Esse imposto travestido de contribuição provisória, finalmente, foi extinto como resultado do exercício da cidadania. Desta vez prevaleceu a soberania popular que, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, paira acima do poder político do Estado. Não importa que o órgão de representação popular do Parlamento Nacional tenha entendido de outra forma. O importante é que o Senado Federal, uma vez mais atendeu aos reclamos do povo, que vinha rejeitando esse imposto regressivo, nascido em uma situação emergencial, nos idos de 1993, para vigorar com prazo determinado (até 31 de dezembro de 1994), e que vinha sendo prorrogado por meio de sucessivas emendas constitucionais.
Falta, agora, extinguir o Fundo Social de Emergência, também criado em uma conjuntura excepcional, pela Emenda Revisional nº 1/94, constituído de 20% de todos os tributos federais, para suprir a ausência da lei orçamentária anual de 1994. Era para vigorar somente nos exercícios de 1994 e 1995, mas vem sendo prorrogado por meio de emendas constitucionais, juntamente com a CPMF. Desta vez, apenas esse Fundo, posteriormente denominado Fundo de Estabilização Fiscal e, agora, sem nome, conhecido pela sigla DRU, poderá ser prorrogado até o ano de 2011.
Essa DRU, permite que o senhor Presidente da República gaste à sua discrição mais de 100 bilhões de reais. Por ausência de elementos de despesas é praticamente incontrolável as despesas feitas por conta desse Fundo. Com o fim da CPMF, a fiscalização e o controle da execução orçamentária há de ser mais rigoroso, e a DRU representa um grave entrave à efetivação desse controle. Sem controle rígido da execução orçamentária não haverá expectativa de diminuição da pressão tributária, cujo limite já está saturado. Com a continuidade da DRU, que inviabiliza o mecanismo de controle e fiscalização do orçamento pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas da União, a tendência é ir aumentando a carga tributária. Falar em contenção de despesas, ao mesmo tempo que manieta os mecanismos de controle da despesa pública, é uma contradição gritante.
Ao invés de curvar-se à soberania popular, que sepultou a CPMF, obrigando o poder público a evitar desperdícios e otimizar os recursos financeiros, o governo vem reagindo com ameaças de corte de verbas para o setor de saúde e aumento de impostos não submetidos ao princípio da reserva legal, no que diz respeito ao remanejamento de alíquotas. Falou-se, outrossim, em retirada da proposta orçamentária em discussão no Congresso Nacional, para adequá-la à nova realidade. Falou-se, também, no atraso da aprovação do orçamento de 2008, como se isso não fosse uma tradição, desde o final da década de 90.
Ora, no que diz respeito à saúde, a União é obrigada a aplicar um percentual mínimo de sua receita a ser estabelecido em lei complementar que, por falta de vontade política, não foi elaborada até hoje (art. 198, §§ 2º e 3º da CF). Por isso, há incoerência em relacionar a supressão de verbas para o setor de saúde com o fim da CPMF. No que se refere aos tributos regulatórios (II, IE, IPI e IOF) já examinamos em trabalho anterior que suas alíquotas não podem ser majoradas por decreto, a não ser em cumprimento de uma finalidade ordinatória, o que afasta, sua majoração motivada por interesse meramente arrecadatório.
Também não é preciso fazer grandes estudos para adequar a proposta orçamentária de 2008 à nova realidade, sem a CPMF. Aliás, a previsão de sua arrecadação, à luz de dispositivos da Lei nº 4.320/64 e da LC nº 101/00, não poderia ter sido levada em conta, porque tributo com prazo de vigência pré-fixado em 31 de dezembro de 2007. Lei alguma autoriza a inclusão, no projeto de lei do orçamento anual, do produto de arrecadação de um tributo dependente de sua instituição legal.
Na verdade, a questão é de extrema singeleza. Basta simples corte parcial nas dotações de menor importância dentro do plano de ação governamental, se é que ele existe. Esse “corte” será meramente formal, para ajustar receita e despesa do ponto de vista aritmético. Na prática, o que foi executado não tem coincidido com o que foi projetado. O orçamento anual mais parece uma peça de exposição nos luxuosos gabinetes oficiais ou nas bibliotecas, ao invés de representar um espelho do plano governamental a ser efetivamente cumprido.
Ademais, a experiência tem demonstrado que não há um único exercício, nestes últimos dez anos, em que a receita prevista não tenha gerado um superávit, ensejando uma arrecadação de um terço a mais do que aquela estimada na peça orçamentária.
Isso significa que o governo terá fonte de receita suficiente para solicitar, ao Congresso Nacional, a abertura de crédito adicional suplementar, para satisfazer as necessidades públicas em qualquer área de atuação do Estado, principalmente, em ações e serviços públicos de saúde, priorizados pela Constituição Federal.
Concluindo, toda essa gritaria, que mais se parece com o parto da montanha, não tem razão de ser.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.