Resumo: O presente estudo busca expor as principais modificações dos relacionamentos entre os entes do Direito Internacional Público ao longo da história contemporânea, enfatizando o período posterior ao fim da segunda guerra mundial. A fim de não repetir as atrocidades das guerras, e já apontando uma tendência de aproximação entre as nações, a comunidade internacional constitui um órgão intergovernamental intuindo manter a paz e a segurança internacionais. Surgem também organismos regionais, estreitando e acelerando relações de Estados próximos. Com essa maior presteza e complexidade de contato entre as nações emerge a necessidade de se regular as controvérsias que inevitavelmente eclodirão. Procura-se, sucintamente, examinar os meios de soluções de controvérsias internacionais classificados pela doutrina como: diplomático, político e jurisdicional; além de verificar as fontes de resolução de controvérsias internacionais, os sujeitos do Direito Internacional Público, o princípio da soberania dos Estados, e os meios coercitivos de resolução de Controvérsias Internacionais, hoje severamente combatidos pelos princípios gerais que regem a Carta da Sociedade das Nações, em muitos pontos dando ênfase não só a questão jurídica, mas, concomitantemente, à situação humanitária, histórica e econômica envolvidas.
Palavras chave: Soberania Estatal, Controvérsias Internacionais, Metajuridicidade. Paz e Segurança Internacional.
Abstract: A recently study of Relationship between International Public Low and who is joined in it, try to show up the Contemporary History, emphasize the period subsequent of second war. In order to, don’t make the same mistake during the wars, and given a proximity amid nations, the international community establish a new part of Inter-Governmental with insight to prevent peace and international security. Has appeared as well, regional institutions, squeezing and increasing the speed of relations between states. With this bigger promptness and complexity of contact between the nations it emerges the necessity of if regulating the controversies that inevitably will come out. It is looked to examine the ways of solutions of international controversies classified by the doctrine as: diplomatist, jurisdictional politician and; beyond verifying the sources of resolution of international controversies. the citizens of the Public International law, the beginning of the sovereignty of the States, and the coercitive ways of resolution of International Controversies, today severely fought for the general principles that conduct the Letter of the Society of the Nations. In many points giving emphasis not only the legal question, but concomitantly, to humanitarian, historical and economic the situation involved in the divergence in thesis and, the possible effectiveness, together with the judgment of convenience of this or that way employed – or trying – to clarify and finally the demand.
Key-words: State sovereignty, International controversies, Peace and International Security
Sumário: Introdução; 1. A comunidade Internacional, os Sujeitos do Direito Internacional Público e o Princípio da Soberania dos Estados; 2. Fontes das Regras de Solução de Controvérsias entre as Pessoas de Direito Internacional Público; 3. Soluções de Controvérsias Internacionais através dos Meios Pacíficos; 3.1 Meios Diplomáticos; 3.1.1 Negociações Diplomáticas; 3.1.2 Bons Ofícios; 3.1.3 Mediação; 3.1.4 Sistema de Consultas; 3.1.5 Inquérito; 3.1.6 Conciliação; 3.2 Meios Políticos; 3.2.1 Organização das Nações Unidas; 3.2.1.1 Assembléia Geral e Conselho de Segurança; 3.2.1.2 Organização Mundial do Comércio; 3.2.2 Organizações Regionais de Domínio Político; 3.2.2.1 Organização dos Estados Americanos; 3.2.2.2 Liga dos Países Árabes; 3.2.3 Mercado Comum do Cone Sul; 3.2.4 União Européia; 3.3 Meios Jurisdicionais; 3.3.1 Arbitragem; 3.3.2 Solução Judicial; 4. Os Meios Coercitivos de Soluções de Controvérsias Internacionais; 4.1.Retorsão; 4.2.Represálias; 4.3.Embargo; 4.4.Bloqueio Pacífico; 4.5.Boicotagem; 4.5.Rompimento das Relações Diplomáticas; Conclusão; Bibliografia.
Introdução
A temática a respeito da solução dos litígios internacionais tem sido uma das mais tradicionais do Direito Internacional, desde a emergência de seus estudos sistemáticos, e aquela que, na atualidade, mais tem sofrido, com alguma intensidade as notáveis inovações introduzidas pelas mutações das relações internacionais.
Antes de falar sobre a Solução de Controvérsias, deve-se esclarecer a semântica da palavra e o porquê de sua utilização. Poderia-se, em algum momento, utilizar termos próximos, como Litígio ou Conflito, para explicitar esse desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato, pois, à medida que dois ou mais estados abordam o mesmo problema sob óticas diversas, instaura-se a divergência.
Os termos citados, apesar de tidos como sinônimos perfeitos para o efeito do Direito Internacional, trazem consigo o inconveniente de concepções formadas pela sua utilização na Língua Portuguesa. Desse modo, o termo Litígio tende a indicar desacordos deduzidos ante a uma jurisdição; e, Conflito expressa a idéia de um desacordo sério e carregado de tensões; tais termos tendem a remeter a oposição somente a uma situação crítica e parecem abandonar a idéia que o fato pode ser apenas uma oposição de teses jurídicas ou de interesses entre Estados.
Parte da doutrina, baseada no capítulo VI da Carta das Nações Unidas (Solução Pacífica de Controvérsias), utiliza a expressão Controvérsia Internacional para definir conflitos de interesses de qualquer natureza entre dois ou mais Estados; podendo tratar-se tanto de diferenças de interpretação de normas internacionais vigentes, quanto de situações factuais, onde, por inexistir uma norma internacional que as regule, emerge a necessidade de estabelecer-se uma regulamentação, assim como, de conflitos graves, onde se faz necessária à presença de meios Políticos, Jurisdicionais ou Coercitivos para a resolução de tal lide.
Conforme o afirmado anteriormente, o direito internacional geral não distingue os termos: conflitos, litígios, disputas, controvérsias, situações; buscando-se na doutrina e na semântica a melhor expressão para o objeto de estudo deste trabalho, em virtude de uma idéia de abrangência geral e dos conflitos sem remeter a este ou aquele, preferiu-se utilizar a expressão Controvérsia Internacional para o estudo de seus meios de resolução pacíficos e coercitivos.
Torna-se necessário esclarecer o que se considera Internacional, sobretudo tendo-se presente o inevitável tema da globalização, que, nos dias de hoje, perpassa por todos os campos das relações internacionais. Qualquer assunto, que na atualidade ultrapasse fronteiras de um Estado, seja ele de pertinência exclusiva da ação diplomática dos mesmos, seja da alçada dos particulares, no seu relacionamento com outros particulares postados fora da jurisdição do próprio Estado, ou em relacionamentos com Estados estrangeiros, devem ser versados pelo Direito Internacional.
Apesar de termos a percepção que o Direito Internacional não mais pode ser confinado, com rigidez, nas denominações clássicas de Direito Internacional Público (relacionamentos entre Estados, diretamente ou através de organizações intergovernamentais) ou o Direito Internacional Privado (relacionamento de indivíduos ou empresas, onde haja a emergência da questão da aplicabilidade de leis internas de Estados distintos, concomitantemente incidentes num determinado negócio jurídico). Forçosamente, adota-se uma classificação de litígios em função das partes envolvidas, tendo em vista que, apesar do fenômeno da globalização das relações internacionais, ainda existem normas que se encontram reservadas à regulamentação das relações entre Estados, definidas como normas de Direito Internacional Público Clássico, e que não podem ser aplicadas a uma pessoa física ou jurídica de direito interno, às quais aquele direito as mantém desprovido de personalidade.
Analisando-se sobre tal perspectiva, os Litígios Internacionais podem ser classificados em controvérsias entre Estados, nas suas relações bilaterais ou multilaterais (incluindo-se, no último subtipo, as relações entre Estados e organizações intergovernamentais, e entre elas próprias), que são regidas pelo Direito Internacional Público; controvérsias entre pessoas físicas ou jurídicas submetidas a sistemas jurídicos nacionais distintos, e que, na maioria das vezes se resolve pela regra de Direito Internacional Privado, ou por normas de extração internacional; e controvérsias entre pessoas físicas ou jurídicas de direito interno dos Estados, de um lado, e de outro, Estados, ou seja, seus órgãos, entidades a quem o Estado faculta o exercício de prerrogativas do poder público, ou as pessoas que agem, de fato ou de direito, em nome do Estado.
Aqui, busca-se, especificamente, analisar as controvérsias entre Estados, nas suas relações bilaterais ou multilaterais. Tanto quanto os indivíduos, os estados, estão sujeitos a paixões, ao embate de interesses, a divergências mais ou menos sérias, sendo assim, as controvérsias tornam-se inevitáveis. Contudo, diferentemente da sociedade civil, onde acima dos cidadãos existe uma autoridade superior, que busca de maneira plena manter a ordem pública, e onde se exerce a jurisdição de tribunais, que garantem direitos e aplicam sanções ou reparam ofensas. A Sociedade Internacional ainda não se acha juridicamente organizada de forma análoga, acima dos Estados não há um órgão superior a que efetivamente obedeçam. Para dirimir controvérsias entre eles e fazer respeitar os direitos de cada um, não há uma entidade supranacional controladora.
A prática do Direito Internacional Público e a Carta das Nações remetem a variadas formas de resolução das demandas, sem que haja uma hierarquia ou obrigatoriedade de utilização desta ou daquela. Utilizam formas variadas de entendimento, como as negociações diplomáticas, os bons ofícios, a arbitragem, a mediação; enfim não existe relevância em distinguir-se o modo de resolução da controvérsia, pode-se até utilizar mais de um meio para a resolução do problema, apenas busca-se manter a paz e a segurança internacionais.
A possibilidade da solução judiciária, propriamente dita, vem através da Corte Internacional de Justiça, órgão da Organização das Nações Unidas, e para tanto, se torna necessária adesão ao referido tribunal, assim, somente após tal feito os estados parte estariam a ela sujeitos e compromissados, tendo em caso de descumprimento da sentença originado um ilícito internacional.
Esgotados os meios de solução pacífica da controvérsia, os Estados acabam recorrendo aos meios coercitivos. Porém, não de maneira arbitrária, sempre devem estar alicerçados nas resoluções do órgão internacional ao qual está sujeita a discrepância. Segundo, o artigo 39, constante no capítulo VII da Carta das Nações, se o Conselho de Segurança determinar que há qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais, buscando evitar, de todos os modos, o emprego de força militar e os flagelos da guerra.
1 – A Comunidade Internacional, os Sujeitos do Direito Internacional Público e o Princípio da Soberania dos Estados
Tarefa bastante simples parece-nos definir uma sociedade circunscrita em um território, dentro de um Estado, com seus cidadãos, como a sociedade brasileira, argentina, polonesa, ou muitas outras sociedades do globo. Tratam-se de sociedades específicas, cada qual com suas peculiaridades históricas, sociais, econômicas, e, que, a partir delas acomodam e organizam o comportamento dos indivíduos, seus componentes e desenvolvem uma consciência de grupo, um sentimento de unidade. Esse processo requer uma divisão de atividades, muitas vezes é inconsistente, dando-se por métodos de tentativas e erros, até que em algum momento se encontre o sistema mais adequado para esta ou aquela nação.
Através de seu sistema de governo e de seu sistema jurisdicional cada Estado, como autoridade superior aos seus cidadãos, deve buscar manter a ordem pública, proporcionando paz e condições dignas aos seus populares. Pelo entendimento do iluminista francês Jean Jacques Rosseau, em sua obra O Contrato Social:
“A liberdade individual só existe com a liberdade coletiva, ou seja, sem a existência de uma convenção, construída pelos indivíduos para estabelecer os seus direitos, estes não existiriam e uns poderiam se apoderar dos outros[1].“
O Estado deve possuir uma organização institucional e demonstrar uma obrigatoriedade dos laços que envolvem os indivíduos, arrimada em normas de Direito, hierarquizadas, de estrutura rígida; desse modo superando arbitrariedades, o ser humano se submete a uma lei erguida por ele acima de si mesmo. Abandona o estado de natureza, de Hobbes e Rousseau, colocando-se abaixo do poder do Estado, que organiza a sociedade e regula as relações entre seus súditos, e entre eles e o próprio Estado.
Nesse modo de organização contemporâneo, em que o indivíduo abdica de seu estado de natureza, da liberdade total, em razão da tutela jurisdicional do Estado, as liberalidades são controladas pelo ente superior, porém não tolhidas completamente.
Os cidadãos do Brasil, por exemplo, mantêm sua parcela de independência e submissão estatal, e as restrições dessas, pelo que se convencionou ao longo da história, e das Constituições, através dos poderes legislativo e executivo; tendo eventuais discrepâncias evoluído para serem dirimidas pelo Poder Judiciário.
Opera-se a democracia expressando a representatividade e liberdade individual quando, através de eleições, os cidadãos da nação conforme seu arbítrio e juízo de convencionalidade exclusiva e social escolhem seus representantes para a busca dos interesses suscitados em campanha pelo então candidato proponente. Desse modo, e, mantendo a vigilância coletiva acerca dos feitos de seus representantes, o cidadão, sujeito de direito interno, atua de modo decisivo no processo democrático, através do voto neste ou naquele candidato, que, quando eleito, buscará na sua esfera funcional cumprir os desígnios de sua campanha, defendendo os interesses da nação, especificamente, àqueles para os quais foi eleito. Chegando indiretamente ao objetivo de, por meio do voto, o cidadão bem informado expor suas expectativas legislativas e executivas, através do representante que mais lhe aprouver, de modo que consciência social e a liberdade individual figurarem diretamente na democracia.
Assim, o Estado apresenta-se como uma entidade constituída pela comunidade nacional que lhe delegou poderes, e jurisdição, sendo imprescindível que os seus atos traduzam as aspirações, valores e princípios eleitos pela comunidade nacional que o constituiu.
Já, o juízo de uma sociedade internacional importa um certo esforço de abstração. Atualmente, muitos anseios e preocupações humanas constituem pontos comuns a diversas áreas do planeta.
Há, uma prática reiterada de iguais hábitos e padrões de comportamento, que tendem a tornar o ser humano cada vez mais parecido. O grande desenvolvimento das comunicações, a constante e instantânea troca de conhecimento faz com que os habitantes da Terra aproximem-se, mesmo que não territorialmente, apesar da facilidade e agilidade de locomoção cada vez mais aprimorada, mas intelectual e conceitualmente. Como afirma Husek:
“O homem não vive mais isolado, e isso já faz alguns séculos. Entretanto, a interdependência, principalmente econômica e política intensificou-se a partir da II Guerra Mundial, com a formação de blocos de influência: de um lado os países liderados pelos Estados Unidos, e, de outro, aqueles liderados pela União Soviética[2].”
O mundo está organizado em Estados e estes se organizando dentro de organizações maiores, como a Organização das Nações e a Comunidade Européia. Segundo a concepção clássica, a sociedade internacional seria formada pelos Estados e pelas organizações internacionais. Até pouco tempo, para diversos autores esses seriam, exclusivamente, os sujeitos do Direito Internacional, pois inexistem dúvidas quanto ao seu papel no mundo, com a comprovação tácita e histórica de sua participação em vários eventos.
Mesmo hoje, qualquer classificação que não os inclua no rol de sujeitos deste ramo do direito pecará pela base, pois, basicamente, em torno do Estado e das Organizações Internacionais giram as diversas concepções sobre Direito Internacional Público. Em contrapartida, atualmente, parte isolada da doutrina, inclui nesse rol de sujeitos de Direito Internacional, os homens como seres individuais, titulares de direitos fundamentais inerentes ao ser humano e de deveres, como o de preservação do meio ambiente; e as grandes empresas transacionais, pelo seu grande poder de barganha que os empregos gerados e o capital envolvido representam, não somente nos países como nos mercados internacionais.
As pessoas internacionais são os entes destinatários das normas de Direito Internacional, tendo atuação e competência delimitadas por estas. Essa existência comprova a própria vida internacional e as regras que a animam. Porque pessoa é uma criação jurídica possível quando se considera dada ordem normativa, ainda que não tenha tal ordem, no caso internacional, os mesmos caracteres das ordens internas.
Diferentemente, da sociedade interna, a sociedade internacional não tem, originalmente, laços obrigatórios que envolvam seus membros. A sua constituição de poderes é feita de maneira distinta, segundo Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva:
“Acima dos Estados não há um Órgão supremo a que obedeçam, e, para dirimir controvérsias entre eles e fazer respeitar os direitos de cada um, não existe uma organização judiciária, com jurisdição obrigatória[3].”
É uma sociedade descentralizada, onde predomina o princípio do desdobramento funcional, com os Estados emprestando seus órgãos para que o Direito se realize. A adesão à jurisdição não é obrigatória, não há um ente supranacional ou hierarquicamente superior aos estados. No estatuto da Corte Internacional de Justiça, por exemplo, existe a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, onde o Estado pode ser membro das Nações Unidas e parte no Estatuto, porém, se preferir, não precisa aceitar a jurisdição obrigatória. Se aceitá-la, sempre que demandada, a nação signatária terá a mesma posição que tem os indivíduos em relação aos tribunais do país em que se encontram, não sendo questionada sobre o aceite ou não da jurisdição na qual ela é parte ré em uma demanda.
A jurisdição obrigatória incondicionada viria a ferir o princípio da soberania dos estados, pois obstruiria a possibilidade das nações resolverem a controvérsia do modo que lhes fosse mais adequado, segundo Rezek:
“Nos debates preparatórios do Estatuto da Corte, ao romper da década de vinte, ficou claro que havia numerosas resistências à idéia de um órgão de jurisdição cronicamente obrigatória para todos os Estados. A cláusula, nesse contexto, foi imaginada pelo representante do Brasil, Raul Fernandes, e resultou disciplinada pelo art. 36 do Estatuto[4].”
No artigo 2.1. da Carta das Nações, fica exposto o princípio da igualdade soberana de todos os estados membros da Organização das Nações Unidas, transcreve-se “Artigo 2.1. A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros[5]”.
Percebe-se que ao constituir a Organização das Nações Unidas, a comunidade internacional, ainda, sob o impacto dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, procurou estabelecer mecanismos políticos e jurídicos para evitar, ou, pelo menos, minimizar controvérsias internacionais que pudessem desencadear novos conflitos, nas dimensões então assistidas. Daí exortou o emprego de meios pacíficos de solução de litígios, em seu artigo 2.3 “Todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais[6]”. Atribuindo ao mesmo tempo, o Conselho de Segurança de poderes para identificar situações e controvérsias as quais pudessem por em risco a paz e a segurança internacionais.
Segundo o artigo 2.7. da Carta das Nações:
“Artigo 2.7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes no Capítulo VII.”
Porém, o dispositivo não especifica quais sejam esses assuntos. Mesmo porque, diante do caráter dinâmico das relações internacionais, um assunto que, em certo momento, depende essencialmente da jurisdição de um Estado, no momento seguinte pode interessar à comunidade internacional como um todo, exemplo disso é o que ocorre, atualmente, com os direitos fundamentais do ser humano e o meio ambiente.
Conforme o ensinado e citado por Husek, anteriormente, tratando-se de relações internacionais o cenário no pós-guerra mostrou-se mais dinâmico, com o desenvolvimento da tecnologia de comunicações e dos meios de transporte, fazendo com que o que era local, pudesse e assumisse contornos internacionais, diante de repercussões anteriormente desconhecidas.
O ente estatal deixa de figurar apenas como a entidade organizadora da comunidade nacional, passando a intervir na economia, a participar ativamente do comércio internacional, a atuar como agente de desenvolvimento nacional e regional, nos processos de integração econômica e política, e, dessa forma, assumiu feições antes desconhecidas. A interação das economias tornou o estado dependente do processo econômico e tecnológico internacional, afrouxando-lhe o sentido tradicional de soberania.
Nesta mesma lógica, a preocupação em evitar a repetição das atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, fez com que a renascente comunidade internacional aprovasse tratados, convenções, resoluções e declarações internacionais de diversos tipos e sob diversas formas, idealizando o respeito aos direitos fundamentais do homem e a preocupação com a sobrevivência da humanidade. A partir desse momento fica estabelecida a posição privilegiada do homem e da humanidade como um todo frente à comunidade internacional.
O Estado é a entidade constituída pela comunidade nacional que lhe delegou poderes, e, assim jurisdição, sendo imprescindível que os seus atos traduzam as aspirações, valores e princípios eleitos pela comunidade nacional que o constituiu. Ao integrar a comunidade internacional, pode haver conflitos e disparidades entre ambas, impondo-se o emprego de meios de solução de controvérsias que as eliminem, em prol dos interesses maiores da comunidade internacional que se conciliem com os da humanidade, como um todo. O artigo 2.7 da Carta da ONU – conforme transposto anteriormente – veda quaisquer interferências internacionais em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna dos Estados. Ao colocar-se nesta situação a comunidade internacional organizada, se põe sem autorização para impor normas de direito a serem observadas na esfera interna dos Estados, porém, deixando ao desenvolvimento das relações internacionais a definição das matérias que ficariam restritas à jurisdição doméstica. Esse desenvolvimento depende do comportamento dos Estados e da atenção que vierem a dar matérias que extravasam o âmbito interno, diante da repercussão maior que passarem a ter na comunidade internacional.
Assim, embora a ONU não disponha de uma jurisdição supranacional, suas deliberações, sejam do Conselho de Segurança, ou da Assembléia Geral, condicionam o comportamento dos Estados, mesmo na esfera interna, não por emanarem de autoridade instituída com tal poder formal, mas por expressarem valores e princípios da comunidade internacional que o Estado sente-se compelido a acatar. Não o fazendo, estará sujeito a sanções impostas pela comunidade internacional organizada, ou, por outros Estados, individualmente. Tais sanções apresentam-se como meios coercitivos para o acatamento da posição pelo Estado, podem consistir em represálias não armadas, boicote e retaliações, ou alguma outra medida alicerçada na situação.
Quanto a concepção absolutista da soberania, ensina Husek: “A soberania é o poder absoluto. Considerada sob esse aspecto, a sociedade internacional estaria fadada a não dar certo, porque cada Estado apenas consideraria como certas as suas ações[7]”.
E, descartando a doutrina tradicional acerca da soberania, relata o mesmo autor:
“(…) fala-se em soberania do estado, em soberania relativa ou independência, na órbita internacional, e com base nesta mesma realidade (internacional) fala-se em interdependência, quando se focaliza principalmente o aspecto econômico.
Assim, não seria absurdo considerar que um Estado soberano tem soberania relativa ou independência na vida internacional e é para determinados fins interdependente[8].”
Nesse sentido, jurisdição do estado está condicionada à observância de princípios internacionalmente acolhidos, como os que proíbem o trabalho escravo, o genocídio e a tortura, objeto de convenções como a Convenção sobre Prevenção e punição de Genocídio[9], de 9 de dezembro de 1948; Convenção sobre Escravidão, de 25 de setembro de 1927, emendada pelo Protocolo de 1953, Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravidão, Tráfico de Escravos e Práticas Similares, de 7 de setembro de 1956; Convenção sobre Tortura[10], de 10 de dezembro de 1984; Convenção sobre Seqüestros[11].
O poder jurisdicional do Estado lhe permite editar normas de direito nacional e internacional, isoladamente, até mesmo por atos unilaterais, com efeitos internacionais, sendo limitado pela competência estabelecida por princípios gerais do Direito Internacional a que o Estado está adstrito a observar. O Estado regula, dentro de sua esfera territorial, atos e relações que podem ter efeitos internacionais. É o caso da nacionalidade, onde o Estado dispõe através de seus critérios quem são seus nacionais, e quais os direitos e deveres a que estão sujeitos. As normas sobre nacionalidade são de direito interno, unilaterais, com efeitos internacionais, interferindo com poderes de outros Estados. No caso dos Decretos sobre Nacionalidade da Tunísia e do Marrocos, a então Corte Permanente da Justiça Internacional demonstrou que certas matérias, mesmo que tenham repercussão internacional, não são reguladas pelo direito internacional, mas pelo direito nacional.
Embora o Estado possua jurisdição para declarar o Direito, os princípios acolhidos pela comunidade internacional são a ele superiores, limitando-lhe o poder de legislar. Ao decidir sobre quaisquer matérias de repercussão internacional, ainda que restrita ao seu âmbito interno, ele não pode ignorar tais princípios e valores, sob pena de ficar sujeito a medidas de coerção que lhe venham a ser impostas por outros Estados, ou pela comunidade internacional organizada.
Porém, o mesmo não pode ignorar os princípios e valores da comunidade nacional que o organizou. São os cidadãos que outorgam ao Estado autoridade para declarar e tornar efetivo o Direito nas órbitas interna e internacional. A autoridade do Estado é sempre delegada, não originária, pois a Constituição nada mais é senão o instrumento que lhe confere essa autoridade – a jurisdição, como poder de declarar o Direito – em nome da comunidade, que a possui originariamente. Circunstância exposta de maneira bem evidente no Parágrafo único do art. 1° da Constituição Federal brasileira de 1988. “Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. É o povo que tem jurisdição originária, a autoridade estatal – executiva, legislativa ou judiciária – exerce jurisdição delegada.
Essa delegação de poderes, contudo, não é absoluta, tendo a comunidade estabelecido restrições e limitações, reservando para si a autoridade exclusiva de decidir sobre certas matérias como: a) o impedimento de deliberar sobre qualquer proposta tendente a abolir a forma federativa do Estado; b) o voto direto, secreto, universal e periódico; c) a separação dos poderes; d) os direitos e garantias individuais. Somente nova Assembléia Nacional Constituinte poderia vir a modificar as cláusulas pétreas. Essa limitação de poderes imposta na Constituição faz salientar seguramente a jurisdição originária de que está investida a nação, o povo, e o caráter delegado da jurisdição outorgada aos órgãos do governo.
O direito internacional é fruto da jurisdição internacional dos Estados e cuja efetividade repousa, também nesses como indivíduos que compõe essa comunidade. Sendo a ordem internacional organizada horizontalmente, diferentemente da ordem interna, que é vertical, cada Estado, como integrante da comunidade internacional, é também autoridade de Direito Internacional. Onde os próprios Estados exercem a jurisdição, formando o complexo Direito Internacional. Através dos costumes internacionais e principalmente pela participação efetiva das nações nos Tratados, fica ilustrada a participação originária dos referidos como principais formadores do Direito Internacional Público.
No momento em que as aspirações e valores de uma comunidade nacional contrastam com as aspirações e valores da comunidade internacional, pode surgir conflito que tende a ser resolvido pela persuasão pacífica ou pela força. O contraste entre comunidades nacionais e a internacional é freqüente e decorre, fundamentalmente, do processo dinâmico da vida comunitária e das necessidades e objetivos momentâneos ou permanentes que as perpassam, requerendo ajustes e tolerância recíproca. Como exemplo, a Convenção do Mar[12], aprovada em Montego Bay, que reviu costumes antigos relacionados à exploração dos recursos marinhos, que não eram mais compatíveis com a realidade atual. Se Brasil, Chile, Peru e outros países tomaram a iniciativa de rever, por atos unilaterais, costume internacional, fizeram-no fundados na autoridade de direito internacional de que são dotados, buscando atender aspirações de suas comunidades nacionais coincidentes com os da comunidade internacional. Na citada convenção, entre outros feitos entendeu-se a extensão do Mar Territorial de três para duzentas milhas marítimas, a fim de buscar a proteção da flora e fauna marítimas ameaçadas pela exploração predatória.
Quando um Estado pratica um ilícito internacional, compete às organizações internacionais competentes e aos demais Estados atuar, singular e coletivamente, para fazer cessar a ilicitude ou para impor a sanção adequada. Como, na maioria das vezes (excetuando-se casos como o da Comunidade Européia onde há um tribunal supranacional), não há órgão centralizador que exerça o poder delegado da comunidade internacional, a exemplo do Estado na órbita interna, cada país, em sua condição de autoridade de direito internacional, tem autoridade para dar eficácia à norma violada.
As preocupações com meio ambiente, super população, caráter econômico, social, cultural e humanitário, como expresso dentre os propósitos da carta da ONU, tendem a guiar e estimular esforços de cooperação internacional entre os povos. O fenômeno da globalização é fruto, também desse quadro, em que fatores de caráter econômico, cultural e ideológico-religiosos, foram acendrados pelo triunfo do sistema capitalista de produção sobre o da economia planificada do regime comunista.
Com o aparecimento da estratégia de produção e de distribuição que caracterizou a empresa multinacional, houve uma preocupação por parte dos Estados acerca de sua antiga soberania, e que provocou a instalação de uma Comissão das Empresas Transnacionais, pela Assembléia Geral da ONU; um sintoma das tendências que a comunidade internacional acabou por solidificar e tornar realidade, sendo ampliada após a queda do muro de Berlim. Essa evolução desaguou no processo de globalização da economia, com reflexo na organização da jurisdição dos Estados, submetidos a fatores que não podem, individualmente, controlar mesmo em sua base territorial.
A globalização advém da vitória do neoliberalismo sobre a economia planificada, com a conseqüente abertura dos mercados nacionais, propiciando intenso movimento de capitais, produtos e de mão-de-obra.
Nesse sentido, em sua teoria do desenvolvimento, David Ricardo[13] defende que apesar dos recursos dos países já estarem plenamente empregados, a entrada do país no comércio exterior permitiria uma alocação mais eficiente dos recursos, duplamente importante para o desenvolvimento econômico: a) ampliando mercados para produtos industrializados, sob a premissa de rendimentos crescentes de escala; b) evitando a queda da taxa de lucro, através da importação de alguns produtos agrícolas, pois, desta forma não seria necessário alocar terras menos férteis para a produção de alimentos.
Se o mundo virou uma aldeia global, os contrastes típicos de aldeias surgem em grande número, salientando diversidades regionais e antagonismos próprios de pequenas comunidades.
As questões étnico-religiosas, e os conflitos como o movimento revolucionário dos bascos, na Espanha e o da Irlanda do Norte, podem ser mencionados como exemplos. O protecionismo, teoricamente abolido, tomou novas formas, travestido de imposição de regulamentos nacionais ou de aplicação de normas sobre dumping[14], como forma de desconfigurar o ilícito da barreira tarifária, combatido pela OMC, impedindo o ingresso de produtos estrangeiros de melhor qualidade e preço.
O fruto da liberalização da economia mundial tornou o Estado ainda mais dependente das forças econômicas internacionais, com maior interdependência entre as economias nacional e internacional. Essa integração tende a provocar a harmonização de sistemas jurídicos e dos valores e princípios eleitos pela comunidade nacional com os valores e princípios que governam a comunidade internacional como um todo, a despeito de suas divisões em Estados.
Porém, um grupo de países mais desenvolvidos (Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia), tende a dar ênfase a aspectos particulares das aspirações da comunidade internacional, coincidentes com os seus próprios anseios, ou com interesses momentâneos, relegando interesses de comunidades menos desenvolvidas a plano secundário, dessa forma tornando inviável um desenvolvimento homogêneo e contrariando os propósitos das nações Unidas, em especial a primeira parte do artigo 1.3 da Carta das Nações, que transcreve-se:
“Artigo 1.3 Os propósitos das nações Unidas são: Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;”
Esse conjunto de fatores serve para demonstrar similitudes e disparidades numa análise comparativa entre o indivíduo e o Estado, e entre a sociedade interna e a sociedade internacional. Se, por um lado o indivíduo é sujeito de direitos e deveres, enquanto encontrado sob a tutela jurisdicional do Estado na sociedade interna, sendo vinculado àquela jurisdição e devendo conviver, conforme sua vontade, harmonicamente com os outros cidadãos, adimplindo dessa forma a base de suas obrigações preceituadas na carta magna; de outro, a nação soberana está inserida em uma comunidade internacional horizontal, onde, apesar de não existir uma jurisdição obrigatória, em patamares supranacionais com eficácia obrigatória originária, existe uma força obrigatória baseada em tratados e costumes, oriunda dos anseios e orientações dessa própria comunidade internacional, que abrange todo o planeta.
Percebe-se que, muitas vezes, prevalecem às influências políticas e econômicas das nações mais abastadas, em questões que envolvem intervencionismo ou relações comerciais entre estados ou com grandes empresas transnacionais, pois, seu poder de barganha pela geração de empregos e capital envolvidos, é imposto de modo semelhante ao que acontece na ordem interna dos países.
Contudo, a comunidade internacional, principalmente através da ONU e de seus entes filiados tem relevante papel na observância e alerta aos povos, transpondo os limites da soberania dos Estados, em prol de interesses do ser humano como espécie, combatendo genocídio, preocupando-se com o meio ambiente e direitos fundamentais do ser humano, conforme afirmou Rosseau, em seu Contrato Social: “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem[15]”, analogamente a liberdade dos homens e dos Estados não deve chegar o seu estado de natureza, tendo-se um princípio de razoabilidade constante na organização social média do ser humano, preocupado não só com a questão econômica, mas também com a conservação digna da espécie e do meio ambiente.
2 – Fontes das Regras de Solução de Controvérsias entre as Pessoas de Direito Internacional Público;
Depois da segunda metade da década de quarenta, com o fim da Segunda Guerra Mundial, e, com a criação da ONU, as principais fontes de regras sobre soluções de Controvérsias Direito Internacional Público foram arroladas no artigo 38, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ)[16], principal órgão judiciário daquela organização, o qual transcreve-se, juntamente com o artigo 59:
“Artigo 38
1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:
a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) sob ressalva do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem.
Artigo. 59
A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão.”
Essa lista constante no artigo 38 não é rigorosa – não sendo exclusivamente essas as únicas fontes vigentes de resolução de controvérsias internacionais – apresenta um rol não exaustivo, mas prioritariamente ordenado, de meios que a Corte utilizará na apuração dos feitos. Tendo, no sub-ítem “d” alocado a doutrina e a jurisprudência, oriunda das decisões judiciárias, que segundo Rezek “não são formas de expressão do direito, mas instrumentos úteis ao seu correto entendimento e aplicação[17]”. E no inciso 2 versado sobre a equidade “um critério a nortear o julgador ante a insuficiência do direito ou a flagrância de sua imprestabilidade para o justo deslinde do caso concreto”[18].
As convenções ou tratados denominação mais usual e abrangente, segundo a doutrina prevalecente no Direito Internacional contemporâneo, e, tratada no sub-item a, tem sido celebradas desde o surgimento do Estado moderno, inicialmente, na forma de tratativas bilaterais, e a partir da segunda metade do século XIX, na forma também de tratados multilaterais, tendo as formalidades a eles referentes, quanto à sua elaboração, celebração, ratificação e término, sido regidas, por muito tempo, por uma série de regras costumeiras que marcaram o direito internacional clássico.
Expressando uma maior importância acerca dos tratados, em detrimento do costume internacional, a Comissão de Direito Internacional (CDI), órgão da ONU, em sua primeira sessão em 1949, decidiu incluir o tema do direito dos tratados no elenco de matérias do direito internacional a serem codificadas. Embora tenham começado a partir dessa data os trabalhos relativos à codificação, somente nas primaveras de 1968 e 1969 realizaram-se as conferências que culminariam na Convenção de Viena de 1969, que entraria em vigor internacionalmente em 27 de janeiro de 1980. Tendo a referida convenção excluído de seu âmbito de aplicação os instrumentos firmados entre Estados e organizações internacionais e entre essas, a CDI prosseguiu em seus trabalhos de codificação, apresentando em 1982 seu projeto de artigos incluindo também as organizações internacionais. Como ocorrera anteriormente, a Assembléia Geral da ONU convocou uma conferência internacional, que se realizou na primavera de 1986, ainda na cidade de Viena, firmando a Convenção de Viena de 1986, que, entretanto, até o momento não entrou em vigor na esfera internacional.
O Brasil, assim como outros países, apesar de ter assinado ambas as convenções, ainda não ratificou nenhuma delas.
As referidas convenções constituem um importante marco no desenvolvimento do direito internacional, uma vez que estabelecem as principais regras concernentes a tratados internacionais, instrumentos indispensáveis para o bom andamento das relações entre os sujeitos do DIP, prevendo mecanismos de solução de controvérsias, pois é cogente o surgimento de litígios entre as partes.
A crítica a elas surge por não terem abordado assuntos de grande relevância, como por exemplo, os efeitos da guerra sobre os tratados e a responsabilidade internacional de Estados e organizações internacionais pelo inadimplemento de suas obrigações convencionais.
Também no artigo 33 da Carta da ONU, estão expostos os principais meios pacíficos de soluções de litígios, resumindo normas escritas esparsas em outros diplomas internacionais, numa tentativa de escrever usos e costumes há muito vigentes entre os Estados, transcreve-se:
“Artigo 33
1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.
2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.”
Na realidade, os mecanismos de soluções pacíficas de controvérsias internacionais, na maioria das vezes, principalmente nas relações internacionais reguladas por atos internacionais formais – como tratados e convenções multilaterais – encontram-se previstos e constam de cláusulas especiais, denominadas “cláusulas de soluções pacíficas de controvérsias”. No entanto, também existem alguns tratados que estabelecem, de maneira generalizada, sistemas de soluções de controvérsias entre Estados, para quaisquer assuntos e quaisquer situações, e que por serem mecanismos por demais abstratos, acabaram por ter sido invocados em raríssimos casos[19]. Porém, mesmo os Estados parte prescindindo as cláusulas daquelas soluções, de modo algum poderiam tornar legítimas quaisquer outras formas de soluções de controvérsias que não fossem pacíficas. As medidas coercitivas previstas no capítulo VII da Carta da ONU não são de competência dos Estados parte, sendo utilizadas apenas como sanção, nos casos mais extremos, e imposta pela organização internacional.
Somente no caso dos tratados que instituem organizações regionais de integração econômica, do tipo Mercado Comum, como nos Tratados Fundação da União Européia (Paris, 1951 e Roma, 1957), bem como, naqueles que os modificaram e que, constituem o direito primitivo, pode haver uma ausência propositada das cláusulas de soluções pacíficas de controvérsias em tratados multilaterais[20]. Nesses casos, são instituídos tribunais judiciários internacionais, com competência específica de resolver conflitos entre os Estados, na interpretação ou aplicação de qualquer norma constante, tanto do direito primitivo, quanto daquele elaborado pelos órgãos das respectivas organizações internacionais. No caso de tratados multilaterais que instituem outros tipos de organizações regionais de integração econômica, a constância de cláusulas de soluções de controvérsias são a regra, conforme se pode perceber no tratado de instituição do Mercosul.
Nos tratados internacionais que não sejam de integração econômica, os tipos de cláusulas de soluções pacíficas de controvérsias entre Estados são das mais variadas. Contudo, todas visam a negociação direta e, se as partes não conseguirem resolver o litígio, são previstos outros meios, como a cláusula arbitral, por exemplo.
A evolução mais consistente do Direito Internacional começou, como já exposto, com o fim das grandes guerras mundiais. A partir de então surge a presença de novos atores na cena internacional, as organizações internacionais, com seus órgãos colegiados e unipessoais, e a emergência de novos foros de negociações e de novas regras para a conduta diplomática dos Estados, trata-se da chamada Diplomacia Multilateral. Modalidade apresentada de duas maneiras distintas: a) não institucionalizada, na forma de congressos e conferências internacionais, que eram reuniões solenes e esporádicas, nos séculos anteriores, e que se tornam corriqueiras – pelas facilidades de comunicações diretas entre os Estados, e pelas possibilidades de reuniões de delegados dos Estados, em reuniões mais freqüentes; e b) institucionalizada, com regras muito precisas, tal como se pratica no seio de organizações intergovernamentais permanentes, ou segundo procedimentos estabelecidos em tratados e convenções internacionais, que instituem reuniões periódicas, em algo semelhante àquelas levadas a cabo naquelas organizações.
A modalidade de diplomacia multilateral institucionalizada mereceu, por parte da doutrina, a qualificação de diplomacia parlamentar, pela clara semelhança com a tradicional atividade dos Parlamentos Nacionais, onde a função de fazer direito se encontra regulada por normas anteriores aos procedimentos legislativos, em particular, no que respeita a direito de voz e voto, a quorum de reunião e de deliberação, e a outros procedimentos decisórios – como o estabelecimento de pautas de assuntos a serem discutidos, como por exemplo, tem-se as reuniões da AG da ONU, onde, segundo Seitenfus:
“Todos os Estados-Membros, com direito a um voto, estão representados na Assembléia Geral, órgão central, pleno e totalmente democrático das Nações Unidas. O princípio fundacional da perfeita igualdade jurídica entre os Estados constitui sua pedra de toque. Portanto, a disparidade demográfica ou a eqüidade cultural não conseguem afastar a AG do dogma igualitarista. (…) A AG reúne-se anualmente de forma regular, mas pode ser convocada (…) A assembléia ordinária inicia seus trabalhos invariavelmente na terceira terça-feira do mês de setembro e estende-se até o final do ano. É praxe que suas primeiras sessões apresentem uma certa pompa, com a presença de Chefes de Estado ou de Governo.
Para auxiliar a Assembléia Geral na organização de sua reunião anual, ela conta com sete comissões: política, política especial ( ad hoc), econômica, social, tutelar, administrativa e financeira e a comissão jurídica. Em contraponto à experiência da grande maioria dos Parlamentos dos Estados-Membros, não há limite na composição destas comissões.
A tomada de decisões na Assembléia Geral obedece, para as questões processuais, à maioria simples dos presentes e votantes. Mas para as questões fundamentais, como por exemplo as envolvendo a segurança, a paz, a admissão de novos Membros ou ainda as financeiras, é necessária uma maioria de dois terços[21].”
Acredita-se que a sinomínia entre Diplomacia Multilateral e Parlamentar não seja perfeita. Dentre outras diferenças, a mais evidente é que a diplomacia por conferência se realiza de maneira esporádica, em congressos ou conferências internacionais e as regras de sua atuação devem ser estabelecidas em cada reunião nas quais se exerce. A Diplomacia Parlamentar, realizada de modo permanente, se perfaz segundo as normas votadas no interior das organizações intergovernamentais e são válidas, em princípio, para quaisquer reuniões. Em tais regras se incluem as normas relativas a quorum de reunião e de deliberação, de direitos a voto, a representatividade, a eleição para cargos durante as reuniões, em suma, aquelas regras que nos direitos internos, existem nas sessões ordinárias ou extraordinárias dos Parlamentos Nacionais, previstas pelo ordenamento jurídico ordinário, movido pelas normas constitucionais; as regras da diplomacia multilateral de congressos e conferências seriam assimiláveis àquelas de uma Assembléia Constituinte, que não se subordinam a uma Constituição vigente e que são elaboradas “ad hoc”.
Em quaisquer reuniões multilaterais de representantes de Estados, existem questões prévias à instalação das mesmas, questões de procedimento, que devem ser resolvidas antes das instalações dos trabalhos, questões que surgem durante os debates e, enfim, questões que surgem após o encerramento dos trabalhos.
Nas reuniões não institucionalizadas, muitas dessas questões são resolvidas por negociações multilaterais centradas no Estado ou grupo de Estados que tiveram a iniciativa de convocar uma reunião internacional, ou nas primeiras sessões de instalação dos trabalhos.
No caso da diplomacia parlamentar, tais regras já se encontram votadas e estabelecidas no seio de uma organização intergovernamental, para quaisquer reuniões que elas realizem; essas normas são de tal forma aceitáveis aos Estados, que, numa reunião multilateral convocada por uma organização intergovernamental, já se pressupõe a existência de normas sobre procedimentos, prévias ou “ad hoc”, e que os Estados aceitem, sem maiores discussões.
Da diplomacia multilateral e/ ou da diplomacia parlamentar emergem novos atores, unipessoais ou coletivos, no papel renovado de oferecer seus bons ofícios ou mediação, de fornecerem pessoal técnico para procedimentos investigatórios, de servirem como fatores que possibilitam e facilitam a instalação de procedimentos de conciliação ou arbitragem, nas suas variadas modalidades, sendo praticada em todas as organizações intergovernamentais da atualidade, e utilizando formas e espécies tão diversas, particulares e múltiplas, como as das próprias organizações, sendo assim, os meios de solução de litígios no seio dessas organizações irão apresentar as peculiaridades e qualidades típicas de cada qual.
A diplomacia parlamentar, em geral, já propicia existirem novos foros de negociações e de exercício de outros meios, de soluções pacíficas de controvérsias, com atributos renovados de neutralidade e com apreciável suporte físico e operacional. Mesclam as formas tradicionais de prevenção e solução de litígios internacionais, na verdade, uma decisão de uma organização intergovernamental assume formas mistas, ao mesmo tempo mediação, bons ofícios, conciliação, refletindo a pouca preocupação com a forma, e mais com os resultados de uma ação coletiva eficaz, para a solução de uma disputa.
Com relação à doutrina Rezek e Accioly afirmam tratar-se de uma difícil sintonia. Nos primórdios do DIP, a opinião de juristas categorizados como Grocius, Bynkershoek, Gentile e Vattel supriram as lacunas existentes, recorrendo às mais diversas fontes, inclusive ao direito romano. Porém, o papel da doutrina diminuiu, e hoje se verifica que a sua inclusão no Estatuto da Corte Internacional de Justiça tem sido contestada, tendo a própria Corte evitado de mencionar as opiniões dos juristas em seus julgamentos. Leva-se em conta o fato de pareceres dos Consultores Jurídicos dos Ministérios das Relações Exteriores, embora subscritos por indivíduos de notório saber jurídico, devem ser analisados com cautela, pois reiteradamente espelham a opinião do respectivo governo, muitas vezes contrariando os anseios gerais da comunidade internacional.
Já as decisões a que se refere o art. 38 do Estatuto da Corte de Haia são as componentes da jurisprudência internacional, as quais tem papel importante no auxílio da consolidação das normas do Direito Internacional Público, exemplos são os pareceres consultivos e os casos contenciosos da Corte Internacional, expostos no anexo A. Alguns autores argumentam que as decisões da CIJ devem ser equiparadas às fontes formais, não mais se justificando a sua equiparação com as dos demais tribunais internacionais ou nacionais. A questão é controvertida, sendo que a maioria alega, com propriedade, que os termos do art. 38 não podem suscitar dúvida, ou seja, a jurisprudência constitui meio auxiliar. Cabe à Corte aplicar a lei e não fazê-la. No anexo A estão expostas algumas decisões reiteradas da CIJ.
Em âmbito geral, a comunidade internacional ainda tem um longo caminho a percorrer até chegar à implementação de mecanismos ideais de solução de controvérsias. A tendência dos Estados, no século XX, de instituírem organizações internacionais em praticamente todos os assuntos, revela uma nova visão da busca de soluções de controvérsias internacionais: a ênfase na cooperação e o definitivo desprestígio de soluções entre os litigantes, isoladas do conjunto da comunidade internacional e, sobretudo, o afastamento de soluções unilaterais por um dos contendores.
Os temas da globalidade, tais como a regulamentação das relações econômicas e comerciais, o arrolamento de medidas de proteção dos direitos humanos em nível universal, o desarmamento e a defesa do meio ambiente mundial, propiciaram que as formas de resolução de litígios mais adequadas sejam precisamente aquelas elaboradas no exercício da diplomacia multilateral ou parlamentar, sobremaneira no seio de organizações intergovernamentais permanentes, ou em esquemas normativos, elaborados com precisão, em grandes tratados multilaterais.
As organizações intergovernamentais criam formas novas, intermediárias entre as soluções extrajudiciárias tradicionais e os tribunais internacionais permanentes, propiciando maior agilidade ao processo resolutivo das controvérsias e, sendo uma alternativa abrangente de fontes de resoluções convencionais. Atingindo os novos conteúdos finalísticos do DIP, não apenas buscando manter o “status quo”, da concepção clássica, através de regras de abstenção de uso unilateral da força militar ou de formas de coerção real, mas igualmente traçar comportamentos operantes, com vistas a criar-se algo de novo no relacionamento entre os mesmos.
Um direito de cooperação vem dar ao campo das soluções e prevenções de controvérsias internacionais igualmente um conteúdo finalístico renovado, constituído de obrigações positivas de fazer e agir, em prol da construção de relações internacionais mais próximas de um ideal de paz e desenvolvimento harmonioso dos povos.
3 – Soluções de Controvérsias Internacionais através dos Meios Pacíficos
A Carta das Nações, considerada como o documento base do modo da organização internacional contemporânea, preceitua uma regra fundamental, a busca pelas soluções pacíficas de controvérsias. Já no artigo 33-1, do referido diploma legal, são expostos seus meios mais usuais, definidos por uma reiteração de condutas da comunidade internacional que os tem como pertinentes. Contudo, não se trata de um rol exaustivo, “a regra fundamental em Direito Internacional é a de que todos os desentendimentos sejam resolvidos de forma pacífica, não constituindo a norma mencionada um número certo e exaurido das situações possíveis, mas mera exemplificação”[22], a primazia da busca pela paz admite, segundo a própria Carta, às partes litigantes “qualquer outro meio pacífico à sua escolha[23]”.
Sob essa mesma ótica, o artigo dispõe sobre a possibilidade de recorrência às entidades ou acordos regionais, pelo fato de poder ser mais simples a solução das lides quando acionados entes que vivem os problemas da região que a dissidência aconteceu. Parte da doutrina costuma chamar essa modalidade de resolução de meios políticos, o que por vezes poderia ser contestado, já que a decisão dentro de um acordo, como o da União Européia, acaba por ser dirimida por um Tribunal Regional; e, pelo interesse de cada Estado de fazer vigorar seus propósitos, praticamente todo tipo de negociação internacional teria o cunho político, seja para resolução de conflitos ou não.
Também é visto que não existe uma gradação ou hierarquia a ser seguida, pois todos os meios são de soluções pacíficas e cabem as partes escolhê-los, segundo os seus critérios de avaliação e a situação de fato e de direito envolvida, sendo possível, inclusive, a incidentalidade de meios, a fim de dar brevidade à resolução do conflito.
Dentre os meios pacíficos de resolução de controvérsias internacionais, a doutrina costuma fazer uma divisão em três grandes grupos: Meios Diplomáticos, Políticos e Jurisdicionais, os quais serão brevemente expostos no desenvolver desse capítulo.
3.1 Meios Diplomáticos
Os Meios Diplomáticos compreendem tratativas políticas internacionais não jurisdicionalizadas e não sujeitas a organismos regionais; muitas vezes, de modo breve, e um tanto informal, vêm a determinar o fim de lides leves ou potencialmente danosas.
Sendo a política o substrato maior da diplomacia em qualquer instância, num quadro conflituoso ela é ainda mais utilizada, mesmo que concomitantemente com o meio jurisdicional ou político propriamente dito. Não apenas através de negociações Diplomáticas (bilaterais ou multilaterais), mas também operada nos Bons Ofícios, no Sistema de Consultas, na Mediação, na Conciliação e no Inquérito.
3.1.1 Negociações Diplomáticas
O meio potencialmente mais simples de solução pacífica de controvérsias entre Estados são as negociações internacionais, procedimentos que se encontram regidos por usos e costumes internacionais. Caracterizam-se por sua informalidade e podem intervir durante quaisquer fases de outras formas de solução de Controvérsias. Na realidade, elas constituem o requisito para que as outras formas possam instaurar-se, em especial as arbitragens e as soluções judiciárias.
Um fato importante nas negociações internacionais refere-se à obrigação de um Estado dar seu assentimento a um pedido de negociações e assim permitir a continuidade de procedimento das mesmas. O assunto envolve um dos mais sensíveis aspectos das negociações internacionais, em especial quando já existe uma controvérsia entre dois Estados, na qual se exige a cooperação de ambos, para equacionamento das soluções, dentro das opções existentes no rol das soluções pacíficas de controvérsias. Na verdade, o assunto diz respeito à regulamentação internacional dos atos unilaterais dos Estados, tendo em vista que tanto a oferta de negociações quanto a aceitação da continuidade do procedimento constituem atos que caem sob jurisdição exclusiva dos Estados. Pela atual posição da humanidade em vias de conservação do Meio Ambiente, em alguns tratados internacionais acerca do tema é notado que essa situação tem sido equacionada de forma aceitável, com a instituição de prazos de resposta a pedidos de negociações, ou ainda, de procedimentos especiais, no caso de falta de colaboração de um Estado.
Outro ponto importante a salientar, já suscitado no capítulo 3, refere-se à emergência, no século XX, de novas formas de negociações coletivas, que esporádicas nos séculos anteriores se tornam corriqueiras, com a emergência e desenvolvimento das organizações intergovernamentais. Assim, a diplomacia multilateral, se enriquece com um subtipo de modo de negociações, a Diplomacia Parlamentar. Segundo o Handbook da ONU:
“(…) O número de partes num lado ou no outro lado da disputa não tem qualquer importância; depende da natureza da questão examinada. Se for de interesse mútuo de vários Estados, quer dentro de um corpo organizado ou não, inexistiria qualquer razão que justificasse o formalismo e um pedido infundado para entrar em negociações diretas com o Estado “ex adverso” comum, após terem participado de amplas e abrangentes negociações coletivas com o mesmo Estado[24].”
No caso de fracasso nds negociações, alguns tratados internacionais estipulam outros modos de soluções pacíficas de controvérsias. Perceba-se que a possibilidade de novas negociações sobre uma pendência não resolvida, não se encontra esgotada, dada a flexibilidade daqueles modos no Direito Internacional; portanto, o conceito de preclusão ou de esgotamento de outros recursos não se aplica nos procedimentos de solução pacífica de controvérsias entre Estados, muito especialmente no que diz respeito à negociação.
Desse modo, enumeração de outros métodos de soluções de controvérsias, pelo fato de terem falhado as negociações diplomáticas, deve ser visto como mera cautela – sendo as negociações diplomáticas a única forma exigível em alguns casos das arbitragens institucionalizadas ou das soluções judiciárias, apresentada como condição prévia, e, devendo pelo menos ter sido tentada.
“Não se trata unicamente de iniciar uma negociação, mas de prossegui-la, na medida do possível, com vista a chegar a acordos. Não se deve confundir a obrigação de negociar com a obrigação de se chegar a um resultado. Enquanto a primeira decorre da boa-fé, a segunda depende do sucesso da negociação. Para que se alcance a segunda, é indispensável que as partes envolvidas respeitem a primeira[25].”
Segundo Accioly, quanto aos resultados das negociações:
“Como resultado das negociações poderá ocorrer a renúncia de um dos governos ao direito que ele pretendia; ou o reconhecimento por ele das pretensões do outro. Num caso, temos a desistência; no outro a aquiescência. Pode ainda ocorrer a transação, quando ocorrerem concessões recíprocas[26]”.
No Brasil merece destaque a questão do Acre, em 1903, com a Bolívia. A região era território boliviano, e, no final do século XIX, brasileiros invadiram os seringais dessa região. Surgindo um conflito pela insurgência dos brasileiros às autoridades bolivianas, criaram um território independente e exigiram sua anexação ao Brasil. Após alguns anos de conflito envolvendo, nesse intervalo, ações de forças armadas das duas nações, e tentativa de independência do Estado, a lide foi resolvida através de negociações diplomáticas. O Brasil, pela ação de José Maria da Silva Paranhos, o eminente Barão do Rio Branco (expoente da tradição de excelência dos serviços prestados ao país pelo Ministério das Relações Exteriores), através do Tratado de Petrópolis, assinado em 1903, o qual comprou a região dos bolivianos e peruanos pela importância de 2 milhões de libras esterlinas, estabelecendo as fronteiras do território do Acre e resolvendo em definitivo a questão, conforme as condições daquele acordo.
Como exemplo contemporâneo de negociação diplomática multilateral feita com êxito indica-se o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. No qual os países chegaram a uma posição de consenso que deve desbloquear o processo de implementação das regras para a identificação de carregamentos contendo Organismos Vivos Geneticamente Modificados (OVMs), mais conhecidos como transgênicos. O acordo alcançado estabelece que seja adotada imediatamente a expressão “contém OVMs” para os casos onde já é possível realizar o rastreamento, a segregação e a identificação dos transgênicos e a expressão “pode conter OVMs” para os demais casos, que terão um prazo de seis anos para se adaptar às novas regras. Os dois regimes devem coexistir, portanto, até 2012, data prevista para que o contém seja adotado definitivamente[27].
As Negociações Diplomáticas ou Entendimento Direto talvez sejam o meio mais importante e mais utilizado na Resolução de Controvérsias Internacionais, uma grande variedade de autores entende ser este o meio que quase sempre produz os melhores resultados. Por duas razões fundamentais: a primeira é pelo fato de cotidianamente responderem pela solução de diversos conflitos internacionais, que muitas vezes, não são percebidos, pois a própria resolução impediu que ganhassem notoriedade; e a outra é a possibilidade de concomitância com outros meios de resolução, muitas vezes solucionando a demanda de modo mais ágil e, em caso de não obterem êxito, sem interferir na prática em andamento.
3.1.2 Bons Ofícios
Os Bons Ofícios, que não aparecem no rol das soluções de controvérsias entre Estados, no mencionado art. 33 da Carta da ONU, constituem, no entanto, forma bastante antiga e há muito reconhecida como tal pelo DIP, inclusive, constantes nos artigos 8 e 9 do Pacto de Bogotá, de maio de 1948, transcreve-se:
“Artigo 9 – O processo dos bons ofícios consiste na gestão por parte de um ou mais Governos americanos ou de um ou mais cidadãos eminentes de qualquer Estado Americano, alheios à controvérsia, no sentido de aproximar as partes, proporcionando-lhes a possibilidade de encontrarem, diretamente, uma solução adequada.
Artigo 10 – Uma vez que se tiver conseguido a aproximação das partes e que estas tiverem entrado novamente em negociações diretas, dar-se-á por terminada a ação do Estado ou do cidadão que tenha oferecido seus Bons Ofícios ou aceitado o convite para interpô-los; no entanto, por acordo das partes, aqueles poderão estar presentes às negociações.”
São procedimentos de resoluções de litígios através de entendimento direto entre os contendores, entretanto com interferência de terceiros, que podem ser estados, organizações internacionais, ou um chefe de Estado ou ministro, individualizado e indicado para esse fim, e chamado de prestador de bons ofícios. Assim, o terceiro, por iniciativa própria ou a pedido de uma das partes aproxima os litigantes e proporciona um campo neutro para as negociações, sem propor a solução para o conflito, nem observando as razões dos contendores, seu apoio para a solução do litígio é apenas instrumental. Em geral, eles não costumam ser solicitados ao terceiro pelas partes, ou por uma delas, são em geral oferecidos por ele, o que nunca se entenderá como intromissão, e podem, tranqüilamente, ser negados.
Os Bons Ofícios visam evitar-se o deterioramento de uma situação e preparar o terreno para outras modalidades de soluções de controvérsias, e, sua prática tem aumentado, devido aos poderes de iniciativa de propostas, conferidas aos órgãos unipessoais das organizações internacionais do sistema da ONU, ou das entidades constituídas pelos tratados internacionais sobre o meio ambiente, os quais, além de guardiãs das normas convencionais, passam a ser agentes de oferecimento de bons ofícios nas disputas entre Estados partes de tratados multilaterais.
Segundo Rezek, o Brasil já prestou bons ofícios[28], assim como também já foi beneficiado pela prestação de bons ofícios de terceiros, diversas vezes. Em 1864, Brasil e Grã-Bretanha estavam de relações cortadas, devido o caso Christie, Portugal foi prestador de bons ofícios, o que fez com que os Estados que estavam se desentendendo, voltassem a ter relações amistosas.
O mesmo autor expõe exemplos contemporâneos de bons ofícios prestados com êxito como na ação dos Estados Unidos, com o governo Carter para promover a aproximação entre Egito e Israel[29]. A série de negociações que se seguiram culminaram posteriormente com a celebração do acordo de Camp David; e a França, que em 1968, aproximou os Estados Unidos e o Vietnã – em plena guerra no sudeste asiático – oferecendo-lhes como campo neutro a cidade de Paris, onde negociaram até a conclusão, em 1973, dos acordos que conduziram o fim da guerra.
Como exemplo da não-obrigatoriedade da aceitação dos bons ofícios o autor cita a reunião de 23 de outubro de 1991, em Cozumel, onde os presidentes do México, da Colômbia e da Venezuela resolveram oferecer seus bons ofícios conjuntos aos governos de Cuba e dos Estados Unidos para facilitar-lhes o diálogo. Oferta que imediatamente foi negada por Fidel Castro e George Bush[30].
3.1.3 Mediação
A mediação é um instituto que se aproxima bastante dos bons ofícios já que ela também importa o envolvimento de terceiro na lide. Este, por sua vez, não possui uma atuação meramente instrumental aproximando as partes; ele, originalmente, toma conhecimento da demanda e das razões de cada um dos litigantes, para lhes propor uma solução, não se restringindo a simplesmente propor uma base de negociações, mas antes a propor a base de um acordo.
Daí se discorrer que a mediação vai além dos bons ofícios, já que o mediador participa de maneira regular e ativa nas negociações. Ela tanto pode ser oferecida quanto solicitada, fato que já supõe algum entendimento entre os Estados-parte numa controvérsia (pelo menos no aceite da interferência do mediador), necessita algumas formalidades no seu envolver – embora muito longe das formalidades da conciliação e da arbitragem – e se completa com um ato informal, de mera indicação de comportamentos desejáveis ( estando assim, ainda mais longe dos relatórios ao final de uma conciliação ou de uma sentença arbitral), por vezes formalizado com um acordo entre os Estados-parte e o mediador.
Na atualidade, observa-se que além dos Estados e das organizações internacionais, outros atores internacionais, também têm atuado como mediadores. Essa afirmação, todavia, é ponderada pela observação de Rezek:
“(…)o mediador, quando não seja nominalmente um sujeito de direito das gentes (….), será no mínimo um estadista, uma pessoa no exercício de elevada função pública, cuja individualidade seja indissociável da pessoa jurídica internacional por ele representada (Henry Kissinger, pelos Estados Unidos, mediando na Palestina, nos anos setenta, o conflito entre Israel e os Estados Árabes; e ali mesmo, com igual missão em 1948, o conde Bernadotte, pela ONU)[31].”
Esse instituto do DIP está muito próximo ao procedimento dos bons ofícios, no que se refere à sua função preventiva de evitar que uma situação conflitiva se degenere, de encaminhar os litígios para uma solução através de outros meios e, enfim, difere, pela faculdade dela mesma apresentar uma solução (eventualmente aceitável pelos contendores, tendo em vista as qualidades personalíssimas do mediador, que já demonstrou ter a confiança das partes, pelo fato de ter sido indicado, como tal, por consenso de ambas).
As possibilidades de recusa em mediar, ou de recusa em aceitar a mediação não devem ser consideradas atos inamistosos. Se a mediação for instaurada, o mediador deve contar invariavelmente com a confiança das partes em conflito, então, os litigantes apresentarão suas razões e provas ao mediador, e se dispõe a posteriormente, examinar com boa vontade seu parecer, seu juízo de arranjo resolutivo do conflito. Não sendo a proposta do mediador obrigatória, basta que uma das partes não concorde com o proposto pelo mediador para que essa via de solução pacífica fracasse.
As fontes normativas da mediação se encontram, na maior parte, nos usos e costumes internacionais, havendo alguns tratados regionais que regularam o instituto, como o Tratado Interamericano sobre Bons ofícios e Mediação, de 1936, o Pacto de Bogotá de 1948, e o Protocolo sobre Comissões de Mediação, Conciliação e Arbitragem, de 1959, elaborado sob a égide da Organização da Unidade Africana. No que se refere ao moderno Direito Internacional do Meio Ambiente, alguns tratados multilaterais prevêem mediação; nunca, porém, como procedimento isolado, mas sempre junto com outros procedimentos pacíficos de soluções de controvérsias entre os Estados.
O Brasil, conjuntamente com a Argentina, o Chile, já foram mediadores num conflito entre os Estados Unidos e o México, em 1914, resolvido com a celebração de um tratado bilateral. As mesmas três repúblicas, dessa vez somadas aos Estados Unidos, foram mediadoras ao longo da Guerra do Chaco entre Bolívia e Paraguai, entre 1935 e 1938[32].
3.1.4 Sistema de Consultas
A consulta, como método pacífico de solução de litígios, pode ser conceituada como um meio de entendimento previamente programado, realizado de forma direta entre as partes. Uma variante das Negociações Diplomáticas. Essas consultam-se mutuamente sobre seus desacordos através de forma previamente ajustada, geralmente por tratados, em encontros periódicos em que discutirão soluções às suas pendências, acumuladas durante este período de intervalo entre as consultas.
O método figura no âmbito internacional pelo menos desde o tratado firmado em Washington entre os Estados Unidos, o Império Britânico, a França e o Japão, em 13 de dezembro de 1921,versando sobre as respectivas possessões ou domínios insulares no Oceano Pacífico. Porém foi no continente americano, que o sistema de consultas se desenvolveu e adquiriu caráter preciso de meio de solução de controvérsias, bem como de meio de cooperação pacifista internacional.
Antes mesmo da fundação da Organização dos Estados Americanos (OEA), as reuniões de consulta já permitiam aos países do continente, através de seus Ministros das Relações Exteriores, entendimento sobre os conflitos existentes e alternativas de para solucioná-los. Desde 1951, ano em que entrou em vigência a OEA, existe, constante em seu Capítulo X, A Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, onde estes, segundo os artigos 61, 62 e 53 – b, do diploma, se reúnem encarregados de examinar os problemas de caráter urgente e de interesse comum para os Estados americanos.
O art. 61: “A reunião de Consultas dos Ministros das Relações deverá ser convocada a fim de considerar problemas de natureza urgente e de interesse comum para os Estados americanos, e para servir de órgão de Consulta”.
Artigo 62. “Qualquer Estado membro pode solicitar a convocação de uma Reunião de Consulta. A solicitação deve ser dirigida ao Conselho Permanente da Organização, o qual decidirá, por maioria absoluta de votos, se é oportuna a reunião”.
Artigo 53. “A Organização dos Estados Americanos realiza os seus fins por intermédio: b) Da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores”[33];
Sobre a freqüência das Consultas na OEA, previstas na Carta constitutiva, explica Seitenfus:
“Finalmente, a Conferência prevê a convocação de reuniões extraordinárias dos Ministros das relações Exteriores, sempre que a paz continental estiver ameaçada. Qualquer país signatário da Declaração de Lima é único juiz para decidir sobre a necessidade ou não em convocar tal reunião[34].“
O sistema consultivo interamericano tem, dois aspectos: o método para solução pacífica de controvérsias e o processo para estudo rápido, em conjunto, de problemas de natureza urgente e de interesse comum para os Estados-membros da OEA.
3.1.5 Inquérito
Também conhecido como investigação ou determinação de fatos, o Inquérito tem servido como procedimento preliminar de instância diplomática, política ou jurisdicional, sendo o próprio um meio diplomático de se estabelecer antecipadamente à materialidade dos fatos.Os inquéritos normalmente se fazem presentes quando uma situação de fato reclama esclarecimento, bem como geralmente são conduzidos por comissões semelhantes às de conciliação. Tais comissões, portanto, têm por fim apurar fatos ainda ilíquidos, de modo que se prepare adequadamente o ingresso numa das vias de efetiva solução do conflito.
Sobre os inquéritos, Guido Soares afirma que:
“(…) são formas típicas do século XX, em particular no interior das organizações intergovernamentais, em virtude das quais são constituídas pessoas ou comissões, com a finalidade de esclarecer fatos e, eventualmente sugerir condutas e soluções. Implicam o dever de os Estados suportarem a presença de pessoas ou comissões internacionais em seus territórios (em particular os deveres de outorgar-lhes privilégios e imunidades, para o bom cumprimento das respectivas missões), bem como o dever de franquear-lhes os dados sobre os fatos investigados[35].”
Trata-se de um procedimento levado a cabo por um terceiro não parte do litígio, um indivíduo (em geral um funcionário de uma organização internacional, como o Secretário Geral da ONU, ou pessoa por ele indicada), ou uma comissão composta por funcionários dos Estados, que se relaciona a exame de uma questão de fato, com as finalidades de iniciar-se um procedimento mais formal, como a conciliação ou arbitragem, ou a transformar em um procedimento em curso, por Acordo dos Estados-partes, em outro mais formal; pode igualmente apresentar sugestões às Partes, no que concerne à solução de uma disputa. Difere de outras formas de soluções de controvérsias, no sentido de que na indicação dos componentes de comissão de organização não se necessita observar procedimentos que resguardem uma independência ou neutralidade dos componentes: podem ser elas compostas de funcionários das Partes envolvidas, tendo em vista que se trata de determinação de fatos, que, em princípio, serão avaliados por outras instâncias. A peculiaridade do inquérito é que a pessoa ou comissão responsável tem conhecimento especializado na matéria factual discutida. No caso de um inquérito levado a cabo por uma comissão composta por funcionários de terceiros Estados não partes numa controvérsia, há questões similares àquelas existentes na formação de comissões de conciliação ou de arbitragem e que cabe aos Estados-partes determinarem: número de membros, maneiras de sua escolha, modos e prazos de apresentação de relatórios, financiamento de atividades da comissão e sua sede.
Exemplos disso são as averiguações do cumprimento pelos Estados das obrigações internacionais relativas a padrões mínimos assegurados aos trabalhadores no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao regime de proteção dos direitos humanos, a controles relativos a desarmamento e da verificação dos materiais nucleares que são transacionados em nível internacional sob a égide da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
3.1.6 Conciliação
Nessa modalidade de solução pacífica de controvérsias internacionais constitui-se uma comissão composta por um número ímpar de pessoas, formada pelos representantes dos Estados em conflito e também por elementos neutros, a fim de dar um resultado imparcial à demanda, com base de informações de ambos litigantes. É uma variante da mediação, cominada com elementos do sistema de inquérito, caracterizada por maior aparato formal, relativamente recente no Direito Internacional e consagrada por sua previsão em um bom número de tratados importantes.
A conciliação tem algo de semelhante com a mediação, no que concerne a ser um procedimento de intervenção de terceiros, a pedido dos Estados-parte numa controvérsia; contudo sua fundamental heterogeneidade se encontra nas formalidades de instituição das comissões de conciliação – em geral compostas de três a cinco pessoas – com representantes dos Estados litigantes e de terceiros Estados; na existência de regras quanto a procedimentos a serem seguidos pelas mesmas; e quanto à natureza dos atos terminativos, sem dúvida mais solenes que aqueles provenientes da comissão de inquérito, dos bons ofícios ou da mediação, mas sem o caráter de obrigatoriedade para as partes litigantes, como as sentenças arbitrais ou as sentenças judiciárias internacionais. O ato terminativo da conciliação se apresenta como um relatório valorativo de fatos, acompanhado de uma recomendação aos Estados num litígio, com a dupla função de investigação e esclarecimento dos fatos na controvérsia e de tentativas mais eficazes de aproximar os litigantes, através de conselhos e exortações, inclusive para que cheguem a soluções mutuamente aceitáveis, portanto, agregando os valores das comissões de inquérito e de mediação.
Como híbrido do inquérito e da mediação, sendo consagrado pelas atuações das OI do entre Guerras e da atualidade, tem sido freqüentemente empregada nos tratados bilaterais e multilaterais, como no art. 33 da Carta da ONU, e nos tratados regionais gerais de soluções pacíficas de controvérsias entre Estados (Art 25 do Pacto de Bogotá). De suma importância considerar-se que a Convenção de Viena, de 1969, sobre Direito dos Tratados contém um anexo único, que tem servido de modelo a vários tratados multilaterais da atualidade; nela apresenta-se uma modalidade de conciliação instituída compulsoriamente. O tipo introduzido pela Convenção de Viena tem sido denominado de “Conciliação Obrigatória”, porque procedimento autônomo e automático, cujo refinamento se verificou na Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar de 1982.
Quanto aos integrantes da comissão de conciliação, esses não necessitam, em princípio, ter as qualidades tradicionais dos árbitros, pois, diferentemente daqueles, os conciliadores, de certa forma, representam os interesses do estado que os indicou, mas têm total independência nos procedimentos deliberativos no interior da comissão de conciliação, no que se refere a soluções possíveis. Pelo método tradicional de formação da comissão conciliatória, cada Estado escolhe um ou dois conciliadores, por notificações mútuas, e os conciliadores, assim escolhidos, escolhem um desempatador que geralmente presidirá a comissão. O método de Conciliação Obrigatória, introduzido pela Convenção de Viena, de 1969, previu a existência de listas previamente preparadas e conservadas pelo Secretário Geral das Nações Unidas, com os nomes de pessoas, dentre as quais os Estados podem escolher os conciliadores, e das quais os conciliadores indicados podem eleger o presidente da comissão. Quanto à constituição da comissão “ad hoc” de conciliadores, os procedimentos do Anexo da Convenção de Viena instruem uma parte a informar a outra sobre sua intenção de constituir uma comissão de conciliadores, já com a indicação de um ou dois conciliadores retirados ou não da mencionada lista; no prazo de 60 dias a outra parte indica os seus conciliadores; assim eleitos e reunidos elegem seu conciliador presidente, em novo prazo de 60 dias; na eventualidade de falta de cooperação de uma parte ou de os conciliadores não decidirem sobre indicação do conciliador /presidente, os poderes de indicação revertem para o Secretário Geral da ONU, que escolherá os conciliadores, ou da lista, ou dentre os membros da Comissão de Direito Internacional das nações Unidas, num prazo de 60 dias, a contar do seu conhecimento daquelas impossibilidades.
Muitos tratados têm copiado tais dispositivos, com variantes quanto à instituição que deverá ter a guarda da lista de eventuais conciliadores e que deverá atuar na composição da comissão, no caso de falta de cooperação de uma Parte ou no caso de não indicação do Presidente da comissão, por parte dos conciliadores já indicados.
No âmbito dos procedimentos da conciliação, a regra é deixar à comissão de conciliadores, tão logo instalada, o encargo de fixá-los. Se em eventuais regulamentos sobre conciliação preexistentes a litígio houver dispositivos sobre procedimentos, são mínimos – em geral restritos a prazos – e sempre com a ressalva de modificabilidade pelos Estados-parte ou em casos concretos, pelos próprios conciliadores.
3.2 Meios Políticos
Os meios Políticos de resolução de controvérsias internacionais são aqueles que utilizam instituição intergovernamental das nações em litígio para resolver a demanda. Pela sua maior abrangência, notoriamente, através do Conselho de Segurança, da Assembléia Geral e do Secretario Geral, a ONU é a entidade que apresenta um renovado foro de negociações, pois coloca frente a frente todos os Estados (mesmo aqueles que não mantém relações diplomáticas entre eles, ou que estão rompidas), contudo, organizações de alcance regional e vocação política, como a Liga dos Estados Árabes (1945) e a Organização do Estados Americanos (1951), também dispõem de mecanismos essencialmente análogos aos das Nações Unidas para a solução pacífica de litígios entre os seus integrantes.
Quando existe conflito de certa gravidade, desconforto no cenário internacional, que se encontra na eminência de uma guerra entre os Estados envolvidos, ou de um forte desacordo diplomático, os órgãos políticos ou organizações intergovernamentais tomam para si a solução do conflito. Eles podem agir mesmo à controvérsia de uma das partes, quando a outra manifesta interesse, ou mesmo à controvérsia de ambas as partes, quando o secretário geral da organização ou terceiro Estado integrante da organização se manifeste, trazendo a existência do conflito para debate entre os membros desta.
3.2.1 Organização das Nações Unidas
Sobre os escombros de um mundo devastado pelas duas grandes Guerras Mundiais, em 25 de junho de 1945, cinqüenta e um Estados[36], reunidos em São Francisco (EUA), aprovaram a Carta das Nações Unidas. A ONU diferentemente da Sociedade das Nações sobreviveria a guerra e, seria levada a desenvolver atividades em outros campos, distintos da exclusiva manutenção da paz, e por vezes empregará a força para alcançar seus objetivos.
Constituída, basicamente, por uma Assembléia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Econômico e Social, um Conselho de Tutela, uma Corte Internacional de Justiça e um Secretariado, e prevendo a criação de órgãos subsidiários considerados de necessidade, a ONU é a grande organização norteadora das normas de Direito Internacional e de soluções de litígios Internacionais da atualidade. Todos os órgãos estão localizados na Sede em Nova Iorque, salvo a CIJ que se situa em Haia, na Holanda. Além desses, as Nações Unidas contam com a ajuda de 14 organizações, conhecidas como agências especializadas que trabalham em áreas diversas como a saúde, a agricultura, os serviços postais e a meteorologia. Ainda, dispõem de mais 35 programas, fundos e organismos especiais com responsabilidade em setores específicos.
Conforme já exposto, trata-se de uma organização que não possui, originariamente, poderes supranacionais. Seus propósitos e princípios são expostos no capítulo I, em seus artigos 1° e 2°, os quais transcreve-se:
“Artigo 1° Os propósitos das Nações Unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
Artigo 2
A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:
1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.
2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta.
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo.
6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais.
7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.“
Expostos os princípios da Organização, passa-se a analisar os principais órgãos resolutivos de controvérsias internacionais que utilizam os chamados meios políticos para tal resolução de demanda.
3.2.2.1 Assembléia Geral e Conselho de Segurança.
Para Rezek, “tanto a Assembléia Geral, quanto o Conselho de Segurança das Nações Unidas podem ser utilizados como instâncias políticas de solução de conflitos internacionais[37]”. Segundo o autor, dois tópicos singularizam essa via: ela só deve ser tomada em presença de conflitos de certa gravidade, que constituam alguma ameaça ao clima de paz; e, por outro lado, ser assumida à revelia de uma das partes, e mesmo de ambas, quando o conflito é trazido por terceiros à mesa de debate, seja ele um terceiro Estado integrante da CS, ou o Secretário Geral da ONU.
A Assembléia Geral é o órgão central da democracia, funciona como uma espécie de parlamento – em analogia aos sistemas nacionais – em que cada nação pode falar e ser ouvida sobre qualquer assunto, estando os Estados em pé de igualdade. “A maioria destes Estados possui tão somente um interesse limitado pelas questões internacionais[38]”. O autor grifa a expressão a fim de expor a divergência de poderes no interior da ONU, já que as ações práticas são definidas no CS, e os países membros permanentes com seu direito a veto podem, em virtude de interesses políticos ou econômicos, embargar as resoluções do órgão democrático.
É a reunião de todos os associados-membros para a discussão de assuntos de interesse. Normalmente essas Assembléias reúnem-se apenas uma vez por ano, durante uma ou mais semanas, dependendo da quantidade dos assuntos a serem tratados, nesse ano a 58ª reunião começou na última semana de semana de setembro e termina na primeira semana de outubro do corrente ano. Nestas reuniões, todos os Estados participam das reuniões, discutem os assuntos em pauta e, eventualmente, tomam decisões por meio do voto. Essas decisões podem ser tomadas por maioria simples, por maioria qualificada ou por consenso, dependendo do estabelecido no estatuto.
Além da reunião da Assembléia Geral obrigatória, não há impedimento para que seja convocada Assembléia Geral Extraordinária, quantas forem aquelas julgadas necessárias e desejadas pelos Estados. É a reunião de vários Estados com objetivos comuns para tomar decisões conjuntas.
São semelhantes á pessoas jurídicas, e esta semelhança não se restringe à perseguição de objetivos comuns; também se assemelham pela tomada de decisões, que terão que ser seguidas por todos, após votada dentro da forma predeterminada pelo Estatuto. Existem mecanismos de pressão política para forçar Estados perdedores em uma votação a cumprirem o acordado, e, em alguns casos, o próprio Estatuto pode estabelecer multas. Não existem, porém, formas de execução, como no direito privado. Em casos extremos, O Estado resistente pode deixar, através da Denuncia, a instituição, ou, se previsto no Estatuto, pode ser excluído da mesma, por decisão da maioria, o que é raríssimo de ocorrer.
O Conselho de Segurança “(…)é restrito em sua composição (CS), onde as grandes potências vencedoras da guerra, capazes militarmente e com interesses generalizados, serão representadas de forma permanente[39]”. Seitenfus aponta que dentro do CS existem dois tipos de componentes: Os 5 permanentes – escolhidos antes da assinatura do tratado em razão de circunstâncias politíco-militares: Estados Unidos, China, Rússia, França e o Reino Unido e a Irlanda do Norte – e os 10 não permanentes, pois de tempos em tempos uma parte dos membros deste Conselho é renovada, sendo a escolha dos membros rotativos é feita pela Assembléia Geral
Para os primeiros, prevalece a regra de unanimidade no processo de tomada de decisões, constante no artigo 27.3 da Carta da ONU. Daí decorre um verdadeiro direito de veto, meio pelo qual podem bloquear todas as decisões do Conselho. Portanto, a não-obtenção da unanimidade equivale, na prática, ao uso do poder de veto. Indubitável a superioridade desses 5 sobre os demais, contrariando o art. 2 da Carta das Nações.
A razão disto é histórica político-militar: esses países foram os países que demonstraram maior resistência durante a 2ª. Guerra Mundial, e que acabaram vencendo-a.
O artigo 24 da Carta da ONU define as funções do Conselho de Segurança:
“1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade da manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos por este responsabilidade, o Conselho de segurança aja em nome deles.
2. No cumprimento desses deveres o Conselho de Segurança agirá de acordo com o propósito e princípios das Nações Unidas.
As atribuições específicas do Conselho de Segurança estão enumeradas nos Capítulos VI, VII, VIII e XII.”
Para a grande maioria das questões com que a ONU se ocupa, e de acordo com seus objetivos, a competência é da Assembléia Geral, mas sempre que se tratar de Manutenção da Paz e Segurança Internacionais há um deslocamento desta competência que deixa de ser da Assembléia Geral e passa a ser do Conselho de Segurança. Isto pelo fato da AG reunir-se normalmente apenas uma vez por ano, para tratar de assuntos pendentes do último ano e traçar diretrizes para o ano seguinte.
Entretanto, o CS funciona todos os dias, com representantes dos membros eleitos para ele, exatamente pela possibilidade de assuntos urgentes como os relativos a Paz e Segurança Internacionais exigirem que se reúnam para deles tratarem, não podendo esperar por reuniões da AG. É esta situação que justifica o deslocamento da competência da AG para o CS, fazendo com que o foro político representado por esse possua, segundo Rezek:
“(…)indiscutível mérito como desaguadouro de tensões internacionais, e só a publicidade assegurada por sua consagração a certo litígio tem contribuído grandemente com a causa da paz, na medida em que fomenta uma consciência crítica na opinião pública e dá ensejo à manifestação construtiva dos Estados Membros[40]”.
Quanto à periodicidade das reuniões do CS, sua composição e especificidade do local dessas, o site do CS esclarece:
“El Consejo de Seguridad está organizado de modo que pueda funcionar continuamente. Un representante de cada uno de sus miembros debe estar presente en todo momento en la Sede de las Naciones Unidas. El Consejo se puede reunir también fuera de la Sede. En 1972, por ejemplo, se reunió en Addis Abeba (Etiopía) y, al año siguiente, en la ciudad de Panamá[41].”
Também se acresce o fato de ser potencialmente mais simples chegar-se a uma decisão quando apenas quinze pessoas votam, ao invés de cento e setenta e oito Estados a discutirem o problema. As decisões do Conselho de Segurança são decididas por maioria simples, bastam oito votos dos quinze para que a decisão seja tomada. Mas é obrigatório, conforme o explicitado anteriormente, que entre esses oito votos estejam os votos dos cinco Estados permanentes e ainda mais três votos dos membros rotativos para que a decisão seja tomada.
Supondo uma decisão aprovada por dez membros rotativos mais quatro membros permanentes, havendo um voto de membro permanente contrário, a decisão não será aprovada. Isto significa que os votos dos membros permanentes têm que ser unânimes para aprovação de qualquer decisão do Conselho, explicitando o forte poder de veto dos permanentes. Porém se os cinco vencedores da guerra desejarem uma decisão, e os dez rotativos não, ela não será aprovada, pois são necessários oito votos para aprovação. Esta forma de votar conseguiu reprimir muitos conflitos bélicos internacionais.
O Conselho de Segurança, embora não possua exército próprio, pode realizar intervenção militar, embargos econômicos como mecanismo de pressão para que o Estado embargado deixe de ter condutas consideradas nocivas, transcrevem-se os artigos 40, 41, 42 e 43 da Carta da ONU.
“Artigo 40.
A fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes de fazer as recomendações ou decidir a respeito das medidas previstas no art. 39, convidar as partes interessadas a que aceitem as medidas provisórias que lhe pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões, nem a situação das partes interessadas. O Conselho de Segurança tomará devida nota do não-cumprimento dessas medidas.
Artigo 41.
O Conselho de segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas.
Artigo 42.
No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas.
Artigo 43
1. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais.
2. Tal acordo ou tais acordos determinarão o número e tipo das forças, seu grau de preparação e sua localização geral, bem como a natureza das facilidades e da assistência a serem proporcionadas.”
Pela inconsistência de pretextos e pela truculência da invasão do Kuwait pelo Iraque em dois de agosto de mil novecentos e noventa, alicerçada no interesse geopolítico de Estados interventores, a decisão do CS de buscar a restauração da soberania territorial kuwaitiana foi unívoca e eficiente, produzindo rara convergência reativa.
A falta de um consenso no Conselho sobre ações na Iugoslávia, mais especificamente, com o agravamento da crise em Kosovo, em 1999, permitiu que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) assumisse uma autoridade que não tinha, em detrimento da credibilidade da ONU, como guardiã da paz e soberania coletivas.
Em 2003, ocorrera um caso ainda mais grave, ferindo os ideais da comunidade internacional os Estados Unidos, com apoio de alguns outros governos, desencadearam a guerra no Iraque. Seu pretexto justificador foi neutralizar armas de destruição em massa, que na realidade nunca foram encontradas em território iraquiano, e levar àquela parte do mundo a democracia e o respeito aos direitos humanos; parecendo, segundo a mídia internacional, mais violados depois da invasão americana. Contrariando arbitrariamente o preceito do artigo 2.7, da carta da ONU, citado no Capítulo 1.
As decisões que são tomadas pelo Conselho de Segurança vinculam todos os cento e setenta e oito Estados-membros, embora oriundas dos quinze. Visto que o próprio artigo 24.1 diz que no cumprimento dos deveres o Conselho de segurança agirá em nome dos Estados-membros. Os meios políticos, a exemplo dos diplomáticos, não produzem soluções legalmente obrigatórias às partes em conflito, porém, em muitas vezes as sanções econômicas e políticas oriundas deles acabam por ter um efeito mais real e impactante que as decisões da própria Corte Internacional de Justiça.
A Assembléia Geral tem a função legislativa e o Conselho de Segurança tem também a competência para tomar decisões em assuntos específicos. É uma espécie de Legislativo especializado dentro da Organização das Nações Unidas.
3.2.2.2 Organização Mundial do Comércio
Criada em 1995, pelo acordo de Marrakesh em abril de 1994, como uma agência especializada da ONU, sendo complementar e por sua abrangência substituindo o General Agreement on Trade and Tarifs (GATT), a OMC tem sua sede em Genebra e conta, atualmente, com cento e quarenta e seis membros. É sem dúvida uma instituição inovadora nas Relações Internacionais, pois ela difere dos Comitês das Nações Unidas, difere dos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), que são coordenados por um grupo de diretores. Além disso, apresenta um sistema de resolução de controvérsias de grande eficácia e atividade, o OSC (Órgão de Solução de Controvérsias), ou MSC (Mecanismo de Solução de Controvérsias, também conhecido como panel). A OMC procura conciliar a busca da justiça com a celeridade. Assim, todo o processo, incluída uma possível fase de apelação, não deve ultrapassar o período máximo de doze meses.
Identificando-se o litígio, a OMC constitui um Grupo Especial (GE) integrado por especialistas independentes que trabalham de maneira confidencial. Suas opiniões são serão divulgadas sob o resguardo do anonimato. Procura-se conceder ao GE as condições de imparcialidade, independência e discernimento indispensáveis a todo e qualquer juiz.
De jurisdição obrigatória para todos os países membros, o sistema inclui uma decisão de primeira instância, tomada por painéis de especialistas, GE, e um órgão de apelação cuja deliberação é definitiva, a não ser que todos os Membros, inclusive o país beneficiado pela decisão votem contra. Grande parte da doutrina, incluindo Petersmann, entendem que quanto a sua importância no cenário internacional “da mesma forma que o mecanismo de solução de controvérsias do GATT 1947, o novo mecanismo de solução de controvérsias da OMC provavelmente se tornará o sistema multilateral mais aplicado para a solução legal de disputas entre governos[42].”
A criação do OSC traz assim a perspectiva de um avanço dramático para o lento processo de judicialização do regime multilateral verificado nas últimas décadas. As decisões tomadas pelo Órgão de Apelação vão progressivamente criar um corpo de jurisprudência que tende, por sua vez, a alimentar o próprio sistema legal, tornando-o mais e mais consistente, compreensível e previsível. Um efeito importante é que esse desenvolvimento poderá esclarecer os próprios significados de cooperação e deserção, ao aplicar as normas do regime a casos concretos, definindo que condutas efetivamente constituem ou não violações.
Em termos de efeitos estruturais, o resultado é uma redução da possibilidade que os Estados sempre tiveram no GATT de tentar rodear normas vagas e imprecisas sem ter que abertamente desafiá-las, e muitas vezes sem ter de arcar com o ônus de ter sua ação identificada como uma violação de regras.
Em segundo lugar, as mudanças no OSC provavelmente terão um impacto maior e mais direto sobre a eficácia do sistema, aumentando nos Estados o temor de serem efetivamente condenados, bem como a possibilidade de sanções reais. O poder de veto que permitia ao Estado réu bloquear qualquer decisão de painel contrária a seus interesses foi eliminado com o advento da OMC e do OSC. Agora uma decisão de painel só será recusada se o Conselho Geral – o mais alto órgão executivo da organização – votar unanimemente contra ela. Isso significa que agora mesmo o país autor da reclamação e que ganhou no estágio do painel teria que votar contra seu próprio interesse para que a referida decisão não seja adotada.
Um exemplo da forma como a justiça é ministrada na OMC envolveu o Brasil, e o Canadá, do início de 1998 a meados de 2003. A brasileira Embraer, e a canadense Bombardier, travavam uma luta para conquistar o mercado mundial de aeronaves de porte médio, utilizadas em vôos regionais. As duas empresas travaram, através de seus governos uma rude batalha na OMC, sob o olhar atento de terceiros interessados, em particular dos Estados Unidos.Todas as etapas previstas pelo OSC foram cumpridas. A sentença determinou que o Brasil deveria reformular sua política de incentivos às exportações do Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Já o Canadá foi condenado em razão da concessão de subsídios ilegais à Bombardier através do programa Technology Partnership Canadá (TPC).
Outra mudança significativa no antigo modelo do GATT que afeta eficácia de todo o sistema é a formalização do caráter vinculativo das decisões do OSC. O país derrotado pode recorrer ao órgão de apelação, mas a decisão desse é final. O não-cumprimento abre espaços para sanções legítimas contra o violador. Para os Estados que estejam considerando deserção, poderão ser categoricamente rotulados de violadores de regras (rótulo que pode tornar transações futuras mais difíceis), agora sem a saída de poder alegar uma interpretação diferente da norma; ainda, abre a perspectiva de serem objeto de retaliações concretas e autorizadas. E aqui a finalidade ampla do regime reforça o desincentivo para o descumprimento, já que permite uma grande gama de retaliações, desde que, segundo os princípios básicos do sistema, sejam proporcionais ao dano causado pela violação.
O sistema do GATT e da OMC, incorporou o princípio da reciprocidade, e permite que um país reaja a uma violação de regras que cause dano, à retirada de concessões negociadas por um parceiro comercial (mesmo quando tal retirada foi autorizada por razões específicas) ou mesmo a uma medida de um parceiro comercial que anule os benefícios legitimamente esperados por outro, ainda que não haja nenhuma ilegalidade na medida dos termos da OMC. Tais retaliações têm de ter uma magnitude relacionada àquela do fluxo de comércio originalmente afetado. Mesmo dentro do quadro do sistema, no entanto, a possibilidade de recorrer a medidas retaliatórias freqüentemente não oferece uma resposta satisfatória ao problema da violação devido às enormes disparidades relativas entre os diferentes parceiros comerciais.
Um Estado que tenha, hipoteticamente, sido indevidamente prejudicado por práticas comerciais norte-americanas, por exemplo, e tenha obtido a permissão de retaliar, vai provavelmente encontrar-se numa posição duplamente negativa. Com poucas exceções, os Estados Unidos são em geral um mercado muito mais importante para outros países do que o contrário. Neste caso, a retaliação provavelmente não teria nenhum efeito para o violador, enquanto para o outro país ela acrescentaria ainda mais prejuízo ao dano que havia sido provocado pela restrição indevida para começar.
A situação torna-se ainda mais complexa com o reconhecimento de que as políticas de reciprocidade são também perseguidas fora do regime comercial. Os Estados Unidos são mais uma vez o exemplo mais fácil, embora a União Européia também tenha adotado legislação relativa a ações comerciais unilaterais em resposta às práticas vistas como desleais implementadas por parceiros comerciais.
A disparidade concreta existente entre os diferentes parceiros comerciais, como visto uma característica da realidade mundial exógena e precedente ao regime multilateral de comércio, pode ter seus efeitos pelo menos atenuados por esse mesmo regime. Outro efeito importante da institucionalização refere-se ao custo associado à insegurança relativa, à confiabilidade dos parceiros e à probabilidade de que acordos e transações serão respeitados.
A existência de um corpo de normas e processos conhecido e consolidado, com definições importantes sendo esclarecidos ao longo do tempo, e agora Com o muito mais aperfeiçoado OSC e seu Órgão de Apelação, deve aumentar a probabilidade de observância das normas e tornar os Estados, mesmo os relativamente mais poderosos, mais relutantes no momento de afrontá-las. De fato, como visto acima, o acúmulo progressivo de decisões lotadas de autoridade, a consolidação de interpretações e conceitos e o adensamento do regime normativo daí decorrente reduz a possibilidade de um Estado alegar que determinada medida na verdade não constitui violação de compromissos assumidos.
Seitenfus, concorda com a eficácia da OSC, reiterando que “A forma mais eficaz de dirimir um conflito de natureza comercial, entre os Estados participantes da OMC é acionar seu sistema autônomo de solução de controvérsias[43]”.
Exemplos atuais de soluções de Controvérsias no âmbito da OMC, detalhados no Anexo B, casos:
A)28 de septiembre de 2007: La OMC hace público el informe del Grupo Especial sobre el cumplimiento con respecto a la diferencia entre Indonesia y Corea[44]
B)25 de septiembre de 2007: El OSD establece un Grupo Especial para que examine la protección de los derechos de propiedad intelectual por parte de China y un Grupo Especial sobre el cumplimiento para que examine la aplicación por los Estados Unidos en el asunto sobre la “reducción a cero”[45]
3.2.2 Organizações Regionais, de domínio político.
Além dos órgãos da ONU, existem os Esquemas Regionais Especializados, que são organizações que tem alcance regional, como a Organização dos Estados Americanos e a Liga dos Paises Árabes. Elas funcionam da mesma forma que os órgãos da ONU. As partes da mesma maneira, não são obrigadas a acatarem suas decisões, exceto se foram ambas as partes que requisitaram sua interferência, e mesmo assim se não atingir a soberania do Estado. Segundo Rezek, tais organizações “(…)têm conselhos permanentes, dotados da representação de todos os países-membros, e prontos a equacionar politicamente os conflitos de âmbito regional antes que as partes busquem socorro no foro maior, o das Nações Unidas[46]”.
Nem as recomendações e propostas do Conselho permanente da OEA, tampouco o são as decisões do Conselho da Liga Árabe, tem eficácia salvo quando a lide tenho sido trazido a seu exame por ambas as partes e a matéria não afete sua independência, soberania ou integridade territorial.
3.2.2.1 Organização dos Estados Americanos OEA
A OEA foi criada pela IX Conferência Internacional de Estados Americanos (Bogotá, maio de 1948), com base em mandato contido na Resolução IX da Conferência Internacional Interamericana sobre os Problemas de Guerra e Paz (México, 1945). A referida Resolução encomendava a reorganização, consolidação e fortalecimento do Sistema Interamericano. Da referida Conferência, emanaram importantes documentos do sistema interamericano, como a própria Carta da OEA, o Tratado Americano de Soluções Pacíficas, conhecido como Pacto de Bogotá, e a Declaração Interamericana de Direitos e Deveres do Homem, assinada sete meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Como um dos mais antigos organismos regionais do mundo, a OEA atravessou um século em busca de soluções para os principais problemas do Continente, mostrando notável capacidade não só de adaptação à conjuntura histórica mas até mesmo de inovação. Encontra-se atualmente em processo de revitalização, marcado por novas perspectivas de atuação, ao lado de novos desafios. A partir da década de 90, a ênfase no fortalecimento da democracia marcou os trabalhos da Organização, ocorrendo, ao mesmo tempo, uma atualização de sua agenda política, resultante do novo quadro internacional. Assim, a OEA passou a atuar mais intensamente em áreas de interesse de seus Estados-membros, tais como o comércio e integração, controle de entorpecentes, repressão ao terrorismo, corrupção, lavagem de dinheiro e preservação do meio-ambiente.
O Brasil foi um dos 21 primeiros signatários da Carta da OEA, cujo artigo 1º define a Organização como um organismo regional dentro das Nações Unidas, criado para conseguir uma ordem de paz e justiça, para promover a solidariedade de seus integrantes, intensificar a colaboração entre eles e defender a soberania, a integridade territorial e a independência dos Estados americanos. A Carta estabeleceu como propósitos essenciais da Organização: garantir a paz e segurança continentais; prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica de controvérsias entre seus membros; organizar a ação solidária destes em caso de agressão; procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgissem entre os Estados-membros; e promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
São atualmente em número de 35 os Estados-membros da OEA: Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba (cujo Governo está suspenso desde 1962), Dominica, El Salvador, Equador, Estados Unidos, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Há 45 Observadores Permanentes na OEA e o Secretário-Geral.
A OEA atua nas seguintes principais áreas: fortalecimento da democracia; segurança hemisférica; construção da paz; promoção e defesa dos direitos humanos; estímulo ao comércio entre as nações; combate às drogas; preservação do meio ambiente; combate ao terrorismo; incentivo à probidade administrativa e cooperação para o desenvolvimento.
Seu Pacto de Bogotá traz a Obrigação geral de resolver as Controvérsias por Meios Pacíficos, em seu capítulo primeiro, e nos capítulos seguintes enumera meios de resolução das controvérsias deixando às nações conflitantes a escolha do método em função da situação factual, conforme seu artigo 3°.
“Artigo 3 – A ordem dos processos pacíficos, estabelecida no presente Tratado, não impede às partes de recorrerem ao que considerarem mais adequado em cada caso, nem lhes impõe o dever de seguí-los todos, nem estabelece, salvo disposição expressa a respeito, preferência entre os mesmos[47].”
3.2.2.2 Liga dos Países Árabes
Surgida em 1945, no Cairo. No intuito de coordenar a política dos Estados, os assuntos econômicos e financeiros e desenvolver o intercâmbio comercial, a liga foi uma das principais manifestações de vontade dos países árabes, porém, suas características e limitações são evidentes. Tentava-se reunir os países árabes num grande movimento unitário que, ao longo da história, por suas inúmeras disparidades, demonstrou ser impossível.
Questões de segurança regional são prementes na Liga desde sua criação, no contexto da Segunda Guerra Mundial. Na época, as questões mais relevantes para os Estados fundadores eram a manutenção da independência recém-conquistada e o combate à criação do Estado de Israel, que estava em pleno processo de constituição. Foi no âmbito da Liga que os Estados Árabes organizaram a guerra ao recém-criado Estado de Israel em 1948.
Mesmo tendo desde a sua criação um inimigo comum – Israel – e compartilhar valores lingüísticos, culturais e religiosos, os países árabes são divididos em tendências irreconciliáveis. Alguns são favoráveis aos ocidentais e outros refutam a colaboração do Ocidente; oposições entre ditaduras e escassos regimes democráticos, e entre regimes republicanos e monarquias; alguns países, detentores de Petróleo são extremamente ricos, enquanto outros que não o possuem são muito pobres; oposição religiosa entre os fundamentalistas e os moderados.
Desse modo, a organização com seus vinte e dois países membros não consegue demonstrar um mínimo de eficácia. São integrantes da Liga dos Estados Árabes (LEA): Arábia Saudita, Argélia, Barein, Catar, Djibouti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Ilhas Comores, Iraque, Jordânia, Kuweit, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Síria, Somália, Sudão e Tunísia.
3.2.3 Mercado Comum do Sul
O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é um amplo projeto de integração concebido por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, constituído em 26 de março de 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção. Envolve dimensões econômicas, políticas e sociais, o que se pode inferir da diversidade de órgãos que ora o compõem, os quais cuidam de temas tão variados quanto complementação do abastecimento alimentar ou cooperação aeronáutica, por exemplo.
Ao ser esboçado pelo Tratado de Assunção, a organização regional já mesclava três distintas situações de aproximação econômica entre países, segundo a teoria da integração. Em primeiro momento, refere-se à construção de uma Zona de Livre Comércio (ZLC) na região, consistindo na eliminação das tarifas alfandegárias e não-alfandegárias. Em um segundo momento, ambiciona sustentar uma política comercial externa unificada, com relação a outros países, estabelecendo uma Tarifa Externa Comum (TEC), o que representa uma União Aduaneira. O terceiro estágio da integração é o Mercado Comum, em que circulam livremente não só bens, mas também serviços e os fatores de produção – capitais e mão-de-obra. O Mercado Comum pressupõe ainda a coordenação de políticas macroeconômicas.
No aspecto econômico, o MERCOSUL assume, hoje, o caráter de União Aduaneira, mas seu fim último é constituir-se em verdadeiro Mercado Comum, seguindo os objetivos estabelecidos no Tratado de Assunção, por meio do qual o bloco foi fundado, em 1991.Ou melhor, é um projeto de construção de um Mercado Comum cuja execução se encontra na fase de União Aduaneira.
Tanto quanto na ONU, no MERCOSUL existem as Reuniões de Ministros de áreas específicas, os Subgrupos de Trabalho e os Grupos “ad hoc” de assessoria técnica ao Grupo Mercado Comum (GMC), e o Comitê de Cooperação Técnica.
O Protocolo de Ouro Preto também dotou o MERCOSUL de personalidade jurídica internacional, habilitando o Conselho do Mercado Comum (CMC) a firmar acordos com outros países em nome do MERCOSUL, o que já foi feito com o Chile, com a Bolívia e com a União Européia.
O sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, adotado em 1991 pelo Protocolo de Brasília, e complementado pelo Protocolo de Ouro Preto em 1994, permite julgar alegações de descumprimento das normas do MERCOSUL feitas por um Governo contra outro Governo, ou por um agente privado, que acionará seu Governo, o qual por sua vez levará o caso ao Governo do país objeto da reclamação – se considerar a demanda justificada.
Nesse sistema, configurado após o Protocolo de Ouro Preto e especificado pelo Protocolo de Brasília, constante no anexo C, o procedimento entre Estados tem três fases: a negociação diplomática, a intervenção do Grupo Mercado Comum e arbitragem.
“Protocolo de Ouro Preto
Artigo 43.
As controvérsias que surgirem entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991.
Parágrafo único – Ficam também incorporadas aos Artigos 19 e 25 do Protocolo de Brasília as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul.”
Constante nos seus artigos 2 e 3 do Protocolo de Brasília, remete como primeiro meio de busca de soluções de controvérsias a negociação direta. Logo em seguida, constante nos artigos 4,5 e 6, sugere a Intervenção do Grupo Mercado Comum fazendo uma recomendação (com caráter de indicação em conciliação ou de comissão de inquérito, conforme o caso); na hipótese de a negociação não prosperar ou da recomendação não ser aceita, passa-se à terceira fase, contenciosa da arbitragem. Nisso não inova grandemente, as diferenças são detalhes e procedimentos.
Inovou-se, em relação ao modelo clássico, introduzindo prazos para cada uma das fases e a obrigatoriedade das consultas.
Se a primeira fase, de negociação e de intervenção do Grupo Mercado Comum, repete o modelo tradicional do DIP, a última, da arbitragem, apresenta, sob vários aspectos, todos eles muito importantes, uma evolução interessante.
Essa evolução repousa em três fatores, novos, sob o ângulo da efetividade: Primeiro, a submissão obrigatória dos Estados à arbitragem, no curso do procedimento; Segundo, pelo fato de que o laudo é obrigatório – introduzido que foi no sistema jurídico de cada um dos países, juntamente com o Tratado – deve ser cumprido pelas autoridades locais como se fora lei; Terceiro, porque há normas processuais obrigatórias, assim as partes não podem mais ver no tribunal arbitral uma sua criatura, pois a submissão preexiste ao litígio. O comportamento deste é predeterminado pela existência de normas processuais. A diferença da arbitragem tradicional é sutil, mas cheia de conseqüências.
Há, por isso, mais do que na Corte Arbitral Permanente de Haia Ela não é, portanto, um tribunal permanente, mas uma reserva de árbitros para os tribunais “ad hoc” que os Estados- parte viriam a constituir.
A outra evolução, importante, em que a proposta do Mercosul difere do modelo tradicional, é que as pessoas privadas têm acesso, direto ou indireto, ao sistema de solução de conflitos, conforme o capítulo V do protocolo de Brasília[48].
Sem inovar, o modelo se distingue pela competência, específica à aplicação das normas do Mercosul, e no âmbito deste; isto é, só podem ser partes pessoas residentes ou estabelecidas no Mercosul e os quatro países-membros.
Um grande problema é o fato de não haver, no Mercosul, projeção real para o futuro sistema jurídico. A leitura dos instrumentos constitutivos e das Decisões, Resoluções e Diretrizes nos mostram, claramente, que o Mercosul legisla ex post facto e não pro-facto. Assim, haverão sérias resistências quando se tentar falar em supranacionalidade na elaboração normativa.
3.2.4 União Européia
Por fim, dentre os tribunais internacionais regionais, pode-se citar o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, com sede em Luxemburgo, cuja competência está relacionada às questões relativas à integração econômica regional, nas áreas de mercado comum. O TJCE é composto de um juiz por Estado-membro e por oito advogados-gerais, os quais possuem mandatos de seis anos e são designados de comum acordo pelos governos dos Estados-membros. A missão do Tribunal é a de assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados constitutivos das Comunidades Européias, bem como das normas jurídicas adotadas pelas instituições comunitárias competentes. Para tanto, o Tribunal foi dotado de amplas competências jurisdicionais e pela previsão de uma série de ações e recursos.
O modelo que foi inaugurado pela Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), e que mais tarde se estendeu à União Européia, reproduz a estrutura dos sistemas existentes no interior dos países organizados como federação (ainda que a competência dos tribunais superiores destes possam ter mais amplitude de competência que o europeu). Ali a semente foi a CECA, onde o conteúdo das questões era técnico e econômico, e a delicadeza da situação aconselhava tornar sujeitas à jurisdição as questões, para esvaziar seu lado político.
Criou-se no seio da organização um órgão supranacional com poderes judicantes, que é o Tribunal. O modelo deste é um híbrido entre a CIJ e as cortes constitucionais dos países europeus – pela sua origem, pela independência dos juízes e por outros elementos – mas apresenta diferenças substanciais em relação à primeira, aproximando-se, sem maiores limitações, das últimas.
A matéria de sua competência é ligada ao comércio e à integração, mas encontra o limite de operar no interior de uma zona, a do mercado comum europeu. Além disso, a submissão dos estados é automática e obrigatória, é a corte que interpreta a norma comunitária que foi erigida em nível hierárquico superior aos tribunais nacionais. Nisso, são evidentes as semelhanças com um tribunal federal superior, como uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é superior à decisão dos Tribunais de Justiça dos estados no Brasil.
As ações cabíveis têm natureza declaratória, e não executiva, em matéria de direito comunitário. Podem ser a ação declaratória incidental de caráter prejudicial (na qual os juízes nacionais pedem ao tribunal que interprete as regras de direito comunitário que irão aplicar), os recursos de anulação e carência (que visam a assegurar o controle da legalidade dos atos ou omissões das instituições) e a exceção de ilegalidade. Os últimos permitem o controle direto, o primeiro, o controle indireto.
O sistema tem, ainda, competência executória nas ações para a apuração da responsabilidade civil extracontratual das Comunidades, e nas reclamações dos funcionários comunitários.
Finalmente, o sistema pode incluir competência arbitral, quando esta lhe é assegurada por cláusula compromissória.
Não há a necessidade de proteção diplomática nos casos em que os particulares têm interesse de agir. Pode, assim, ocorrer o acesso dos particulares, de plano. A eficácia das sentenças, nos casos de competência do tribunal, é similar à das oriundas dos juízes nacionais, em razão do que dispõe os tratados instituidores das Comunidades e os direitos nacionais.
Entretanto, esta é uma das peças principais de um sistema jurídico federal, em que as alçadas são essencialmente estrangeiras ao Direito Internacional. Por essa razão, estamos diante de um sistema que seria imprudente chamar de internacional, e onde o jurídico prima sobre o econômico e o político.
É sua semelhança com o direito interno que faz com que juristas que não têm formação especializada em direito internacional sejam levados a imaginar a possibilidade de sua transplantação para outros sistemas, de caráter nitidamente internacional, sem atentar para as diferenças de propósito que cercearam a construção de cada um desses modelos, e que são justamente o que lhes confere validade.
3.3 Meios Jurisdicionais
Conforme o suscitado no Capítulo 1, sendo a jurisdição um foro especializado e independente que examina litígios operando baseado nas normas de Direito do local ao qual ela é competente, e proferindo decisões obrigatórias pelos caracteres vinculativos da jurisdição, no plano internacional ela não tem, originariamente, a característica de obrigatoriedade, salvo casos previstos por tratados internacionais, aceitação da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, ou em organismos regionais.
Contudo, a doutrina costuma classificar a arbitragem – mecanismo jurisdicional, mas não judiciário, pela ausência de permanência e profissionalidade – e, a solução judiciária – oriunda de tribunais internacionais, a exemplo do tribunal internacional de Haia – como meios jurisdicionais de solução de controvérsias internacionais, os quais serão brevemente comentados nos capítulos seguintes desse trabalho.
3.3.1 Arbitragem
Um outro meio e um dos mais antigos de solução de controvérsias é a arbitragem. Esta se caracteriza por ser um procedimento através do qual os litigantes escolhem um árbitro ou um tribunal composto de várias pessoas, normalmente escolhidas pela sua especialidade na matéria, bem como pela neutralidade e imparcialidade, para dirimir um litígio mais ou menos delimitado pelos litigantes, segundo procedimentos igualmente estabelecidos diretamente por eles, ou fixados pelo árbitro, por delegação dos Estados instituidores da arbitragem.
A arbitragem se distinguiria em dois tipos: voluntária ou facultativa e permanente ou obrigatória. A primeira surgiria do compromisso entre as partes para a solução de uma controvérsia que já surgiu. Assim, não há um acordo anterior entre as partes, pois o litígio não foi previsto. A convenção arbitral para a instauração desse tipo de julgamento é chamada de compromisso. Nesse compromisso, os litigantes mencionam as regras do direito aplicável, designam o árbitro ou o tribunal arbitral, eventualmente estabelecem prazos e regras de procedimento e se comprometem a cumprir a sentença arbitral como preceito jurídico obrigatório. É também conhecida como arbitragem ad hoc, por ser criado um juízo arbitral para aquele caso.
A arbitragem permanente ou obrigatória decorre de um acordo prévio entre as partes, as quais prevêem que caso haja um divergência entre elas, será submetida à uma solução arbitral. Esse compromisso prévio pode ser tanto um tratado geral de arbitragem quanto uma cláusula arbitral inserida em um tratado. No primeiro caso, dois ou mais Estados escolhem em caráter permanente essa via para a solução de disputas que venham a contrapô-los no futuro. No segundo caso, os Estados vinculados por um tratado bilateral ou coletivo, sobre qualquer matéria, inserem no seu texto uma cláusula arbitral, estabelecendo que as questões resultantes da aplicação daquele pacto, deverá resolver-se mediante arbitragem[49].
A Corte Permanente de Arbitragem foi criada na 1.ª Conferência de Haia, em 1899, e revista na 2.ª Conferência, em 1907. A finalidade dessa Corte era impulsionar a evolução da arbitragem para o tipo judiciário, com a instituição de um tribunal permanente e a possibilidade de ser desenvolvida uma jurisprudência. Entretanto, ela trabalhou apenas em 24 arbitragens desde a sua criação até hoje, tornando-se um recurso cada vez mais raro depois da instituição da CPJI e, posteriormente da CIJ, que passaram a ter a preferência dos Estados para a solução de litígios.
Não obstante o insucesso da CPA, a arbitragem em si ganhou bastante relevância nos dias correntes. Um dos motivos é o fato de que a arbitragem se encontra cada vez mais minuciosamente regulamentada em grandes tratados. Tal é o caso da Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar de 1982, a qual possui mais de um anexo onde se detalham as obrigações dos Estados de resolverem as controvérsias decorrentes de sua interpretação e aplicação pelo mecanismo da arbitragem.
Além disso, o crescimento do direito econômico faz com que se procure soluções cada vez menos institucionalizadas e mais rápidas, como a arbitragem. Isso fez com que as arbitragens não ficassem restritas só a resolver os conflitos entre os Estados, mas também propiciar a solução de litígios entre os Estados e particulares estrangeiros.
Nesse sentido, foi institucionalizada em 1965, sob a égide do Bird, o Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (conhecido pela sigla CIRDI, ou em inglês ICSID), com sede em Washington.
Ademais, a arbitragem cresce em importância diante da emergência dos fenômenos das integrações econômicas regionais, as quais necessitam de soluções para os litígios por órgãos técnicos e mais atentos a fenômenos econômicos que os Tribunais judiciários internos dos Estados-partes. É o caso do Nafta e do Mercosul.
No caso do Mercosul, o procedimento da arbitragem consta nos três grandes tratados multilaterais entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, quais sejam, o Tratado de Assunção de 1991, o Protocolo de Brasília de 1991 e o Protocolo de Ouro Preto de 1994.
Guido Soares afirma que no Mercosul a arbitragem é relativamente institucionalizada, já que apesar de não ser:
“(…) administrada por uma centro ou uma entidade especializada em arbitragens(como a Corte Permanente de Arbitragem, em Haia, ou o referido Cirdi), (…) conta com algumas normas sobre a constituição de tribunais arbitrais, listas de pessoas elegíveis a árbitros ou superárbitros, regras mínimas sobre procedimentos, requisitos da sentença e obrigatoriedade de cumprimento das decisões finais pelos Estados-partes do Mercosul[50].”
3.3.2 Solução Judicial
Em 1920 foi instituída pelo Pacto da Liga das Nações, uma Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), com sede em Haia e com vocação universal.
Essa Corte foi extinta em 1939 quando da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Com a instituição da ONU, a Corte foi rebatizada de Corte Internacional de Justiça (CIJ), com o status de órgão da referida Organização.
A Corte Internacional de Justiça é composta por quinze juízes eleitos, em voto separado, pela Assembléia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. O mandato dos juízes é de nove anos, sendo permitida a reeleição, e procedendo-se à renovação pelo terço a cada três anos.
A CIJ possui competência contenciosa e consultiva. Com relação à competência contenciosa, esta é exercida através do julgamento de litígios entre Estados.
No que concerne à jurisdição da Corte, a mesma pode ser invocada quando se configura determinadas hipóteses. Primeiramente, quando conste de um tratado bilateral ou multilateral que na eventualidade de uma divergência sobre a sua interpretação ou a sua aplicação, as partes recorrerão à jurisdição da CIJ, podendo exigir ou não que o seu recurso fique condicionado a exaustão dos outros meios de solução de controvérsias.
Outra hipótese é pela submissão por um Estado de uma demanda à jurisdição da Corte ou pela aceitação expressa ou tácita por outro Estado da jurisdição, no caso de não haver nenhum título de justificação da jurisdição da CIJ.
Outra hipótese é pelo denominado compromisso, no qual os Estados litigantes reconhecem a jurisdição da Corte, descrevem a controvérsia, indicam o direito aplicável – se o Direito Internacional Geral ou a norma específica de um tratado ou convenção internacional – e os pontos sobre os quais se pede um pronunciamento da Corte.
Enfim, a jurisdição da CIJ é estabelecida pelo depósito por parte do Estado junto ao Secretário Geral da ONU de uma declaração na qual conste a aceitação incondicionada da jurisdição da CIJ, no momento em que subscrever o Estatuto da Corte, ou a qualquer tempo. É o que se chama de cláusula facultativa de jurisdição obrigatória.
Diz-se facultativa porque os Estados têm a faculdade de adotá-la ou não, e obrigatória porque determina a jurisdição obrigatória da Corte para os Estados que a adotarem[51].
Por tais fatores é que se observa que a jurisdição da Corte não é automática, ficando a mercê da vontade dos litigantes. Hodiernamente, apenas 52 Estados reconhecem a jurisdição obrigatória da CIJ, sendo que dos membros permanentes do Conselho de Segurança, apenas o Reino Unido a reconhece. Sem falar nos casos de retirada da declaração de aceitação compulsória da jurisdição da CIJ.
Assim, ficaram notórios os casos em que a França retirou a declaração após acionada pela Austrália e pela Nova Zelândia em razão das experiências nucleares que fazia no Pacífico, e no caso dos Estados Unidos que retirou a sua aceitação após ser demandada pela Nicarágua no caso das atividades militares que os americanos promoveram nesse país, tendo sido condenados à reparação dos prejuízos causados.
Apesar disso, a Corte Internacional de Justiça possui um prestígio indubitável, não só pelo seu posicionamento institucional dentre os cinco órgãos da ONU, mas pela relevância que a Carta das Nações Unidas atribuiu às suas decisões. Nesse sentido dispõe o artigo 94 da Carta:
“Art. 94
1. Cada membro das nações Unidas se compromete a conformar-se com a Decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte.
2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito a recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.”
Este dispositivo, ao mesmo tempo em que confere um caráter executório aos acórdãos da Corte, fica sujeita ao vício essencial que marca o funcionamento do Conselho de Segurança. Assim, na medida em que apenas cinco países têm direito a veto, a imposição do cumprimento da decisão fica submetida aos interesses desses Estados.
Com relação à competência consultiva da CIJ, esta se verifica pela em emissão de pareceres consultivos por parte da Corte, desde que os pedidos se refiram a qualquer questão de ordem jurídica, em conformidade com o artigo 96 da Carta de São Francisco, e que sejam solicitados por Estados-membros da ONU, pelos órgãos das Nações Unidas ou pelas entidades especializadas devidamente autorizadas pela Assembléia Geral.
4 – Os Meios Coercitivos
Findos os meios pacíficos de resolução de controvérsias internacionais e, entendendo o Estado soberano, ou a OI, que as demais soluções fracassaram, seja pelo desinteresse da parte adversa em resolver a obrigação, ou pela falta de executariedade da solução apresentada, através de determinadas demonstrações de poder e influência as nações em litígios buscam o convencimento através da força. Não se trata de um estado de guerra, embora tenha muitos componentes para que esta aconteça.
Esses métodos são verdadeiras sanções, soluções impositivas da força, admitidas na prática internacional. A carta das Nações é expressa em seu artigo 2.3 e 2.4, já citados, onde indica os meios pacíficos para as soluções das controvérsias entre os Estados, a fim de que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais; e que todos os membros deverão evitar a ameaça ou o uso da força contra a integridade ou a independência política de qualquer Estado. Desse modo, depreende-se que o objetivo da organização é que primeiramente deve-se buscar a solução pacífica, mas na inviabilidade desse meio e sendo justificado o ato / sanção, a ONU pode viabilizar seu consentimento.
O próprio CS, nos termos do artigo 41 da carta, como já citado no capítulo 3.2.1.1, pode aplicar medidas que não impliquem o emprego de força, conforme o artigo 41, e , mesmo o emprego desta consoante o artigo 44 da referida carta.
Alguns doutrinadores, incluindo Celso D. de Albuquerque Mello, afirmam que os meios coercitivos constituem sanções que objetivam reprimir as violações às normas de Direito Internacional, segundo as palavras desse: “As sanções, de um modo geral, fazem com que as normas jurídicas sejam mais respeitadas[52]”. Entretanto, conforme ensina Accioly, tais meios só deveriam ser aplicados por organismos internacionais, por tratarem-se de sanções, desse modo busca-se não possibilitar arbitrariedade das grandes potências para aplicar tal medida repressiva[53].
Os meios coercitivos mais utilizados são os seguintes: Retorsão, Represálias, Embargo, Bloqueio Pacífico, Boicotagem e Rompimento das Relações Diplomáticas.
4.1. Retorsão
É o ato pelo qual um Estado ofendido aplica, dentro do Direito Internacional, sem violar tal direito, ao Estado ofensor as mesmas medidas ou os mesmos processos que este empregou ou emprega contra ele, à busca do status quo ante.
Consiste então, numa espécie da aplicação da lei de Talião. Segundo Acciloy, trata-se de medida, certamente, legítima; mas a doutrina e a prática internacional contemporânea lhe são pouco favoráveis. Implica a aplicação, de meios ou processos idênticos aos que lhe foram empregados ou que lhe estão empregando; consistindo, em geral, em simples medidas legislativas ou administrativas, ao passo que as Represálias se produzem sob a forma de vias de fato, atos violentos, recursos à força.
Portanto, conforme destaca Accioly, tal instituto: “Inspira-se no princípio da reciprocidade e no respeito mútuo, que toda nação deve ter para com as demais. Não é ato de injustiça, nem violação de Direito; mas, também, não pretende ser punição[54]”.
Podem ser citados como exemplos: fechamento do acesso de portos de um Estado aos navios de outro Estado; a concessão de certos privilégios ou vantagens aos nacionais de um Estado, simultaneamente, com a recusa dos mesmos favores aos nacionais de outro Estado – aumento de tarifas de um determinado produto alfandegário.
Para Clóvis Beviláqua, a retorsão é um expediente reprovável ”(…) porque faz o Estado reclamante aplicar uma regra de direito que ele julga má, tanto que se esforça para dela isentar seus nacionais[55]”. Esse meio de resolução de controvérsias pode ter efeito dúbio, pois tanto pode fazer cessar o ato que o originou, quanto gerar outras atitudes agressivas.
4.2. Represálias
O Instituto de Direito Internacional, em sua sessão de Paris, em 1934, definiu esse meio coercitivo do seguinte modo:
“As represálias são medidas coercitivas, derrogatórias das regras ordinárias do direito das gentes, tomadas por um Estado em consequência de atos ilícitos praticados, em seu prejuízo, por outro Estado e destinadas a impor a este, por meio de um dano, o respeito do direito[56].“
Segundo Husek, as Represálias “são medidas retaliativas em relação ao Estado violador dos direitos de outro Estado[57]”. Aqui tratam-se de medidas que violam a ordem internacional, são mais ou menos violentas e, em geral, contrárias a certas regras ordinárias de direito das gentes, empregadas por um Estado contra outro, que viola ou violou o seu direito ou o do seus nacionais; são formas de autotuela, que, apesar de tudo, tem sido justificadas por representar uma resposta a uma violação anterior ao Direito Internacional, situação similar a uma espécie de legítima defesa de interesses.
Distingue-se da Retorsão, por se basearem na existência de uma injustiça ou da violação de um direito; ao passo que a Retorsão é motivada por um ato que o direito não proíbe ao Estado estrangeiro, mas que causa prejuízo ao Estado que dela lança mão. Podem não ser consideradas um ilícito, na medida em que se realizam como uma reação contra um delito.
A doutrina costuma expor requisitos para que se concretize a justificativa de que a represália representa uma resposta à violação anterior, tais como: existência de um ato anterior contrário aos princípios e ao regramento do Direito Internacional; Impossibilidade de empregar outros meios para que o Estado ofendido obtenha reparação; proporcionalidade entre a ação sofrida e as ações empregadas pelo Estado lesado; e, tentativa anterior do Estado de obter a satisfação desejada do Estado violador.
As represálias são consideradas negativas quando o Estado se nega a cumprir determinada obrigação, decorrente de um pacto, ou executa atos que lhe são proibidos. As positivas quando um Estado, por meios militares, pratica atos contra pessoas e bens do Estado com quem está em litígio. Podendo, também, ser classificadas em armadas ou não armadas.
Suas modalidades mais utilizadas são: o seqüestro de bens e de valores pertencentes ao Estado, ou a seus nacionais; a interrupção das relações comerciais; a expulsão de nacionais do estado que transgrediu as normas internacionais, ou a sua prisão como reféns; a recusa de executar os tratados vigentes ou sua denúncia, a retirada dos privilégios e favores concedidos aos cidadãos do estado; a ocupação do território, como medida coercitiva.
As represálias, por serem uma reação contra um delito no plano internacional, são um dos meios mais violentos de solução de controvérsias, e também, um dos menos eficazes, pois, em tempos de paz aproximam os Estados litigantes de um conflito armado, devido ao seu caráter violento, e quando utilizadas em tempo de guerra servem apenas para agravar ainda mais o conflito, tornando ainda menos amistosa a relação entre os Estados beligerantes. Desse modo, as represálias vêm a contrariar os ideais mantenedores da paz e da segurança internacionais previstos na Carta das Nações Unidas.
4.3. Embargo
É uma forma especial de represália que consiste, no seqüestro, em tempo de paz, de navios e cargas de nacionais de um Estado estrangeiro, ancorado nos portos ou em águas territoriais do Estado que pratica essa ação.
Não se confunde, em nenhum momento, com o “direito de angária”, onde um Estado solicita os navios mercantes estrangeiros para o transporte de soldados e munições em troca de pagamento. Nem com o chamado “embargo do príncipe”, onde fica proibida a saída de navio do porto do estado ou de suas águas territoriais por problemas sanitários ou por questões judiciárias ou policiais. Pois nenhum desses representa medida coercitiva.
Nas duas Grandes Guerras, até mesmo o Brasil utilizou o embargo quando seqüestrou embarcações, cargas e bens alemães, italianos e japoneses. Contudo, esse meio coercitivo foi abandonado pela prática internacional e condenado pela doutrina, pois, muitas vezes, atinge apenas simples particulares sem colaborar para o fim dos conflitos.
4.4. Bloqueio Pacífico
O Bloqueio Pacífico constitui outra forma de represália. Segundo Husek, consiste em impedir, por meio de força armada, as comunicações de um país com os demais membros da sociedade internacional, objetivando obrigar o nação coagida a proceder de determinado modo. Trata-se de um dos meios de que o Conselho de Segurança das Nações Unidas pode recorrer para obrigar determinado Estado a proceder de acordo com a Carta[58].
O referido autor aponta algumas condições exigidas para o bloqueio pacífico, são elas: só pode ser empregado após o fracasso das negociações; que seja efetivo; notificação oficial prévia; só obrigatório entre os navios dos estados em litígio, e não para terceiros; e, os navios apreendidos no litígio devem ser devolvidos após o bloqueio.
É um meio muito pouco utilizado atualmente, sendo, também muito criticado pela doutrina , tendo muitos Estados se mostrado desfavoráveis aos seu emprego, alicerçados na pouco eficácia do instituto que em casos como o referente ao bloqueio do porto do Rio de Janeiro de 31/12/1862 a 06/01/1863, pelos navios britânicos – sendo aprisionados os navios mercantes que demandavam àquele porto, medida de reparação em conseqüência da questão Christie motivada pelo naufrágio do Prince of Wales e da prisão de oficiais ingleses à paisana, pertencentes à fragata forte, que haviam agredido autoridades brasileiras – que apenas serviu para prejudicar ainda mais as relações diplomáticas entre os estados em litígio, acirrando mais o conflito ao invés de solucioná-lo.
4.5. Boicotagem
É também uma forma de represália, definida em prol da interferência nas relações comerciais, econômicas ou financeiras com um Estado considerado ofensor dos nacionais ou dos interesses do Estado que aplica a medida.
Consiste, especificamente, na proibição de que sejam mantidas relações comerciais com os nacionais de Estado que violou as regras de Direito Internacional. Também pode compreender a interrupção de eventual assistência financeira e das relações comerciais.
O boicote pode ser estabelecido por ato oficial ou por particulares. Tal medida tanto pode ser empregada em tempo de paz como em tempo de guerra, sendo utilizada, no primeiro caso, como processo coercitivo e, no segundo, como forma de impedir o comércio neutral com outras potências inimigas.
A maioria dos autores entende que o boicote, sendo obra de particulares não gera responsabilidade do Estado; a menos que tenha sido forçada pelo governo, nesse caso é um ato ilegítimo pelo qual o Estado deve responder.
A Carta da ONU, em seu artigo 41, prevê a boicotagem como uma das medidas a serem tomadas para tornar efetivas as decisões do Conselho de segurança.
A ONU utilizou a boicotagem no combate ao Apartheid, na África do Sul em 1984, impondo sanções econômicas como forma de pressão para que cessasse a política de segregação racial constante naquele momento, na África do Sul.
4.6. Rompimento das Relações Diplomáticas
Husek conceitua o rompimento das relações diplomáticas como:
“(…) o pedido de retirada de toda missão diplomática do estado violador e a ordem de retorno dos representantes do Estado acreditados no território do outro país. É o corte das relações amigáveis, com conseqüências comerciais e políticas (…)[59].”
A ruptura de relações diplomáticas ou cessação temporária das relações oficiais entre os dois Estados pode resultar da violação, por um deles, dos direitos do outro. Mas pode também ser empregada como meio de pressão de um Estado sobre outro Estado, a fim de o forçar a modificar a sua atitude ou chegar a acordo sobre algum dissídio que os separe.
Geralmente é ato unilateral e discricionário, porém, será obrigatório quando houver uma resolução internacional neste sentido. Apesar do rompimento, os governos podem continuar a manter relações por meio de outros canais. A inviolabilidade dos locais da missão é mantida, assim como a imunidade dos agentes diplomáticos. Um terceiro, chamado de potência protetora, passa a representar os interesses do estado com o qual foram rompidas as relações. Essa ruptura não implica, necessariamente, no rompimento de relações consulares e econômicas.
Assim, é usado como sinal de protesto contra uma ofensa recebida, ou como maneira de persuadir o Estado contra o qual se aplica, a adotar procedimento razoável e mais conforme aos intuitos que se têm em vista.
No segundo sentido, está prevista no artigo 41 da Carta das Nações Unidas, como uma das medidas que podem ser recomendadas pelo Conselho de Segurança para a aceitação de suas decisões, em caso de ameaça contra a paz internacional.
É utilizada quando o litígio chega a um ponto extremo em que não é mais possível diálogo entre as partes interessadas, traz o inconveniente de cortar a possibilidade de negociações futuras e muitos autores a consideram como preliminar de declaração do Estado de Guerra, em virtude disso, devendo ser utilizada apenas como último recurso, quando esgotados todos os outros.
Conclusão
Desde o final da Segunda Grande Guerra inúmeras mudanças vieram a alterar as regras e os propósitos da comunidade internacional. A evolução da tecnologia, a ampliação de mercados e possibilidades comercias, crescem exponencialmente, derrubando muitas barreiras e solidificando a era da globalização.
Com o objetivo de não repetir os flagelos dos sangrentos e cruéis episódios da existência humana, dados, principalmente, na primeira metade do século XX, surgem organizações intergovernamentais como a SDN e, posteriormente, a ONU buscando manter a paz e a segurança internacionais.
Nesse novo cenário onde as relações tornam-se muito mais ágeis pela facilidade de troca de informações, circulação de pessoas e produtos, a possibilidade de incidência de desacordos sobre certos pontos de fato ou de direito multiplica-se quantitativamente. Assim, emerge a necessidade de se regular eventuais discrepâncias.
Controvérsias que são apresentadas cada vez mais de modos diversificados, em virtude das modificações presentes na sociedade internacional globalizada. Organizada não mais somente em Estados isoladamente; mas agora também em organismos regionais como a União Européia e o Mercosul, que poderão ou não abdicar de uma parcela de sua soberania a fim de gerar a qualidade de supranacionalidade e de jurisdição obrigatória, devendo assim, pela sua aceitação, acatar as decisões que esse organismo hierarquicamente superior lhe aprouver, mesmo que lhe sejam contrárias; de maneira similar a que o cidadão deve acatar quando na sucumbência em jurisdição interna.
Ainda, no que tange a soberania e a interferência nos governos nacionais, concomitantemente a essas entidades intergovernamentais surgem conglomerados econômicos designados como empresas transnacionais, com patrimônio e poder de barganha inacreditáveis a poucos anos atrás, de modo a mesmo sem possuir as características personalíssimas dos sujeitos do DIP acabam interferindo diretamente nas relações internacionais pelo seu enorme potencial econômico, de geração de emprego e renda.
Quanto aos meios de resolução das controvérsias internacionais, os organismos intergovernamentais, por meio de tratados multilaterais e de novos meios, como a diplomacia multilateral e a diplomacia parlamentar, buscam através de um ideal de cooperação entre as nações criar meios para que todos os conflitos sejam resolvidos de maneira pacífica. São mantidos no rol do DIP os eficientes e tradicionais meios de solução pacífica de controvérsias, como as Negociações Diplomáticas, a mediação, a conciliação e a arbitragem; acrescentados os meios políticos oriundos dos órgãos regionais, e os meios jurisdicionais, ou tribunais internacionais.
Sendo que as decisões oriundas dos meios Diplomáticos e Político, assim como as Jurisdicionais da Arbitragem, cada uma com seu grau de obrigatoriedade diferente, dependem, em última análise, da boa-fé dos litigantes. E, mesmo a sentença da Corte Internacional de Justiça pode ter sua executoriedade posta a prova, visto que para que a jurisdição ocorra o Estado-parte da controvérsia deve aceitá-la formalmente.
É importante ressaltar que, sendo as nações soberanas, a comunidade internacional não deveria interferir na competência interna dos Estados. Porém, como a finalidade última do Direito Internacional Público, já designado como Direito das Gentes, é manter a paz e a segurança internacionais a fim de resguardar a humanidade de práticas não condizentes com a situação de ser humano, nos dias de hoje a ONU entende que tem competência pra fazer esse resguardo.
Similar situação é a referente à causa do meio ambiente. Tornou-se crucial aos habitantes do planeta criar uma política de preservação ambiental, caso contrário a sobrevivência da espécie humana estará gravemente ameaçada. Analisando sobre a ótica do preâmbulo da Carta das Nações, a preocupação nesse caso é referente às condições de vida dos seres humanos, enquanto inseridos no ecossistema mundial terrestre. Protocolos internacionais tentam ser firmados, mas muitas vezes são impedidos de serem postos em prática pelos interesses das grandes nações, economicamente fortes e poluidoras.
A necessidade de unanimidade dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU nas decisões do mesmo constitui verdadeiro poder de veto dessas nações, o que faz com que tenham poderes substancialmente superiores as demais e possam travar situações levadas ao CS e que não sejam de seu interesse.
Quanto aos meios coercitivos de solução de controvérsias, alguns ainda se mantém presentes como forma de sanção da Carta das Nações, outros estão em desuso e não tem sua prática justificada nos dias atuais. De qualquer maneira a prática deles é veementemente combatida, só podendo ser autorizada pelo CS em último caso, segundo as normas do diploma legal em questão, a fim de resguardar ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.
Depreende-se que a partir do fim das grandes guerras a mobilidade mundial foi alterada substancialmente, de modo a interferir nas relações entre pessoas, entre Estados, entre esses e a comunidade internacional. Reduzindo distâncias, mantendo meios de relacionamento dos sujeitos de direito internacional, e surgindo, além de outros modos de relacionamento, outros sujeitos de direito internacional. Desse modo a comunidade internacional busca adequar-se à nova conjectura mundial, organizar maneiras de resolver suas controvérsias e buscar a paz e a segurança internacionais, ainda que nesse caminho estejam privilegiadas algumas nações mais abastadas.
Bacharel em Direito
Bacharel em Direito e pós-graduando em Comércio Exterior e Gestão portuária
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