Correção monetária dos créditos trabalhistas em liquidação de sentença

O tema correção monetária tem sido objetivo de acaloradas e exaustivas discussões nos foros judiciais. E isso, por certo, afigura-se-nos muito natural num país que conviveu durante longos anos com o fantasma constante de índices inflacionários monstruosos e de planos econômicos catastróficos.

Nesse quadrante, as construções pretorianas sempre explicitaram que a correção monetária não constitui parcela que se agrega ao principal, mas simples recomposição do valor e poder aquisitivo do mesmo. Trata-se, na verdade, de adequação numérica do valor monetário aviltado pela inflação. Quem recebe com correção monetária, sem dúvida, não recebe um ‘plus’, mas apenas o que lhe é devido, em forma atualizada1. O Superior Tribunal de Justiça, em magnífica lição, assentou que “a correção monetária não se constitui em um ‘plus’, senão em uma mera atualização da moeda, aviltada pela inflação, impondo-se como um imperativo da ordem jurídica, econômica e ética. Jurídica, porque o credor tem o direito tanto de ser integralmente ressarcido dos prejuízos da inadimplência, como o de ter por satisfeito, em toda a sua inteireza, o seu crédito pago com atraso. Econômica, porque a correção nada mais significa senão um mero instrumento de preservação do valor do crédito. Ética, porque o crédito pago sem correção importa em um verdadeiro enriquecimento sem causa do devedor, e a ninguém é lícito tirar proveito de sua própria inadimplência” (Revista do STJ 74/387). Na realidade, a inclusão de correção monetária que reflita a exata perda do poder aquisitivo da moeda representa, acima de tudo, o fortalecimento do Poder Judiciário, pois o pagamento de créditos desatualizados representaria uma tutela jurisdicional sem qualquer efetividade.

Evidencia-se, assim, a principal preocupação a nortear os pronunciamentos do Poder Judiciário, qual seja a preservação do valor real da parcela devida, a manutenção do poder aquisitivo da moeda corroída pelo processo inflacionário e, sobretudo, evitar o enriquecimento ilícito da parte inadimplente. E essa preocupação se assentua de forma notável quando o assunto são dívidas de caráter alimentar:

CORREÇÃO MONETÁRIA – MARÇO DE 1.990 – IPC – DÍVIDA DE VALOR – CARÁTER ALIMENTAR – Na dívida de valor, de caráter alimentar, a correção é pelo índice representativo da verdadeira inflação ocorrida. Os índices a serem aplicados, em caso de pagamento em atraso de vencimentos dos servidores públicos, são os que efetivamente representam a verdadeira inflação.” (STJ – EREsp 36.623-7 – PR – Corte Especial – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU 27.03.95);

“CORREÇÃO MONETÁRIA – REMUNERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO – PAGAMENTO FEITO COM ATRASO SEM INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO – A remuneração dos servidores públicos, quando paga com atraso, deve sofrer correção monetária. Nada importa que o pagamento serôdio tenha ocorrido, independentemente de decisão judicial. Em tempo de inflação desenfreada, qualquer pagamento tardio feito, com moeda desvalorizada, traduz enriquecimento ilícito do devedor em mora. O locupletamento sem causa deve repugnar ao Estado.” (STJ – REsp 14.976-0 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Gomes de Barros – DJU 15.03.93)

No direito do trabalho, a questão sempre teve coloridos extremos, em virtude não só de os litígios versarem, usualmente, verbas alimentares, mas também pela índole protetiva que peculiariza o ramo. A grande controvérsia que se tem verificado diz respeito ao marco inicial para o cômputo da atualização monetária.

Uma expressiva corrente sustenta que a contagem da correção monetária terá início a partir do mês da prestação do serviço, fato gerador do pagamento dos salários, pois o pagamento do salário no mês subsequente é mera faculdade conferida pelo legislador ao patrão adimplente. Ilustrando esta posição jurisprudencial, destacam-se alguns julgados paulistas (AP 02950038470, Rel. Juiz Nelson Nazar, DOE/SP 18.12.95 – AP 02980333420 – Rel. Juiz Sergio Prado de Mello, DOE/SP 15.01.99) e outros gaúchos (AP 96.003665-2, Relª Juíza Belatrix Costa Prado, j. 21.08.96 – AP 95.010726-3, Rel. Juiz Mário Chaves – j. 25.07.95).

Essa posição, contudo, parece-nos equivocada, por determinar a atualização monetária de um valor que ainda não está constituído e, portanto, inexiste. A regra do parágrafo único do art. 459 da CLT, com a redação conferida pela L. 7.855/89, é por demais clara ao prever que “quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido”. Assim, verifica-se que a constituição do crédito trabalhista -ao contrário do entendimento de alguns- se dá, efetivamente, no mês subsequente ao da prestação dos serviços. Antes disso, o empregado não faz jus ao salário, a não ser que o empregador queira alcança-lo antecipadamente, o que se constituirá mera liberalidade.

Logo, evidencia-se o equívoco da tese de que o dispositivo legal se dirige apenas ao empregador adimplente. Por certo, a “mens legis” do dispositivo em foco não é beneficiar o empregado ou punir o empregador. Ao contrário, a norma destina-se, especificamente, a determinar a data de constituição do crédito decorrente da prestação do trabalho.

A norma não faz qualquer diferenciação entre o patrão adimplente e o inadimplente, o que seria necessário para que se pudesse chegar à ilação sancionatória. Acaso fosse essa a intenção do legislador, certamente o prefalado dispositivo consolidado conteria a ressalva de que a disposição não se aplica ao patrão inadimplente. O intérprete, como bem observa o mestre Carlos Maximiliano, deve evitar não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, “o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto idéias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos.”2.

Registre-se que a incidência de correção monetária em momentos distintos não é meio adequado para punir o empregador inadimplente. A atualização, como já se disse, não é acréscimo ao principal, mas mera reposição do padrão monetário corroído pelos índices inflacionários. Trata-se, pois, de instituto que jamais pode ser utilizado com a finalidade de punir ou beneficiar alguém, sob pena de configurar enriquecimento ilícito e empobrecimento sem causa, decorrentes do “bis in idem”.

Por fim, vale ressaltar que o Fator de Atualização dos Débitos Trabalhistas é o resultado do FADT do mês anterior acrescido de sua correção legal. Ora, se o FADT traz a correção de todo o mês anterior, procede-se a atualização do devido no mês com o FADT do primeiro dia do mês subseqüente, independentemente da época em que foi procedido o pagamento. Revela-se lógica tal conclusão, podendo-se afirmar categoricamente que a aplicação do FADT do mês da prestação dos serviços importará na atualização de algo que sequer era devido.

Os recentes pronunciamentos de nossos pretórios têm consagrado esta tese, conforme ilustram os seguintes precedentes:

“CORREÇÃO MONETÁRIA. ÉPOCA PRÓPRIA. A correção monetária, em geral, incide a partir do primeiro dia imediato ao mês de referência da obrigação, uma vez que a contraprestação laboral somente se torna devida após cumprido o período da prestação do trabalho (art. 459, §1º, CLT). Não há que se falar, pois, em correção monetária de obrigação não vencida.” (TRT da 3ª Reg. – RO 9924/98 – Rel. Juiz Mauricio J. Godinho Delgado – DJ/MG 23.03.1999);

“CORREÇÃO MONETÁRIA. A correção monetária somente pode incidir a partir do momento em que o crédito se torna devido. Considerando-se como exemplo a parcela salarial propriamente dita, verifica-se que a mesma somente se torna devida no mês seguinte ao da prestação laboral, se dando somente a partir daí a incidência da correção monetária.” (TRT da 4ª Reg. – AP 00164.304/95-9 – Rel. Juiz JOSE ANTONIO PEREIRA DE SOUZA – DJ 08.03.99);

“ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. FADT. A atualização monetária deve utilizar o FADT do mês seguinte ao da constituição do debito. Provimento.” (TRT da 4ª Reg. – AP  00222.291/95-8 – Rel. Juiz Alvaro Davi Boéssio – DJ 22.03.99);

O Tribunal Superior do Trabalho, a propósito da controvérsia, se posicionou de forma clara em abono da tese aqui defendida:

“Na hipótese de pagamento de salário até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido, não há falar em correção monetária do valor pago, pela simples razão de que o procedimento terá sido de acordo com a lei (art. 459, § 1º, da CLT). Recurso de Embargos provido.” (TST – E-RR 216.762 – Rel. Ministro Rider de Brito – DJ 10.10.97);

E, no corpo do “leading case”, esclarece o Ministro Rider de Brito:

“Assiste razão ao Reclamado. Com efeito, na hipótese de pagamento de salário até o quinto dia do mês subseqüente ao vencido, não há falar em impontualidade e/ou inadimplência, pela simples razão de que o procedimento terá sido de acordo com a lei. É essa que permite o pagamento até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido, mais precisamente, o parágrafo único do art. 459 da CLT. Aqui não se pode cogitar de mora, tampouco de inadimplência. Uma coisa é não ser inadimplente, não ser impontual, não incidir em mora. O que se pergunta é: efetivando-se o pagamento nessas circunstâncias, haveria incidência de correção monetária, ainda mais cheia, ou seja, como se houvesse o mês completo de desgaste de moeda, quando, na realidade, se tanto, haveria apenas em relação a cinco dias? Por outro lado, é sustentável se afirmar que quem cumpre a lei – ressaltando-se que a própria lei especificou a possibilidade de se efetuar o pagamento até o quinto dia do mês subseqüente ao vencido – estará prejudicado por ela? Ora, se o legislador impusesse o pagamento até o último dia do mês de referência, e fosse efetuado no quinto dia do mês subseqüente, sem dúvida, seria sustentável a tese da incidência da correção. Entendo, afinal, que aquele que paga os salários até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido, como preceitua a lei, não está sujeito a corrigir monetariamente o valor pago, pelo simples fato de estar, efetivamente, cumprindo a lei. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao Recurso, no particular, para determinar que a correção monetária seja aplicada somente a partir do 6º dia útil do mês subseqüente ao da prestação do serviço, conforme o disposto no artigo 459, § 1º, da CLT.”

Na segunda manifestação da SDI do TST, a eminente Ministra Cnéa Moreira acrescentou brilhantes fundamentos à tese:

“Na presente hipótese discute-se qual seria o termo inicial da aplicação da correção monetária quando o Empregador deixa de satisfazer o pagamento de débito trabalhista. Tem-se que a correção monetária não representa aumento de crédito e sim ajuste do valor real à sua expressão formal, diante da perda com a evolução inflacionária. Portanto, não se constitui em pena para o devedor. Partindo desta premissa, tem-se que os critérios de atualização monetária dos débitos trabalhistas eram previstos no Decreto-Lei nº 75/66, norma que foi revogada pela Lei nº 8.177/91, que em seu artigo 39 preceitua: ” Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”. Sabe-se que a TRD foi extinta pela Lei nº 8.660/93, que criou a TR – Taxa Referencial, também apurada diariamente, porém com abrangência mensal. Todavia, essa alteração em nada modifica o critério de atualização monetária previsto no artigo acima mencionado enquanto definição do termo inicial de sua apuração. A discussão, agora, é perquirir qual o termo inicial da incidência da correção monetária. No artigo 459, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, o legislador pátrio estipulou que: ” Quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido”. Ora, crível é se posicionar no sentido de que a data de vencimento da obrigação, mencionada na Lei nº 8.177/91, é sempre o quinto dia útil subseqüente ao do vencimento da obrigação de pagar salários. Inclusive, a SBDI1, na assentada de julgamento do dia 29 de setembro de 1997, decidiu, “in verbis”: “CORREÇÃO MONETÁRIA. Na hipótese de pagamento de salário até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido, não há falar em correção monetária do valor pago, pela simples razão de que o procedimento terá sido de acordo com a lei ( art. 459, § 1º, da CLT) – E-RR-216.762/95.4, Ac. SBDI1 – 4682/97, Relator Min. Rider de Brito, DJ de 10.10.97.” Destarte, em face do exposto DOU PROVIMENTO ao Recurso para determinar que a correção monetária seja aplicada somente a partir do 6º dia útil do mês subseqüente ao da prestação do serviço, conforme o disposto no artigo 459, § 1º, da CLT.” (TST – E-RR 285.344 – Relª Min. Cnéa Moreira – DJ 19.12.97)

Já sob a influência dos dois precedentes transcritos, o Ministro Vantuil Abdala, citando-os, reportou-se à orientação jurisprudencial dominante da Eg. SDI, concluindo que:

“A matéria não comporta maiores indagações diante da orientação jurisprudencial desta Eg. SDI, no sentido de que a correção monetária, relativa aos salários não pagos na época própria, somente é devida a partir do mês subseqüente ao da prestação dos serviços. Tal circunstância justifica-se pelo fato de que o art. 459 da CLT permite o pagamento “até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido”. Assim, não teria sentido computar a correção monetária relativa ao mês de referência (em que houve a prestação dos serviços), porque a própria lei estabelece uma tolerância até o quinto dia do mês subseqüente. Nesse sentido cito os seguintes precedentes: ERR-285.344/96, Rel. Min. Cnéa Moreira, julgado em 17.11.97; ERR-216.762/95, Rel. Min. Rider de Brito, DJ 10.10.97; Pelas razões expostas, dou provimento aos embargos, para determinar que a correção monetária dos salários seja calculada a partir do mês subseqüente ao da prestação dos serviços. É o meu voto.” (TST – E-RR 245.482 – Rel. Min. Vantuil Abdala – DJ 20.02.98);

Tais pronunciamentos levaram à pacificação definitiva da temática, através da edição do precedente n. 124 da SDI/TST, cujo verbete é o seguinte:  “Correção monetária. Salário. Art. 459, CLT. O pagamento dos salários até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido não está sujeito à correção monetária. Se essa data limite for ultrapassada, incidirá o índice da correção monetária do mês subsequente ao da prestação dos serviços”. O que se espera, agora, é que as instâncias ordinárias se curvem à acertada orientação, até mesmo para conferir maior celeridade aos feitos.

Notas:

1. JTA 109/372.

2. Carlos Maximiliano, “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 9ª edição, 3ª tiragem, Forense, 1984, p. 103.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz Cláudio Portinho Dias

 

Procurador Autárquico do INSS
membro do IBAP (Instituto Brasileiro de Advocacia Pública).

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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