho estabeleceu alguns critérios de diferenciação entre regras e princípios, sendo estes:
“a) O grau de abstração: enquanto as regras possuem caráter mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas as quais se dirigem, os princípios têm maior abstração e incidem sob uma pluralidade de situações; b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios necessitam de mediações concretizadoras por parte do legislador ou do aplicador da norma, por serem vagos e indeterminados, ao passo que as regras são passíveis de aplicação direta; c) Caráter de fundamentalidade nos sistemas das fontes do direito: os princípios são normas de natureza ou papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou a sua importância estruturante no sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito); d) Proximidade da ideia de direito: os princípios são “standards” juridicamente vinculantes radicados na existência de justiça ou na ideia de direito, enquanto as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo meramente funcional; e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos para as regras, ou seja, constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante”.[1]
Segundo o referido autor, duas questões devem ser respondidas para que seja possível superar a complexidade da diferenciação entre regras e princípios: 1) saber qual a função dos princípios (se têm função retórica ou argumentativa ou se são normas de conduta); 2) saber se existe só uma diferença de grau ou se há entre princípios e regras jurídicas uma diferenciação qualitativa.
A primeira questão é respondida com a ideia de multifuncionalidade dos princípios, tendo em vista seu caráter prescritivo (determina condutas), indicativo (auxilia na interpretação da lei), impositivo (molda regras) e integrativo (atua perante lacunas). Já a segunda é solucionada com a atribuição de uma diferença qualitativa.
Para Dworkin, a diferença entre as espécies tem um caráter lógico e, no mais das vezes, só pode ser constatada na aplicação da norma ao caso concreto. Tanto regras quanto princípios podem servir de fundamento às decisões, mas diferem na direção que dão ao trabalho do intérprete e aplicador.
As regras jurídicas não comportam aplicação parcial, sendo aplicadas no método tudo ou nada (all or nothing), ou seja, não sobrevivem à existência de regras que lhe são antinômicas. Se, em um caso concreto a ser analisado, o fato corresponde a uma situação narrada em uma regra válida, então será essa regra aplicada à solução do problema, em seu inteiro teor. As exceções das regras podem ser, em tese, todas previstas e listadas. Ao passo que os princípios – por possuírem a dimensão do peso ou importância – não determinam a decisão, mas contêm fundamentos, oriundos de outros princípios.[2]
Alexy, na linha preconizada por Dworkin, reputa o caráter normativo tanto às regras quanto aos princípios. De acordo com Alexy, há três teses distintas, no que concerne à distinção entre regras e princípios.[3] A primeira tese sustenta a impossibilidade de se diferenciar regras e princípios, haja vista a diversidade existente entre eles. Para os adeptos de uma segunda tese é possível diferenciar as regras dos princípios, sendo certo que esta diferenciação é o grau de generalidade. Alexy acaba por se filiar à última posição, na qual sustenta que há distinção entre regras e princípios, contudo essa distinção não é apenas de grau, mas, antes, uma diferenciação qualitativa.
Os princípios são normas jurídicas por meio das quais se estabelecem deveres de otimização, sou seja “são normas que ordenam que algo seja realizado na medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”.[4]
Os princípios, assim, são aplicáveis em diversos graus, e a medida de sua satisfação depende tanto de possibilidades fáticas quanto de possibilidades jurídicas, cujo âmbito é determinado pelos princípios e regras colidentes. A aplicação do princípio não está predeterminada em seu enunciado, mas depende de ponderações a serem procedidas no momento de sua aplicação.
Em sentido diverso, as regras já contêm determinações, em si, sobre o fático e juridicamente possível, sendo normas que podem ser cumpridas ou não. Para Alexy, essa seria a principal distinção entre regras e princípios.
Virgílio Afonso[5], por sua vez, estabelece outro fundamento para esta distinção, afirmando que o principal traço distintivo entre princípios e regras é a estrutura de direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos definitivos, enquanto que no caso dos princípios são garantidos direitos prima facie. Isso quer dizer, na visão do autor, que, se um direito é garantido por uma regra, ele é definitivo e, assim, deverá ser realizado totalmente, caso essa regra seja aplicável ao caso concreto e não haja exceção legal. Ao passo que, na hipótese dos princípios não se pode falar em realização sempre total daquilo que a norma exige, ao contrário, em geral a realização é apenas parcial.
Ademais, segundo a doutrina atual prevalece o entendimento de que na hipótese de conflito entre regras, só uma será válida e deverá prevalecer. Quando uma regra é válida, deve ser observada estritamente, afastando a validade das que não lhe são compatíveis.
Apenas os princípios estariam sujeitos à ponderação, ou seja, à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio terá na hipótese, permitindo o balanceamento de valores e interesses e, na medida do possível, preservará o máximo de cada um. A concessão dos princípios é, pois, conflitual e não antinômica, de forma que eles coexistem.
Dissentindo do entendimento acima mencionado, Humberto Ávila reputa possível que haja conflito entre regras, e que ele possa ser solucionado pela ponderação, não havendo que se falar em utilização prima facie do critério tudo ou nada.[6]
No que diz respeito ao caso de choque entre um princípio e uma regra a sistemática é diferente, devendo prevalecer aquele, por causa de sua natureza que dá base ou fundamento às regras, tornando-se seu pressuposto.
2.1 Princípios constitucionais
O Brasil adotou como perfil político-constitucional o de um Estado Democrático de Direito, através do art. 1º, caput, da Constituição Federal. Desse dispositivo decorrem todos os princípios fundamentais, razão por ser ele de tamanha importância.
Segundo Ingo Wolfang Sarlet[7], os princípios fundamentais constituem-se no núcleo essencial da Constituição material. São normas que dão base e que informam toda ordem constitucional.
Consideram-se princípios fundamentais aqueles que foram sendo assimilados pela consciência jurídica ao longo da história e hoje estão de forma expressa ou implícita no texto constitucional das nações modernas. Esses princípios, por sua natureza fundamental e caráter constitucional, possuem força normativa ou vinculante, sendo obrigatório para todos os poderes.
Percebe-se, assim, que os princípios constitucionais funcionam verdadeiramente como supranormas, sendo hierarquicamente superiores às demais normas escritas ou costumeiras.
Os princípios constitucionais são basicamente de duas categorias: princípios político-constitucionais e jurídico-constitucionais.
Os princípios político-constitucionais derivam das decisões políticas fundamentais contidas na Constituição, traduzindo opções políticas, tais como: existência política da nação. Estão contidos nos artigos 1º ao 4º, do título I, da Constituição Federal.
Por sua vez, princípios jurídico-constitucionais: “são princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais, e destes derivam outros princípios”.[8]
Esses princípios atuam determinantemente para a efetivação de todo o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que operam como elemento norteador para aqueles que visam interpretar as normas de caráter constitucional e infraconstitucional.
Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade, por ser um princípio constitucional, possui força vinculante e pode ser empregado em sentido amplo, por vezes possuindo íntima relação com os outros, dentre os quais, destacam-se o princípio da legalidade, princípio da isonomia e o princípio da razoabilidade.
2.2 Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade tem seu principal campo de atuação no âmbito dos direitos fundamentais, atuando como critério determinante das restrições impostas pelo Estado a cada indivíduo.
Segundo Paulo Bonavides, o princípio da proporcionalidade é, indubitavelmente, o mais importante mecanismo de proteção eficaz de liberdade na ordem constitucional de nossos dias e “Urge fazê-lo alvo, pois, das reflexões mais atualizadas e atualizadoras de nossos dias em matéria de defesa de direitos fundamentais perante o poder do Estado”. Ele ainda assegura:
“Chegamos, por conseguinte, ao Estado democrático de direito, à plenitude da constitucionalidade material. Sem o princípio da proporcionalidade aquela constitucionalidade ficaria privada do instrumento mais poderoso de garantia dos direitos fundamentais contra possíveis e eventuais excessos perpetrados com o preenchimento do espaço aberto pela Constituição ao legislador para atuar formulativamente no domínio das reservas de lei.”[9]
Nessa linha de raciocínio, afirma Penalva que
“A proporcionalidade é consubstancial ao Estado de Direito, com plena e necessária operatividade, ao mesmo passo que a exigência de sua utilização se apresenta como uma das garantias básicas que se hão de observar em toda hipótese em que os direitos e as liberdades sejam lesados.”[10]
O princípio da proporcionalidade insere-se na estrutura normativa da Constituição, junto aos demais princípios gerais norteadores da interpretação das regras constitucionais e infra-constitucionais. Uma vez que uma visão sistemática da Constituição permite-se auferir sua existência de forma implícita e ele deverá guiar o magistrado na interpretação e o legislador na elaboração de normas hierarquicamente inferiores.
Há várias teses acerca do fundamento jurídico desse princípio. Boa parte da doutrina entende que a regra da proporcionalidade tem seu fundamento no chamado princípio do Estado de Direito, como é o caso de Gilmar Ferreira Mendes e Luís Roberto Barroso[11]. Na Alemanha, essa concepção encontra amparo em decisões do Tribunal Constitucional e na doutrina.
Por outro lado, alguns doutrinadores encontram o fundamento da proporcionalidade nos mais diversos dispositivos constitucionais. É o caso, por exemplo, de Suzana de Toledo Barros, Antônio Magalhães Gomes Filho, e de Carlos Affonso Pereira de Souza e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio. Eles fundamentam a aplicação da proporcionalidade nos artigos: 5º, II (legalidade); 5º, XXXV (inafastabilidade do controle jurisdicional); 1º, caput (princípio republicano); 1º, II (cidadania); 1º, III (dignidade). São ainda citados os institutos do habeas corpus (art. 5º, LXVIII), mandado de segurança (artigo 5º, LXIX), habeas data (artigo 5º, LXII), assim como o direito de petição (artigo 5º, XXXIV, a).[12]
Por fim, há a tese de que a proporcionalidade integra o direito positivo brasileiro por meio do § 2º do art. 5º, por decorrer do regime e dos princípios adotados na Constituição, defendida especialmente por Willis Santiago Guerra Filho e Paulo Bonavides.[13]
Não obstante as divergências doutrinárias acerca de seu fundamento jurídico, nota-se que a supremacia da Constituição Federal constitui ponto de partida para a compreensão do princípio da proporcionalidade, conforme os ensinamentos de Helenilson Cunha[14]:
“O conteúdo jurídico-material do princípio da proporcionalidade decorre inelutavelmente do reconhecimento da supremacia hierárquico-normativa da Constituição. A proporcionalidade como princípio jurídico implícito do Estado de Direito é uma garantia fundamental para uma concretização ótima dos valores consagrados na Constituição. A proporcionalidade é princípio que concretiza o postulado segundo o qual o Direito não se esgota na lei (ato estatal que deve representar a síntese da vontade geral).”
Quanto à natureza jurídica do princípio da proporcionalidade, não deve restar dúvida de que se trata de princípio jurídico regulador dos conflitos entre direitos fundamentais e demais princípios insculpidos na Constituição Federal.
2.3 Princípio da razoabilidade
O princípio da razoabilidade tem sua origem e evolução ligados à garantia do devido processo legal substancial, instituto ancestral do direito anglo-saxão. De fato, seu nascedouro remonta à cláusula law of the land, inscrita na Magna Carta, de 1215, documento reconhecido como antecedentes do constitucionalismo.
Nascido sob a égide de uma concepção estritamente processual, a ideia do devido processo legal evoluiu para uma perspectiva substancial (substantive due processo of law). Com fundamento nessa característica substancial, o devido processo legal foi alçado a expressivo instrumento de defesa dos direitos individuais contra o arbítrio estatal.
O referido princípio foi introduzido expressamente pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que entrou em vigor em 24 de abril de 1992. O Pacto Internacional foi adotado pela XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966.
O Congresso brasileiro aprovou o texto deste diploma internacional por meio do Decreto Legislativo n. 226/91, sendo a carta de adesão depositada em 24 de janeiro de 1992; é o que prescreve o Decreto presidencialista n. 592, de 6 de julho de 1992, passando a vigorar três meses após, ou seja, em 24 de abril de 1992. Sabe-se que o Tratado foi recepcionado pelo ordenamento jurídico como lei ordinária e, desta feita, não teve muita efetividade.
Este princípio não se encontrava expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, contudo deixou de ser um princípio implícito e foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, conforme a dicção do inciso LXXVIII, do art. 5º da Constituição Federal: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
Conforme define Ávila[15], a razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas (princípios e regras). A razoabilidade, assim como a proporcionalidade, não são normas como as demais, mas sim instrumentos para a correta aplicação das normas. Nessa condição é que se enquadram na categoria de postulados normativos aplicativos.
A partir das acepções comumente empregadas por intermédio da razoabilidade, Ávila destacou três. Em primeiro lugar, usa-se a razoabilidade como diretriz que exige a relação das normas gerais com as peculiaridades do caso concreto. Seja para indicar que o caso individual se adapta à norma, seja também para revelar que o caso individual, em razão de suas circunstâncias específicas, não se amolda à norma geral.
Em segundo lugar, a razoabilidade é utilizada como diretriz para que se estabeleça a vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas se referem, seja cotejando a norma com a realidade fática que a ela dá suporte, seja buscando estabelecer uma relação de congruência entre a medida adotada e o fim pretendido. Por fim, a razoabilidade é usada como diretriz para se estabelecer a relação de duas grandezas.
2.4 Distinções entre o princípio da proporcionalidade e razoabilidade
Na jurisprudência brasileira os princípios da proporcionalidade e razoabilidade têm sido utilizados com muita frequência, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, como um só princípio. A tendência de confundir esses princípios pode ser notada também em inúmeros trabalhos acadêmicos e até mesmo em relatórios de comissões do Poder Legislativo.
Luís Roberto Barroso, por exemplo, afirma que "digna de menção a ascendente trajetória do princípio da razoabilidade, que os autores sob influência germânica preferem denominar princípio da proporcionalidade, na jurisprudência constitucional brasileira”.[16]
Suzana de Toledo Barros iguala ambos os conceitos, nos seguintes termos: “o princípio da proporcionalidade, […] como uma construção dogmática dos alemães, corresponde a nada mais do que o princípio da razoabilidade dos norte-americanos".[17]
Contudo, embora convirjam de alguma maneira na atuação prática, é certo que são princípios distintos, tanto quanto às suas origens, quanto às suas estruturas.
No que diz respeito à origem dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, Virgílio Afonso da Silva afirma:
“É comum, em trabalhos sobre a regra da proporcionalidade, que se identifique sua origem remota já na Magna Carta de 1215. Este documento seria a fonte primeira do princípio da razoabilidade e, portanto, também da proporcionalidade. Essa identificação histórica é, por diversas razões, equivocada. Em primeiro lugar, visto que ambos os conceitos – razoabilidade e proporcionalidade – não se confundem, não há que se falar em proporcionalidade na Magna Carta de 1215. […] A não-identidade entre os dois conceitos fica ainda mais clara quando se acompanha o debate acerca da adoção do Human Rights Act de 1998 na Inglaterra. Somente a partir daí passou a haver um real interesse da doutrina jurídica inglesa na aplicação da regra da proporcionalidade, antes praticamente desconhecida na Inglaterra.”[18]
Assim, cabe observar que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade têm origens diferentes, pois aquele, desde longa data se utiliza mais no sistema Common Law, enquanto este é fruto de maior desenvolvimento por parte da jurisprudência alemã, que compreende o sistema Civil Law, também adotado no Brasil.
Com efeito, Helenilson Cunha, registra a posição de diversos autores acerca da utilização dos dois princípios, destacando semelhanças e diferenças entre estes:
“Com fundamento nas lições da doutrina nacional e comparada, vislumbramos pelo menos quatro diferenças, a saber: a) O princípio da proporcionalidade exige maior motivação racional nas decisões do que o princípio da razoabilidade; b) O princípio da razoabilidade, ao contrário da proporcionalidade, prescinde de consideração da relação meio-fim; c) Enquanto a razoabilidade constitui princípio geral de interpretação, a proporcionalidade, além dessa qualidade também consubstancia princípio jurídico material; d) Finalmente, a razoabilidade tem função eficacial de bloqueio, enquanto a proporcionalidade, além desta função, também assegura a concretização dos interesses constitucionalmente consagrados.”[19]
O fato é que os dois princípios, da razoabilidade e da proporcionalidade, visam impedir que o arbítrio no exercício do poder se concretiza, e, portanto, objetivam a não realização de excessos, limitando as atividades estatais, para que não se restrinjam mais do que necessários direitos dos cidadãos. Nesse aspecto, existe semelhança entre os dois princípios, porque ambos se concretizam mediante uma ponderação ou exercício de valor.
Em outros termos dir-se-ia que a razoabilidade é um princípio de interpretação que está presente em todo agir individual e social, enquanto a proporcionalidade, além desse aspecto, também possui uma materialização. Essas diferenças no conteúdo impedem a utilização do princípio da fungibilidade entre ambos, porque se existem pontos em contato, também existem aspectos autônomos.
Como se vê o princípio da razoabilidade atua como instrumento de eficácia negativa, isto é, através da ponderação e equilíbrio, objetivando evitar que o poder estatal cometa excessos contra os direitos fundamentais do indivíduo.
Ao passo que o princípio da proporcionalidade atua como instrumento de eficácia positiva, pois além de evitar o cometimento desses excessos, ainda requer a utilização de mecanismos que permitem averiguar quais as medidas apropriadas na solução dos casos concretos, o que se materializa por meio de seus subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE: ASPECTOS GERAIS
A proporcionalidade assume importante papel na análise das normas viciadas, por inconstitucionais, em casos que, apesar de o poder legislativo atuar dentro de formas estabelecidas pela própria Constituição, às vezes até seguindo finalidades por ela amparadas, exorbitam seus limites ao estabelecerem restrições excessivas a direitos, implicando, assim, prejuízos à própria efetividade destes.[20]
A luta da proporcionalidade é, principalmente, contra normas arbitrárias e que, não obstante formalmente perfeitas, são ofensivas a direitos dos indivíduos por se apresentarem como excessivas, apesar de visarem à satisfação de outro e determinado interesse. De fato, “a aplicação do princípio da proporcionalidade pressupõe a tensão latente e efetiva de bem protegido através de uma medida, e um bem prejudicado pela prática dessa medida”.[21]
Sem dúvida, a proporcionalidade procura estabelecer um conteúdo material ao Direito, respaldando a dignidade do ser humano e garantindo, na máxima medida, efetividade aos direitos fundamentais.
O princípio da proporcionalidade, assim como é compreendido nos dias atuais, é algo recentíssimo na história do homem. É fruto de uma lenta evolução de idéias que remontam à própria antiguidade e se desenvolve a passos lentos para chegar a uma fase de maturação, sendo, agora, largamente aplicado jurisprudencialmente e, inclusive, previsto expressamente em legislações de determinados países.
3.1 A origem do princípio da proporcionalidade
Grande parte da doutrina (Willins Santiago, Helenilson Cunha[22], Ricardo Aziz[23], entre outros), destaca que a origem e o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade encontram-se intrinsecamente ligados à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, verificada a partir do surgimento do Estado de Direito na Europa.
Conforme afirma Willins Santiago:
“A ideia de proporcionalidade tem sua origem vinculada ao Estado de Direito, criado com a finalidade de promover a separação de poderes e a submissão dos órgãos estatais à lei, com respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos a ele submetidos”.[24]
Ainda segundo o autor, pode-se apontar como marco histórico para o surgimento desse tipo de formação política (Estado de Direito), a Magna Carta inglesa, de 1215, que, por sua vez, esclarece: “o homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito”. [25]
De fato, a ideia de proporcionalidade, ainda que difusa, surge aliada à concepção de justiça e se aperfeiçoa até ser visualizada, como efetivo princípio, entre os séculos XVII e XVIII, quando na Inglaterra surgiram as teorias jusnaturalistas, na qual sustentavam a consciência de que existiam direitos oponíveis ao próprio Estado e que ele, por sua vez, deveria propiciar o respeito desses direitos.
As teses jusnaturalistas defendiam a existência de direitos inatos, anteriores ao direito posto e visavam à proteção da liberdade do homem em face do poder punitivo do Estado, sobretudo porque a falta de limitação ao poder estatal, fonte de tanto desconforto e insegurança entre os cidadãos, exigia um controle efetivo dos meios de que o Estado se utilizava para o alcance de seus fins.
Dessa forma, muito contribuiu o jusnaturalismo para a concepção dos direitos fundamentais como eles se encontram hoje, sempre com o fim de limitar o poder do Estado, de modo a garantir a liberdade do homem.
No tocante ao Direito Penal, na Idade Antiga e Idade Média já se encontravam referências à proporção entre o crime cometido e a sanção imposta ao agente.
Nota-se que a evolução do conceito de proporcionalidade ocorreu com maior intensidade quando se desenvolveram outros pressupostos do Direito Penal Moderno, tais como: a legalidade, igualdade, mensurabilidade das penas.
No entanto, o conceito de proporcionalidade como um princípio constitucional, apto a nortear a atividade legislativa em matéria penal, também só foi desenvolvido pelos impulsos propiciados, sobretudo, pelas obras iluministas do século XVIII.
Nesta fase, pode-se destacar as obras de Montesquieu e Cesare Beccaria. A obra De l’espirit de lois, de Montesquieu, foi a primeira que abordou especificamente da relação necessária de proporcionalidade entre crimes e penas. Segundo Montesquieu: “É essencial que se evite mais um grande crime do que um crime menor, aquilo que agride mais a sociedade do que aquilo que a fere menos”.[26]
Ao passo que, a obra Dei delitti e delle pene, de Beccaria, concebeu a reação estatal ao crime como defesa da soberania, ou da sociedade. Neste trabalho, Beccaria também dissertou acerca da limitação do poder punitivo do Estado e a necessidade de se humanizar as penas. Destarte, afima Beccaria que:
“A grandeza das penas deve ser relativa ao estado da nação mesma. Mais fortes e sensíveis devem ser as impressões sobre os espíritos endurecidos de um povo apenas emergido do estado selvagem. É preciso o raio para abater um leão feroz que não se abala com o disparo do fuzil. Mas à medida que os espíritos se abrandam nos estados de sociedade, cresce a sensibilidade e, com ela, deve decrescer a força da pena, se houver que se manter constante a relação entre o objeto e a sensação. De quando se viu até agora pode tirar-se um teorema geral muito útil, mas pouco conforme ao uso, esse legislador ordinário das nações, a saber: para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, mínima possível nas circunstâncias dadas proporcional aos delitos e ditadas pela lei”.[27]
Como corolário da reação iluminista e dos ideais pregados por Beccaria, e tantos outros pensadores humanistas de sua época, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, insere, em seu texto, especificamente no item VIII, disposição consubstanciadora do princípio da proporcionalidade no campo do Direito Penal, ao afirmar que “a lei não deve estabelecer outras penas que as estritas e necessárias”.
No decorrer desse processo, se é certo que a ideia de proporção ligava-se às penas cominadas aos delitos, ao menos na sua origem, foi ela consagrada no direito administrativo por meio do desenvolvimento do princípio da legalidade.[28] Nota-se, portanto, claramente uma transposição das ideias surgidas no âmbito da problematização do direito penal para o estudo do poder de polícia.[29]
Aderindo ao pensamento exposto, Magalhães Gomes ensina que a origem do conceito de proporcionalidade é penal, e esse conceito foi, posteriormente, repassado à doutrina do direito administrativo:
“Importante destacar que este conceito de proporcionalidade, originado no direito penal, foi repassado para o direito de polícia durante a sua etapa de concepção liberal, ocorrida no século XIX, cuja característica maior foi o fortalecimento da proteção das esferas jurídicas individuais através do reconhecimento constitucional dos direitos que limitam o exercício do poder policial”.[30]
A trajetória do princípio da proporcionalidade no âmbito do direito administrativo se iniciou na França, contudo naquele País não existia controle de constitucionalidade repressivo ou posterior, impossibilitando o desenvolvimento da discussão do princípio em sede constitucional.
Sendo assim, a constitucionalização do princípio da proporcionalidade ocorreu na Alemanha, com o fim da Segunda Guerra mundial. Nessa fase, a preocupação da Corte Constitucional germânica com a proteção dos direitos fundamentais diante dos possíveis abusos do legislador, levou-a transplantar para o direito constitucional daquele País.
Sob a égide influência do direito alemão, outros países europeus passaram a acolher, em sede constitucional, o princípio da proporcionalidade.
O salto qualitativo no controle judicial das leis na Europa Continental ocorreu, portanto, graças à transposição, para o direito constitucional, das teorias de limitação de poder de polícia desenvolvidas no direito administrativo francês e recepcionadas pela Alemanha. As condicionantes históricas viabilizaram a evolução do Estado alemão, permitindo a solidificação da ideia de limitação também do Poder Legislativo na tarefa de realização dos direitos fundamentais.
Sobre o tema destaca Luis Francisco Torquato Avólio[31]:
“A transposição do princípio da proporcionalidade para o plano constitucional deve-se em boa parte ao papel do Tribunal Constitucional alemão. Através de sucessivos pronunciamentos, expressões claramente associadas ao pensamento da proporcionalidade foram se tronando recorrentes, até se estabelecer de forma incisiva.”
No âmbito do processo penal, Wilson Antônio Steinmetz entende que a grande discussão sobre o princípio da proporcionalidade ocorreu somente em 1925, ano em que o Dr. Hoffle, conhecido político, acometido de grave enfermidade, cumprindo prisão preventiva, faleceu.[32]
Foi na discussão desse caso, salienta o autor, que se propôs explicitamente a incorporação da proporcionalidade ao processo penal.
A aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no direito brasileiro se deu primeiramente na ponderação entre crime e respectiva pena, “o princípio da proporcionalidade exige que faça uma ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena)”.[33]
No entanto, o conceito de proporcionalidade como um princípio jurídico, com índole constitucional, vem sendo desenvolvido ainda hoje.
3.1.1 Princípio da Proporcionalidade no direito comparado (Alemanha e Estados Unidos)
A origem do princípio da proporcionalidade, sob a atual perspectiva constitucional, pode ser remontada à experiência de vários países, inclusive de sistemas totalmente diversos, como os Estados Unidos (razoabilidade) e à Alemanha (proporcionalidade), os dois países que mais exerceram influência sob o direito brasileiro nesse tema.
Embora a Alemanha não tenha sido a precursora na previsão constitucional do princípio da proporcionalidade, foi nessa nação onde o referido princípio “deitou raízes mais profundas”, no dizer de Paulo Bonavides, notadamente porque as posições doutrinárias nem de longe eram carentes de originalidade e renovação.[34]
Sendo assim, a Alemanha foi, indubitavelmente, o país em que o princípio da proporcionalidade teve maior difusão, não só na doutrina, como também na jurisprudência. A partir do direito administrativo, o aludido princípio assumiu posição de revelo no Direito Constitucional, em meados da segunda metade do século XX.[35]
No final do século XVIII estavam consignadas, apor meio de Suarez, as origens administrativas do princípio da proporcionalidade na Alemanha, fundamentando-se no direito natural, na qual a liberdade é inata e inalienável ao homem.
A teoria da proporcionalidade vigorou primeiramente na Prússia, estando vinculada à jurisdição administrativa e ao direito de polícia, lugar em que alcançou maturidade e pôde se ampliar para os demais Estados alemães.
Mas foi somente após a Segunda Guerra Mundial, depois do advento da lei fundamental, que o princípio da proporcionalidade passou a ter larga aplicação de caráter constitucional, sobretudo na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão.[36]
Nesse diapasão, de acordo com a lição de Suzana de Toledo Barros[37], só se pode falar em constitucionalismo na Alemanha, como movimento político-jurídico tendente a limitar os poderes do Estado e garantir os direitos fundamentais, a partir da Constituição de Weimar, de 1919, cujo mérito maior foi o de pôr em relevo os direitos da segunda geração, isto é, os direitos sociais.
Entretanto, o nacional-socialismo transformou a Alemanha em uma comunidade racista e rompeu com a constituição de Weimar, levando a ditadura de Fuhrer, que legou ao povo alemão a dolorosa experiência da Segunda Guerra Mundial.
Foi no período pós-guerra que aquele país sofreu uma enorme transformação nas suas bases culturais, viabilizando uma nova Constituição – A Lei Fundamental de 23 de maio de 1949.
Conforme Jorge Miranda[38], a nova carta política, ou Constituição de Bonn, promove especial relevo e atenção ao postulado da dignidade da pessoa humana, além de admitir que diretrizes do direito natural limitassem o poder estatal.
O Tribunal Constitucional alemão assimilou, em larga medida, a preocupação com os direitos fundamentais incluídos na Lei Fundamental. Ressalta Bonavides que foi em 16 de março de 1971 que, pela primeira vez, a Corte Constitucional alemã definiu, com clareza, o teor do princípio da proporcionalidade, do seguinte modo:
“O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido um outro meio, igualmente eficaz, mas que limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental”. [39]
O critério jurídico para aferir a legitimidade da intervenção do legislador nas normas que versem sobre os direitos fundamentais foi criado pelo Tribunal, que conseguiu alcançar ordem constitucional ao princípio controlador do excesso legislativo.
É o que ensina Gilmar Ferreira Mendes, ao expor que: “No direito constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade ou ao princípio da proibição do excesso qualidade de norma constitucional não-escrita, derivada do Estado de Direito”.[40]
Durante as décadas de 50 e 60, na Alemanha, dois trabalhos acadêmicos tiveram como tema o princípio da proporcionalidade. Em 1955, surge a tese universitária de Rupprecht Von Krauss: “O princípio da proporcionalidade”, publicada em Hamburgo. Em 1961, Peter Lerche publica, em Colônia, a obra: “Excesso e direito constitucional, a vinculação do legislador aos princípios da proporcionalidade e da necessidade”.
O princípio da proporcionalidade foi aperfeiçoado pelo direito germânico e irradiado para grande parte do mundo do civil law como princípio implícito no ordenamento jurídico e com sede constitucional. A conceituação técnico-jurídica do princípio é, pois, fruto do labor da doutrina e jurisprudência alemãs.
No que tange ao constitucionalismo Norte-Americano, o princípio da razoabilidade teve sua origem vinculada ao caráter normativo atribuído à cláusula due process of law, ressaltando dois aspectos: o primeiro meramente processual, sendo vedados exames de ordem subjetiva relativos a possíveis arbitrariedades derivadas do Poder Legislativo, e a segunda de caráter substancial, a qual possibilita exercer o controle do arbítrio do ato legislativo e da discricionariedade do executivo.
A fase processual, pois, estava associada a uma exigência de legalidade, segundo o qual os atos do governo deveriam obedecer à determinada forma e procedimento para se evitar prejuízos aos direitos individuais. Aplicava-se esta parcialmente ao direito penal, significando que, para alguém ser considerado culpado, seria indispensável um processo regular, assegurada a ampla defesa.
Nesta fase inicial, não se permitia ao judiciário examinar o caráter injusto ou arbitrário do ato legislativo, tratava-se somente de uma garantia voltada à regularidade do processo penal, depois estendida ao processo civil e ao administrativo.
Por sua vez, na fase substantiva do due processo of law passou a se processar o controle da razoabilidade e da racionalidade dos atos dos poderes do Estado de forma geral. Nesse período, foram produzidas várias decisões por inconstitucionalidade de leis, sob o crivo de um juízo de razoabilidade exacerbado do Judiciário, tendente ao subjetivismo, uma vez que os juízes americanos tinham liberdade na tarefa de interpretar.
O controle de constitucionalidade das leis, associado ao due processo of law, garantiu, ao longo da história, ampla proteção dos direitos fundamentais da América do Norte.
Inspirado na common law, que possibilitou aos juízes americanos maior desenvolvimento do direito por meio da prática jurisprudencial, e sob a influência do jusnaturalismo, que tem o Direito como ideal de justiça e limite à atuação do Estado intervencionista, o modelo americano de controle vem permitindo conter o arbítrio do legislador e do administrador, pela sindicância da razoabilidade dos atos governamentais.[41]
O modelo americano de Constituição, que propiciou o controle jurisdicional das leis voltado para a garantia das liberdades ali consignadas, decorreu do próprio federalismo. É o que aduz Orlando Bitar:
“A natureza federal do Estado americano determinou, por um processo espontâneo de crescimento, o controle de constitucionalidade pelo Judiciário, sempre, naturalmente, concorrendo as demais causas históricas (…). Sendo o governo dos Estados Unidos de poderes limitados, seria a própria negação ao federalismo que pudessem os Estados invadir a órbita federal ou que a União fosse, na sua hegemonia, além das fronteiras que lhe impõe o respeito da autonomia local ou, finalmente, que o congresso se excedesse na sua competência de legislar para União, desprezando as restrições constitucionais expressas ou implícitas.”[42]
3.2 Princípio da proporcionalidade e seus subprincípios
Constatou a doutrina majoritária a existência de três elementos, conteúdos parciais ou subprincípios que governam a composição do princípio da proporcionalidade, sendo estes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Segundo Alexy[43], necessidade, adequação e proporcionalidade são “parcelas do princípio da proporcionalidade”, em que necessidade implica dizer se um princípio tem mais ou menos peso em certa situação, conforme as circunstâncias da situação tornem o valor que ele tutela ou promove mais ou menos necessário; adequação significa dizer que um princípio deve ser aplicado a uma situação quando é adequado para ela; e proporcionalidade em sentido estrito, onde “os ganhos devem superar as perdas”.
Para Virgílio Afonso, a ordem de apreciação dos subprincípios deve ser respeitada. Assim, o autor preceitua:
“A real importância dessa ordem fica patente quando se tem em mente que a aplicação da regra da proporcionalidade nem sempre indica a análise de todas as suas três sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma subsidiária entre si.”[44]
A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-regras da proporcionalidade, é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas, quando do controle do ato considerado abusivo. Contudo, segundo Virgílio Afonso[45], a subsidiariedade quer dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade.
Assim, a aplicação da regra da proporcionalidade pode esgotar-se, em alguns casos, com o simples exame da adequação do ato estatal para a promoção dos objetivos pretendidos.
3.2.1 Adequação
A adequação, também chamada de pertinência ou aptidão, deve dizer se determinada medida representa o meio certo para executar um fim almejado no interesse público.
Canotilho define a adequação, como sendo o subprincípio que:
“Impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deva ser apropriada à persecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adoção […] Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim”.[46]
Diante disso, o subprincípio da adequação, que consubstancia a idoneidade e a conformidade dos meios empregados, estabelece que a providência escolhida para apreciação do caso concreto seja apropriada aos objetivos perquiridos. Trata-se, na verdade, do controle da relação de adequação entre o meio e o fim.
Questão importante é saber se a adequação deve ser completa ou apenas parcial. Sobre o tema, Pedro Penalva, citado por Suzana de Toledo Barros,[47] entende que não há que radicalizar o assunto, mostrando que um juízo de adequação se faz em face de uma situação concreta, não se podendo desconsiderar, contudo, que a lei, como produto da vontade do legislador, é, no momento de sua edição, apenas uma previsão abstrata cujas virtualidades só com o decurso do tempo vão-se relevando.
E para sustentar sua tese, Suzana traz em sua obra o exemplo do Tribunal Constitucional alemão, no qual declarou inconstitucional uma medida tributária, tendo em vista que o tempo decorrido entre a edição da norma e a decisão judicial não era ainda razoável para avaliar se a norma atingiria ou não seus objetivos.
Há autores que entendem que a adequação da norma deve ser relativizada a depender do caso concreto. Sobre o tema, Diana-Urana Galetta[48] assim se expressa: “Nem é necessário que o meio utilizado se apresente como melhor possível ou mais adequado, é suficiente que ele forneça um contributo à consecução do objetivo”.
Diante disso, desde que o meio adotado fomente ou viabilize a realização do fim almejado já reunirá condições de ser considerado constitucionalmente adequado.
3.2.2 Necessidade
O subprincípio da necessidade ou da exigibilidade, ou, ainda, da menor ingerência possível, coloca a tônica no sentido de que um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido.
Assim, o cidadão tem o direito à menor desvantagem quando da restrição de algum dos seus direitos fundamentais.
O elemento necessidade impõe a escolha dentre os meios abstratamente idôneos a alcançarem o objetivo almejado, aquele cuja adoção implique nas menores consequências negativas ao particular.[49]
Esse subprincípio impõe uma avaliação pelo aplicador do direito dos próprios meios, levando em conta a perspectiva dos eventuais prejuízos deles resultantes. Assim, o emprego de determinado meio deve limitar-se ao estritamente necessário para a consecução do fim almejado, e, havendo mais de um meio, dentro do faticamente possível, deve ser escolhido aquele que traga menos desvantagens ou prejuízos.[50]
Aspecto importante desse subprincípio diz respeito ao tempo de duração de uma medida restritiva de direito fundamental. Suzana Toledo Barros dá o exemplo da previsão do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, no qual permite o legislador impor restrição ao sigilo das comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal, e questiona se seria lícito que a lei possibilitasse uma intervenção ad eternum quando estivessem sob suspeita criminosos e organizações voltadas para a prática permanente de crimes.
É certo que, com base no referido princípio, o magistrado deve fixar quantitativamente o tempo máximo da medida restritiva, justamente para evitar que a exceção se torne a regra e, por via transversa, se viole a garantia constitucional do acusado.
3.2.3 Proporcionalidade em sentido estrito
Conforme preceitua Ávila: “O exame da proporcionalidade em sentido estrito exige a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais”.[51] Segundo ele, a pergunta que deve ser formulada é a seguinte: O grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais?
Trata-se, pois, esse subprincípio de pesar no caso concreto as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins. Assim, o principal ponto desse elemento é a ponderação, a relação “custo-benefício”, ou seja, além de se levar em conta a adequação e a necessidade da opção feita, há de ter em consideração, ainda as os prejuízos e benefícios que a medida acarreta para os envolvidos.
Quanto maior é o grau da insatisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação de outro princípio. Os princípios possuem pesos relativos e pela necessidade de otimizar as possibilidades jurídicas, eles só podem ser restringidos na medida em que não sejam afetados mais do que o necessário para aplicação de outros.[52]
Com base nisso, o trabalho de balanceamento entre direitos fundamentais consagrados na Constituição é o que se espera, pois, do mandado de ponderação, próprio do princípio da proporcionalidade em sentido estrito. A necessária ponderação tem lugar no momento em que uma norma de direito fundamental entra em colisão com outra cujo mandamento diga respeito a outro direito, igualmente fundamental.
4 PROPORCIONALIDADE E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Constituição Federal de 1988 consubstanciou expressamente em seu texto a adoção de um modelo de Estado Democrático de Direito, e, com isso o Estado passou a sujeitar-se a uma série de fins diretivos, no qual buscam a persecução e a concretização da justiça social.
Destarte, esse modelo de organização política de poder pressupõe que os indivíduos possuem certos direitos indispensáveis à própria existência e ao desenvolvimento da personalidade humana, que constituem verdadeiras barreiras de proteção contra utilização arbitrária do poder do Estado.[53]
São esses direitos considerados imprescindíveis ao ser humano que se denominam de fundamentais, tais como: o direito à vida, liberdade, igualdade, dignidade humana. Os direitos fundamentais são concebidos no âmbito da normativa constitucional, através de um extenso rol, como um conjunto de valores básicos que dão a um indivíduo a condição de pessoa, cidadão, trabalhador e administrado.
Ostentam os direitos fundamentais um duplo caráter. De um lado, constituem direitos subjetivos do particular, sendo verdadeiros instrumentos de defesa contra eventuais arbítrios estatais. Essa dimensão, denominada subjetiva, gravita, pois, em torno da posição jurídica do indivíduo, consubstanciando-se na faculdade de o titular de um direito exigir uma ação ou abstenção do Estado.
Por sua vez, no que diz respeito à dimensão objetiva, os direitos fundamentais constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. Essa dimensão, assim, consagra os valores mais importantes da ordem jurídica, não sendo de interesse meramente individual, mas sim de toda a comunidade.
Peter Haberle[54] sustenta que os direitos fundamentais, como componentes de um sistema unitário, estão relacionados reciprocamente, e de maneira condicionada, com outros bens jurídico-constitucionais, inferindo-se que eles terão seu conteúdo e limites delimitados em virtude de outros bens jurídico-constitucionais reconhecidos conjuntamente.
Dessa forma, com o propósito de garantir a justiça social, fim último do Estado Democrático de Direito, diante de conflitos entre direitos constitucionais pressupõe-se a utilização do princípio da proporcionalidade, a fim de concretizar valores de índole fundamental, tomando-se como primazia a dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal reconhece a existência e importância da dignidade da pessoa humana e transforma-a em um valor supremo da ordem jurídica, quando a institui como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito (art. 1º, inc. III, CF).
Ingo Sarlet[55] ressalta que a dignidade humana comporta “uma função instrumental integradora e hermenêutica na medida em que serve de parâmetro de aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo ordenamento jurídico”.
4.1 O princípio da proporcionalidade e a ponderação de direitos fundamentais
Como consequência da adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro do princípio da Unidade da Constituição, as normas existentes no texto constitucional possuem o mesmo nível hierárquico. Assim, uma vez inseridas na Lei Maior, as normas possuem idêntico valor, qualquer que seja o seu conteúdo.
Ademais, ainda com base nesse princípio pode-se extrair que a interpretação das normas constitucionais deve ser feita como um todo harmônico, cujos elementos precisam guardar coerência interna, de forma a evitar divergência entre os seus dispositivos.
Ocorre que, em determinadas situações as normas de direitos fundamentais poderão protagonizar um aparente cenário de conflito, isto é, no plano concreto, uma determinada norma poderá ensejar a permissão de determinado ato enquanto outra poderá negar o exercício do mesmo feito.
O referido conflito entre valores constitucionais afigura-se cada vez mais frequente na prática jurídica brasileira devido ao alargamento do seu âmbito e da intensidade de proteção dos direitos fundamentais pela Constituição Federal de 1988, notadamente em decorrência do caráter analítico da Carta Magna.
É cediço que nenhum direito fundamental é absoluto, configurando como uma de suas características básicas a relatividade. Dessa forma, quando entram em choque não há como estabelecer a priori qual direito vai se sobressair, pois essa problemática só poderá ser solucionada tendo em vista o caso concreto. Como ressalta Paulo Gustavo Gonet Branco:
“Os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos […] Até o elementar direito à vida tem limitação no inciso XLVII, a, do art. 5ª em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada.”[56]
Nesse ínterim, não obstante serem normas de aplicação imediata, os direitos fundamentais exarados na Lei Maior não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Constituição.[57]
A própria Constituição responde afirmativamente à restrição dos direitos e garantias fundamentais: art. 5º, inciso XII (restrição ao sigilo telefônico), inciso XIII (restrição ao exercício do trabalho, ofício ou profissão), inciso XV (restrição ao direito de locomoção no território nacional), dentre outros.
Segundo Daniel Sarmento[58], diante da possibilidade recorrente de colisão entre direitos fundamentais na solução de casos concretos, torna-se imprescindível a construção de uma técnica alternativa que seja, por um lado, maleável, para dar conta da complexidade imanente ao fenômeno constitucional, mas que, por outro, não ressalve para o puro subjetivismo.
A jurisprudência alemã, acolhida pela nossa Suprema Corte, consagra o princípio da proporcionalidade – que se subdivide nos subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito – como parâmetro de controle das restrições levadas a cabo pelo Estado em relação aos direitos fundamentais dos cidadãos.
Conforme Konrad Hesse:
“A limitação dos direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional em sentido estrito, isto é guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental.”[59]
A ponderação, pois, consiste no devido método para pesar as colisões entre princípios de igual hierarquia, em que se busca alcançar um ponto ideal, de forma que a restrição de cada um dos direitos fundamentais envolvidos seja a menor possível, na medida exata à salvaguarda do direito contraposto.
Segundo esclarece Marmelstein:
“A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores.” [60]
Insta ressaltar que o método de ponderação de interesses foi utilizado pela primeira vez no Tribunal Constitucional Federal Alemão na sentença Lüth em quinze de janeiro de 1958, na qual deliberou-se sobre a constitucionalidade de restrição a direito fundamental. Naquela ocasião, esse Tribunal decidiu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer, haja vista que não afetava interesses de terceiros dignos de proteção. [61]
A partir desse caso, a técnica da ponderação de bens foi fortemente desenvolvida e estabilizada na Alemanha e em outros países.
Leciona Marmelstein que no método da ponderação, o julgador tem de, primeiramente, tentar conciliar ou harmonizar os interesses em jogo, pelo princípio da concordância prática. E apenas na hipótese de não ser possível a conciliação, é que se deve utilizar o sopesamento ou a ponderação propriamente dita. [62]
Na segunda hipótese, qual seja, a da ponderação propriamente dita, deve o aplicador do direito buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em questão, atendendo aos imperativos da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, subprincípios do princípio da proporcionalidade. Sobretudo ao juiz compete conferir efetividade aos princípios constitucionais, interpretando-os de forma hierárquica e atribuindo primazia à dignidade humana.
O princípio da proporcionalidade, aplicado à resolução de conflitos entre interesses contrários, bens jurídicos essenciais contrapostos, valores e direitos fundamentais colidentes permite a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, limite dos limites, mínimo a ser preservado em defesa do indivíduo contra o arbítrio estatal, quando este atua em prol dos interesses da sociedade, na visão de Flávia D’urso.[63]
Assim, a ideia de que o magistrado declara o direito foi superada, cabe a ele, pois, o balanceamento e a valoração dos interesses em conflito, tendo em vista a perspectiva principiológica constitucional.
4.2 Proibição do excesso
As limitações que os direitos fundamentais sofrem são restritas, ou seja, não é permitido limitar esses direitos além do estritamente necessário. Já que esses direitos não são absolutos, é imprescindível que se saiba até onde se pode limitá-los, a fim de que se evite seu completo desvirtuamento ou até mesmo sua anulação.
A relativização dos direitos fundamentais só é admitida quando compatível com os ditames constitucionais e respeitado o princípio da proporcionalidade, através da técnica da ponderação.
Nessa senda, diante da necessidade de estabelecer limitações às restrições, a doutrina alemã criou o que se denomina de teoria do Limite dos Limites (Scharanken-Scharanken), trazida para o Brasil pelos doutrinadores constitucionalistas Gilmar Mendes e Paulo Gonet e que, por sua vez, preconiza a necessidade da preservação de um núcleo essencial dos direitos fundamentais, também conhecido como conteúdo essencial dos direitos fundamentais.[64]
Conforme Ignacio de Otto y Pardo[65] o conteúdo essencial é o limite do limite porque “limita a possibilidade de limitar, porque señala um limite más allá del cual no es posible la actividad limitadora de los derechos fundamentaes y de las luberdades publicas”. Corresponde, assim, a um obstáculo de defesa da cidadania contra ações violadoras praticadas pelas autoridades constituídas.
Daniel Sarmento acrescenta que a proteção dos direitos fundamentais contra restrições que atinjam o núcleo essencial dos direitos fundamentais é um “reduto inexpugnável, protegido de qualquer espécie de restrição.” [66]
Como se pode observar, o núcleo essencial é considerado como o conteúdo mínimo e intangível do direito fundamental, que deve sempre ser protegido em quaisquer circunstâncias, sob pena de criar grave situação inconstitucional. Sendo assim, as restrições aos direitos fundamentais alcançam sua constitucionalidade na preservação do núcleo essencial.
Há controvérsia doutrinária no tocante à proteção do núcleo essencial, deparando-se com duas correntes relativas a seu objeto, quais sejam: a teoria absoluta e a relativa.
A teoria absoluta compreende o núcleo essencial dos direitos fundamentais como unidade substancial autônoma que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. Essa concepção adota uma interpretação material, conforme a qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal. Em outras palavras, haveria um espaço que seria suscetível de limitação por parte do legislador; outro seria insuscetível de limitação. Tal teoria separa, pois, direitos insuscetíveis de limitação daqueles que podem ser restringidos.
Por outro lado, a teoria relativa entende que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso concreto, tendo em vista o objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial seria aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins, com base no princípio da proporcionalidade. Segundo essa concepção, a proteção do núcleo essencial teria significado marcadamente declaratório.
Apesar de suas diferenças, é certo que ambas as teorias reconhecem a existência de um núcleo essencial que não pode ser ultrapassado pelo legislador, delimitando o espaço que a lei não pode adentrar, sob pena de ser declarada como inconstitucional. Nessa senda, o controle de constitucionalidade também garante ampla proteção aos direitos fundamentais.
No Brasil, não há tratamento na legislação de forma direta e específica a respeito do tema, contudo não se deve olvidar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 60, § 4ª, IV, veda qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, pelo que se pode enxergar, ainda que timidamente, uma tentativa de se limitar os limites.
Outrossim, importante destacar que a teoria do Limite dos Limites tem acolhimento pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ocasião em que se traz à colação o seguinte trecho do julgamento da ADC nº 29/DF:
“O princípio da proporcionalidade constitui um critério de aferição da constitucionalidade das restrições a direitos fundamentais. Trata- se de um parâmetro de identificação dos denominados limites dos limites (Schranken-Schranken) aos direitos fundamentais; um postulado de proteção de um núcleo essencial do direito, cujo conteúdo o legislador não pode atingir. Assegura-se uma margem de ação ao legislador, cujos limites, porém, não podem ser ultrapassados. O princípio da proporcionalidade permite aferir se tais limites foram transgredidos pelo legislador.” (grifo nosso)[67]
Como se vem afirmando, a proporcionalidade e o objetivo de concretização dos direitos fundamentais ensejam a manutenção de um equilíbrio nas ações estatais, ou seja, uma espécie de intervenção tarifada. Dessa forma, veda-se, não só ao Poder Legislativo violar o conteúdo do núcleo dito essencial, como também ao Poder Judiciário restringir determinado direito além do que seja estritamente preciso, diante do conflito de direitos fundamentais do caso concreto.
Isto posto, não se pode permitir que o Estado, em sentido latu sensu, sob o argumento de proteger, acabe por atingir de modo ainda mais grave um direito fundamental.
É o que se denomina princípio da proibição de excesso de proibição (übermassverbot), em que o Estado não pode ir além do necessário e adequado.
Segundo esclarece Ingo Wolfgang Sarlet[68] :
“para a efetivação de seu dever de proteção, o Estado – por meio de um dos seus órgãos ou agentes – pode acabar por afetar de modo desproporcional um direito fundamental (inclusive o direito de quem esteja sendo acusado da violação de direitos fundamentais de terceiros). Esta hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que, nesta perspectiva, atuam como direitos de defesa, no sentido de proibições de intervenção (portanto, de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim preferirmos). O princípio da proporcionalidade atua, neste plano (o da proibição de excesso), como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais, o que também já é de todos conhecido e dispensa, por ora, maior elucidação.”
O princípio da proibição do excesso, uma das vertentes do princípio da proporcionalidade, surgiu devido a costumeiros abusos e exorbitâncias cometidas pelo Estado. Ele possui suas raízes mais profundas na época dos iluministas, como Montesquieu (Charles de Secondat), autor do Espírito das Leis, obra que lhe deu grande reputação. Como também Cesare Beccaria, pois ambos tratavam sobre a proporcionalidade das penas em relação aos delitos praticados.
O princípio da proibição do excesso é bem notório no Direito Penal, sobretudo diate da aplicação de penas às infrações penais. A realização de uma conduta punível cria para o Estado o poder e o dever concreto de punir, de impor a sanção penal. Destarte, as penas devem ser proporcionais ao delito. O Estado tem a obrigação de punir senão nos moldes determinados pela sanctio juris, ao passo que o criminoso tem o direito de não ser punido além daqueles limites.
Insta destacar que tal princípio não deve ser utilizado como argumento ou subterfúgio para prática de condutas ilícitas e contrárias ao ordenamento jurídico, mas sim possibilitar o preenchimento de todos os seus subprincípios a fim de prever (abstratamente) e aplicar (concretamente) uma pena a determinado ato ilícito, seja este infração penal ou não.
Destaca-se que o princípio da proibição do excesso vem sendo reiteradamente aplicado pelos Tribunais Superiores, in verbis:
“HABEAS CORPUS” – VEDAÇÃO LEGAL IMPOSTA, EM CARÁTER ABSOLUTO E APRIORÍSTICO, QUE OBSTA, “IN ABSTRACTO”, A CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, CAPUT” E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS – RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 33, § 4º, E ART. 44) PELO PLENÁRIO DESTA SUPREMA CORTE (HC 97.256/RS) – OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA PROPORCIONALIDADE – O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA PROIBIÇÃO DOEXCESSO”: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO – CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DO ÓBICE À SUBSTITUIÇÃO – O LEGISLADOR NÃO PODE VEDAR A CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÃO PENAL ALTERNATIVA, SEM A IMPRESCINDÍVEL AFERIÇÃO, PELO MAGISTRADO, DOS REQUISITOS DE ÍNDOLE SUBJETIVA E DOS PRESSUPOSTOS DE CARÁTER OBJETIVO DO SENTENCIADO ( CP , ART. 44 ), SOB PENA DE GERAR SITUAÇÕES NORMATIVAS DE ABSOLUTA DISTORÇÃO E DE SUBVERSÃO DOS FINS QUE REGEM O DESEMPENHO DA FUNÇÃO ESTATAL – PRECEDENTES – “HABEAS CORPUS” DEFERIDO EM PARTE . – O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 97.256/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO, reconheceu a inconstitucionalidade de normas constantes da Lei nº 11.343 /2006 (Lei de Drogas), no ponto em que tais preceitos legais vedavam a conversão, pelo magistrado sentenciante, da pena privativa de liberdade em sanções restritivas de direitos . – O Poder Público, especialmente em sede penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo . – Atendidos os requisitos de índole subjetiva e os de caráter objetivo, previstos no art. 44 do Código Penal, torna-se viável a substituição, por pena restritiva de direitos, da pena privativa por pena restritiva de direitos, da pena privativa de liberdade imposta aos condenados pela prática dos delitos previstos no art. 33, “caput” e § 1º, e arts. 34 a 37, todos da Lei nº11.343/2006. [69]
O princípio da proibição do excesso também possui relevante aplicação no âmbito do direito administrativo, no qual os limites do poder de polícia devem estar demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais dos indivíduos constitucionalmente assegurados.
Como assinala Celso Antônio Bandeira de Mello: “A Administração Pública não deve atuar jamais servindo-se de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção dos resultados pretendidos pela lei, sob pena de vício jurídico, que acarretará responsabilidade da Administração”.[70]
Desta maneira, constitui requisito específico para validade do ato de polícia a a proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social, da mesma forma deve haver correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de medida punitiva.
A desrazoabilidade do ato de polícia ou seu excesso constitui abuso de poder e, sendo assim, tipifica ilegalidade, apta a resultar em nulidade da sanção estabelecida.
Por essa razão, só é válida a utiização de meios diretos de coação quando não houver outro meio eficaz para se alcançar o mesmo objetivo, não sendo legítimo quando desproporcionais ou excessivos em relação ao interesse tutelado pela lei.
4.3 Proibição da proteção deficiente
Conforme exposto, o Estado tem o dever de agir na proteção de bens jurídicos de índole constitucional. Para tanto, deverá respeitar o princípio da proporcionalidade. Ocorrerá violação ao princípio aludido não apenas quando houver excesso na ação estatal, mas também quando a proteção ao bem jurídico constitucionalmente previsto ocorrer de forma manifestamente deficiente. Isto porque, a proporcionalidade é composta de duplo viés: a proteção positiva (proibição de excesso estatal) e a proteção em face de omissões (proibição da atuação estatal deficiente).
Assim sendo, a inconstitucionalidade poderá decorrer tanto do descomedimento estatal de maneira excessiva, situação em que determinado ato é desarrazoado, acarretando evidente desproporção entre fins e meios; como também derivar de proteção insuficiente a um direito, especialmente quando o Estado desconsidera o uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger bens jurídicos específicos.
Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
“Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote).” (STF – Segunda Turma – HC 104410 – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJe 27/03/2012)
Por força do princípio da proibição de proteção deficiente, tão pouco a lei ou o Estado podem apresentar insuficiência em relação à tutela dos direitos fundamentais, ou seja, tal princípio institui um dever de proteção para o Estado, o qual não pode abrir mão dos mecanismos de tutela para assegurar a proteção de um direito fundamental.
Em seu voto proferido na ADI nº 3.112, O Ministro Gilmar Mendes ressaltou que: “a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção”.
Lenio Streck aduz que o princípio da proibição do excesso pode ser definido como: “um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja aplicação pode determinar-se se um ato estatal – por antonomásia, uma omissão viola um direito fundamental de proteção.” [71]
Nesse diapasão, é reconhecido o dever de proteção efetiva por parte do Estado, obstando que um direito seja assegurado aquém de um mínimo necessário, como esclarece no trecho abaixo transcrito:
“Uma vez reconhecido que pesa sobre o Estado o dever de proteção de um direito fundamental, logicamente que a eficácia da proteção constitucionalmente requerida integrará o próprio conteúdo desse dever, pois um dever de tomar medidas ineficazes não faria sentido. Nesse tom, a partir do momento em que compreendemos que a Constituição proíbe que se desça abaixo de um certo mínimo de proteção, a proporcionalidade joga, aqui, como proibição de proteção deficiente. Diversamente do que sucede com a proibição de intervenção (excessiva), a função de imperativo de tutela pressupõe uma deliberação sobre o “se” e o “como” da proteção, circunstância que torna sua operacionalização mais difícil em relação àquela. Observe-se: enquanto na proibição de intervenção excessiva a legitimidade da ação estatal é questionada em face de uma medida específica (precisamente aquela que foi adotada), na hipótese de um imperativo de tutela a justificação há de estabelecer-se em face de um arsenal de medidas de possível adoção à proteção do direito fundamental (civis, administrativas, penais etc.).” [72]
Comumente a violação da proibição da insuficiência encontra-se representada por uma omissão do poder público, no que concerne ao cumprimento de um imperativo constitucional. Na medida em que o Estado se omite do seu dever na proteção de direitos fundamentais, ou não o faz de forma adequada e eficaz, seu ato estará eivado de inconstitucionalidade.
A proibição da proteção deficiente constitui não só uma técnica a ser aplicada pelo julgador, mas um limite de valoração para o legislador, uma vez que este fica restrito a elaborar uma norma que seja suficientemente adequada e eficaz para garantir a proteção mínima exigida pela Constituição. Portanto, se não houver proteção normativa ao direito fundamental, no que diz respeito a sua dimensão objetiva – de imperativo de tutela – verificar-se-á um ato estatal de notória inconstitucionalidade, que impedirá o gozo do direito fundamental pelo seu titular.
Assim, até mesmo o legislador deve respeitar esse principio, pois não existe liberdade absoluta de conformação legislativa, na medida em que seus atos também devem ser pautados pelas diretrizes constitucionais.
O princípio da insuficiência seria idôneo, pois, para rechaçar do ordenamento jurídico normas que estabeleçam situação de desproporcionalidade extrema entre bens jurídicos que requerem proteção do Estado.
No contexto histórico importa enfatizar a evolução do princípio da proporcionalidade como não intervencionismo estatal para a necessidade de se proteger adequadamente os direitos fundamentais (untermassverbot). Conforme Maria Luiza Streck[73]:
“Passados dois séculos, é possível dizer que a visão de cunho liberal deixou de lado aquilo que se pode chamar de proteção positiva dos direitos fundamentais por meio do Direito Penal, preocupação típica do Estado Democrático de Direito. […] vislumbra-se o outro lado da proteção estatal, o da proibição da proteção deficiente (ou insuficiente), chamada no direito Alemão de Untermassverbot.”
Compreende-se dessa forma que o Estado que antes possuía característica de ser absenteísta, passou a ter a função precípua de proteger os direitos fundamentais atuando de forma positiva ou prestacional, não cabendo mais falar em uma função estatal unicamente negativa.
Strek alude que foi houve a superação do modelo clássico de garantismo negativo exclusivo, no qual corresponde a uma das faces do princípio da proporcionalidade, qual seja a proibição do excesso estatal (ubermassverbot). [74]
Cabe destacar ainda o vínculo direto que possui a cláusula da proibição da proteção deficiente com o direito penal, na medida em que este constitui uma das principais ferramentas do Estado para proteção dos direitos fundamentais, principalmente no que tange aos imperativos de tutela ou deveres de proteção.
Um exemplo citado pelo doutrinador de aplicação da proibição da proteção deficiente nesse ramo do direito pode ser constatado quando o Estado-juiz concede liberdade provisória de forma arbitrária e ilegal a um indivíduo, já que nesse caso estará frustrando seu dever de proteção da segurança, direito fundamental dos cidadãos. [75]
Noutra senda, tem-se relevante aplicação do referido princípio no direito ambiental. Conforme Juarez Freitas, observa-se no atual contexto do direito ambiental o fenômeno recorrente da “insuficiência acintosa das medidas de precaução”. [76]
A ação insuficiente do estado, ou até mesmo de omissão, quando se depara com uma situação de possível dano ao meio ambiente conduz à violação do princípio da proporcionalidade em seu viés proibição da proteção deficiente.
Com base nesses exemplos analisados, vislumbra-se a importância do princípio da proporcionalidade como instrumento de salvaguarda de direitos fundamentais.
CONCLUSÃO
Os direitos fundamentais se apresentam como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos e, ao mesmo tempo, como marco da proteção das situações jurídicas subjetivas.
Esses direitos se relacionam reciprocamente e de maneira condicionada com outros bens jurídico-constitucionais. Assim, haverão de ter seu conteúdo e seus limites definidos por outros valores constitucionais diante do caso concreto.
Devido à carga axiológica existente nos direitos fundamentais, eles vivem em uma constante tensão, em consequência disto, não há que se cogitar, em um sistema constitucional democrático, a existência de direitos fundamentais absolutos, isto é, direitos que sempre prevaleceram em detrimento de outros.
Nessa senda, com a colisão entre direitos de igual hierarquia, avulta de importância uma técnica capaz de solucionar a querela posta ao Estado-juiz. Eis que o princípio da proporcionalidade assume especial importância, uma vez que se constitui como o instrumento idôneo, através do método da ponderação – proporcionalidade em sentido estrito – para se solucionar conflitos entre direitos fundamentais no caso concreto.
A ponderação consiste no método necessário ao equacionamento das colisões entre princípios da Carta Magna, no qual se busca alcançar um ponto ótimo, em que a restrição a cada um dos direitos fundamentais envolvidos seja a menor possível, na medida exata à salvaguarda do direito contraposto.
Na utilização da técnica da ponderação de interesses há de ser observado determinados limites. Entre esses limites está a preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Ainda como limite encontra-se a Dignidade da Pessoa Humana, principal critério substantivo na direção da ponderação entre princípios constitucionais.
Nessa perspectiva, é tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito a salvaguarda da dignidade da pessoa humana e a realização da justiça social. É nesse eixo central de nossa dogmática jurídico-constitucional que reside a importância do princípio da proporcionalidade, em suas duas perspectivas: a proibição do excesso e a proibição da proteção deficiente, uma vez que proporciona a garantia dos direitos fundamentais em todas as suas dimensões.
Sendo assim, na medida em que o Estado atua de maneira desarrazoada, excedendo-se na sua atuação teremos uma inconstitucionalidade. Da mesma forma ocorrerá se ele se omitir em seu dever de proteção dos direitos fundamentais, ou se não o fizer de forma adequada e eficaz.
O principio da proporcionalidade não pode ser compreendido em uma única dimensão, pois somente ambas são capazes de proporcionar a garantia dos direitos assegurados constitucionalmente e de aferir legitimidade aos atos estatais.
Pode-se concluir que o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário do Estado Democrático de Direito e verdadeiro instrumento apto a tutelar os direitos fundamentais.
Informações Sobre o Autor
Isabela Veras Sousa Porpino
Advogada em Recife/PE. Graduada em direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Pós graduada em Direto Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus