Contextualizando reflexões acerca do princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais, segundo Cristina Queiroz

Resumo: O presente estudo ocupa-se em avaliar a questão dos direitos fundamentais, focando-se o posicionamento ocupado por estes, na sociedade moderna. Para tanto, será efetuada abordagem acerca do princípio da não reversibilidade do aludido direito, segundo os ensinamentos da autora Cristina Queiroz, recorrendo à análise da previsão constitucional, sobre a temática, pontuando a margem de ação do legislador e o correspectivo controle jurisdicional, minudenciando a base do princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais, bem como a reversibilidade fática e a reversibilidade normativa, além do princípio da alternância democrática como princípio formal, explicitando cada um destes, com o fito de .demonstrar a necessidade da vinculação do legislador aos direitos fundamentais sociais e a correlata observância do inarredável princípio da proporcionalidade (verificando-se os princípios e as regras) para cada caso em concreto, gizando a concepção atual de coerência entre a soberania popular e a democracia, no bojo dos Direitos Fundamentais Sociais.


Palavras-chave: 1. Direitos Fundamentais. 2. Controle Jurisdicional. 3. Princípio da não reversibilidade.


Abstract: The present study is concerned with evaluating the question of fundamental rights, focusing on the position occupied by them, in modern society. To do so, approach will be made on the principle of non-reversibility of the law alluded to, according to the teachings of the author Cristina Queiroz, using the analysis of constitutional provision on the subject, pointing out the scope of action of the legislature and correspondingly control the courts, the basic niceties the principle of non-reversibility of fundamental social rights, as well as the reversibility and the reversibility phatic prescriptive than the principle of democratic change as the formal principle, explaining each of these, with the aim of. demonstrate the necessity of linking the legislature to fundamental social rights and related compliance with the inexorable principle of proporcionality (checking out the principles and rules) for each specific case in question highlighting the current notion of consistency between popular sovereignty and democracy, in the midst of Fundamental Social Rights.


Keywords:  1. Fundamental Rights. 2. Jurisdictional control. 3. Principle of non-reversibility.


Sumário: 1. Introdução. 2. A estrutura dos direitos fundamentais sociais. 3. Direitos fundamentais sociais e políticas públicas de direitos fundamentais. 4. A margem de ação do legislador e o controle jurisdicional: as normas de ação e normas de controle. 5. O problema da delimitação de direitos e as margens de ação do legislador. 6. Princípios formais e princípios materiais. 7. Um modelo diferenciado de densidade de controle. 8. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais. 8.1. Direitos constitucionais e direitos legais. 8.2. Reversibilidade fática e reversibilidade normativa. 8.3. O princípio da alternância democrática como princípio formal. 9. A vinculação do legislador aos direitos fundamentais sociais. 9.1. A força normativo-constitucional dos direitos fundamentais sociais. 9.2. A posição mínima definitiva. 9.3. O princípio da proibição da insuficiência. 10. Conclusões. Referências bibliográficas.
1. Introdução


A autora inicia sua obra apontando a estrutura normativa, como sendo resultado do processo de constitucionalização de direito, o que transforma em quantidade e em qualidade o conceito de constituição, sob aquela vertente normativa. Utilizando-se das considerações de Alexy embasa a assertiva, na distinção entre os conceitos de constituição: “ordem quadro” e “ordem fundamental”.


O conceito de constituição como ordem quadro “transformou-se numa bandeira comum dos mais diversos opositores da idéia de optimização”.


Assim, os direitos fundamentais restariam reduzidos a um “padrão” ou “standard mínimo”.


Ressalta que para Alexy a constituição não confia tudo à discricionariedade do legislador, cabendo à este aquilo que não está ordenado e nem proibido, ou seja, aquilo que se encontra autorizado no interior do quadro.


Neste modelo, recorre-se essencialmente aos conceitos e mandato, proibição e discricionariedade, não obstante se pudesse recorrer aos conceitos de necessidade, impossibilidade e possibilidade.


Em suma, a autora define:


O que resulta ordenado pela constituição mostra-se constitucionalmente necessário; o que resulta proibido pela constituição mostra-se impossível e o que a constituição confia à discricionariedade do legislador mostra-se tão somente constitucionalmente possível, não resultando nem necessário e nem impossível.


O conceito de ordem fundamental pode ser concebido tanto de um modo quantitativo, quanto de um modo qualitativo.


O conceito quantitativo de Constituição que dá a idéia de que não deixa nada por decidir e o conceito de ordem quadro, no qual significa a constituição que não decide nada do ponto de vista material.


Assim, não existe incompatibilidade entre os conceitos de constituição como ordem quadro e ordem fundamental. Entende a autora que, segundo a teoria dos princípios, uma boa Constituição deve combinar estes dois aspectos: deve corresponder quer a uma ordem fundamental quer a uma ordem quadro.


Deste modo, a Constituição deve ordenar e proibir algumas coisas (estabelecer um quadro); confiar outras coisas à discricionariedade dos poderes públicos (margens de ação); mediante mandatos e proibições deve decidir questões fundamentais para a sociedade que devam ser determinadas por uma Constituição.


2. A estrutura dos direitos fundamentais sociais


O constitucionalismo defronta-se com plano nacional, que concerne aos direitos, liberdades e garantias, de um lado e de outro, os direitos econômicos, sociais e culturais, do outro. Ambos encontram respaldo constitucional, pois estes são tratados genericamente como Direitos Fundamentais.


A autora cita que, recorrendo ao art. 17º. permite-se ao intérprete-aplicador estabelecer uma ponte de passagem entre o regime jurídico menos estrito e o mais específico e mais estrito.


Os direitos econômicos, sociais e culturais (direitos fundamentais sociais) constituem obrigações de prestação positivas, cuja satisfação consiste num fazer, uma ação positiva, a cargo dos poderes públicos.


As normas consagradoras dos direitos fundamentais sociais devem configurar-se como normas abertas, possibilitando diversas concretizações e ainda, o destinatário de alguns dos direitos fundamentais sociais não é unicamente o Estado, mas a generalidade dos cidadãos.


Ambos, os direitos, liberdades e garantias e os direitos econômicos, sociais e culturais, são direitos fundamentais, embora pertencentes a uma diferente estrutura e projeção dos mesmos na ordem jurídico-constitucional.


A diferenciação de estrutura e de projeção das normas no ordenamento constitucional surge essencialmente como um problema de interpretação constitucional.


Os direitos de defesa, desde a liberdade de expressão, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, até o direito de voto, requerem não apenas proibições de interferência dos poderes públicos, mas obrigações de prover a numerosas e complexas condições institucionais do respectivo exercício e garantia.


Os direitos fundamentais sociais vêm caracterizados segundo diferentes técnicas de positivação, como tarefas legislativas; como determinações dos fins do Estado; como tarefas constitucionais; como princípios diretivos ou como mandatos de optimização.


Esta caracterização dos direitos fundamentais sociais, que decorre da natureza objetiva das normas constitucionais apresenta duas dimensões fundamentais, que são: os direitos fundamentais sociais não garantem posições jurídico-subjetivas, dirigindo-se fundamentalmente ao Estado e a outros poderes públicos e; constituem apesar daquela assertiva, normas jurídicas vinculantes.


No que concerne especificamente aos direitos fundamentais sociais a pretensão não corresponde a uma omissão, mas a uma ação.


O grau de vinculação dos direitos fundamentais sociais acaba por se traduzir num maior espaço de prognose e liberdade de conformação.


Identificar um direito como pertencente ao grupo dos direitos, liberdades e garantias ou ao grupo dos direitos econômicos, sociais e culturais que resulta numa decisão convencional.


A resposta ao conjunto dos argumentos a favor e contra os direitos fundamentais sociais não deverá partir do pressuposto de uma diferenciação necessária entre os direitos de defesa e os direitos fundamentais sociais, mas ater-se na resposta à questão de saber se os direitos fundamentais sociais devem ser compreendidos como direitos de defesa em sentido formal ou como direitos de defesa em sentido material.


Quanto à diferenciação material, trata-se de distinguir essencialmente entre uma liberdade natural, pré-estatal, de um lado, de outras posições jusfundamentais, do outro.


Aqueles consistem em posições jurídicas que garantem aos cidadãos uma esfera livre da intervenção do Estado.


A Constituição de 1976 contém na Parte I, Título III, um catálogo alargado de direitos econômicos, sociais e culturais. Tal modelo de direitos fundamentais sociais, reconhecido na Constituição, corresponde a uma forma de divisão vertical de poder.


O que determina o conteúdo dos direitos fundamentais e mais precisamente os direitos, liberdades e garantias, reconhecido constitucionalmente é o bem ou valor de proteção, encontrando-se correlacionados: direito de defesa e sua esfera de proteção.


O direito de defesa pode consistir não apenas numa omissão, mas ainda num direito a prestação em sentido formal, no que respeita à essência do direito fundamental, a qual pode corresponder a uma reserva de autorização.


Há quem sublinhe a relatividade da distinção entre os direitos de defesa e os direitos fundamentais sociais, afirmando que existem níveis de obrigações estatais que são comuns a ambos os direitos.


Numa nova redefinição de direitos que coloque a dimensão negativa e a dimensão positiva dos direitos fundamentas no mesmo plano faz-se necessária, justapondo-se a liberdade face ao Estado e a liberdade através do Estado.


3. Direitos fundamentais sociais e políticas públicas de direitos fundamentais


Há autores que diferenciam o discurso dos direitos sociais das políticas públicas de direitos sociais.


O conceito de reserva do possível poderá certamente apresentar-se como uma exigência racional, imposta pela natureza das coisas através  dos elementos lógico e sistemático da interpretação de preceitos constitucionais, ou seja, não apenas o legislador ou a administração se encontram imediatamente obrigados a garantir esse conteúdo mínimo como não poderão ainda suprimir  completamente, sem contrapartida, as disposições legais e administrativas correspondentes.


Destarte, tratando-se de um mínimo já imediatamente aplicável e garantido pela Constituição como direito de defesa,  a respectiva eficácia não é mais nem menos intensa, mas simplesmente a do regime geral dos direitos, liberdades e garantias.


Uma política de direitos, e particularmente uma política dos direitos fundamentais sociais incluindo-se quase sempre uma linguagem de dever. Constituem deveres positivos, deveres de proteção e deveres de ação, que decorrem de imperativos constitucionais.


Alguns países optaram por inscrever os direitos fundamentais sociais numa declaração de direitos, sem efeito jurídico vinculante; outros optaram por  instituí-los como princípios diretivos de política econômica e social.


A Constituição espanhola de 1978 e a da Suíça, de 1999, optaram pela implementação destes direitos.


A Constituição de 1976 vincula os poderes públicos à implementação de políticas públicas de direitos fundamentais sociais.


Logo, a Constituição obriga os poderes públicos à aprovação de medidas legislativas e de outra natureza no quadro dos recursos disponíveis em ordem à realização progressiva e gradual dos direitos em presença.


4. A margem de ação do legislador e o controle jurisdicional: as normas de ação e normas de controle


Ao catálogo de direitos fundamentais reconhecidos na Constituição da República pode não corresponder uma estrutura processual-procedimental adequada e eficaz que confira plena realização a esses direitos e liberdades no seu conjunto.


Assevera a autora que Robert Alexy refere-se à uma divergência entre a norma de ação e a norma de controle. Naquele caso existe uma divergência que deve ser justificada e neste caso, a divergência inexiste, vez que se trata de uma vinculação jurídico-constitucional estabelecida nos termos da Constituição.


Tal distinção destina-se a relevar a circunstância de a mesma norma constitucional se apresentar simultaneamente como norma de ação para o legislador e medida de controle para os tribunais de justiça constitucional, preenchendo assim duas funções distintas.


A norma de ação para o legislador que é a realização do interesse público e mediante justa indenização aos proprietários privados. Nos termos de norma de controle, o que se verifica junto aos tribunais é se o legislador realizou o conteúdo objetivo da norma, de forma a otimizar esse interesse público, mediante justa indenização, ou ao invés, se o lesou.  


Em matéria de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais sociais, pode argumentar-se se estes direitos pressupõem uma ponderação face a outros bens e princípios constitucionais, sobretudo do equilíbrio financeiro e orçamental,  a reserva do possível e mesmo o do retrocesso social.


Certo é, que no momento de decidir, no ato de julgar, o Tribunal terá de considerar a globalidade do sistema jurídico, o que significa que terá de proceder previamente a uma interpretação.


Os direitos fundamentais se concebem mais como uma questão de justiça que de política.


5. O problema da delimitação de direitos e as margens de ação do legislador


Procedemos a análise do problema da delimitação de direitos e a análise das diferentes margens de ação, de que goza o legislador. A primeira delas oferece essencialmente dois modelos: de intervenção-limitação e performativo. Aquele foi formulado por Haberle, e que a distinção consiste no procedimento de ponderação, enquanto este (o modelo performativo), diferindo do âmbito de proteção e do âmbito de garantia efetiva. A distinção entre ambos faz-se na base de dois critérios: 1) critério da diferença e identidade entre o âmbito de proteção e o âmbito de garantia efetiva e; 2) critério da existência de uma garantia de proteção formal. Quanto aos direitos fundamentais sociais, a questão consiste em saber se o âmbito de proteção e o âmbito de garantia efetiva coincidem.


Alexy distingue entre duas categorias principais: a margem de ação estrutural e a margem de ação epistêmica.


A primeira compreende: uma margem para a determinação de fins; uma margem para a escolha de meios e uma margem para a ponderação.


A segunda compreende: uma margem de ação empírica e uma margem de ação normativa. Quanto àquela, Alexy afirma que no quadro da liberdade de ação do legislador se compreende a determinação dos fins para a intervenção no direito fundamental; a margem para a determinação de fins relaciona-se estritamente com a questão da reserva de direitos e com o princípio da proporcionalidade em sentido amplo.


A reserva, atinente ao primeiro caso, decorre do fato de o conjunto de fins que o legislador deve prosseguir ser tanto maior quanto menor forem os limites dessa reserva.


A intervenção do legislador resulta balizada por tal reserva, designadamente porque é a própria Constituição que determina a medida da realização desses fins.


Tratando-se de direitos fundamentais sem reserva de lei, a Constituição não admite nenhuma intervenção através de lei ou com base na lei.


Na hipótese dos direitos fundamentais com reserva de lei simples, a liberdade de ação e configuração do legislador é mais extensa que na hipótese dos direitos fundamentais com  reserva de lei qualificada: a margem de ação e configuração do legislador não pode ir mais além que se encontra fixado na Constituição, porque os limites e a dimensão da proteção do direito se apresentam como mais estritos.


O legislador goza, face ao direito fundamental de uma margem para a determinação de fins, quando o direito fundamental compreende uma reserva de competência de intervenção, a qual deixa abertas as razões para a intervenção, mas não ordena que se produza a intervenção legislativa, permite primeiramente que ocorra, nas circunstâncias em que concorram essas razões.


O legislador pode decidir sozinho se intervém no direito fundamental, e em função de que fins, propósitos e princípios o faz, isto no primeiro caso; já, no segundo caso,  a Constituição deixa ao arbítrio do legislador a decisão de fazer seus os fins, propósitos ou princípios enunciados na cláusula que estabelece a reserva de intervenção, na hipótese de pretender intervir no direito fundamental.  


Quanto à margem de ação do legislador, para escolha de meios, Alexy afirma que esta ocorre quando as normas de direito fundamental não só proíbem certas intervenções legislativas, mas também ordenam a execução de algumas condutas positivas, especialmente quando se trata de deveres de proteção.


Os princípios, entendidos como mandatos de optimização estariam ligados ao ponto mais alto possível, de acordo com as circunstâncias jurídicas e fáticas dadas e deste modo estariam ligados ao ponto mais alto possível: o Ideal; a máxima realização possível de todos os bens jusfundamentais implicados; uma circunstância que exclui a existência de uma margem de decisão por parte do legislador.


A equivalência entre o conceito de princípio e o de ponderação terá o significado assertivo de postular que a natureza dos direitos fundamentais segue logicamente o princípio da proporcionalidade.


No que se refere ao sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito haverá ainda que referenciar que os princípios, compreendidos como mandatos de optimização, não só exigem a maior realização possível em relação às possibilidades fáticas, mas também a maior realização possível em relação às possibilidades jurídicas.


Nestas circunstâncias, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito mostra-se idêntico à lei de ponderação.


A lei de ponderação de Alexy resulta composta de três elementos: 1)  no primeiro é necessário definir o grau de não satisfação ou de afetação de um dos princípios;  2) no segundo haverá que ser definida a importância resultante da satisfação do princípio contraposto que justifica a afetação ou não satisfação do outro; 3) no terceiro, nalguns casos, com a ajuda do procedimento de ponderação, trata-se de procurar um resultado racional, devendo a solução encontrada mostrar-se suficiente como critério de justificação da existência do procedimento de ponderação como método de decisão.            


Cabe ao legislador o poder de estabelecer diferenciações de tratamento  sempre que estas se possam se alicerçar num fundamento racional e objetivo.


Nos termos do que assevera o Tribunal Constitucional, deverá ter-se por excluída a violação tanto do princípio da igualdade, quanto do direito à liberdade individual.                       


O Tribunal Constitucional, em caso concernente ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 436/2000, relativo à diferentes normas constantes da Lei do Jogo, embora considerando que os direitos que tutelam a personalidade não devem ser tomados por absolutos, conhecendo restrições que decorrem da ponderação casuística de interesses, das exigências da vida comum, da própria natureza do bem da personalidade tutelada, conclui-se que as limitações mostraram-se adequadas, necessárias e não alheadas da relação com o fim perseguido, com o que se admite que a imposição legal acolha um sinal distintivo, o qual não permite que se gerem suspeições desrazoáveis sobre a idoneidade moral dos trabalhadores a que se dirige, assumindo-se como meio auxiliar  de eliminar, antecipada e preventivamente, suspeições que sobre eles recaiam eventualmente, o que lhes preserva a respectiva idoneidade moral, o bom nome e a reputação.  


Ainda, foi ponderado pelo Tribunal Constitucional, a intensidade da medida lesiva dos direitos implicados e o grau de relevância dos princípios contrapostos. Os padrões correlativos às linhas jurisprudenciais apontam para que os diferentes graus se conformem a um modelo triádico de intensidade de ação leve, médio e grave.  Alexy destaca que a necessidade de se determinar a importância concreta da margem de ação do legislador, perante caso prático a decidir, já que esta não se apresenta como ilimitada, antes resulta fiscalizável, quanto à intensidade da intervenção e aos elementos de fundamentação.


6. Princípios formais e princípios materiais


A possibilidade de ponderação entre um princípio material e um princípio formal e especificamente o princípio da competência decisória do legislador, não é unanimemente aceita na doutrina. Estes princípios não ostentam uma mesma estrutura, porque a incorporação de ambos num processo de ponderação permanece duvidosa e discutível.             


Uma tese baseada numa sistematização das relações entre princípios formais e princípios materiais e que se destina a determinar uma margem de ação a favor do legislador, garantida pelos princípios formais, afastando-se o perigo de uma extensão desmedida da competência judicial de controle por parte dos tribunais de justiça constitucional.


Os princípios formais destinam-se a proteger a competência decisória do legislador no quadro da ordem jurídico-constitucional, vinculando-a aos resultados de processos anteriores.


Respeitam-se os princípios formais da democracia e da separação de poderes.


Assim, muitos afirmam que a qualidade e estrutura jurídica dos chamados direitos a prestações em sentido estrito não se encontra vinculada à questão da validade direta ou indireta desses direitos e pretensões no seu conjunto, nem mesmo dependente de questões financeiras ou orçamentais, essencialmente da competência do legislador, mas concretamente do conceito de reserva do possível em sentido estrito, que não renega a subordinação do direito orçamental  ao direito  e particularmente  ao direito constitucional.


O que deverá entender-se por reserva do possível? A dependência desses direitos e pretensões dos recursos disponíveis, acentuando-se a dependência dos direitos fundamentais sociais dos recursos econômicos existentes e designadamente relevar a necessidade da sua cobertura orçamental e financeira.


Concluindo-se que se traduz no reconhecimento de que a inexistência de recursos econômicos força os poderes públicos a fazer menos que aquilo que em princípio deveriam fazer.


Não se pode ignorar que na hipótese dos direitos fundamentais sociais se traduzirem em ações que põem fim a questão da respectiva validade ou eficácia direta, mostra-se bastante problemática.


A generalidade da lei determina que a aceitação da pretensão individual de concretização e proteção desses direitos e pretensões jusfundamentais incumba em primeiro lugar  ao legislador.


A configuração jurídica dos direitos fundamentais sociais pode apresentar-se como uma tarefa constitucional legislativa particular de produção de atos jurídicos. Assim, a pretensão a uma ação do legislador existe enquanto postular uma atividade legislativa particular.


As pretensões prestacionais jusfundamentais indiretas opõem-se às pretensões jusfundamentais diretas e, a vinculação do legislador aos direitos fundamentais  e em particular, os direitos, liberdades e garantias, determina que a ação legislativa só poderá encontrar-se justificada por razões substanciais, quando essa intervenção não vulnerar de forma manifesta o direito fundamental.


Os princípios formais procedimentais podem prevalecer sobre os princípios jurídicos materiais apenas quando se encontrem ligados a outros princípios jurídicos materiais, designadamente estando em causa, exemplificadamente, o princípio da separação dos poderes que pode apresentar-se como um princípio procedimental jusfundamental formal e material.


Desse modo, nomina-se lei da conexão.


E, quando dois ou mais princípios colidem, a solução do conflito está no recurso a um procedimento de ponderação, já que nenhum possui valor absoluto ou geral.


A ponderação objetiva e racional, entre princípios formais e princípios materiais implica um modelo diferenciado, quanto à intensidade/densidade do direito judicial de controle.


No direito constitucional europeu, até meados do éculo XX  duvidou-se da validade, vinculatividade, atualidade e força obrigatória geral dos direitos fundamentais sociais.


O reforço da normatividade dos direitos fundamentais sociais deverá passar pela necessidade de se recortar um conteúdo jurídico-constitucional determinado quanto ao âmbito de proteção e âmbito de garantia efetiva dos direitos constitucionais implicados tal como havia sucedido com os direitos de defesa em sentido clássico.   


Os pressupostos dos direitos fundamentais sociais devem ser suficientemente determinados, de forma a garantir a validade, efetividade e vinculatividade desses direitos e pretensões, em seu conjunto, independentemente da caracterização dos mesmos como direitos, liberdades e garantias ou como direitos econômicos, sociais e culturais.


Essa é uma decisão que importa a todos, não apenas aos tribunais.


Assim, a autora indaga sobre o que se deve fazer no caso de não atuação ou de atuação arbitrária, ou seja, não racional do legislador e responde que se trata de dilema dos direitos fundamentais, sobretudo os sociais.


Não é o juiz individualmente considerado, mas o tribunal, a função específica que exerce, que é considerado soberano e assim atuando em representação do povo, porque se  torna presente a sua vontade soberana.


7. Um modelo diferenciado de densidade de controle


A  possibilidade de determinar se o legislador é ou  não livre para atuar, surge quando se mostra incerto o conhecimento acerca do que se encontra   concretamente ordenado, proibido ou confiado à discricionariedade do legislador pelas normas constitucionais consagradoras dos direitos fundamentais.


Haverá então fundamentalmente que se distinguir entre uma margem de ação epistêmica de tipo empírico e uma margem de ação epistêmica de tipo normativo. Neste  último caso, o legislador dispõe de um determinado  quadro dentro do qual poderá adotar uma decisão segundo a sua própria valoração.


O Tribunal Constitucional reconheceu ao legislador uma ampla margem de configuração. A margem abarca não apenas as apreciações empíricas, mas ainda as relações da situação em que se encontram os interesses, ou seja, o cálculo  da importância que têm frente ao outro e a determinação da medida em que devem ser protegidos.


Pode-se falar numa primeira e numa segunda lei de ponderação. A primeira poderá denominar-se lei material de ponderação, enquanto a segunda, lei epistêmica de ponderação. Embasando-se na primeira lei de ponderação, que se determina ou autoriza a intensidade  da intervenção (o grau de não satisfação ou afetação do direito). A lei epistêmica de ponderação, diferentemente, refere-se ao peso ou intensidade dessa intervenção. Esta assinala que quanto mais intensa se mostrar a intervenção num direito fundamental, tanto maior deverá ser o nosso conhecimento da certeza das premissas que a sustentam.


O problema da escala de graduação, no lado epistêmico da lei de ponderação implica uma estreita relação entre a intensidade da intervenção no direito fundamental e o tipo de margem de ação, conferido ao legislador.


Quanto mais intensa se mostrar a intervenção, tanto mais cuidadoso deverá ser o controle constitucional.


O modelo triádico de intensidade ou densidade de controle aponta para uma graduação diferenciada da competência judicial de controle, ao mesmo tempo que alarga as margens de ação do legislado, apresentando-se como uma versão extrema da solução da divergência que se aproxima da tese da soberania do legislador.


As outras duas formas de controle para uma dualidade na proteção dos direitos fundamentais, uma estreita e outra mais moderada.


8. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais


8.1. Direitos constitucionais e direitos legais


A cláusula geral de igualdade, em muitos ordenamentos jurídicos, na ausência de um catálogo específico  de direitos fundamentais sociais, tem vindo a ser utilizada como veículo de extensão, subjetiva e objetiva, de direitos configurados por via legislativa. Esta dependência legal dos direitos fundamentais sociais leva muitos autores a negar-lhes a qualidade de direitos constitucionais, afirmando que os mesmos constituem pretensões legalmente reguladas, ou seja, direitos criados por lei.


O legislador concretiza os direitos fundamentais sociais, mas não se encontra ele próprio vinculado aos direitos fundamentais sociais.


A totalidade das prestações requeridas pelos cidadãos face ao Estado de promoção e cuidado não podem ser satisfeitas em todas as circunstâncias de  um modo constitucional  direto.


Não significa que os direitos fundamentais sociais possam ser compreendidos como normas programáticas, diretivas ou simples apelos ao legislador.


A realização desses direitos não depende unicamente da institucionalização de uma ordem jurídica  nem tão pouco de uma mera decisão dos órgãos politicamente conformadores, mas da conquista de uma ordem social em que impere uma justa distribuição dos bens, a qual só poderá ser alcançada de modo progressivo.


O direito se encontra dotado de densidade suficiente para ser feito valer  na ausência  de lei ou mesmo contra  a lei, o que não é o mesmo que afirmar que a mediação legislativa se mostra  desnecessária ou irrelevante.


Os cidadãos gozam do direito à liberdade de expressão, liberdade de religião, de iniciativa econômica  de propriedade, mas não à ajuda e cuidado  do Estado, estes conceitos que se espelham direitos fundamentais não se encontram dependentes de noções confusas ou de conteúdo variável, designadamente de direitos negativos ou positivos, mas de  uma posição de princípio, sobre o que realmente constitui um direito fundamental. É de se atribuir aos direitos fundamentais sociais o estatuto de direitos constitucionais, deixando de lado a sua dimensão originária de direitos legais.


É necessário identificar-se o conteúdo essencial dos direitos fundamentais sociais constitucionalmente garantidos, no sentido de poder predizer o respectivo conteúdo com atributos de universalidade análoga ao dos direitos, liberdades e garantias.


No campo dos direitos fundamentais sociais, a efetividade não se apresenta unicamente como condição ulterior do direito, que por si já existe juridicamente, antes como condição de existência do próprio direito.


8.2. Reversibilidade fática e reversibilidade normativa


O princípio da  proibição do retrocesso social, como vem designado entre nós pelo Tribunal Constitucional determina que uma vez consagradas  legalmente as prestações sociais, o legislador não poderá depois eliminá-las sem alternativas ou compensações.


Quando há referência à tese da irreversibilidade dos direitos fundamentais sociais constitucionalmente consagrados acaba por assumir a função de guarda de flanco desses direitos e pretensões no seu conjunto, garantindo o grau de concretização já obtido, transformando-se  numa espécie de densificação de direitos fundamentais.


O Tribunal Constitucional Federal alemão e o Tribunal Constitucional italiano não se referem ao princípio da proibição do retrocesso social, mas a uma cláusula da reserva do possível, definindo-a como aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, pretendendo acentuar a dependência  dos direitos fundamentais sociais os recursos econômicos existentes e  designadamente relevar a necessidade da sua cobertura orçamental e financeira.


O Tribunal Constitucional italiano refere-se à reserva do possível, não tendo o objetivo de se traduzir numa insindicabilidade jurisdicional das opções  legislativas  quanto à densificação  de normas constitucionais reconhecedoras de direitos sociais, mas na graduabilidade da respectiva concretização e realização, considerando as exigências de equilíbrio financeiro, inderrogáveis expressas no Orçamento do Estado.


A proibição do retrocesso social determina que uma vez consagradas legalmente as prestações sociais, o legislador não pode depois eliminá-las sem alternativas ou compensações. Uma vez dimanada pelo Estado a legislação concretizadora do direito fundamental social, que se apresenta face a esse direito como uma lei de proteção, a ação do Estado que se consubstanciava num dever de legislar transforma-se num dever mais abrangente: o de não eliminar ou revogar essa lei.


Os preceitos legais que constituem direitos fundamentais continuam a ser derrogáveis segundo as regras gerais, sem prejuízo de as posteriores derrogações não poderem restringir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais já consagrados em lei.


Assevera a autora que, a expressão proibição do retrocesso social não é feliz, juridicamente poderia ser substituída por outros conceitos, a segurança jurídica, ou a proteção da confiança, ambos individualizadores da cláusula do Estado de Direito democrático e constitucional.


O Tribunal Constitucional não rejeita inteiramente estes pontos de vista, mas envereda prudentemente por uma posição mais moderada.


A constitucionalidade da medida legislativa violará direitos adquiridos se colidir com o núcleo essencial de existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana ou se desrespeitar   o princípio geral de igualdade ou o princípio da proteção da confiança.


O retrocesso social de direitos fundamentais sociais abrange a situação normativa que se reporta a posições jurídicas constituídas, já que de um ponto de vista global só esta permitirá proceder  à ponderação ou contrapeso dos bens no caso concreto.


Assim, se o legislador suprimir sem qualquer alternativa ou compensação ações de tipo negatório, poderá resultar uma lacuna de proteção tão massiva ou generalizada que neste aspecto não se encontraria satisfeita a exigência de uma realização eficiente o dever de proteção, decorrente da cláusula do Estado de Direito Democrático.


8.3. O princípio da alternância democrática como princípio formal


Na Alemanha, os limites da vinculação constitucional do legislador não coincidem necessariamente com os limites do  controle da constitucionalidade.


Um argumento que se contrapõe a um outro: o da construção dos direitos fundamentais como direitos subjetivos garantidos pelos tribunais e pelo poder judicial.


Atribuir à competência material dos tribunais, decisões sobre política econômica, social ou cultural e fazer com que os tribunais por estas respondam, viola não apenas o princípio democrático como o princípio da separação de funções.


Os direitos fundamentais sociais afirmam, essencialmente como direitos criados por lei.


A questão é complexa, não podendo ser objeto de uma resposta unívoca.  Basicamente o que está em causa não é apenas o princípio da autonomia da função legislativa, mas também o princípio da vinculação do legislador à Constituição.


Não se nega que a constitucionalização dos direitos fundamentais  acarreta problemas à função  legislativa.


O princípio da auto-revisibilidade das opções legislativas será contrapesado ou ponderado face ao princípio da vinculação do legislador aos direitos fundamentais, traduzindo-se este, numa  garantia constitucional de proteção desses direitos e no outro numa garantia de controle da legalidade a título de leis reforçadas, isto é, a meio caminho entre um processo de constitucionalização e um processo de desconstitucionalização dos mesmos.


Se se tratar de direitos fundamentais, incluindo os chamados direitos fundamentais sociais, haverá não apenas retrocesso social, como inclusive um problema de tolerabilidade constitucional, ou seja, de ação ou omissão inconstitucional na verdadeira acepção do termo.


No que pertine aos direitos extra-constitucionais, de igual modo o problema do eventual retrocesso social poderá ser chamado à colação, mas neste último caso, por força da criação de novos direitos para além daqueles que de um modo explícito ou implícito se contêm na Constituição.


9. A vinculação do legislador aos direitos fundamentais sociais


9.1. A força normativo-constitucional dos direitos fundamentais sociais


A estrutura das normas dos direitos fundamentais sociais, compreendidos como direitos a prestações em sentido estrito, vem representada através de diferentes distinções no âmbito dos direitos fundamentas de proteção.


Três critérios fundamentais devem ser considerados:


1. O critério da respectiva garantia através de normas jurídicas vinculantes;


2. O critério da respectiva configuração como direitos subjetivos, no que concerne aos seus titulares;


3. O critério da respectiva justicialidade, ou seja, saber se os direitos fundamentais sociais podem ser acionados em justiça.


No que se refere ao primeiro critério, convirá aclarar qual o conceito de norma que se utiliza. As normas constitucionais reconhecedoras de direitos fundamentais sociais não se apresentam como normas programáticas, tarefas constitucionais não justiciáveis, no sentido de apelos a instâncias políticas.


Quando da violação de uma norma não se puder recorrer para um tribunal isso significa que à mesma não lhe corresponde uma sanção jurídica.


A questão ordena-se da seguinte forma: podem os direitos fundamentais sociais ser garantidos através de normas jurídicas vinculantes?


Cita a autora que Bockenforde afirma: “As normas de princípio correspondem a mandatos de optimização, que podem ser cumpridos em diferente medida. A medida do respectivo cumprimento depende não só de possibilidades fáticas, mas também jurídicas. Tais normas têm tendência  para a optimização, sem que por isso se encontrem sujeitas a um conteúdo determinado. São necessariamente susceptíveis de ponderação.”


Assim, os direitos fundamentais entendidos como princípios produzem os seus efeitos em toda a ordem jurídica.


Um dos problemas centrais dos direitos fundamentais sociais, radica na ordenação prévia de um domínio jurídico-subjetivo, que possa fundamentar um direito fundamental subjetivo, a favor dos respectivos titulares.


Haverá que ter especialmente em consideração na fundamentação desses direitos se é a constituição que estatui esse dever de proteção.


Relaciona-se também com o conceito de constituição e constitucionalismo, sem olvidar do aprofundamento e consolidação do Estado Constitucional, não se poderá contentar com uma vinculação exclusiva dos direitos fundamentais sociais à lei. Com o estabelecimento das Constituições rígidas, e mais do que isso o triunfo do constitucionalismo constitucionalmente garantido, que implica o controle de atividade público-estadual por parte do poder judicial, é o próprio legislador que resulta vinculado pelos direitos fundamentais, incluindo os direitos fundamentais sociais.


A discussão sobre os direitos fundamentais sociais, enquanto direitos do status positivo, no quadro da Constituição, se deva nuclearmente centrar na determinação do quando e do como o legislador se encontra vinculado pelo lado prestacional da relação Estado-cidadão.


Os direitos fundamentais, sobretudo os direitos, liberdades e garantias, são diretamente aplicáveis e vinculam os poderes públicos – legislativo, executivo e judicial, significando que a Lei fundamental estabelece pela primeira vez entre nós o primado dos direitos sobre a lei.


Os direitos fundamentais não garantem apenas direitos subjetivos, mas também princípios objetivos básicos para a ordem constitucional do Estado de Direito.


Atualmente os direitos fundamentais, incluindo os direitos fundamentais sociais, gozam de uma garantia constitucional.


Nos direitos fundamentais socais não apenas se não acentua usualmente a sua dimensão subjetiva como, inclusive se afirma que a respectiva contrapartida   pode consistir num dever objetivo não relacional, não conduzindo ao reconhecimento de um direito subjetivo verdadeiro e próprio. Na realidade, os direitos sociais podem ser configurados como direitos fundamentais, ou seja, direitos reconhecidos por normas de estalão constitucional, os mesmos podem igualmente ser constituídos como posições jurídicas jusfundamentais.


Assim como ocorre com os clássicos direitos de defesa, os direitos fundamentais sociais podem ser qualificados ou como regras ou como princípios.


A concepção dos direitos fundamentais como princípios leva a uma subjetivação abrangente – dimensão objetiva, originando ampliação sobre os direitos de defesa. Todavia, como não garantem apenas direitos de defesa, mas também direitos a ações positivas, em especial direitos de proteção, a defesa e proteção surgem muitas vezes numa relação de tensão, e quando esses direitos se compreendem como mandatos de optimização. Os princípios resultam realizados em diferentes graus, não se apresentando nem como reflexos de um dever jurídico, nem como simples princípios programáticos, desprovidos de vinculatividade  jurídica geral.


9.2. A posição mínima definitiva


Há autores que entendem os direitos fundamentais como integrando o conjunto de tarefas constitucionais objetivas.


O standard mínimo incondicional, que se encontra fixado na Alemanha, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, não deverá ser interpretado de forma restritiva, antes tem vindo a ser progressivamente fixado e desenvolvido  numa perspectiva aberta e casuística.


Nos anos 60 e 70 do séc. XX, o Tribunal Supremo, nos Estados Unidos, interpretando as cláusulas da “equal protection” e do “due proces” da Constituição Federal, declarou que o Estado não podia discriminar os pobres. Declarou ainda, que o Estado tinha o dever afirmativo de ofertar aos mais pobres os recursos de que estes careciam para o exercício do direito de voto e do direito de acesso aos tribunais, tendo colocado assim, a eliminação da pobreza e a igualdade como pré-condição da democracia.


Há quem afirme que os direitos fundamentais sociais garantem essencialmente a liberdade fática, não apenas o legislador ou a administração se encontram imediatamente obrigados a garantir esse conteúdo mínimo, mas também não podem suprimir totalmente, sem contrapartida, as disposições legais e administrativas correspondentes.


O Tribunal Constitucional sublinhou que o retrocesso social existiria somente quando se pretende atingir o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana  (Acórdão 509/2002).


Os conceitos de conteúdo mínimo e de conteúdo essencial não são    expressões sinônimas ou equivalentes, vez que o princípio da efetividade  dos direitos fundamentais, incluindo-se os direitos fundamentais sociais, a isso se oporia.


O princípio da dignidade da pessoa humana poderá ser chamado a desempenhar o papel de motor do desenvolvimento e aperfeiçoamento da ordem jurídico-constitucional, para impulso do legislador político democrático, como parte dos órgãos específicos de controle da constitucionalidade, genericamente, os tribunais e o poder judicial.


Logo, tratando-se da garantia de posições mínimas definitivas, o conteúdo do direito resulta fixado livre de ponderação, designado por Ronald Dworkin como direitos de reserva, ou seja, direitos em sentido forte.


Assim, não se pode falar em margem de ação do legislador, já que este não se encontra autorizado a uma delimitação/restrição dos direitos fundamentais implicados, o que só ocorrerá no caso dos direitos fundamentais acompanhados de reserva de lei simples  ou de reserva de lei qualificada.


Sabe-se que a forma de aplicação de uma regra não é de ponderação, mas subsunção, e não apenas no que se refere à garantia de um mínimo de existência condigna, posto que  esta  se apresenta como uma forma de liberdade e nesses precisos termos  assume juridicamente a natureza de um direito de defesa, ainda que este se traduza num direito a prestações positivas, por parte do Estado.


9.3. O princípio da proibição da insuficiência


Os direitos fundamentais constituem compromissos fundamentais dos cidadãos, expressos em decisões políticas fundamentais na Constituição, que não é apenas a Constituição do Estado, mas a Constituição do Estado e da Sociedade, a ordem fundamental de uma comunidade política bem ordenada.


Operam-se então, os direitos fundamentais, através de um sistema jurídico criado pela natureza das coisas, de que é sujeito o Povo, titular de soberania.


No séc. XIX o caráter excepcional dos direitos sociais, como direitos a prestações  não significou que o poder político não tivesse em consideração ou fosse cego perante a dimensão prestacional da relação Estado-cidadão.


O liberalismo entendia essas aspirações de cuidado e promoção sociais como obrigações morais, tais obrigações ou deveres reduziam-se à fórmula consagrada no art. 2º. da Declaração de Direitos de 1789: “a conservação  dos direitos naturais e imprescritíveis do homem”.


O liberalismo recusava o sancionamento jurídico de uma obrigação positiva de fraternidade e solidariedade, a realização dos direitos fundamentais sociais como deveres público-estaduais, afirmação esta que não pode ser seguida nos dias atuais.


A acentuação do caráter social há muito se fez perder a esses direitos a sua natureza absoluta.


O setor laboral e da segurança social atestam bem a natureza positiva do respectivo conteúdo, designadamente na celebração dos acordos coletivos de trabalho.


O Estado, o poder público, tem o dever positivo de criar um sistema de propriedade e controlá-lo.


Com a violação de um dever de proteção, viola o Estado, o direito fundamental como direito de defesa, vez que essa violação se traduz numa intromissão através de uma omissão, de maneira que quando se fala e, dever jurídico, haverá que ser reconhecido que este não decorre unicamente da existência de regras jurídicas, podendo ainda ser deduzido de uma constelação de princípios.


Dispõe o legislador, de muitas possibilidades para conformação do direito inconstitucional especialmente para reduzir ou eliminar um padrão de proteção já alcançado, sem que desça do nível mínimo de proteção constitucionalmente requerido, portanto sem ofender o princípio da proibição da insuficiência.


Não obstante, há limites para além dos quais existe uma violação da proibição da insuficiência, se o legislador suprimir sem qualquer alternativa ou compensação ações de tipo negativo, poderá resultar uma lacuna de proteção tão massiva ou generalizada que não estaria satisfeita a exigência de uma realização eficiente do dever de proteção dos direitos fundamentais de correntes da cláusula do Estado de Direito Democrático.


Quanto aos direitos fundamentais sociais, a questão está em saber se o âmbito de proteção e o âmbito de garantia efetiva coincidem.


Quanto à teoria externa, os direitos fundamentais sociais mostram-se delimitáveis. Quanto à teoria interna, a delimitação não se mostra nem necessária nem possível.


A teoria externa, demonstra-se desta forma:


1) quando um determinado conteúdo – x se apresenta como um direito não delimitável em si, esse direito não pode ser delimitável face a y;


2) consequentemente, essa delimitação encontra-se proibida.


No quadro dos direitos fundamentais sociais, o Estado encontra-se vinculado a um objetivo, o qual visa atingir o princípio da proporcionalidade, enquanto método através do qual se procede à ponderação ou contrapeso de bens jurídicos constitucionalmente protegidos, radicando na satisfação do próprio direito. Assim, o princípio da proporcionalidade, no âmbito dos direitos fundamentais sociais, acaba por manifestar-se através dos princípios da idoneidade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.


O primeiro deles, compreende uma adequação interna e outra externa, correspondendo à hipótese de se tratar de uma omissão a uma ação estadual “prima facie” exigível à realização optimizada de outros princípios, embora outros autores sublinhem como subprincípios, o da proibição do excesso e da proibição da insuficiência.


O Estado encontra-se vinculado a uma obrigação de proteção que o força a conceder ao direito fundamental tudo o que o bem jurídico em causa o exigir.


Há um ponto no qual a proibição de intervenção se transforma numa intervenção de proteção, sendo que nestas hipóteses resulta necessário  proceder a uma delimitação, mesmo porque essa intervenção configura-se indiscutivelmente como um dever de proteção. A congruência segue a ponderação.


A margem de apreciação empírica tem a ver com a apreciação dos meios de prova  na qual se funda a distinção entre a proibição do excesso e a proibição da insuficiência. A prova do excesso encontra-se na intervenção estadual, e da insuficiência, na proporcionalidade exigida quanto aos meios possíveis utilizados.


A consideração dos meios alternativos decorre da prova da idoneidade da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.


Em caso de atuação ilegítima deve ser distinguido entre uma má realização ou realização defeituosa do direito e; uma não realização do direito.


A proibição da insuficiência não coincide com o dever de proteção, detendo antes uma função autônoma em relação a este.são dois instrumentos argumentativos  distintos.


Tanto que o Tribunal Constitucional Federal alemão tem concedido proteção aos direitos fundamentais sociais sempre que o legislador haja permanecido inativo, ou seja, sempre que o legislador não tenha atuado no quadro de um dever de proteção, constitucionalmente requerido, ou ainda que tenha atuado, o fez inequivocadamente (proibição da insuficiência) ou além (proibição do excesso) dos limites constitucionalmente apostos à sua competência legislativa  de conformação.


10. Conclusões


Conclui a autora que: os Direitos Fundamentais Sociais ou são concebidos para que o legislador atue livremente ou como mandatos de optimização, perfazendo a constituição uma ordem quadro, na qual a ação se afirma como alternativa  à teoria dos princípios.


Assim, os Direitos Fundamentais Sociais ou se apresentam como um quadro ou como mandatos de optimização. A primeira delas apresenta-se como alternativa à teoria dos princípios, atendo-se às questões de constitucionalidade mesmo sem consenso geral a seu respeito, constituindo-se assim, direitos subjetivos, de forma análoga aos direitos, liberdades e garantias de política econômica e social, não diretamente aplicáveis e acionáveis pelo poder judicial.


O que atualmente se debate sobre os Direitos Fundamentais refere-se à averiguação da incorporação desta teoria dos Direitos Fundamentais, incluídos os Direitos Fundamentais Sociais, abrangendo-se regras e princípios jurídicos, estabelecendo-se coerência entre a soberania popular e a democracia.


Ainda que alguns entendam haver co-relação entre os Direitos Fundamentais e liberdade e os Direitos Fundamentais Sociais, ou que haja relativa distinção entre direitos de defesa e Direitos Fundamentais Sociais, e que nalgumas circunstâncias níveis estatais são comuns a ambos.


Deve-se dispensar tratamento político aos Direitos Fundamentais Sociais, porque estabelecido na Constituição, tratam-se de compromissos fundamentais, expressados na Constituição do Estado e da Sociedade, no dizer da autora: “ordem fundamental de uma comunidade política bem ordenada”.


Infere-se daí, que são fixados os deveres de ação do Estado.


Pressupõe-se o reconhecimento da efetividade dos Direitos Fundamentais para os cidadãos, quando a prestação da tutela jurisdicional não é apenas declarativo ou programático.


A nossa ordem jurídica constitucionaliza os Direitos Fundamentais Sociais, encontram-se neste patamar e concernem a um direito de defesa, mais que a prestações positivas do Estado. 


Há uma margem de ação para aplicação destes direitos e quanto maior a sua gradação, maior a sua concretização. Assim, por um lado encontra-se a competência judicial e do outro, as margens de ação do legislador.


Há ainda, as outras 2 formas de controle: de admissibilidade e o intensificado de conteúdo, que se assemelha à jurisprudência do Tribunal Supremo nos Estados Unidos.     


Certos direitos ostentam maior salvaguarda que os elencados no direito ordinário, ainda que não constem no texto constitucional.


Não pode haver retrocesso social: a partir do momento que o legislador consagra legalmente certas prestações sociais, não pode mais eliminá-las ou revogá-las e nem mesmo restringir sua atuação à feitura de leis, agora não pode eliminar ou revogar tais leis.


A proteção dos Direitos Fundamentais Sociais deve anteceder, através da atuação da legislação e não é criada, portanto, a partir da legislação.


Há um largo espaço, a nível infra-constitucional, que permeia a disciplina constitucional e a configuração pelo legislador.


Dessa maneira, não pode o legislador esquivar-se da aplicação do texto constitucional (quanto aos Direitos Fundamentais Sociais), senão caracteriza-se retrocesso social; entretanto quando se refere a direitos não contemplados na Constituição, pode ainda se implementar o retrocesso social quando criados novos direitos, além dos que versa a Constituição.


O conceito de norma de Direito Fundamental pressupõe argumentação jurídica própria; a qual mostra-se instrumental na determinação dos direitos não enumerados.


Demonstra-se assim, crescimento do poder da justiça, bem como  alargamento da atuação dos tribunais, porque traduzem-se em nova concepção de direito, que no dizer da autora estabelecem nova síntese entre os clássicos direitos de liberdade e os modernos direitos de participação, incluindo os direitos prestacionais de participação nos bens da vida. Um conceito que trate da dimensão negativa e positiva dos Direitos Fundamentais num mesmo plano e que elimine a concepção entre conceito de liberdade face ao Estado e conceito de liberdade através do Estado.


Nesta seara, torna-se possível visualizar os Direitos Fundamentais Sociais, além de direito a prestações, vindo representar 3 critérios: garantia através de normas jurídicas vinculadas, direitos subjetivos e justicialidade.


Atualmente, a discussão acerca de Direitos Fundamentais Sociais, enquanto direito do status positivo centra-se na determinação do quando e do como o legislador se encontra vinculado pelo lado prestacional da relação Estado-cidadão. Como já mencionado, a dimensão do status negativo, no Estado de Direito Fundamental deve ser a mesma da do status positivo; porque ocupam lugar de garantia constitucional, integram um sistema de valores no ordenamento.


Por conseguinte, uma vez que os Direitos Sociais configuram-se Direitos Fundamentais (reconhecidos pela Constituição) constituem direitos subjetivos; dividindo-se em regras e princípios, e nestes encontra-se consagrada a posição jurídica jusfundamental, os quais não se apresentam como comandos definitivos, mas necessitam ser interpretados, e em havendo colisão requerem ponderação delimitada.


Logo, presente está o princípio da proporcionalidade, que aparece sob 3 sub-princípios: 1) idoneidade; 2) necessidade e, 3) proporcionalidade em sentido estrito.


O 1) compreende adequação interna ou externa, requerendo nesta última a aplicação de outros princípios.


O que deve ser frizado é que o legislador e a administração encontram-se obrigados a garantir o conteúdo mínimo da proteção jurídica dos Direitos Fundamentais Sociais, porque está garantido como direito de defesa.


Este conteúdo essencial, no âmbito dos Direitos Fundamentais Sociais, via de regra corresponde ao núcleo constitucional do direito (conteúdo mínimo), e sob este enfoque, cita-se que houve errônea menção, pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº. 509/2002, porque o conteúdo essencial é declarado irrevisível pelo legislador constitucional, sob pena de anulação, revogação ou aniquilamento ou, por outro lado, corresponde a núcleo de concretização legislativa, num plano legislativo, e logo passível de revisibilidade, dentro de certos parâmetros.


Estes conceitos portanto, não são sinônimos, o legislador dispõe de muitas formas para aplicar o direito infra-constitucional e mesmo para reduzir ou eliminar certo padrão de proteção já alcançado, sem ferir o princípio da proibição da insuficiência, entretanto  há limites que ferem este princípio, é o que ocorre se o legislador suprimir, sem efetuar compensação às ações negativas, porque corresponde a lacuna de proteção dos Direitos Fundamentais afrontando o que dispõe a cláusula do Estado de Direito Democrático.


Conseqüentemente, o direito infra-constitucional também deve garantir proteção eficiente.


Nos casos de atuação ilegítima, transforma-se a proibição de intervenção em intervenção de proteção; mediante a ocorrência de inconstitucionalidade deve ser distinguida da má-realização do direito (realização defeituosa) com a sua não realização, presente o princípio da proibição da insuficiência na concretização do dever de proteção, tais conceitos são instrumentos argumentativos distintos, que primeiramente há um dever de proteção, para após averiguar os termos de sua realização em âmbito infraconstitucional, sem contudo, descartar por absoluto am proteção constitucionalmente requerida, assegura-se um mínimo de proteção, portanto. 


 


 


Referência bibliográfica:

QUEIROZ, Cristina. O Princípio da não reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais. Princípios Dogmáticos e Prática Jurisprudencial. São Paulo: Coimbra Editora, 2006.

Informações Sobre o Autor

Telma Aparecida Rostelato

Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru-SP. Especialista em Direito Constitucional, pela ESDC – Escola Superior de Direito Constitucional. Professora das disciplinas de Direito do Consumidor e Constitucional da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva-SP. Procuradora Jurídica Municipal


Equipe Âmbito Jurídico

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