Resumo: Fundamentado na idéia do esforço comum e ajuda mútua, como forma organizada e alternativa de trabalho, em decorrência de lutas sociais dos trabalhadores e necessidade do mercado, surgiu na sociedade européia do século XIX, o ideal cooperativista, inspirado em valores e por princípios próprios, tais como a livre adesão, autogestão democrática, divisão dos lucros/sobras entre os associados, bem como pelo princípio da dupla qualidade, até hoje adotados. A observância a estes princípios é fundamental à verificação e uma verdadeira cooperativa e, por conseqüência, na ausência destes, permitem identificar cooperativas fraudulentas. No Brasil, a lei 7.764/71, definiu a Política Nacional de Cooperativismo, com o propósito de estimular a ideologia cooperativista no Brasil. O artigo 5º da referida lei dispõe que as sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço. Dentre estas possibilidades, as cooperativas de trabalho. A Lei nº 8.949/94 acrescentou o parágrafo único ao artigo. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho cuja hipótese normativa, prevê a impossibilidade da existência do vinculo empregatício entre o sócio cooperado e o tomador de serviços da cooperativa. A literalidade da interpretação da referida regra resultou na emergência de falsas cooperativas de trabalho que são utilizadas, nos processos de terceirização, como meras intermediadoras de mão de obra, ocasionando, desta forma, fraude aos direitos trabalhistas. Contudo, em que pese à vigência do dispositivo referido, considerado julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, verificado no caso concreto, a partir da aplicação do princípio da primazia da realidade, os elementos caracterizadores da relação de emprego, os aspectos formais e substanciais do cooperativismo, bem como as possibilidades legais de terceirização, quando verificada a intermediação de mão de obra por sociedade cooperativa fraudulenta, a hipótese normativa expressa será relativizada e haverá reconhecimento do vínculo empregatício entre o sócio cooperado e o tomador de serviço.
Palavras-chave: Cooperativismo, relação de emprego, terceirização, fraude trabalhista
Abstract: Based on the idea of joint efforts and mutual aid, and as an organized alternative work as a result of social struggles of workers to market need, emerged in nineteenth-century European society, the ideal cooperative, inspired by values and principles by themselves, such as free membership, democratic self-management, division of profits / surpluses among the members as well as the principle of dual capacity until today adopted. Adherence to these principles is essential to check and a real cooperative and, consequently, in their absence, identifying fraudulent cooperatives. In Brazil, the law 7.764/71 defines the National Cooperative for the purpose of stimulating cooperative ideology in Brazil. Article 5 of the Act provides that cooperatives may adopt any kind of object for service. Among these possibilities, cooperatives work. Law No. 8.949/94 added a paragraph to article. 442 of the Labor Code which normative hypothesis, predicts the impossibility of the existence of the employment contract between the policyholder and the partner cooperated services of the cooperative. A literal interpretation of that rule resulted in the emergence of false labor cooperatives that are used in the processes of outsourcing, as mere intermediating labor, causing thereby fraud labor rights. However, despite the effectiveness of the device above, considered judged the Regional Labor Court of the 4th Region, verified in this case from the application of the principle of the primacy of reality, the characteristic elements of the employment relationship, the formal aspects and substantial cooperative and legal possibilities of outsourcing, when checked the intermediation of labor by fraudulent cooperative society, the normative assumption expressed relativized and there will be recognition of the employment relationship between the partner cooperated and policyholder service.
Keywords: Cooperative, employment relations, outsourcing, labor fraud.
Sumário: Introdução. 1. Do Cooperativismo. 1.1. Síntese Histórica. 1.2. Princípios Cooperativistas. 1.3. Legislação, Conceito e Classificação. 2. Cooperativas de Trabalho e Fraude. 2.1. Cooperativas de Trabalho e o Vínculo de Emprego: Distinção entre a Relação de Emprego e a Relação de Trabalho Cooperativo. 2.2. Das Cooperativas de Trabalho e a Terceirização. 2.3. Análise de Julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. 2.4. Das Falsas Cooperativas de Trabalho e o Combate à Fraude: Participação do Ministério Público do Trabalho da 4ª Região. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O sistema cooperativista é fruto de lutas sociais dos trabalhadores pela própria sobrevivência, os quais sofrem muitas limitações de ingresso no mercado de trabalho, encontrando alternativa de se unirem em grupos a fim de criarem um novo sistema de produção e poderem sobreviver em face das novas necessidades do mercado[1]. O cooperativismo fundado na idéia do esforço comum e da ajuda mútua, vicejou e é uma realidade em vários países[2].
Atualmente discute-se com freqüência o desemprego no Brasil, já que este é uma realidade no país e implica em uma deteriorização cada vez maior da qualidade de vida das pessoas. Em meio às intensas modificações sofridas pelo mercado de trabalho, o risco de perder o emprego em função do fechamento de empresas vem contribuindo para que o número de cooperativas de trabalho esteja em constante crescimento[3].
A indispensável busca de harmonia entre o capital e o trabalho é elemento fundamental no campo das relações de produção do Estado democrático. Nesta tarefa, não se pode perder de vista a dignidade da pessoa humana[4]. As cooperativas de trabalho surgem, então, como um expediente importante para ao menos, reduzir os impactos da globalização sobre o trabalhador[5].
Neste sentido, o cooperativismo se fortalece em resposta as dificuldades socioeconômicas, como um fator de inclusão social e como uma alternativa para que muitos se mantenham no mercado de trabalho[6].
Contudo, tem-se constatado crescente número de casos de fraude nas relações trabalhistas, a partir do desrespeito a legislação trabalhista bem como o desvirtuamento dos princípios e finalidades do cooperativismo. A Grande questão a esse respeito está na possibilidade de as cooperativas de trabalho começarem a atuar como verdadeiras intermediadoras de mão de obra. No entanto, esta intermediação não seria contraria ao ordenamento jurídico[7]?
A Lei 8.949/94[8], em seu art. 1º, estabeleceu, de forma expressa, a vedação do vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados ou entre estes e os tomadores de serviços daquela, e está redigido da seguinte maneira:
“Art. 1° Acrescente-se ao art. 442 do Decreto-lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho, o seguinte parágrafo único:”
"Art. 442.( ..)
Parágrafo único. “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.
A finalidade do dispositivo citado seria descaracterizar a relação de emprego quando da existência de uma verdadeira relação cooperada, quando não presente os requisitos do vínculo empregatício.
Ocorre que, a partir de uma interpretação literal do referido dispositivo, criou-se à possibilidade do surgimento de falsas cooperativas de trabalho. Tais cooperativas agem simplesmente como intermediadoras de mão de obra, o que por efeito, gera fraude aos direitos dos trabalhadores.
Diante o exposto, em que pese à vigência do dispositivo supracitado, será possível a inaplicabilidade da vedação contida do artigo 442, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho quando constatada a intermediação de mão de obra por sociedade cooperativa fraudulenta?
No caso concreto, considerando o princípio da primazia da realidade, constatado o desvirtuamento da regra legal, poderá se verificar a existência de fraude trabalhista. Sendo assim, o reconhecimento do vínculo empregatício dos sócios cooperados com a empresa tomadora de serviços será possível. Nesse sentido tem sido os julgamentos do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Neste sentido, este trabalho justifica-se face a necessidade de se identificar as hipóteses de existência de fraude a legislação trabalhista vigente, compreender os efeitos decorrentes da utilização de pseudo-cooperativas em relação a não efetivação dos direitos trabalhistas e a compreensão, do ponto de vista acadêmico, da divergência doutrinária e jurisprudencial em relação à análise do tema proposto.
O método de abordagem utilizado na pesquisa foi o dedutivo, que parte de regras gerais aplicáveis a uma situação particular. Como métodos de procedimento, foram utilizados o método histórico (analisado o surgimento e a evolução do cooperativismo, bem como seus princípios e legislação); dedutivo (buscado construir um processo de raciocínio lógico, partindo de idéias gerais para chegar a uma conclusão sobre o tema proposto) e estudo de caso (a partir de pesquisa de julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região). Como métodos de interpretação foram utilizados, como fonte de pesquisa, consultas à legislação, doutrina e jurisprudência.
O tipo de pesquisa foi bibliográfica e de campo, na jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, bem como obtenção de dados junto ao Ministério Público do Trabalho da 4ª Região.
Para tanto, o trabalho realizado teve como objetivo geral demonstrar a relativização da aplicação da segunda hipótese normativa do parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho e, por conseqüência, o reconhecimento do vínculo empregatício entre os sócios cooperados e as empresas tomadoras de serviço.
Pretendeu-se trabalhar com os saberes doutrinários que tratem das cooperativas de trabalho.
Neste sentido, no primeiro capítulo foi apresentado uma síntese do cooperativismo em relação a sua história, princípios, legislação, conceito e classificação.
No segundo capítulo buscou-se abordar o uso de cooperativas de trabalho em relação à fraude trabalhista, tendo como objetivos específicos distinguir a relação de emprego da verdadeira relação de trabalho cooperativo. Abordar o uso destas cooperativas no processo de terceirização trabalhista, considerando análise de julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região. Por fim desenvolveu-se estudo sobre a participação do Ministério Público do Trabalho no combate a fraude trabalhista por meio de falsas cooperativas.
1 DO COOPERATIVISMO
Este capítulo terá como objetivo expor, de forma sintetizada, a historicidade da emergência do ideal cooperativista. O conceito de cooperativa será delimitado a partir de exposição doutrinária e legal. Também será exposta a estrutura principiológica que compõe o cooperativismo. Por fim, abordagem verificará de que forma ocorreu no Brasil, sendo analisadas as principais legislações e a importância que se deu ao cooperativismo no plano constitucional. De modo que, no segundo capítulo deste trabalho possa-se compreender o desvirtuamento que vem ocorrendo após a inserção do parágrafo único ao artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho.
1.1 SÍNTESE HISTÓRICA
Pode-se dizer que a história do cooperativismo é formada de diversas experiências que refletem a importância da ajuda mútua para a evolução dos povos[9].
O Cooperativismo surgiu no século XIX como um meio de organização, produção e trabalho alternativo aos existentes à época[10].
Conforme Maria Célia de Araújo Furquim[11]:
“Trabalhadores passaram a se agrupar movidos pela solidariedade, cujo lema é “um por todos e todos por um” princípio básico do movimento e descobriram que, conservando a propriedade privada, sem intervenção direta do Estado na ordem econômica, é possível proporcionar melhores condições de vida socioeconômica através da cooperação entre eles.
As primeiras bases do cooperativismo, que se tem conhecimento, se iniciaram em 1844, em Rochdale, na Inglaterra[12]. A situação de miséria vivida pelos operários sem perspectiva de melhoria levou vinte e oito trabalhadores a se reunirem para buscar uma alternativa de vida que partia ao encontro de seus interesses. Criaram inicialmente uma cooperativa de consumo[13].
Retrata Vanessa Cardone[14] que:
“Em 1843, na cidade de Rochdale, Inglaterra, 28 tecelões resolveram unir suas forças contra o desemprego causado pela revolução industrial e por uma greve malsucedida. Reunindo suas economias para montar um armazém cooperativo[15].”
Na verdade, para os historiadores, 21 de Dezembro de 1844 foi o marco inicial do cooperativismo, quando da fundação do referido armazém[16].
Inicialmente, sua finalidade era a união de pessoas, com uma mesma necessidade e com o objetivo atenuar ou suprimir desequilíbrios econômicos e sociais surgidos do liberalismo econômico vigente[17], além de visar ainda, uma vantagem pecuniária para os seus cooperados, possibilitando-lhes viver melhor[18].
Segundo Maurício Santos da Silva[19]
“Este movimento se expandiu rapidamente e, em 1852, foi criada, na Inglaterra, a lei das Sociedades Industriais e Cooperativas que passou a regular as relações das cooperativas com o Estado. Em 1895, em Genebra, foi criada a Aliança Cooperativa Internacional que ratificou os princípios de Rochdale como a adesão voluntária e livre de seus membros; a gestão democrática; a participação econômica dos membros na criação e controle do capital; educação e formação dos sócios; intercooperação no sistema cooperativista.
Esta Aliança Cooperativa existe até hoje agregando as cooperativas de consumo ao norte da Inglaterra, as cooperativas operárias francesas, que chegaram ao seu auge em 1848 e as cooperativas de crédito rural alemãs”.
O Cooperativismo é um sistema que permite afastar a intermediação e o lucro, e como tal enquadra-se entre os mecanismos modernos que podem contribuir para a construção de um modelo eficiente de relações econômico-sociais[20]. Fundado no ideal de solidariedade, tem por finalidade administrar a sociedade em favor dos seus próprios sócio-cooperados, tendo sido utilizado inicialmente no campo do consumo e depois no de crédito, produção, trabalho, entre outros[21].
Portanto, o cooperativismo pode ser entendido como uma forma livre de associação de pessoas, difundida mundialmente, onde os cooperados têm por escopo a busca de benefícios mútuos, no que diz respeito a aspectos sócio econômicos[22].
1.2 PRINCÍPIOS COOPERATIVISTAS
A referência aos princípios cooperativistas citados pela doutrina é indispensável, vez que são eles que conferem originalidade e distinguem as cooperativas das demais sociedades[23].
Etimologicamente, o termo “princípio”, do latim pricipium principii, encerra a idéia de começo, origem, base[24]. Costumam ser conceituados como as diretrizes mestras de um sistema, como os fundamentos ou regras fundamentais de uma ciência[25].
Em termos genéricos, para Miguel Reale, os princípios são enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber[26].
Para Arnaldo Sussekind[27] (…) princípios são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis, como o intérprete ao aplicar as normas.
Segundo Humberto Ávila[28]
“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estrado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta como necessária à sua promoção.”
Mauricio Godinho Delgado assevera que os princípios “são proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação; interpretação e aplicação do direito” [29].
Esses princípios possuem as funções: a) informativa: informar o legislador; b) interpretativa: orientar o Juiz; c) normativa: integrar o direito, que é sua função normativa[30].
Ante o exposto, é possível compreender e definir o significado e a classificação dos princípios cooperativistas.
Para Amélia do Carmo Sampaio Rossi[31]
“Os princípios do cooperativismo atuam como fios condutores de toda a atividade cooperativa, carregam os valores que estabelecem a lógica a destas atividades, identificando o cooperativismo como uma prática econômica voltada à realização das pessoas, à solidariedade e a realização de uma justiça social.”
A doutrina, à unanimidade, adota como origem dos princípios cooperativos as regras de funcionamento estabelecidas pelos pioneiros de Rochdale para direcionar o Modus procedendi de sua cooperativa, se bem com o desconhecimento no que pertine ao alcance e à transcendência que referidas regras alcançariam no futuro[32]. Assim, a cooperativa dos pioneiros de Rochdale estabeleceu princípios norteadores para a configuração das sociedades cooperativas[33].
Segundo Leda Maria Messias da Silva[34]
“Eram os seguintes os Princípios estabelecidos em Rochdale: a) Livre adesão e livre saída de seus associados; b) Democracia nos direitos e deveres dos associados; c) Compras e vendas à vista na cooperativa; d) Juro limitado ao capital investido; e) Retorno proporcional; f) Operação com terceiros; g) Formação intelectual dos associados; h) Devolução desinteressada dos ativos líquidos;”
A Partir do congresso da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), realizada em Manchester – Inglaterra, em Setembro de 1995, foram adotados os “Princípios Básicos do Cooperativismo” [35].
Esta nova principiologia adotada pelo cooperativismo internacional salienta que as cooperativas são empresas de propriedade coletiva e direção democrática baseadas nos valores de auto-ajuda, auto-responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade[36].
Segundo Cícero Virgulino da Silva Filho[37]
“Os princípios cooperativos hoje em vigência – decorrentes da aprovação pela Assembléia da ACI em Manchester – são sete: Adesão voluntária e aberta: gestão democrática por parte dos sócios; participação econômica dos sócios, autonomia e independência; educação, formação e informação; cooperação entre cooperativas, interesse pela comunidade. Os três primeiros dirigem-se à dinâmica interna típica de qualquer cooperativa, e os quatro últimos dirigem-se tanto ao funcionamento interno como às relações externas das cooperativas.”
Sobre estes princípios Vilma Dias Bernardes Gil[38]:
“O primeiro princípio – adesão livre e voluntária – estabelece a possibilidade de ingresso na sociedade de qualquer interessado, permitindo-se o estabelecimento de restrição estatutária unicamente em relação à qualificação técnica do futuro cooperado. De fato, não se pode conceber a admissão, por exemplo, em uma cooperativa de médicos, de alguém que não possua essa qualificação. Por outro lado, o princípio estabelece também ampla Iiberdade de desligamento voluntário do sócio ou se for o caso, garantia de ser afastado involuntariamente apenas por decisão da assembléia geral.
O segundo princípio – gestão democrática- pressupõe a cooperativa como uma sociedade organizada pelos próprios sócios, que participam efetivamente da sua gestão, de forma democrática, através da consagração da máxima: um homem – um voto.
De acordo com o terceiro princípio, os sócios contribuem eqüitativamente na formação do capital, por meio da subscrição e integralização de quotas, de acordo com os estatutos. Via de regra, recebem uma remuneração limitada ao capital e controlam-no de forma democrática, sendo que pare dele é propriedade comum da cooperativa.
Pelo quarto princípio – autonomia e independência – as cooperativas são organizações independentes e gozam de plena autonomia, que será preservada mesmo nos casos em que, por exemplo, atue em ações planejadas ou coordenadas pelos governos.
De conformidade com o quinto princípio, as cooperativas devem promover a educação e a formação de seus integrantes – sócios representantes eleitos e dos trabalhadores que, por sua vez, transmitirão a sociedade, de um modo geral, com ênfase para os jovens e líderes de opinião, a doutrina cooperativista natureza e vantagens das cooperativas.
De acordo com o sexto princípio – a cooperação entre cooperativas -, por meio do trabalho conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais, fortalece o movimento cooperativo e propicia atendimento mais eficiente aos seus associados.
O sétimo e último princípio – interesse pela comunidade – remete o ideal cooperativista de obter a melhoria de vida, em todas as dimensões – social, econômica, cultural, etc. – da comunidade, através de políticas aprovadas pelos próprios membros.”
Os princípios mencionados foram transportados no tempo e são os mesmos utilizados até os dias atuais, especificamente no Brasil, quando da criação e promulgação da Lei 5.764/71 que trata da Política nacional do Cooperativismo e dá outras providências [39]. Assim expõe Neiva Ninin[40].
“A sociedade cooperativa é distinta das demais espécies de sociedade, por ser um tipo individualizado, com fatores peculiares, dos quais a maior parte está determinada no art. 4º, da Lei 5.764/71, reunindo, precisamente, sinais marcantes da sociedade cooperativa:
“art. 4º. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características”:
I- adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços:
II – variabilidade do capital social, representada por quotas-partes;
III – limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV – inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V – singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI – quorum para o funcionamento e deliberação da assembléia
Geral baseado no número de associados e não no capital;
VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;
VIII – indivisibilidade dos fundos de reserva e de assistência Técnica, Educacional e social.
IX – neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X – prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI – área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operação e prestação de serviços”
Maurício Godinho Delgado[41] faz menção a outros princípios aplicados ao cooperativismo, a saber: Princípio da dupla qualidade: o cooperado é simultaneamente cliente e cooperado, obtendo vantagens desta dualidade. Logo, o sócio cooperado sempre faz parte da coletividade (sociedade) e é principal destinatário dos serviços prestados por ela; Princípio da retribuição pessoa diferenciada: pois o que justifica a existência das cooperativas é a circunstância de que ela aumenta o trabalho ou as atividades humanas. A cooperativa permite que o cooperado tenha uma retribuição pessoal, em virtude de sua atividade, superior aquilo que obteria caso não estivesse associado.
Em suma, a principiologia adotada pelo cooperativismo internacional torna visível que as cooperativas são empresas de propriedade coletiva, de caráter especial, onde os sócios são titulares ao mesmo tempo do capital e da força de trabalho, cuja marca principal está no seu caráter verdadeiramente democrático e na participação baseada nos valores da ajuda, responsabilidade, equidade e solidariedade[42].
1.3. LEGISLAÇÃO, CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Os principais diplomas legais a tratar do assunto cooperativa e, notadamente, cooperativa de trabalho, no Brasil, são os seguintes[43]:
É o Decreto legislativo 979, de 06.01.1903, o primeiro dispositivo legal comumente indicado como precursor na regulação, no Brasil, das atividades cooperativistas, embora alguns autores façam referência aos Decretos 796, de 02.10.1890, e 869, de 17.10.1890, concedendo autorização a militares para organizarem uma sociedade anônima sob a denominação de “sociedade Cooperativa Militar do Brasil” e a organização da “Companhia Cooperativa de Consumo Doméstico e Agrícola” [44].
Em 19.12.1932, editou-se o Decreto nº 22.239, que ainda admitia as cooperativas de natureza comercial, operando com terceiros, ao lado daquelas de natureza civil, que só operavam com os próprios sócios. Muitos autores consideram-no como a legislação mais adequada de que dispôs o país para promover o desenvolvimento autônomo do movimento cooperativista[45], visto que, no Brasil, as cooperativas nasceram atreladas ao movimento sindical, consolidando-se como instituto autônomo com a promulgação do referido decreto[46], desvinculando a cooperativa do sindicato, e apresentando, em seu art. 2º, a definição legal de cooperativa, ao estabelecer que as sociedades cooperativas, qualquer que seja sua natureza, civil ou comercial, são sociedades de pessoas e não de capital[47]. Ainda, segundo José Affonso Dallegrave Netto[48], o respectivo decreto, em seu artigo 24, conceituou, originalmente, as cooperativas de trabalho.
Segundo Armand Pereira[49]
“Segundo o art. 24 do revogado Decreto nº 22.239/32, cooperativas de trabalho são “aquelas que, constituídas entre operários de uma determinada profissão ou ofício, ou de ofícios vários de uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar o salário e as condições de trabalho pessoal de seus associados e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõem a contratar obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos e particulares, coletivamente por todos ou por grupos de alguns”.
Corrobora Arnor Lima Neto[50]
“Em 19.12.32, o Decreto 22.232, de todos os diplomas legais até então promulgados, é o que vem a compor, de fato, um verdadeiro estatuto do cooperativismo. Sustenta-se, até mesmo, que este foi o regulamento mais qualificado que o Brasil dispôs para promover o desenvolvimento autônomo do movimento cooperativista.”
A menção a essa previsão normativa não tem importância somente histórica, mas também doutrinária, tendo em vista que se trata da única norma que traz um conceito expresso das cooperativas de trabalho (norma essa, portanto, que, mesmo revogada, demonstra substrato jurídico para a compreensão do tema) [51].
No período que vai do Decreto-lei 581, de 01.08.1938, até a lei 5.764, de 16.12.1971, encontra-se uma série de diplomas legais tratando do tema[52].
Com o Advento da Lei nº 5.764, de 16.12.71, foi instituída a Política Nacional de Cooperativismo, que compreende as atividades decorrentes de iniciativas ligadas ao sistema cooperativo[53].
No artigo 3º da Lei nº 5.764/71, que dispõe sobre cooperativas, encontra-se o conceito e a natureza jurídica desse tipo de sociedade e são apontados três pressupostos para a sua formação; 1) exercer atividade econômica; 2) ajuda mútua para um benefício comum e 3) ausência de fins lucrativo [54].
A definição legal do que venha a ser uma cooperativa encontra-se no próprio art. 4º da referida Lei: “As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas pra prestar serviços aos associados” [55].
Deduz-se, então que a cooperativa, enquanto sociedade de pessoas e não de capital, não está voltada ao lucro, embora tenha fins econômico-sociais[56].
Quanto à classificação das cooperativas, expõe Érika Cristina Aranha dos Santos[57]
“(…) pode-se dizer que existem inúmeras espécies, uma vez que podem ter por objeto qualquer gênero de serviço. Tal possibilidade está prevista no art. 5º da Lei nº 5.764/71, segundo o qual tais sociedades podem adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que supra a exigência da utilização da expressão “cooperativa” em sua denominação.
Existem várias espécies de cooperativas: as de produção agrícola, as de crédito, as de consumo, as de vendas, as de trabalho, entre muitas outras, mas a que será analisada com maior afinco será a cooperativa de trabalho, considerando-a como uma alternativa para o desemprego.”
Afinal, temos as cooperativas de trabalho ou de produção, cujo objetivo é eliminar a figura do empregador, tornando os cooperativados donos dos meios de produção[58]. As cooperativas de trabalho, dentre outras classificações que se lhe propõem, abrangem não apenas as chamadas cooperativas de trabalho propriamente ditas, como também as cooperativas de produção e de mão-de-obra, sendo que é nesta última modalidade que se concentram a maior parte das fraudes à legislação trabalhista[59].
Segundo André Cremonesi[60], esta lei regulamentou o funcionamento do cooperativismo em geral, dedicou a Seção V, do Capítulo XII, ao cooperativismo de trabalho, na qual constam apenas os arts. 90 e 91.
Segundo Almir Pazzianotto Pinto[61]
“Registre-se que a Lei 5.764/71 (distintamente daquilo que ocorria com o Decreto nº 22.239/32, cujo art. 21, item III aceitava a existência de “cooperativas de trabalho [profissionais ou de classe]”) alude a várias modalidades, como as centrais e federações de cooperativas (art. 8º), mistas (art. 10§ 2º); de habitação, crédito (art. 19, § 9º), escolar (art. 19); de pesca, produtores rurais, extrativistas, de eletrificação, irrigação e telecomunicações (art. 29), mas silencia quanto às cooperativas de mão de obra, criadas em grande quantidade após a introdução do parágrafo único do art. 442 da CLT, provocada pela Lei 8.949, de 9 de dezembro de 1995.”
A Lei n. 8.949, de 9 de dezembro de 1994, incluiu no artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho o parágrafo único, prevendo que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”[62].
Segundo Almir Pazzianotto Pinto[63]
“O objetivo almejado com este acréscimo seria possibilitar, sobretudo nas atividades desenvolvidas em assentamentos rurais patrocinados pelo Governo, a utilização de terceiros, sem vínculo de emprego e, portanto, sem ônus e empecilhos da legislação trabalhista-previdenciária. Idealizava-se, assim, a contratação de cooperativas de trabalhadores, pelos donatários de lotes, para execução de serviços de plantio, cultivo e colheita, sem registro em Carteira, remuneração do descanso semanal concessão de férias, décimo terceiro salário, recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e outros encargos relativos a empregados formalmente admitidos e registrados.”
Esse acréscimo, porque óbvio e desnecessário, gerou a falsa impressão e o conseqüente abuso no sentido de que os cooperativados podem prestar serviços às empresas contratantes, sob a supervisão ou direção destas, sem a caracterização da relação de emprego[64].
Para Marcelo Mauad[65]
“A Lei nº 8.949/94, que introduziu o parágrafo único no art. 442, CLT, somente poderá ser invocada para afastar a relação de emprego entre o cooperado e a cooperativa ou entre aquele e a tomadora de serviço quando a realidade demonstra a inexistência dos pressupostos configuradores da dita relação.”
Em relação ao Código Civil, Ministro do TST João Batista Brito Pereira [66]
“O novo Código, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrou em vigor neste 12 de janeiro, realça a importância das cooperativas, distinguindo-as das demais sociedades, ao especificar suas características, assim discriminadas no art. 1.094: I. Variabilidade ou dispensa do capital social; II. Concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação do número máximo; III. Limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; IV. Intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; V. Quorum, para a assembléia-geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social apresentado; VI. Direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; VII. Distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado e VIII .indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.”
A constituição faculta a criação de cooperativas na forma da lei (art. 5º, XVIII), a qual deve apoiar e estimular essa e outras formas de associativismo (§ 2º do art. 174). Por seu turno, o cooperativismo foi catalogado entre os objetivos da política agrícola (art. 187, VI) [67].
Neste sentido Rodolfo Pamplona Filho[68].
Há, inclusive, algumas previsões expressas no texto constitucional que demonstram a opção do legislador brasileiro pelo fomento da política de cooperativismo, como dispositivos a seguir transcritos:
“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II- garantir o desenvolvimento nacional.
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; (…)
Art. 5 º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, á segurança e à propriedade, nos ternos seguintes (…)
XVIII – a criação de associações e, na forma da lei , a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.(…)
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
9…)
§ 2º A lei apoiará e estimulara o cooperativismo e outras formas de associativismo.
§ 3 º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativismo, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º. As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minérios garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art.21, XXV, na forma da lei “
A inserção de dispositivos específicos ao cooperativismo no texto constitucional decorre do reconhecimento mundial implantado pela doutrina cooperativa[69].
Segundo Amauri Mascaro Nascimento[70]
“A Constituição Federal incluiu o cooperativismo entre os princípios gerais da atividade econômica ao declarar que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo” (CF, art.174, § 2º), promovendo uma política nacional de cooperativismo (Lei nº 6764, de 1971) e a criação e funcionamento de cooperativas sociais (Lei n º 9.867, de 1999). Quanto ao Código Civil de 2002, há previsão acerca das sociedades cooperativistas nos artigos. 1093 a 1096.”
A Lei 12.690, de 19.07.2012, publicada no Diário Oficial da União de 20.07.2012, dispõe sobre a organização e o funcionamento das cooperativas de trabalho e institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho[71].
Trata-se de diploma legal que teve origem no PLC 4.622/2004, da Câmara dos Deputados (PL 131/2008 no Senado Federal), o qual foi aprovado pelo congresso nacional, mas alguns de seus dispositivos foram vetados[72].
Sobre a nova lei, alguns apontamentos de Sônia Mascaro Nascimento[73]:
“(…) primeiro apontamento a ser feito sobre a Lei n. 12.690 foi a intenção inicial, ainda presente na ementa, de revogar do parágrafo único do artigo 442 da CLT. Entretanto, o artigo que previa a revogação foi vetado, de maneira que ele continua
em vigor.
Apesar do veto, a totalidade da lei demonstra sua intenção de evitar o desvirtuamento das cooperativas de trabalho, definindo os termos para a organização e funcionamento regular da sociedade cooperativa, prevendo formas de identificação da fraude trabalhista por meio delas, assim como sua punição.
Nessa linha, o artigo 2º conceitua a cooperativa de trabalho como “sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação econômica e condições gerais de trabalho”.
Os artigos subseqüentes reafirmam a noção original de que a cooperativa de trabalho é uma associação de pessoas para prestar serviços, ajudando-se mutuamente, diferenciando-se da relação de emprego. Nessa lógica, o artigo 5º estabelece expressamente que ela não pode ser utilizada para a intermediação de mão de obra subordinada, o que desconfigura o vinculo associativo.
Como desdobramento do artigo 5º, a lei dispõe sobre as penalidades para as sociedades cooperativas que fraudarem a legislação trabalhista, nos artigos 17 e 18. Prevê, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, aplicação de multa diária fixa de R$ 500,00 por trabalhador prejudicado em intermediação de mão de obra subordinada, além de sanções pessoais aos responsáveis pela fraude, tanto penais quanto cíveis ou administrativas.
Outra disposição legal que merece destaque diz respeito ao artigo 7º, que define uma série de direitos aos cooperados, como retiradas não inferiores ao salário mínimo, limitação de jornada, repouso semanal remunerado, férias, adicional noturno, de insalubridade e de periculosidade. A lógica dessa previsão é o fato de estes serem direitos constitucionalmente previstos a todos os trabalhadores, ou seja, não restritos apenas aos empregados, devendo ser garantidos também nas cooperativas.
Por fim, vale o apontamento a respeito do § 2º do artigo 10 da lei, que possibilita que a cooperativa de trabalho participe de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo as mesmas atividades e serviços previstos em seu objeto social.”
Em relação à Lei 12.690, de 19.07.2012 tendo em vista a atualidade do tema, cabe acompanhar a evolução da doutrina e da jurisprudência a seu respeito[74].
No âmbito internacional a criação das Cooperativas de trabalho é estimulada pela Organização Internacional do Trabalho, através da sua Recomendação 127, de junho de 1966, destacando o papel destas no progresso econômico e social dos países emergentes[75]. Destarte, a importância de tais recomendações é de tão grande monta que logo após a adoção da Recomendação nº 127 da Organização Internacional do Trabalho, em 21.6.1966, tivemos a adoção da Recomendação do ordenamento jurídico de nosso país da Lei 5.764/71, sobre as cooperativas[76].
Ainda, segundo as recomendações da Organização Internacional do Trabalho, expõe Arnaldo Süssekind[77]
“Tratando das cooperativas, a Organização Internacional do Trabalho sempre objetivou promover a constituição das verdadeiras, ao mesmo tempo em que se preocupa com a sua utilização para estabelecer uma relação jurídica imprópria.
Em 1966, a Recomendação nº 127, sobre o papel das cooperativas no progresso econômico e social dos países em vias de desenvolvimento, adotou a conceituação aqui exposta. Em 2002, a recomendação nº 193, que substitui aquela, regulamentou, de forma ampla, a organização e o funcionamento das cooperativas.
O art. 2 º esclarece o que é uma cooperativa de trabalho: Para fins desta Recomendação, o termo cooperativa designa uma associação autônoma de pessoas unidas voluntariamente para satisfazer suas necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais em comum através de uma empresa de propriedade conjunta e de gestão democrática.
O art. 3 º anuncia princípios relevantes para a caracterização da referida sociedade de trabalhadores autônomos: a) os valores cooperativos de auto-ajuda, responsabilidade pessoal, democracia, igualdade, eqüidade e solidariedade, e uma ética fundada na honestidade, transparência, responsabilidade social e interesses pelos demais; e b) os princípios elaborados pelo movimento cooperativo internacional, segundo figuram no anexo adjunto. Tais princípios são os seguintes: adesão voluntária e aberta; gestão democrática por parte dos sócios; participação econômica dos sócios; autonomia e independência; educação, formação e informação; cooperação entre cooperativas e interesses pela comunidade.
O art. 8º, no seu inciso I, condena a simulação fraudulenta estatuindo: b) velar para que não se possam criar ou utilizar cooperativas para violar a legislação do trabalho, nem servir para estabelecer relações de trabalho encobertas, e lutar contra as pseudocooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores, velando para que a legislação do trabalho se aplique em todas as empresas.”
Ainda, sobre relação de trabalho cooperado, trata Ives Gandra da Silva Martins Filho[78]
“As notas características da verdadeira cooperativa de trabalho (promovidas pela Recomendação nº 193 da OIT) são:
a) espontaneidade na criação da cooperativa pelos próprios trabalhadores e não induzida pela empresa;
b) autonomia dos cooperados, que não realizam trabalho subordinado, mas prestação de serviços;
c) autogestão da cooperativa, com seus estatutos, normas e solidariedade entre os associados;
d) liberdade de associação, sem imposição do tomador de serviços para que seus empregados nela ingressem para reduzir encargos sociais;
e) não flutuação do dos associados, pois do contrário se está diante de nítido expediente fraudulento para contratação temporária de pessoal em época de safra.”
Segundo Amador Paes de Almeida[79]
“São cooperativas de trabalho aquelas que, constituídas entre operários de uma determinada profissão ou oficio, ou de ofícios de uma mesma classe, tem como finalidade primordial melhorar os salários e as condições do trabalho pessoal de seus associados e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõem a contratar e executar obras, tarefas, trabalhos ou serviços, públicos ou particulares, coletivamente por todos ou por grupos de alguns.”
A constituição faculta a criação de cooperativas, na forma da lei (art. 5º, XVIII), a qual deve apoiar e estimular essa e outras formas de associativismo (§2º do art. 174). Por seu turno, o cooperativismo foi catalogado entre os objetivos da política agrícola (art.187, VI) [80].
Eneida Melo Correia de Araújo[81]
“A Constituição Brasileira não se manteve indiferente ao cooperativismo como expressão que deve ser do solidarismo, da liberdade de associação e societária e do incremento de medidas de justiça social. Daí por que o seu artigo 3º; inciso I estabelece, como um dos objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre justa e solidária. E, mais adiante, no artigo 174, § 2º declara que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. “
Ou seja: a lei favoreceu o cooperativismo, ofertando-lhe a presunção de ausência de vínculo empregatício; mas não lhe conferiu um instrumental para obrar fraudes trabalhistas[82].
2 COOPERATIVAS DE TRABALHO E FRAUDE
Considerado os preceitos cooperativistas expostos anteriormente, este capítulo tem por objetivo desenvolver a compreensão da distinção entre relação empregatícia e relação cooperada, entender o processo de terceirização trabalhista, analisar o desvirtuamento que vem ocorrendo após a inserção do parágrafo único ao artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho a partir da na análise de julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, bem como a participação do Ministério Público do Trabalho da 4ª Região no combate a fraude trabalhista por meio de falsas cooperativas.
2.1 COOPERATIVAS DE TRABALHO E O VÍNCULO DE EMPREGO: DISTINÇÃO ENTRE RELAÇÃO DE EMPREGO E RELAÇÃO DE TRABALHO COOPERADO
Uma fundamental distinção que invade o ramo jus laboral é aquela que distingue a relação de trabalho da relação de emprego[83].
Neste sentido, é mister que se faça diferenciação entre a relação de emprego e relação cooperada, considerando todos os aspectos que constituem cada uma delas.
A relação de trabalho é gênero de prestação de serviço, de onde surgem várias espécies. O trabalho executado por alguém em benefício de outro, tanto de meio como de resultado, será compreendido como relação de trabalho lato sensu[84]. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.) [85].
Ou seja, existe uma distinção entre o trabalhador (termo amplo) e o empregado (trabalhador em sentido estrito) [86].
Para José Cairo Júnior[87].
“A relação empregatícia é formada por elementos que a caracterizam e as distinguem das demais relações de trabalho lato sensu. Nesse passo, esta espécie de relação de trabalho dever ser não-eventual, onerosa, pessoal e subordinada, seguindo, assim a definição legal estabelecida pelo art. 3 º da Consolidação das Leis do Trabalho.”
A relação de emprego se assemelha à relação à prestação de serviços, pois o que é contratado é o serviço e não o produto final, mas dela se distingue pelos seus requisitos, hoje descritos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho[88].
Neste sentido segundo Marcelo Alexandrino.[89]
“A CLT, em seu art. 3º, dispõe que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. A doutrina acrescenta a essa definição outro requisito, a prestação pessoal do serviço. Essa exigência de que a prestação do serviço seja feita pessoalmente pelo empregado é deduzida a partir da definição de empregador, segundo a qual este “admite, assalaria e dirige a prestação Pessoal de serviços” (CLT, art. 2º).”
Sendo assim, para Marcelo Mauad[90] os pressupostos para a caracterização do vínculo empregatício, conforme o disposto nos art. 2º e 3º da CLT são estes: subordinação, não eventualidade, pessoalidade e onerosidade.
Um dos sujeitos do contrato individual de trabalho é o empregado, o qual será sempre, uma pessoa física[91]. Só a pessoa natural pode ser empregado[92]. Não é possível, dada a natureza personalíssima das obrigações que ele assume admitir-se a hipótese de um empregado pessoa jurídica[93]·. No conceito de “pessoalidade” existe, portanto, a idéia de intransferibilidade, ou seja, de que somente uma específica pessoa física, e nenhuma outra em seu lugar, podem prestar o serviço ajustado[94]. O trabalhador que substitui ou sucede outro trabalhador vincula-se à empresa por novo contrato de trabalho, não o faz no contexto do contrato do substituído ou sucedido[95].
Corrobora neste sentido, Maurício Godinho Delgado[96]
“A prestação de serviços que o Direito do Trabalho toma em consideração é aquela pactuada por uma pessoa física (ou natural). Os bens jurídicos (e mesmo éticos) tutelados pelo Direito do Trabalho (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc.) importam à pessoa física, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas. Assim, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural.”
Outro requisito essencial que se descobre na morfologia da relação de emprego é a subordinação ou dependência do trabalhador[97]. O trabalho subordinado contrapõe-se ao trabalho autônomo. O primeiro é por conta alheira; o segundo, por conta própria[98].
Sobre subordinação, escreve Marcelo Alexandrino[99]:
“Empregado é um trabalhador cuja atividade é exercida sob dependência de outrem, para quem ela é dirigida. Isso significa que empregado é dirigido por outrem, uma vez que a subordinação o coloca na condição de sujeição em relação ao empregador. Se os serviços executados não são subordinados, o trabalhador não será empregado, mas sim trabalhador autônomo, não regido pela CLT.”
A subordinação, como elemento integrante do conceito de relação de emprego, é, enfim, uma de suas mais importantes linhas de expressão. É o elemento que difere a relação jurídica de emprego das demais relações de trabalho[100]. Sobre o tema “subordinação” existem algumas variáveis que merecem considerações especiais[101].
Neste sentido expõe Marcelo Alexandrino[102]:
“A doutrina aponta quatro formas sob as quais pode ser evidenciada a dependência, ou explicita a posição do empregado perante o empregador: econômica, técnica, hierárquica e jurídica.
A subordinação explicada pela dependência econômica resultaria do fato de o empregado necessitar, para sua subsistência, da remuneração recebida do empregador. A verificação do enquadramento ou não de um trabalhador na condição de empregado a partir dessa análise é considerada insatisfatória pela doutrina trabalhista, pois existem casos em que há dependência econômica e não há relação de emprego (na relação pai e filho, por exemplo) e outros em que há relação de emprego, mas não há dependência econômica (o empregado rico, que não depende do patrão).
Pela explicação baseada na subordinação técnica, o empregado seria subordinado porque dependeria dos conhecimentos técnicos do empregador. Essa tese também não é considerada plenamente aceitável pela doutrina, pois existem hipóteses em que o empregador é que depende tecnicamente dos empregados, dados o conhecimento destes. É o que ocorre no caso de empregados de alto nível, prestadores de serviços que exigem elevado grau de especialização e capacitação, como o enólogo em uma indústria vinífera.
Segundo a tese da subordinação hierárquica, que a doutrina igualmente faz restrições, o que explicaria o fato de o empregado ser subordinado ao patrão seria a circunstância de estar ele inserido nos quadros funcionais da empresa, em que o empregador ocupa uma posição de superioridade, de comando.
Finalmente temos a tese da subordinação jurídica, decorrente do contrato de trabalho, em que o empregado se sujeita a receber ordens do empregador, a ser comandado pelo empregador. Essa e, sem dúvida, a justificativa mais aceita para a existência de subordinação na relação de emprego: decorrer ela – a subordinação – do vínculo jurídico contratual estabelecido voluntariamente entre as partes.
A subordinação que mais interessa à caracterização do empregado é a jurídica, entendida como a situação contratual do trabalhador, em decorrência da qual se sujeita a receber ordens, a ser dirigido pelo empregador.”
Significa um estado de dependência real, decorrente de um contrato produzido por um direito, o direito do empregador de comandar, de dar ordens, donde a obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens[103].
Resta esclarecer, ainda sobre subordinação direta e subordinação indireta.
Assim, Luciano Martinez.[104]
“Nas situações de terceirização a empresa prestadora coloca trabalhadores à disposição da empresa-cliente outorgando a esta apenas parte do seu poder diretivo. Quando isso acontece, a empresa prestadora fraciona a subordinação jurídica que lhe é inerente e concede à tomadora o poder de dar ordens de comando e de exigir que a tarefa seja feita a contento (subordinação indireta), preservado consigo o intransferível poder de apenar o trabalhador diante do descumprimento das ordens de comando diretivo (subordinação direta). Isso justifica a possibilidade (a Plausibilidade) de uma empresa cliente determinar como será promovido o serviço contratado, exigindo dos empregados da empresa prestador todo o empenho e dedicação nesse sentido. Se o empregado terceirizado descumprir as ordens que lhe foram dirigidas, caberá à tomadora apenas comunicar o fato a quem pode aplicar à pena, ou seja, à empresa prestadora.
Note-se, por fim, que, nos termos da Súmula 331, III, do TST, o tomador dos serviços (empresa cliente) não pode exercer a subordinação direta, sob pena de restar a ele transferida a qualidade de efetivo empregador.”
Outra característica em relação à distinção entre relação de trabalho e relação de emprego, diz respeito a não eventualidade. A lei fala em “serviços de natureza não eventual” (art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho)[105]. Se o serviço realizado for decorrente de uma situação transitória, não se deve falar em habitualidade[106]. A permanência (mesmo em curto período determinado) da prestação do trabalho caracteriza a relação empregatícia, desqualificando como trabalho esporádico[107]. Se a prestação de serviços possuir caráter eventual, não haverá relação de emprego[108].
As teorias utilizadas para fixar a noção de eventualidade e a contrario sensu, da não eventualidade são: teoria da descontinuidade, teoria do evento, teoria dos fins do empreendimento e teoria da fixação jurídica[109].
Neste sentido, para Nádia Ahmad Omar Ali[110]:
“Algumas principais teorias sobre a continuidade ou não eventualidade são:
a) Teoria do evento: se o empregado for chamado para atender a um serviço esporádico, decorrente de um evento da mesma natureza verificado na empresa, não há o elemento continuidade, e este trabalhador pode ser caracterizado como eventual;
b) Teoria da continuidade: do ponto de vista temporal, a relação de emprego se prolonga no tempo, na realização da atividade produtiva do empregador. Ou seja, o trabalho é realizado de modo não fracionado e ininterrupto para o tomador;
c) Teoria dos fins do empreendimento (ou fins da empresa): o empregado realiza tarefas em favor dos fins do empreendimento do empregador;
d) Teoria da fixação jurídica ao tomador dos serviços: o empregado se fixa especificamente a um tomador de serviços.”
A eventualidade para fins celetistas, não traduz intermitência; só o traduz para a teoria da descontinuidade – rejeitada, porém pela Consolidação das Leis do Trabalho. Desse modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade[111].
Por fim, quanto à definição legal de empregado, resulta que a prestação de serviços ocorre mediante salário, como afirma a lei[112]. O trabalho de natureza intrinsecamente cultural, lúdica, esportiva, filantrópica, religiosa, política, filosófica, ou voluntária não constitui objeto da relação de emprego[113].
O contrato de trabalho é desse modo, um contrato bilateral, sinalagmático e oneroso, por envolver um conjunto diferenciado de prestações e contraprestações recíprocas entre as partes, economicamente mensuráveis[114]. O dever do empregado é prestar os serviços. O dever do empregador é pagar os salários[115].
Ressalta-se, ainda, necessidade cumulativa dos elementos caracterizadores da relação de emprego. Na opinião de Luciano Martinez[116]:
“Não basta que estejam presentes alguns elementos caracterizadores do contrato de emprego; é indispensável que todos eles coexistam, sob pena de ser caracterizado um tipo contratual totalmente diverso do emprego, Apenas a título exemplificativo: a ausência do elemento onerosidade afasta a caracterização do contrato de emprego, fazendo surgir em seu lugar um negócio jurídico totalmente diferente. Se não há onerosidade, o contrato em análise pode ser de estágio ou de serviço voluntário – de emprego, com certeza, não será.
Outro aspecto importante a ser observado diz respeito ao fato de que, coexistentes todos os elementos caracterizadores do vínculo de emprego, pouco relevante será a constatação de situação familiar ou societária entre os contratantes. Neste sentido, desde que presentes todos os elementos acima expendidos, nenhum obstáculo existirá para a formação de contrato de emprego entre pais e filhos, cônjuges, companheiros ou entre sócio e sociedade, Anote-se apenas que no tocante a esta última relação, a sociedade não será, por impedimento lógico, empregadora de sócio que, por sua destacada participação na composição financeira do empreendimento, tenha condição de interferir na gestão do negócio. Nesse caso não haverá relação de emprego, por que a mencionada interferência na gestão do negócio faz desaparecer a subordinação jurídica, essencial à caracterização do contrato aqui em exame.”
É preciso, portanto, caracterizar claramente o que seja o trabalho por meio de cooperativa e quais os limites a que se sujeita esse tipo de prestação para podermos distingui-lo, devidamente, do trabalho prestado pelo empregado[117].
Sobre a verdadeira relação de trabalho cooperado, sintetiza Alice Monteiro de Barros:
“As relações de trabalho do cooperado também não se encontram abrangidas pelo Direito do Trabalho, salvo se desvirtuadas de seus objetivos[118] (…). A Lei nº 5.764, de 1971, confere ampla liberdade na escolha do objeto das cooperativas, dispondo o seu artigo 5º que as sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade (…)[119]. Embora inexista previsão legal expressa a respeito da possibilidade de os trabalhadores dos diversos setores da economia associarem-se em cooperativas para prestar serviços a terceiros, é certo que essa aglutinação não encontra proibição expressa em norma alguma. Por essa razão, consideramos que trabalhadores vinculados a qualquer setor da economia podem se organizar em cooperativas, desde que presentes todas as características essenciais previstas na legislação civil. Cumpre lembrar que o verdadeiro cooperado apresenta uma dupla condição em relação à cooperativa, pois, além de prestar serviços, deverá ser beneficiário dos serviços prestados pela entidade[120]. “
A noção de cooperativa diz respeito direitamente à idéia de prestação de serviços a seus associados. A expressão cooperar significa colaborar, auxiliar. A lei nº 5.764/71, que regula as cooperativas entre nós, afirma em seu art. 4º que a finalidade da cooperativa é a prestação de serviços aos seus associados. Ademais, a filiação à cooperativa há de ser livre, sob pena de não atender aos princípios que regem as sociedades cooperativas, consoante o inciso I do mesmo art. 4º [121].
Por isso a verdadeira cooperativa de trabalho deve ser criada e formada por profissionais autônomos, que exerçam a mesma profissão, unindo esforços para obter vantagens ao próprio empreendimento, prestando serviços sem nenhuma intermediação nem subordinação (seja perante terceiros, seja em face da cooperativa) [122].
2.2 COOPERATIVAS DE TRABALHO E TERCEIRIZAÇÃO
Para enfrentar as questões propostas no presente trabalho, é necessário definir o fenômeno da terceirização, e, para tanto, busca-se na doutrina a definição.
O mais característico fenômeno da fase atual do capitalismo é a internacionalização da economia[123]. A situação do trabalho no mundo moderno, sobretudo à vista do fenômeno da globalização da economia, tem merecido dos estudiosos mais destacados da atualidade manifestações de altíssimas importâncias[124]. Os reflexos no plano empresarial foram imediatos, visando ao aumento e aperfeiçoamento da produção para a conquista de novos mercados[125]. Na busca por melhores resultados empresariais, os trabalhadores estão perdendo a vinculação jurídica com as empresas, principalmente pela intermediação que está ocorrendo, com o aumento das empresas prestadoras de serviço[126].
Para José Ribeiro de Campos[127]:
“A Situação econômica das décadas de 80 e 90 e a abertura do mercado internacional obrigou as empresas a passar por um processo de reestruturação e adaptação aos novos tempos, sob pena de não conseguirem sobreviver. Com a crise, foram obrigadas a procurar nas empresas de prestação de serviços uma parceria para a realização de diversas atividades, antes por elas mesmas realizadas.”
Neste cenário, surge a denominada “terceirização”, designando a contratação de terceiros para a execução de trabalhos pertinentes às atividades das empresas tomadoras[128].
O termo terceirização possui vários significados, por exemplo, o processo de descentralização das atividades da empresa e a valorização do setor terciário da economia[129]. Decorre da utilização de um terceiro situado entre o trabalhador e a empresa tomadora, contratado para a prestação de um serviço relacionado à cadeia produtiva, o que provoca a formação de uma relação trilateral[130].
O processo de terceirização foi resultante da busca incessante da redução de custos e melhoria de qualidade, uma vez que a empresa terceirizadora, ao concentrar energia em suas atividades principais, deixa para empresas especializadas a realização de atividades (administrativas ou operacionais) que exigem certo investimento para buscar sempre qualidade e segurança, com otimização de custos, necessários num mercado cada vez mais competitivo. [131]
A ordem justrabalhista distingue entre terceirização lícita e ilícita[132].
Para Arnor Lima Neto[133].
“As possibilidades de terceirização lícita são: a) as vinculadas ao trabalho temporário, da Lei 6.019/74; b) as vinculadas à atividade de vigilância, segundo a Lei 7.102/83; c) atividades de conservação e limpeza, conforme Enunciado da súmula 331, item III, do Tribunal Superior do Trabalho; d) serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, também autorizados pelo Enunciado 331, item III, do Tribunal Superior do Trabalho.”
Com a terceirização, a empresa passa a atribuir parte de suas atividades para outras empresas. Para Alice Monteiro de Barros o fenômeno da terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendo-se a empresa à sua atividade principal[134].
Neste sentido, para Irany Ferrari[135], a linha definidora da terceirização reside, na constatação das atividades da empresa tomadora, ou seja, se são segundo suas necessidades permanentes ou se são apenas decorrência de sua existência, como meio para se atingir aquelas necessidades permanentes.
Segundo José Alberto Couto Maciel[136]
“Para tanto, define-se como atividade-meio toda aquela não essencial à empresa, ou seja, a que tem a finalidade de dar suporte às atividades principais constantes em seus objetivos sociais, sendo que atividade-fim é aquela atividade descrita na cláusula-objeto do contrato social da empresa.”
Sobre terceirização, expõe Dárcio Guimarães de Andrade[137] (…) está regulada pelo Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, permitindo a contração de empresa interposta para a realização de atividade-meio.
Segundo Armand Pereira[138]
“À míngua de diploma legislativo sobre a terceirização, exceção às hipóteses cuidadas nas Leis 6.019/74 – Trabalho Temporário – e lei 7.102/83 – Serviços de vigilância -, a matéria é tratada em nosso Direito apenas pelo Enunciado nº 331 do Col. TST, que consolida o entendimento dominante dos nossos tribunais sobre o assunto. Tem o Enunciado em foco a seguinte dicção:
“I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74).
II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II da Constituição da República).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contração de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direita.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.”
Ressume-se do verbete acima que:
a) as hipóteses de terceirização lícita são apenas quatro: 1) as previstas na Lei nº 6.019/74 (trabalho temporário, desde que presentes os pressupostos de necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora ou acréscimo extraordinário de serviço); 2 ) atividade de vigilância regida pela Lei nº 7.102/83; 3 ) atividades de conservação e limpeza; 4) serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. Nas hipóteses 2, 3 e 4 devem estar ausentes a pessoalidade e a subordinação;
b) deve-se desconsiderar o envoltório formal da relação jurídica, toda vez que se verificar que a empresa tomadora está se utilizando de interposta pessoa (empresa locadora) para contratar a mão de obra necessária à consecução de seus fins sociais, praticando a denominada simulação fraudulenta; pois resta evidente a sua intenção de colocar-se, simuladamente, numa posição em que a lei trabalhista não atinja, furtando-se, desta forma, de seus efeitos, o que é vedado pelo art. 9º da CLT e pelo art. 104, II, do CCB.”
Destaca-se alteração do texto da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Neste sentido expõe Dirson Bruismann[139]
“De início, cumpre visualizar a mudança no texto do inciso IV da Súmula 331 do TST, que, com a mudança, passou a ter a seguinte redação:
“IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.” (…)
A outra alteração foi o acréscimo dos incisos V e VI, in verbis:
“V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
“VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.”
As possibilidades abertas pelo Enunciado 331 à terceirização se aplicam às cooperativas de mão-de-obra, pois, de acordo com a Lei nº 5.764/71, arts. 5º e 86, “poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação e atividade”, desde que não violem a lei e correspondam aos objetivos fixados nos estatutos[140].
Nesse contexto, lado a lado com as empresas prestadoras de serviços terceirizados começam a surgir, e em grande número, as cooperativas de trabalhos, cuja existência se justifica nos princípios de associativismo e união de esforços, mas que, algumas vezes, têm em mira, exclusivamente, a economia de encargos trabalhistas e previdenciários dos empregadores, em detrimento dos direitos dos trabalhadores, não se pautando, no mais das vezes, no espírito cooperativista que motivou a inserção de tão importante atividade na vida organizacional do Estado[141].
Concorda neste sentido Mauricio Godinho Delgado[142]:
“A Lei nº 8.949, de dezembro de 1994, acrescentou parágrafo único ao art. 442 da CLT, aparentemente introduzindo nova hipótese de terceirização- ou, pelo menos, provocando, na prática, o surgimento de maciça onda de terceirizações com suporte na fórmula cooperada.”
Observou-se, então, a emergência de cooperativas de trabalho com o propósito de desvirtuar relação de emprego entre o sócio cooperado o tomador de serviço.
Segundo Rosiris Amado Ribeiro e Valter Túlio Amado Ribeiro[143]
“O problema em foco originou-se com a inserção do parágrafo único do art. 442, da CLT, pela Lei nº 8949, de 1994, com o qual empresários de numerosas atividades, rurais e urbanas, passaram a contratar mão de obra através de cooperativas, transferindo-lhes parte dos custos e de responsabilidades de administração.”
Neste sentido para Arnor Lima Neto[144]
“Este maior interesse na contração das cooperativas de mão de obra tem sido justificado não só pela idéia da empresa “enxuta” no contexto da produção flexível do capitalismo avançado, mas fundamentalmente pela redução dos custos trabalhistas e fiscais próprios do contrato de emprego, que podem ser excluídos pela proteção introduzida pelo parágrafo único do art. 442 da CLT, que tem sido visto quase sempre como a fórmula capaz de garantir a eliminação da relação empregatícia na contratação de serviços de terceiros”.
A inovação legislativa, que, em verdade, atinge apenas a parte final da norma, provocou grande celeuma no meio jurídico[145]. Isto por que gerou a falsa impressão e o conseqüente abuso no sentido de que os cooperativados podem prestar serviços às empresas contratantes, sob a supervisão ou direção destas, sem a caracterização da relação de emprego[146].
Com o surgimento do parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho surgiu também, um espaço para que a fraude à lei aparecesse mais freqüente, pois alguns empregadores viram-se diante da possibilidade de reduzirem os custos da produção e aumentarem os lucros sem, contudo, desrespeitar a literalidade da lei, violando-a em seu aspecto subjetivo[147].
Por estas razões, o parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho deve ser analisado com extremo cuidado. Ao dizer que em qualquer sociedade cooperativa não há vinculo de emprego entre ela e os seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela, não houve a cautela de limitar as hipóteses em que realmente não exista, dando espaço para os fraudadores[148].
Dessa forma, a melhor interpretação a ser conferida ao parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho deve ser aquela que o considera parte integrante de um sistema jurídico, devendo ser lido em consonância com os demais dispositivos celetistas, especialmente os art. 2º, 3º e 9º, e com o postulado da primazia da realidade sobre a forma[149], tendo por efeito a inaplicabilidade da regra esculpida no parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, formando-se o vínculo, conforme o caso, com a cooperativa ou, diretamente, com a tomadora de serviços[150].
2.3 ANÁLISE DE JULGADOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
Diante o exposto e considerando julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, observa-se presente análise interpretativa do parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho face a aplicação do Princípio da Primazia da Realidade. Identificado a presença dos elementos característicos da relação de emprego, descritos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, a saber: pessoa física prestando trabalho habitual, pessoal, subordinado e oneroso, existirá vínculo empregatício e será aplicado o disposto no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, tornando nula a relação cooperativista e constituindo uma relação de emprego.
Neste sentido, por exemplo, o acórdão da 8º Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
“Acórdão – Processo 0000234-79.2010.5.04.0006 (RO) EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. COOPERATIVA. Hipótese em que a cooperativa reclamada atua como intermediadora de mão de obra, afastando a hipótese de legítima entidade cooperativa. Presentes os requisitos da relação de emprego, impõe-se o reconhecimento de vínculo empregatício, determinando-se o retorno dos autos à origem para análise dos demais pedidos formulados na inicial. Recurso da reclamante provido[151]. “
O julgado trata de recurso ordinário interposto pela reclamante contra sentença improcedente do reconhecimento do vinculo empregatício e demais pedidos.
A referida ação teve como objetivo a caracterização do vínculo empregatício da reclamante com a cooperativa a qual estava vinculada como sócia cooperada bem como responsabilização subsidiária do município contratante dos serviços prestados pela cooperativa (reclamada).
Em primeira instância, o MM. Juízo entendeu pela inexistência do vínculo empregatício.
Porém, em acertada decisão, houve reformulação da sentença pelo acórdão prolatado pela 8ª Turma, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região no Recurso Ordinário nº 0000234-79.2010.5.04.0006.
Em resumo, pode-se afirmar que o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no caso concreto, desconsiderou os aspectos meramente formais de constituição da sociedade cooperativa; identificou a inexistência dos princípios que regem a relação cooperada; ressaltou a presença dos requisitos caracterizadores da relação de emprego previstos no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Por fim, apontou a ausência da principal finalidade na criação das cooperativas, a eliminação da intermediação entre os cooperados e o resultado dos seus trabalhos e declarou procedente o pedido de vínculo empregatício entre a sócia cooperada e a cooperativa, afastando a aplicação da hipótese normativa do parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho.
O que se deve observar, é que o art. 442, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, ao excluir o cooperado da relação de emprego, tiveram em vista aqueles que realmente são cooperados, ou seja, aqueles que realmente estabeleceram entre si uma relação societária[152].
Logo, é certo que em algumas situações este restará configurado, principalmente quando verificada a subordinação jurídica do associado com a empresa contratante dos serviços, e constatada fraude entre esta e a sociedade cooperativa, que, na verdade, participa como mera intermediária de mão de obra[153].
Na verdade, ainda que a intermediação de mão-de-obra tenha se desenvolvido exclusivamente na chamada atividade-meio da empresa é perfeitamente possível o reconhecimento do liame empregatício entre o sócio cooperado e tomador de serviço, desde que constatada a presença dos requisitos configuradores da relação de emprego[154].
O parágrafo único, do artigo 442, da Consolidação das Leis do Trabalho, deve, portanto, ser interpretado juntamente com os artigos 2º, 3º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como o Enunciado nº 331 do colendo Tribunal Superior do Trabalho[155].
O jurista, ao interpretar a lei, deverá utilizar-se da teoria geral do direito e dela extrair processo de integração, os princípios gerais do direito, os princípios constitucionais e os princípios peculiares ao direito do trabalho[156], visto que os princípios são à base do sistema jurídico. Informam e orientam o direito como um todo ou cada qual de seus mais diferentes ramos[157].
Segundo Marcelo José Ladeira Mauad[158]:
“No Direito do trabalho, seus princípios possuem grande importância. São as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídico-trabalhista. Os princípios de direito do trabalho tem o papel de harmonizar as normas de tal forma a servir para o correto relacionamento entre elas, evitando, assim, que os transforme em um emaranhado de fragmentos legais desconexos, contribuem eles, sem dúvida, para uma melhor sistematização jurídico-trabalhista.”
Para Francisco Ferreira Jorge, os princípios peculiares ao Direito do Trabalho são: o protetor, da irrenunciabilidade, da continuidade da relação de emprego, da primazia da realidade, da razoabilidade, da boa-fé e da isonomia[159].
O princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista[160].
A legislação consolidada no artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho [161] dispõe:
“Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único – O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.”
O princípio da primazia da realidade, conjugado com a norma constante no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho , são fundamentais para servir de fundamento no desmascaramento de relações simuladas e na configuração de efetivas relações de emprego[162].
Para José Luiz Moreira Cacciari[163]
“A existência ou a inexistência da relação de emprego é decidida sob a orientação do princípio da primazia da realidade. O rigor legal deve ser observado. Não é empregado quem é associado, ou seja, aquele que, nos termos da lei e do estatuto da cooperativa, estiver plenamente integrado nessa condição. Quando, porém, a prestação de serviços pelo associado á cooperativa ou aos tomadores se fizer nos termos dos art. 2º e 3º da CLT, sem dúvida será inevitável o reconhecimento da relação de emprego.”
Corrobora, neste sentido Maria Célia de Araujo Furquim[164]
“O parágrafo único da CLT não pode ser interpretado isoladamente, para simplesmente afastar o vínculo empregatício. Ao contrário, com base no princípio da primazia da realidade, em conjunto com seus artigos 2º e 3º e uma análise critérios dos requisitos e características da sociedade cooperativa, que presentes certamente levam a constatação da ausência dos requisitos elencados para configuração da relação de emprego”.
Este é o entendimento percebido no acórdão da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
“Acórdão – Processo 0000428-42.2011.5.04.0201 (RO) EMENTA VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA ATRAVÉS DE COOPERATIVA. Demonstrada a formação de vínculo de emprego diretamente com o tomador, embora o trabalhador executasse serviços especializados ligados à atividade meio, na hipótese dos autos estão presentes os requisitos pessoalidade e subordinação diretamente com o tomador. Aplica-se a orientação da Súmula 331, item III, do TST[165]. “
A trabalhadora, sócia de cooperativa (primeira reclamada), ingressou com reclamatória trabalhista pleiteando reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa tomadora de serviço (segunda reclamada). Em primeiro grau, o julgador negou provimento ao pedido, fundamentando que a cooperativa é regularmente constituída e que os serviços prestados pela reclamante estavam vinculados as atividades meio da contratante. Não reconheceu a existência dos elementos caracterizadores da relação de emprego: subordinação jurídica e pessoalidade.
Vencida, a reclamante interpôs recurso ordinário ao Tribunal Regional do trabalho da 4ª Região.
Em seu voto, a juíza relatora entendeu que, embora o vínculo entre a reclamante e a primeira reclamada se de por meio do sistema cooperativo, figurando o autor como sócio–quotista, não merece aplicabilidade o disposto no parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, visto que presentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego. Invoca o princípio da primazia da realidade onde a situação fática determina a natureza jurídica do relacionamento pactuado pelos contratantes, independentemente do que no plano formal tenham estipulado.
Ainda, refere que a Cooperativa ré sofreu desvirtuamento do sistema cooperativista ao longo dos anos.
Diante do conjunto probatório apresentado pela reclamante e considerando a orientação da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho , referiu que, diante da terceirização de atividade, não importa se qualificada pela parte como atividade meio ou atividade fim, com a presença dos requisitos pessoalidade e subordinação direta, se reconhecer a relação de emprego diretamente com o tomador de serviços, com amparo nas disposições do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual "Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Neste sentido, por unanimidade, deu provimento parcial ao recurso, e julgou procedente o pedido de reconhecimento da relação jurídica de emprego com a segunda reclamada.
Desta forma, se, no caso concreto, o julgador ao identificar a ocorrência de fraude à legislação na formação de pseudo cooperativas, poderá reconhecer o liame empregatício entre as partes, condenando a empregadora ao pagamento de todas as verbas trabalhistas dá advindas[166].
Embora o entendimento supra citado, a relação empregatícia em questão deverá ser analisada no caso concreto.
Desta feita, a exegese que se extrai da regra em foco é de que a inexistência de vínculo de emprego entre os trabalhadores e o tomador dos respectivos serviços pressupõe cooperativa de trabalho legalmente constituída, segundo os ditames legais e princípios cooperativos, bem como a ausência dos traços configuradores da relação de emprego[167].
A organização de uma Sociedade cooperativa, que inclui as cooperativas de trabalho, objeto do presente estudo, é inspirada em princípios e valores que fundamentam o trabalho cooperativo e o caracterizam[168]. Servem para identificar as verdadeiras cooperativas de trabalho e desmascarar as pseudo-cooperativas, ou cooperativas fraudulentas, muito difundidas atualmente[169].
O artigo 4.º da Lei das Cooperativas – Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971, estabelece em seus incisos verdadeiros ditames que norteiam e caracterizam a cooperativa, sendo verdadeiros requisitos de existência para toda e qualquer cooperativa, sem os quais haverá a descaracterização desta modalidade de sociedade e, por conseqüência, a ilegalidade da associação[170].
Segundo Narbal Antonio Mendonça Fileti[171]
“Ao Tratar do contrato de sociedade cooperativa e de sua constituição dispõe o mesmo diploma, em seus arts. 3º e 4º (sublinhado):
“Art. 3º: Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum sem objetivo de lucro.”
“Art. 4º: As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:”
A idéia, central do cooperativismo é portanto ajuda mútua, sem a figura do intermediário, e sem a perspectiva de lucros para a sociedade. Quando uma cooperativa é criada não para prestar serviços aos associados, mas para locar mão de obra, visando lucro, há na verdade um desvio de finalidade, já que a cooperativa visa primordialmente o bem comum dos sócios-cooperados[172].
Neste sentido, a prestação de serviços através de cooperativas estruturadas sem observância dos princípios cooperativistas constitui desvirtuamento e fraude ao direito do Trabalho, conforme o art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho[173].
“Acórdão do processo 0107800-39.2009.5.04.0001 (RO). EMENTA. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPRESA TOMADORA DE SERVIÇOS. COOPERATIVA DE TRABALHO. Constatada a existência de fraude na constituição da sociedade cooperativa, com evidente desvio de finalidade – atuação como empresa intermediadora de mão-de-obra, e verificada a contratação, de fato, de trabalhador por empresa interposta, no caso, a cooperativa de trabalho, impõe-se afastar a regra contida no parágrafo único do art. 442 da CLT, reconhecendo o vínculo de emprego do trabalhador com a empresa tomadora dos serviços, consoante entendimento contido na Súmula n. 331, I, do TST, tendo em vista a presença dos requisitos previstos no art. 3º do mesmo diploma legal[174]. “
No acórdão em análise, o recorrente (reclamada) inconformado com a sentença que reconheceu vínculo de emprego, interpôs recurso ordinário. Em seus fundamentos aduz que não contratou diretamente o reclamante e sim contratou uma cooperativa de trabalho. Defendeu que em nenhum momento fraudou a legislação trabalhista. Alegou que não comandava diretamente o reclamante, dirigindo-se diretamente a cooperativa contratada.
Destacou a legalidade da constituição da cooperativa. Neste sentido requereu a reforma da decisão para que seja afastado o reconhecimento do vínculo de emprego entre esta e o autor.
Em análise, o julgador fez referencia a Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que no seu artigo 3º as define como sendo constituídas por pessoas que se obrigam, reciprocamente, a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. Aduz que a finalidade das sociedades cooperativas é, conforme o artigo 4º da mesma lei, a prestação de serviços aos associados.
Cita os artigos 90 da Lei n. 5.764/71 e 442, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho no sentido da inexistência de vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.
Comenta que embora haja previsão de legislação aplicável ao caso que determine a inexistência de vínculo de emprego entre cooperativa e seus associados, cada caso deve ser analisado segundo o princípio da primazia da realidade, que consiste em, no caso de discrepância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos.
Destacou que a decisão do juízo a quo reconheceu o vínculo de emprego com o primeiro réu, pelas seguintes razões: provas documentais comprovam os procedimentos formais para a caracterização da relação cooperada. Contudo, pela aplicação do princípio da primazia da realidade (segundo os qual, os fatos prevalecem sobre a forma contratual), os contratantes não determinam à existência ou não de um contrato de emprego, mas sim o modo pelo qual os serviços são desenvolvidos.
Não basta o rótulo de trabalho cooperativo para que a relação de trabalho fique assim caracterizada.
O desembargador não identificou a configuração do trabalho cooperativado. Não identificou ter sido o autor contemplado com benefícios em razão da adesão a cooperativa. Logo, não há prova de retribuição diferencia nem da dupla qualidade, princípios essenciais a legítima cooperativa de trabalho.
Em que pese à regularidade formal da constituição da cooperativa, esta, na verdade, atua como intermediadora de mão de obra, burla às disposições legais pertinentes, tanto aquelas que disciplinam as sociedades cooperativas – Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971 – quanto àquelas que a exemplo do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, protegem os direitos trabalhistas.
Por unanimidade negado provimento ao recurso ordinário do recorrente, mantendo a sentença em relação ao reconhecimento do vínculo empregatício.
2.3 DAS FALSAS COOPERATIVAS DE TRABALHO E O COMBATE À FRAUDE: PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO.
Diversas denúncias aportam nas Procuradorias Regionais do Trabalho pelo Brasil afora, dando conta de cooperativas irregulares e fraudulentas[175].
O Ministério Público do Trabalho, com o propósito de combater este tipo de fraude, tem efetuado fiscalização em relação às cooperativas acima citadas e as tomadoras de serviços.
Neste sentido, com o propósito de demonstrar a atuação do Ministério Público do Trabalho, em especial o da 4ª Região, é necessário que seja abordado, inicialmente, determinados conceitos.
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite[176]
“Vaticina o art. 128 da CF que o Ministério Público brasileiro compõe-se de dois grandes ramos:
I – o Ministério Público da União, que, por sua vez, compreende:
a) o Ministério Público federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar, d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II – os Ministérios Públicos dos estados.
É preciso destacar, no entanto, que a Constituição Federal (art. 127, § 1º) consagra como princípios institucionais do Ministério Público como um todo, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional de seus membros.
Vale dizer, a divisão entre os Ministérios Públicos é apenas administrativa, e não orgânica, porquanto todos eles têm a mesma finalidade: a defesa da democracia, do ordenamento jurídico e dos interesses sociais e individuais indisponíveis dentro de suas respectivas áreas de atuação.”
Conforme dispõe o citado dispositivo constitucional o Ministério Público do Trabalho faz parte do Ministério Público da União, tendo sua estrutura federalizada, sendo regido pela constituição Federal e pela LC nº 75/93, que dispõe sobre o Ministério Publico da União, a qual revogou tacitamente os art. 36 a 757 da CLT[177].
Primeiramente, cabe destacar que os art. 127 e 129 da Carta indicam hipóteses exemplificativas das duas formas de atuação do Parquet Laboral, visto que mencionam instrumentos de atuação judicial (ação civil pública) e extrajudicial (inquérito civil)[178]. Desta forma, é possível sintetizar duas formas básicas de atuação: a judicial e a extrajudicial[179].
A atuação judicial resulta da sua participação nos processos judiciais, seja como parte, autora ou ré, seja como fiscal da lei. Já a atuação extrajudicial ocorre, via de regra, no âmbito administrativo, mas pode converter-se em atuação judicial[180].
Segundo Renato Saraiva[181]
“A atuação judicial do Ministério Público do Trabalho está descrito no art. 83 da LC 75/1993, competindo-lhe: promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas: manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista; acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa; quando entender existente interesse público que justifique a intervenção; promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indispensáveis aos trabalhadores. Propor ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho, recorrer das decisões da justiça do trabalho, quando entender necessário, tanto nos processos em que for parte como naqueles em que oficiar com fiscal da lei, bem como pedir revisão dos enunciados da súmula de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho; funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate, sempre que entender necessário, sendo-lhe assegurado o direito de vista dos processos em julgamento, podendo solicitar as requisições e diligências que julgar convenientes; instaurar instâncias em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir; promover ou participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza, oficiando obrigatoriamente nos processos, manifestando sua concordância ou discordância, em eventuais acordos firmados antes da homologação, resguardado o direito de recorrer em caso de violação à lei e à Constituição Federal; promover mandado de injunção, quando a competência for da justiça do trabalho, atuar como árbitro , se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho; requerer as diligências que julgar convenientes para o correto andamento dos processos e para a melhor solução das lides trabalhistas ; e intervir obrigatoriamente em todos os feitos nos segundo e terceiro graus de jurisdição da Justiça do Trabalho quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional.”
Extrajudicialmente, ele atua no âmbito administrativo, promovendo procedimentos investigatórios e inquéritos, que podem alimentar um processo judicial[182]. Esta atuação tem natureza preventiva[183].
Com relação à atuação extrajudicial do Ministério Público do Trabalho, expõe Vanessa Cardone[184]
“A atuação do Ministério Público do Trabalho como órgão estatal é a que ocorre na esfera administrativa. Dispõe o artigo 84 da Lei Complementar 75/93, in verbis:
“Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições, exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e mIV do Título I, especificamente:
I – integrar os órgãos colegiados previstos no § 1º do art. 6º, que lhes sejam pertinentes;
II – instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores;
III – requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos de proteção ao trabalho para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores;
IV – ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, nas causas em que o órgão tenha intervindo ou emitido parecer escrito;
V – exercer outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade.”
A atuação extrajudicial do Ministério Público do Trabalho se dá por meio de dois instrumentos: o inquérito civil público e o termo de ajuste de conduta[185].
O inquérito civil público consiste num procedimento extrajudicial (facultativo) de natureza inquisitória, em que o Ministério Público do Trabalho busca provas e dados para propor eventual ação civil pública ou tentar firmar um termo de ajuste de conduta[186]. O termo de ajuste e conduta consiste num instrumento por meio do qual o Ministério Público do Trabalho e a pessoa, normalmente uma empresa, que está descumprido direitos metaindividuais de Natureza trabalhista (difusos, coletivos e individuais homogêneos) pactuam um prazo e condições para que a conduta do ofensor seja adequada ao que dispõe[187].
Sobre este processo extrajudicial, escreve José Diniz Janguiê Bezerra Diniz[188]
“Recebida a denúncia, a Procuradoria notifica a suposta cooperativa irregular e a eventual tomadora de serviços, iniciando a investigação. Se ficar constatado que a cooperativa atua como intermediadora de mão-de-obra, sou seja, fora de sua finalidade, o Procurador do Trabalho responsável pela investigação propõe um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), em que ambas – cooperativa e tomadora – se comprometem a ajustar-se às disposições legais. À cooperativa, a não mais intermediar mão-de-obra. À Tomadora, a reconhecer como seus empregados aqueles supostos cooperados, desde o início da prestação de serviços. Essa é a FAE, digamos , administrativas, em que as investigadas se submetem espontaneamente a cumprir o TAC. Pode haver a fixação de uma multa pelo descumprimento do TAC. Se a multa não for paga, pode ser executada perante a justiça do Trabalho, pois título executivo extrajudicial.
Não havendo a celebração do TAC, é facultado ao Ministério Público do Trabalho ajuizar uma Ação Civil Pública contra a Cooperativa e o Tomador perante a Justiça do Trabalho, a fim de que estes sejam compelidos a ajustar suas condutas às disposições legais, força de uma sentença judicial. Aí é a fase do processo judicial.”
O art.83, III, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, fixa a competência do Ministério Público do Trabalho para a promoção da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos[189].
A Coordenadoria da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos (CODIN) da Procuradoria Regional do Trabalho das 4 ª Região – RS, por meio de instauração de termos de ajustamento de conduta, inquéritos e ações civis públicas, desenvolve ações voltadas ao combate de cooperativas de trabalho fraudulentas.
Neste sentido alguns dados disponibilizados pela Coordenadoria de 1º Grau da PRT 4ª Região, com relação ao desvirtuamento do trabalho por meio de cooperativa, referente ao período compreendido entre 01/01/2012 a 10/10/2012, somente na região de Porto Alegre[190]:
“Autuados: 63; Tac's firmados: 38; Arquivados: 41; Audiências realizadas: 64; As coordenadorias relacionadas ao objeto "cooperativa" são a Conafret e a Conap. ; A atuação na área se dá tanto pelo encaminhamento de fiscalizações (TCE, MTE, MPE etc) quanto por denúncias de particulares. No momento não há nenhuma força tarefa relacionada com o tema na PRT 4ª Região. “
A atuação fraudulenta das cooperativas de trabalho tem provocado enorme atividade do Ministério Público do Trabalho[191], razão pela qual tem priorizado algumas áreas de atuação institucional em defesa da ordem jurídica trabalhista[192].
Neste sentido, com o objetivo de operacionalizar as suas diversas funções, foram criadas coordenadorias temáticas[193]. Dentre elas: a) CONAFRET[194] (Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho); b) CONAP[195] (Coordenadoria Nacional de Combate às irregularidades Trabalhistas na Administração Pública).
Sobre a CONAFRET[196]
“A Coordenadoria Nacional de Combate às fraudes nas Relações de Emprego – CONAFRET – foi criada em 30 de setembro de 2003 pela Exma. Procuradora-Geral do Trabalho Drª. Sandra Lia Simon, por meio da Portaria nº 386. Conta com, além do coordenador e do vice-coordenador, um representante e um substituto em cada uma das 24 Procuradorias Regionais existentes no país.
Ela surgiu com o objetivo de estudar, combater e inibir as práticas fraudulentas que objetivam afastar a relação de emprego e desvirtuar a aplicação dos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, na CLT e em demais normas de proteção ao trabalhador. Essas fraudes cada dia se espalham e se aperfeiçoam nos setores urbano e rural, nas atividades pública e privada, variando de acordo com o momento, circunstâncias e localidade, sendo as mais comuns e intensas na atualidade as fraudes por meio de cooperativas intermediadoras de mão-de-obra, as terceirizações ilegais, as "sociedades" de empregados, entre outras "invenções criativas" que por conta do desemprego servem mesmo para prejudicar os trabalhadores e eliminar os seus mais fundamentais direitos.
As falsas cooperativas de trabalho, no momento, são motivo de destacada preocupação ministerial, porque tais entidades, sob o pretexto do desemprego vêm encontrando facilidade de marketing para vender suas idéias nos mais variados setores da sociedade, até perante os setores governamentais. O combate intransigente e de forma articulada internamente e com outros órgãos públicos e entidades encarregadas da defesa e aplicação do direito do trabalho é a tarefa dessa Coordenadoria e sua razão de ser. Com o apoio dos demais parceiros buscar-se-á a responsabilização e punição exemplar dos fraudadores das normas trabalhistas e outras afins em todas as modalidades de delito.
Em sua primeira reunião com a participação de todos os representantes regionais nos dias 19 e 20/11/2003 deliberou-se como linha de atuação dessa Coordenadoria: a) fomentar a troca de experiências e discussões sobre o tema interna e externamente; b) agilizar a atuação institucional onde necessária se faça a presença do Ministério Público do Trabalho; c) ampliar e fortalecer parcerias com outros órgãos governamentais e entidades civis na busca de maior eficácia da sua atuação institucional; d) fomentar a promoção de eventos e workshop sobre o tema, a fim de esclarecer e conscientizar a sociedade e demais órgãos governamentais sobre a atuação e papel ministerial no combate às fraudes trabalhistas.”
Sobre a CONAP[197]:
“O combate ao desrespeito da legislação constitucional e trabalhista no âmbito da administração pública é meta institucional do Ministério Público do Trabalho. Para viabilizar o cumprimento desse objetivo fundamental para a preservação do patrimônio público e social, a Procuradora-Geral do Trabalho, Drª Sandra Lia Simón, criou, no ano de 2003, a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública – CONAP.
Contando com um coordenador nacional e vinte e três coordenadores regionais, a CONAP tem a finalidade de estabelecer, em nível nacional, estratégias de atuação, uniformizando procedimentos destinados a coibir ações da administração pública que violem interesses coletivos dos trabalhadores. As deliberações da CONAP fornecem subsídios aos membros do MPT que atuam na proteção do patrimônio público e social, tanto na função de órgão agente como na qualidade de custus legis.
Qualquer atividade do administrador público divorciada da lei e com potencial para ofender direitos ou interesses dos trabalhadores, pode ensejar a intervenção do Ministério Público do Trabalho. Contudo, os temas que mais têm provocado a atuação do MPT são: as admissões de servidores ou empregados públicos sem concurso, as tercerizações ilegais, a locação de trabalhadores subordinados a órgãos ou a empresas públicas através de cooperativas de mão-de-obra, as ascensões funcionais irregulares e a utilização ilegal e indiscriminada de cargos em comissão.
A defesa do interesse público e a estrita observância dos princípios constitucionais que norteiam a atividade do administrador público nas relações de trabalho constituem, portanto, verdadeiros compromissos institucionais do Ministério Público do Trabalho. Para desenvolver essa atividade o MPT conta com a colaboração não só dos outros órgãos de controle do Estado, mas não pode prescindir também da participação da sociedade e do cidadão que, diante de uma atuação irregular do administrador público, deve levar o fato ao conhecimento ao Procurador do Trabalho da sua região.”
Por fim, em Juízo, na qualidade de parte ou agente, destaca-se a atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses difusos e coletivos por meio da ação civil pública[198].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como tema a caracterização do vínculo empregatício do sócio cooperado com o tomador de serviço na terceirização trabalhista na seara privada.
O objetivo principal foi demonstrar a relativização da aplicação da segunda hipótese normativa do parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho e, por conseqüência, o reconhecimento do vínculo empregatício entre os sócios cooperados e as empresas tomadoras de serviço.
A hipótese formulada era de que, no caso concreto, pela aplicação do princípio da primazia da realidade, quando verificado o desvirtuamento da regra legal supracitada e constatado a existência da fraude trabalhista, o reconhecimento do vinculo empregatício entre os sócios cooperados e a empresa tomadora de serviço seria possível.
Para a verificação da ocorrência desta hipótese, objetivos secundários foram determinados. Considerando aspectos históricos, legais e principiológicos relacionados ao cooperativismo, bem como pesquisa bibliográfica e legislativa a respeito dos requisitos necessários a caracterização da relação de emprego; doutrina e legislação sobre terceirização, investigação e análise de julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em relação a temática proposta e, ainda , pesquisa de campo , com o propósito de verificar qual ou como tem sido a atuação do Ministério Público do Trabalho da 4ª Região no combate a fraude trabalhista por meio de falsas cooperativas de trabalho, passou-se a analisar os resultados encontrados.
Desde já, destaca-se a limitação de conclusão em relação à atuação do Ministério Público do Trabalho da 4ª Região em relação ao tema proposto, visto que o trabalho de campo para levantamento dos dados necessários, não produziu os resultados esperados. Neste sentido, há necessidade de, caso haja continuidade da pesquisa realizada, proceder através de outro método para obtenção de dados.
A verificação das informações coletadas revelou que a hipótese formulada condiz com a tendência das decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Neste sentido, são as seguintes afirmações:
A constatação da existência da relação de emprego é verificada a partir da aplicação do princípio da primazia da realidade no caso concreto. Quando observado que o serviço prestado pelo associado cooperado ao tomador de serviços acontecer de acordo com as hipóteses normativas dispostas nos art. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, evidenciada a fraude, tendo como fundamento o trabalho prestado de forma pessoal, não eventual, subordinada e remunerada, o reconhecimento vínculo empregatício será declarado, visto que o trabalho sob estes aspectos, não se coaduna com a figura de cooperativado. Quando não representam os princípios e características do trabalho cooperativo.
Ocorre declaração de vínculo empregatício entre o sócio e o tomador de serviços quando observado a fraude através de locação de mão de obra, a resultado do texto normativo da lei Nº 5.746/71, em especial os artigos 4º e 7º, considerando que cooperativa regular é aquela formada com o propósito de oferecer ao sócio cooperado uma retribuição especial diferenciada, ou seja, quando fugir de sua finalidade.
A possibilidade de intermediação de mão de obra, prevista no enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, ocorrerá, somente quando tratar sobre serviços especializados vinculados a atividade meio. Contudo, a ocorrência da intermediação de mão de obra por parte da empresa de fornecimento travestida de cooperativa gerará vínculo de emprego entre ela e o trabalhador (arts. 3º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho), ainda que a intermediação tenha se desenvolvido, exclusivamente na chamada atividade meio, desde que constatada a presença dos requisitos configuradores da relação de emprego. .
Neste sentido, elementos indicadores da utilização da sociedade cooperativa apenas como intermediadora de mão de obra podem ser colhidos a partir da analise dos artigos 3º e 4º da Lei 5.764/71, que apontam as características existentes na relação entre cooperativa e cooperado, em contraponto aos elementos caracterizadores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Diante o exposto, conclui-se que o parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho traz presunção relativa de inexistência de vínculo de emprego, tanto entre a cooperativa e sócio cooperado quanto entre este e o tomador de serviços, portanto o referido dispositivo legal deve ser interpretado em conjunto com as demais normas trabalhistas, bem como os princípios e finalidades do cooperativismo.
Informações Sobre o Autor
Nilton Martins da Silva
Bacharel em Direito