Mister salientar que em matéria previdenciária o reconhecimento e a diferenciação do labor exercido em condições ou atividades expostas a agentes insalubres objetiva proteger o trabalhador, salvaguardando os efeitos maléficos causados à sua saúde através de minoração no tempo laborado.
Efetuando um breve histórico da aposentadoria especial e o inerente reconhecimento do labor especial, citam os doutrinadores pátrios como sendo o marco inicial a LOPS (Lei n° 3.840), de 26/08/1960, em seu art. 31, o qual dispunha:
“Art. 31. A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuição, tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, inslubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
§ 2° Reger-se-á pela respectiva legislação especial a aposentadoria dos aeronautas e a dos jornalistas profissionais.”
Em seguida, a Consolidação das Leis da Previdência Social – CLPS (Decreto n° 89.312/84), em seu art. 35, analisado este pelo professor Anníbal Fernandes, em sua obra “Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social”, pg 83, disciplinava que:
“A aposentadoria chamada especial, é devida pelo exercício de atividades insalubres, penosas ou perigosas, por determinado tempo.”
A regulamentação posterior, magistralmente registrada por Sérgio Pardal Freudenthal, em sua obra “Aposentadoria Especial”, editora LTr, pg 18, assim resultou:
“Muito rico o histórico legislativo deste benefício, desde o Decreto n° 53.831/64, regulamentar do art. 31 da Lei Orgânica da Previdência Social, revogado pelo Decreto n° 66.755/68 e, conforme Annibal Fernandes (ob. Citada, pág. 84) “a seguir revigorado por Lei Federal (Lei n° 5.527, de 08/11/1968)”. A reviravolta de 1968 deixou enquanto seqüela o limite de idade que, suprimido pela Lei n° 5.440-A, em 23 de maio de 1968, continuou sendo exigido pelo Instituto previdenciário até 1995, quando reconheceu a desnecessidade da exigência no parecer CJ/MPAS n° 223, publicado no DOU em 04/09/1995…”
Por seu turno, a redação original da Constituição Federal de 1988 expressamente assegurava o histórico reconhecimento do labor em condições ou atividades especiais, in verbis:
“Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
II – após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei…”
De forma sucinta, a aposentadoria especial visava proteger o trabalhador dos indesejáveis efeitos que os agentes nocivos causavam à saúde. Neste diapasão, Sérgio Pinto Martins, em sua obra “Direito da Seguridade Social”, pg 323, disciplina que:
“Pode ser conceituada a aposentadoria especial como o benefício decorrente do trabalho realizado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física do segurado, de acordo com a previsão em lei. Trata-se de um benefício de natureza extraordinária, tendo por objetivo compensar o trabalho do segurado que presta serviços em condições adversas à sua saúde ou que desempenha atividade com riscos superiores aos normais.”
Acompanhando a mesma linha de raciocínio, a professora Marly Cardone, em seu livro “Previdência, Assistência, Saúde – o Não Trabalho na Constituição de 1988”, editora LTr, pg 81, ilustra que:
“o trabalho em condições especiais, que são insalubres, perigosas e penosas, que prejudicam a saúde ou a integridade física do trabalhador, merecem uma aposentadoria precoce, como a lei ordinária já prevê (CLPS, art. 35), consentânea com o direito comparado.”
Confirmando o conceito doutrinário de Aposentadoria Especial, em artigo publicado na Revista Síntese Trabalhista n° 116 – Fev/99, o ex-ministro da Previdência Social, Sr. Reinhold Stephanes preceitua:
“A aposentadoria especial é historicamente justificada pelo legislador como um direito de quem trabalha em condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física. O trabalhador que exerce atividades perigosas, penosas ou insalubres, ficando exposto aos agentes nocivos físicos, químicos e biológicos, faz jus a uma aposentadoria especial e uma contagem de tempo de serviço especial.” (Grifamos)
Até a publicação da lei n° 9.032/95, a aposentadoria especial não havia encontrado maiores entraves. Entretanto, este diploma legal, ao alterar o art. 57 da lei n° 8.213/91, expressamente estabeleceu em seu parágrafo 5° que:
“O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser considerados prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.”
Ao mesmo tempo, o parágrafo 6° proibiu expressamente o segurado aposentado nos moldes do parágrafo anterior a continuidade no exercício de atividades ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos.
De forma cristalina, o advogado Sérgio Pardal Freudenthal expõe:
“Em 28 de maio de 1998, a Medida Provisória n° 1.663-10 (substituta da 1.586 que estava na 9ª reedição) revogou, em seu art. 28, o § 5° do art. 57 da lei n° 8.213/91, sobre a conversão de tempo especial em comum. O texto havia sido produzido pela Lei n° 9.032/95, no lugar do § 3° que, no texto original, previa conversão nas duas formas, comum para especial e vice-versa. Com a revogação, deixava de existir qualquer conversão de tempo de serviço. E esta MP foi transformada na Lei n° 9.711, de 20 de novembro de 1998, expondo, em seu novo art. 28, uma superficial concessão desrespeitando o direito adquirido ou ato jurídico perfeito e merecedora de considerações mais detalhadas.”
Finalmente, a Emenda Constitucional n° 20/98 introduziu nova disposição sobre a matéria, alterando o art. 201, § 1°, assim resultando:
“É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria ao beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.”
Com base nestes dados, cumpre ressaltar que, até 11/10/1996, data da MP n° 1.523, os anexos I e II do decreto n° 83.080/79 e o disposto no decreto n° 58.831/64 vigoravam plenamente, pois foi a citada MP que retornou ao Poder Executivo a definição da “relação de agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física”.
Mormente à conversão de tempo especial em comum, resume-se: em 10 de dezembro de 1980, com a lei n° 6.887, surgiu a possibilidade de conversão do tempo especial em comum, e vice-versa. Já em 28/04/1995, com a lei n° 9.032, passou a ser possível somente a conversão de tempo especial para comum. Já em 23 de maio de 1998, com a medida provisória n° 1.663-10, resultou extinta qualquer forma de conversão de tempo de serviço, ao arrepio dos mandamentos constitucionais.
Continuando, o Poder Executivo (e não o legislador, cite-se) editou a MP n° 1.663-13, de 28/08/1998, convalidada na lei n° 9.711/98, a qual dispunha que o poder executivo disciplinaria a conversão de tempo até 28/05/1998, ao passo que vedava a conversão do tempo de labor especial em comum, para períodos posteriores ao da publicação do diploma.
Entretanto, olvidou o legislador cochilante que o art. 201, § 1° da Constituição Federal assegura o reconhecimento do labor em condições especiais, e seu cômputo de maneira diferenciada para a concessão de aposentadoria. Em outras palavras, o texto constitucional oferece o suporte para a devida conversão de tempo especial em comum.
Ocorre que, por ocasião da conversão da MP 1.663-15 na Lei nº 9.711/98, o § 5º do artigo 57 da Lei de Benefícios não resultou revogado. Logo, teve sua vigência restaurada pelo diploma legal em comento.
Ainda, importante ressaltar que a Lei nº 9.711/98 foi publicada em 20 de novembro de 1988, cerca de um mês antes da Emenda Constitucional nº 15, a qual preconizava em seu art. 15:
“Até que a Lei Complementar a que se refere o art. 201, § 1º da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58lei nº 8.213/91, de 24/07/1991, na redação vigente à data de publicação desta Emenda.”
Este entendimento foi ventilado no Recurso Especial nº 1010028, lavra da Ministra Laurita Vaz, verbis:
“Vê-se que a Emenda Constitucional n.º 20/98 dispõe que, até que seja publicada lei complementar definindo as atividades especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, permanecem em vigor os arts. 57 e 58 da Lei n.º 8.213/91, na redação vigente à data da publicação da Emenda. E, como à época da promulgação da Emenda, vigia o § 5º do art. 57, porquanto não revogado pela Lei n.º 9.711/98, conclui-se que a conversão do tempo de serviço especial em comum continua válida. Ressalto que esta determinação foi mantida pela EC n.º 47/05.”
Neste diapasão, oportuno transcrever o acórdão do Recurso em comento:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO PERÍODO TRABALHADO. 1. Com as modificações legislativas acerca da possibilidade de conversão do tempo exercido em atividades insalubres, perigosas ou penosas, em atividade comum, infere-se que não há mais qualquer tipo de limitação quanto ao período laborado, ou seja, as regras aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, inclusive após 28/05/1998. Precedente desta 5.ª Turma. 2. Recurso especial desprovido.”
Em igual sentido, coleta-se do mesmo Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADOS. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE. 1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador Segurado da Previdência Social, sendo, portanto, julgados sob tal orientação exegética. […] 4. O Trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão do tempo de serviço, de forma majorada, para fins de aposentadoria comum. (grifamos) 5. Recurso Especial improvido.” (REsp 956.110/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJ de 22/10/2007)
Objetivando melhor demonstrar as implicações da conversão de tempo especial em comum, analisemos o seguinte: segurado complementa 24 anos de labor especial, exposto a agentes insalubres que lhe prejudicaram a saúde de maneira considerável. Demitido, não logra êxito em conseguir emprego em função correlata, em razão da idade e das condições de saúde. Desta forma, deverá laborar mais 11 (onze) anos, observar o mal-fadado fator previdenciário tolher sua renda e simplesmente sofrer com as seqüelas causadas por todo este tempo de labor insalubre.
Não é esta a vontade da lei.
Não se olvida o teor da súmula nº 16 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos juizados especiais federais. Contudo, observados os ditames legais ora expostos, avalizados pelos entendimentos oriundos do Superior Tribunal de Justiça, a conversão de tempo especial para comum continua possível inclusive para os períodos laborados após 28/05/1998.
junho de 2008.
Informações Sobre o Autor
Kirk Lauschner
Advogado no Município de São Miguel do Oeste, extremo oeste de Santa Catarina. Pos-graduado, militante na área de direito previdenciário