Resumo: O presente artigo intenta analisar a Contribuição Previdenciária prevista no art. 20 da Lei 8.212/91, devida pelos trabalhadores empregados segurados sujeitos ao regime de geral de previdência social, inclusive o doméstico e o trabalhador avulso. Para tanto, o estudo terá como foco inicial uma interpretação constitucional da progressividade da contribuição. Em um segundo momento, se estudará a forma como é aplicada a progressividade deste tributo, donde se concluirá pela constitucionalidade da progressividade da contribuição em foco e pela inconstitucionalidade da forma de aplicação “não cumulativa”, uma vez que a lei Ordinária nº 8.212/91 criou uma exceção aos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da equidade na participação do custeio da seguridade social.
Palavras-chave: Direito Tributário. Contribuição previdenciária. Igualdade. Inconstitucionalidade. Progressividade.
Abstract: This study aims to analyze the Security Contribution established in the article 20 of the Law n. 8.212/91, due to insured workers subject to the General Social Security System, including the domestic servants and independent worker. Therefore, the study will be initially focused on a constitutional interpretation of the progressivity of the contribution. In a second moment, it will be studied the way how the progressivity of this tax is applied, where it will be lead to the conclusion of the constitutionality of this contribution progressivity and the unconstitutionality of its non-cumulative way of application, as the Ordinary Law n. 8.212/91 created an exception to the constitutional principles of equality, ability to contribute and equity in the participation to the Social Security funding.
Keywords: Tax Law. Security Contribution. Equality. Unconstitutionality. Progressivity.
Sumário: Introdução 1. A Progressividade da Contribuição Previdenciária. 2. A inconstitucionalidade da não cumulatividade das alíquotas da Contribuição Previdenciária. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Direito tributário brasileiro é matéria reconhecida historicamente por algumas características, das quais duas ganham relevância. De um lado, a notoriedade da injustiça preconizada na prática por nossa legislação tributária, de outro, o incômodo causado aos operadores do direito no estudo do direito tributário, oriundo das imprescindíveis considerações intersubjetivas requeridas para a reflexão tributária.
A tributação é fenômeno que requer considerações de fatores morais, econômicos e políticos. Portanto, está-se diante de matéria que transcende em muito a comodidade jurídico-positiva.
Talvez, por isso, as reflexões acerca da tributação no Brasil tenham historicamente sido voltadas mais às questões formais e ao objeto da tributação, ou seja, aquelas questões relativas ao tributo (objeto da relação tributária), como o lançamento tributário e regra matriz de incidência tributária.
Parece-nos, porém, que o Estado Democrático de Direito formalizado na Constituição de 1988 reclama uma nova visão do direito tributário, antes voltada ao contribuinte, sujeito passivo da relação tributária, do que ao objeto do tributo, o qual, apesar de sua relevância, não possui o condão de concretizar de maneira devida o alinhamento das relações sociais à estrutura hierárquica de valores proposta pela carta política, na qual o direito encontra sua finalidade.
O direito está a serviço da sociedade e deve ser instrumento de realização dos valores sociais manifestados por cada Estado em sua Carta Constitucional.
Neste contexto, se analisará a contribuição previdenciária tendo como pano de fundo o contribuinte da relação jurídica tributária e sua capacidade contributiva para financiar a previdência e seguridade social.
Para tanto, o presente estudo interpretará a contribuição devida pelo trabalhador empregado, inclusive o doméstico e o avulso, prevista no art. 21 de Lei 8.212/91 através da luz emanada pelos princípios constitucionais tributários, a fim de aferir a constitucionalidade deste tributo.
Neste andar, se concluirá que a sistemática de cálculo da contribuição em estudo, por terminar sua progressividade de forma não-cumulativa, manifesta-se como instrumento inconstitucional de exação, que lesa diversos princípios constitucionais, notadamente o principio da capacidade contributiva e o principio da equidade na participação do custeio.
1. A PROGRESSIVIDADE DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Para a devida interpretação que se propõe no presente estudo, faz-se mister primeiramente trazer à baila os fundamentos da progressividade da contribuição previdenciária que compõe o sistema tributário nacional e sua natureza de princípio vinculado ao valor justiça.
Na doutrina tributária, têm-se em Klaus Tipke as maiores reflexões acerca da imprescindível imposição de uma justiça tributária.
“Também a carga impositiva global deve, mormente em um Estado de direito, ser com justiça repartida entre os cidadãos. A questão da Justiça se coloca efetivamente sobretudo quando uma coletividade de pessoas está destinada a compartilhar cargas e pretensões, que estão conexas com a vida em comum numa comunidades (justiça distributiva, iustitia distributiva, distribuitional equity).” (TIPKE, 2012, p. 14)
Com efeito, para a correta análise dos princípios da capacidade contributiva e seu corolário, principio da progressividade – enquanto princípios vinculados ao valor Justiça – cumpre considerar um dos aspectos da política tributária, qual seja, aquele diz respeito a qual parcela da sociedade vai ser tributada (aspecto subjetivo), uma vez que dentro de uma ampla possibilidade de atuação do Estado, este elege determinados agentes privados para impor seu poder de exação fiscal. Cristalino, portanto, o fato de que a tributação não é destinada a uma sociedade homogênea.
Ora, o cidadão que possui acúmulo de riqueza encontra-se em situação que dispõe da discricionariedade de dispor dos serviços públicos indispensáveis para a caracterização de um Estado Democrático de Direito. O indivíduo pobre, por sua vez, encontra-se em situação de dependência dos serviços públicos e de vulnerabilidade à ineficiência estatal, o que o conduz a uma condição abaixo da existência digna, ou seja, os indivíduos não estão em situação equânime face ao Estado.
Tendo o direito tributário sua atuação na intervenção do Estado na riqueza privada, se manifesta este como instrumento apto a conduzir uma transferência de titularidade da riqueza privada. Vê-se aqui, como um dos meios mais diretos e eficazes de redução das desigualdades socioeconômicas, o princípio da capacidade contributiva estimulando a progressividade do sistema.
Nesta senda, o sistema tributário tem o papel (I) de evitar a concentração de renda e (II) proporcionar redistribuição de renda. Dois vieses (preventivo/corretivo) de um mesmo fenômeno econômico.
Ora, sendo claro que a concentração de renda resulta no risco de pobreza e impossibilidade de concretização da dignidade da pessoa humana, resta evidente o dever de atuação do Estado, a fim de impedir que esse acúmulo de riqueza privada resulte em uma incompatibilidade entre a realidade social e os valores fundamentais da sociedade brasileira, instituídos pela Constituição Federal. E essa atuação estatal passa necessariamente pelo instrumento da tributação.
Neste andar, resta cristalino que o sistema tributário é instrumento político-jurídico apto a concretizar os valores constitucionais de um Estado democrático através da condução a uma igualdade econômica. Mediante a apropriação da riqueza particular de quem possui mais recursos se permite a consecução de serviços públicos para quem mais necessita, assegurando a este um mínimo existencial e viabilizando uma vida digna.
Tem-se, então, que todas as escolhas que circundam a tributação são sempre substancializadas pela ideia de justiça, uma vez que, conforme adverte Juarez Freitas, “a justiça se apresenta como um dos elementos juridicamente essenciais à legitimidade e à continuidade do Direito Positivo.” (FREITAS, 2010, p. 134).
Neste desiderato, conclui-se que, para que se encontre alinhada aos fundamentos de um Estado Democrático, em especial ao ideal de justiça, a tributação de um país deve, sempre que for possível de aferição da capacidade contributiva do indivíduo, apresentar uma progressividade.
Seguindo nesta linha, tem-se que a estrutura valorativa de uma sociedade, que dá legitimidade à expressão positiva, são materializados – introduzidos na seara jurídica – através dos princípios que resultam amparados pela Constituição, implícita ou explicitamente.
Desta feita, vê-se a Constituição Federal de 1988 consagrar a justiça como escopo do Estado Democrático de Direito e, ainda, prever em seu corpo instrumentos e direitos que manifestam claramente a intenção de consagrar justiça social, ideia que manifesta a opção política do legislador acerca das características basilares do Estado brasileiro.
A Constituição brasileira apresenta em seu preâmbulo o compromisso do Estado com os direitos sociais, a igualdade, a construção de uma sociedade fraterna, esculpindo a justiça como um dos valores supremos do Estado brasileiro.
Já em seu corpo operativo, a Constituição Federal de 1988 assevera como objetivos fundamentais do estado brasileiro a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A magna carta fixa, ainda (em seu artigo 23, X), que é de competência comum a todos os entes da federação o combate às causas da pobreza e os fatores de marginalização.
Reforçando seu compromisso com a Justiça no âmbito tributário – e buscando dar suporte a concretização da justiça – a Constituição estabelece, ao lado do principio geral de isonomia, os princípios especiais da isonomia tributária (art. 150, II), da capacidade contributiva (art. 145, §1º), da vedação ao confisco (art. 150, IV), bem como o da equidade na forma de participação no custeio para a seguridade social (art. 194, §ú, V)
O princípio da capacidade contributiva ganha especial relevância considerando a atual estrutura econômica adotada pela maioria dos estados hodiernamente. Isto porque “o direito tributário encontra as desigualdades econômicas existentes numa economia de mercado. O princípio da igualdade exige que a carga tributária total seja igualmente distribuída entre os cidadãos. O componente social da justiça exige que ricos contribuam proporcionalmente mais que os pobres” (TIPKE;YASHAMITA, 2002, p. 18), na medida em que a verdadeira igualdade só existe com a isonomia, ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
Neste diapasão, se faz clarividente a ideia de que, para apresentar-se em alinhamento com o Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988, a tributação deve, necessariamente, prezar pela equidade e progressividade em suas extensões máximas, ou seja, em todos os tributos cuja capacidade contributiva seja passível de aferição, como é o caso da contribuição previdenciária.
De outra banda, em que pese a Contribuição Previdenciária se estruture sob uma ideia de Justiça Comutativa e não de Justiça Distributiva, é evidente que isso não confere a tal tributo características que permitam a fuga de uma vetorização pelos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia, vetores estruturantes de toda ordem constitucional tributária, sendo estes os fundamentos últimos da instituição da contribuição em cotejo.
Ou seja, ainda que o fundamento axiológico mais próximo da contribuição previdenciária esteja em uma ideia de solidariedade, esta deve ser sempre ponderada juntamente com outros princípios constitucionais e delineada pelos princípios estruturantes da ordem constitucional, em especial o principio da isonomia.
Neste cenário, é possível concluir que os fundamentos que legitimam uma tributação progressiva da Contribuição Previdenciária são os mesmos que demonstram com clareza a inconstitucionalidade da sua aplicabilidade de forma cumulativa, conforme se passa a discorrer.
2. A INCONSTITUCIONALIDADE DA NÃO CUMULATIVIDADE DAS ALÍQUOTAS DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADO, INCLUSIVE O DOMÉSTICO E A DO TRABALHADOR AVULSO
O problema de constitucionalidade em cotejo paira sobre a contribuição previdenciária incidente sobre o salário-de-contribuição dos trabalhadores, inclusive o doméstico e avulso, sujeitos à Previdência Social, prevista no artigo 20 da Lei 8.212/91, in verbis:
“Art. 20. A contribuição do empregado, inclusive o doméstico, e a do trabalhador avulso é calculada mediante a aplicação da correspondente alíquota sobre o seu salário-de-contribuição mensal, de forma não cumulativa, observado o disposto no art. 28, de acordo com a seguinte tabela:” (Redação dada pela Lei n° 9.032, de 28.4.95).
A Sujeição passiva apresenta-se clara no referido artigo, sendo a contribuição aplicada aos trabalhadores, inclusive o doméstico e avulso. A base de cálculo, por sua vez, é o salário-de-contribuição, cuja conceituação encontra-se prevista no art. 28, I e II, da mesma lei 8.212/90, tendo o §9º do mesmo artigo previsto as verbas que não integram o salário-de-contribuição.
O art. 20 da Lei 8.212/90 prevê, ainda, que a incidência da contribuição se dará de forma progressiva, de acordo com o salário-de-contribuição, determinando que as alíquotas de cada faixa de incidência sejam aplicadas de forma não-cumulativa. Ou seja, a incidência da alíquota que se encontra acima da faixa de menor incidência não poderá considerar a faixa anterior para fins de tributação, aplicando-se sobre toda a base de cálculo.
Os apontamentos de Ítalo Romano, Jeane Tavares e Amauri Teixeira são esclarecedores neste ponto.[1]
“O que significa aplicar alíquota de forma não-cumulativa? Vamos esclarecer isso com um exemplo prático.
Uma pessoa recebe salário de R$ 2.000,00, valor que corresponde à alíquota de 11%, que é aplicada de forma não-cumulativa, o que resultará numa contribuição social de R$ 220,00 (R$ 2.000,00 x 11% = R$ 220,00).
Se fosse cumulativa, a contribuição social seria de R$ 182,16, valor resultante da seguinte operação:
(R$ 800,45 x 7,65%) + (R$99,55 x 8,65%) + (R$ 434,07 x 9%) + (R$ 665,93 x 11%)
Observe que, na aplicação da alíquota de forma cumulativa, é utilizado o valor limite do salário-de-contribuição em cada faixa, com sua correspondente alíquota, até o valor final considerado, que, no exemplo demonstrado, foi de R$ 2.000,00.”
Esclarecida o que é a sistemática de aplicação não-cumulativa da progressividade da contribuição previdenciária em questão, passa-se a analisá-la à luz constitucional, mormente sob escopo dos princípios constitucionais tributários que caracterizam-se como fundamentos de validade da legislação ordinária.
É sabido que a orientação jurisprudencial manifesta que a instituição das alíquotas progressivas das contribuições sociais, a exemplo desta que é objeto do presente estudo, encontra respaldo no princípio da Capacidade Contributiva e na Equidade na Forma de Participação no Custeio, sustentadas nos artigos 145, §1º e 194, Parágrafo único, inc. V, ambos da CF/88, in verbis:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:[…]
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.[…]
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:[…]
V – eqüidade na forma de participação no custeio;”
De outra banda, vemos na seção II, do Capitulo destinado ao Sistema Tributário Nacional, as limitações ao Poder de Tributar previstas pela Constituição Brasileira, ganhando relevância aquela prevista no inciso II do art. 150 da Constituição Federal, que em consonância com o art. 5º, caput, prevê o Princípio da Isonomia:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
Destarte, em todos os pontos referentes à regra matriz de incidência tributária, a Constituição Federal determina o alinhamento ao preceito em tela, a fim de que seja realizado um tratamento igual em situações equivalentes, e diferenciado em situações desiguais.
Assim, da análise dos dispositivos alhures depreende-se que a progressividade deve respeitar, e ter como vetor, a realização da equidade na tributação, sempre condicionada pelo princípio da capacidade contributiva, princípio cardial na busca por justiça fiscal.
No plano prático, a progressividade pode ser concretizada de duas maneiras: (I) De forma gradual, ou seja, vários cálculos sucessivos, respeitando cada um deles a base de cálculo daquele percentual e (II) De forma simples, um cálculo único, incidindo apenas um percentual sobre toda a base, desconsiderando os percentuais das faixas anteriores.
A adoção da tabela progressiva, cuja incidência da alíquota mais elevada se dá sobre a totalidade da base de cálculo, corresponde ao que a doutrina conceitua como progressividade simples, sistemática esta que não encontra suporte constitucional.
Ora, somente seria válida uma exceção a tal sistemática caso estivesse prevista no próprio corpo constitucional, na medida em que os princípios que parametrizam a questão são constitucionais, o que não acontece no caso em cotejo.
Desta forma, não existindo exceção prevista no texto constitucional, não encontram espaço no ordenamento jurídico nacional textos legais que determinem a progressividade aqui denominada de simples, incidente sobre a totalidade da base de cálculo, hipótese em que se enquadra o artigo 20 da Lei 8.212/91.
Deve ser aplicada, então, a sistemática na qual a incidência da alíquota exclusivamente sobre a respectiva faixa de incidência, com a finalidade de realização da equidade na tributação, esta condicionada pelo princípio da capacidade contributiva. Esta sistemática é utilizada na tributação pelo Imposto de Renda da Pessoa Física.
Notoriamente conhecida, a incidência do IRPF se dá mediante a incidência da alíquota exclusivamente sobre a respectiva faixa de incidência (base de cálculo), ou seja, a alíquota mais elevada não incide sobre os rendimentos que se enquadram nas faixas anteriores, ou isentos.
Este seria o caso, adotando a expressão utilizada pelo art. 20 da Lei nº 8.212/91, de cumulatividade das alíquotas.
Na prática, a incidência da "parcela a deduzir” prevista na tabela do IRPF é que proporciona tal sistemática de cálculo, garantindo que a alíquota mais elevada incida somente sobre o rendimento que está sob sua faixa de incidência.
A pertinência de tal sistemática é que tal mecanismo propicia a concretização dos princípios da isonomia tributária (art. 150, inc. II, da CF/88) e de seu corolário, princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF/88), bem como o princípio da equidade no custeio da seguridade social (art.194, §ú, inc. V da CF/88). Garante-se, desta forma, um tratamento igual aos que possuem a mesma capacidade contributiva e, aos contribuintes que se diferenciarem a observância dessa exata proporção de diferenciação para fins da incidência tributária.
Ocorre, entretanto, que referido respeito à Constituição não é observado pelo legislador ordinário em relação às contribuições previdenciárias descritas no art. 20 da Lei nº 8.212/91, em face da expressão "de forma não cumulativa", sendo aplicada a alíquota mais elevada sobre a totalidade da remuneração.
A questão já foi proposta ao Poder Judiciário no Estado do Rio Grande do Sul, tendo a 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul – competente para o julgamento da matéria – se manifestado de forma favorável aos contribuintes, registrando em suas decisões que “dita sistemática viola, de forma hialina, os princípios da capacidade contributiva, da isonomia tributária, da proporcionalidade e da razoabilidade, que não apenas justificam, senão impõem uma tributação equitativa dos segurados”.[2]
Em outro trecho do voto, o emérito Juiz Federal Andrei Pitten Velloso nos autos do processo nº 5001891-79.2012.404.7120 manifestou-se da seguinte forma.
“Esse regime, em que se aplica apenas uma alíquota à integralidade do salário-de-contribuição, é nitidamente desproporcional, violando frontalmente o princípio da isonomia tributária, na sua dimensão vertical, que preconiza o tratamento desigual dos desiguais, na exata medida da desigualdade existente.
Deveras, sempre que há uma transposição de faixa contributiva se verifica um desproporcional incremento da carga tributária, a malferir os mais comezinhos princípios constitucionais. Para elucidar essas distorções, vale pensar no caso de um trabalhador que tinha um salário-de-contribuição de R$ 1.317,07 e recebeu um aumento de R$ 0,01. Em virtude deste ínfimo incremento na remuneração, a contribuição do empregado passará de R$ 105,37 para R$ 118,54. Dessa forma, o empregado não terá auferido um incremento remuneratório, suportando um efetivo decréscimo na sua remuneração líquida.
Idêntica situação se verifica na transposição da outra faixa contributiva. Digamos que um empregado tinha um salário-de-contribuição de R$ 2.195,12 e recebeu um aumento de R$ 5,00. Por força deste sutil incremento na remuneração, a contribuição do empregado passará de R$ 197,56 para R$ 242,01. O decréscimo remuneratório é vultoso. […]
Urge, por conseguinte, reconhecer a inconstitucionalidade da expressão "de forma não cumulativa" constante no caput do artigo 20 da Lei 8.212/1991.” (grifo nosso)
Como a discussão é constitucional, a decisão final ficará a cargo do Supremo Tribunal Federal, que, no dia 08/10/2015, reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário nº 852.796. Ainda não foram proferidos votos acerca da discussão, estando pendente de julgamento referido feito.
O certo é que se está diante de uma tributação aplicada de forma injusta, notadamente por ser um tributo de ordem previdenciária, ou seja, que é aplicado com a finalidade de devolver ao cidadão uma vida tardia digna e condizente com a tributação que lhe é exarada. Tal forma de tributação vai de encontro ao Estado Social de Direito, característica que, ao menos em tese, identifica o Estado brasileiro. Esta é a manifestação pacífica da melhor doutrina de Tipke.
“Não apenas o direito previdenciário, mas também as normas de finalidade fiscal de um Direito Tributário justo devem considerar a limitação da capacidade contributiva decorrente das inevitáveis obrigações privadas. O Estado Tributário não pode retirar do contribuinte aquilo que, como Estado Social, tem de lhe devolver.” (2002, p. 31)
Neste cenário, a leitura do art. 20 da Lei nº 8.212/91 em consonância com os princípios constitucionais que regem a matéria, assegurando-se a preservação da tributação isonômica, é medida infestável, o que enseja a incidência de cada alíquota somente sobre a respectiva faixa.
CONCLUSÃO
O direito tributário no Brasil, sempre refletiu a postura patrimonialista e de desinteresse na concretização de justiça por parte daqueles que detém o poder político, manifestando-se cristalina a falta de legitimidade da tributação brasileira. Com a contribuição previdenciária não é diferente.
O trabalhador brasileiro, já amplamente onerado com uma alta tributação indireta, que resulta em um sistema tributário regressivo, está sofrendo também com a incidência da contribuição previdenciária, tributo que deveria garantir uma aposentadoria digna, dignidade que soa utópica para ampla maioria da população brasileira.
É certo que ao poder judiciário não cabe a concretização de justiça mediante pura politização, interferindo na separação de poderes.
Entretanto, a aplicação de justiça corretiva, concreta, mediante aferição de constitucionalidade das exações tributárias, é dever inarredável do Poder Judiciário.
No presente caso, caberá à suprema corte garantir esta justiça corretiva mínima frente a mais uma injustiça geral praticada por um Poder Legislativo desconectado dos parâmetros constitucionais, cuja omissão de constituição de justiça até hoje não entendeu sua finalidade.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>
Informações Sobre o Autor
Luiz Felipe Scholante Silva
Advogado (OAB/RS 96.720). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Pós-graduando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2015-2017)