Crianças e Adolescentes: do direito à realidade da inclusão social no município de Selbach/RS

Resumo: Este artigo visa abordar a questão da garantia de direitos de crianças e adolescentes, as políticas sociais de proteção, sua constituição e operacionalização; considerando a Política Nacional de Assistência Social e o atendimento a criança e ao adolescente no Sistema Único de Assistência social – SUAS, operacionalizado através dos Centro de Referência de Assistência Social – CRAS em um município de pequeno porte I.

Palavras-chave: Crianças e Adolescentes. Políticas Sociais. Direitos Sociais. Inclusão Social.

Sumário: Introdução. 1.1 Questão Social e as Políticas Sociais de Proteção a Criança e ao Adolescente. 1.2 Crianças e Adolescentes: garantia de direitos. 1.3 Políticas Municipais de Inclusão Social de Crianças e Adolescentes: experiência do município de Selbach/RS. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente artigo aborda a experiência de um município de pequeno porte I em relação as políticas sociais de proteção a criança e ao adolescente realizadas no município, em consonância com a Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004.

1.1 – Questão Social e as Políticas Sociais de Proteção a Criança e ao Adolescente

A questão social surge com o fim da escravidão e o inicio do capitalismo, quando a sobrevivência do operariado vincula-se ao mercado de trabalho e a força de trabalho passa a ser vista como mercadoria. Por questão social compreende-se o conjunto das refrações produzidas pelo modo de produção capitalista, que para se produzir e reproduzir, impede uma parcela da população de acesso à riqueza social.

“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão” (CARVALHO; IAMAMOTO, 1983, p.)

Ao utilizar a categoria questão social para análise da sociedade, propõe-se uma perspectiva de análise que considera a situação em que se encontra a maioria da população que vive da venda de sua força de trabalho como garantia de sobrevivência. Também significa ressaltar as diferenças entre capitalistas e trabalhadores, nas condições de vida, no acesso aos direitos. É analisar as desigualdades e buscar entender as causas das desigualdades e suas conseqüências na vida cotidiana dos trabalhadores.

Não podemos ver a questão social, mas suas expressões como o desemprego, o analfabetismo, a fome, a favela, a falta de leitos em hospitais, a violência,…  A questão social  se  apresenta nas suas objetivações, em concretos que sintetizam as determinações prioritárias do capital sobre o trabalho, onde o objetivo é acumular capital e não garantir condições de vida para toda a população.

A preocupação com a questão  social ligada à  criança e o adolescente no Brasil remontam ao início da República, quando crianças e adolescentes foram alvo de uma tentativa de moldagem, pois se acreditava que os vícios, assim com as virtudes, eram hereditários.

A história da questão social no Brasil, segundo Filgueiras (1997),  pode ser vista como a história das formas de trabalho, da formação e organização do mercado de trabalho e do disciplinariamento dos grandes contingentes dos despossuídos.

Podemos observar no Brasil uma tendência histórica de colocação das políticas sociais em segundo plano, pois as questões referentes à área econômica aparecem como prioritárias sobrepondo a questão da desigualdade e da pobreza que vivem milhões de brasileiros. Um  aspecto importante e, que  colabora para  a manutenção equivocada desta ação governamental, é pouca mobilização da sociedade  em torno dos problemas sociais e das expressões da  questão social, como analfabetismo, desemprego, violência, fome e outros.

A banalização da pobreza tem origens históricas em representações na qual o pobre, acaba não sendo reconhecido enquanto sujeito de direitos e no “imaginário popular” é visto como um coitado, um fraco, a quem cabe à caridade e a filantropia (TELLES, 1992).

Com isto, verificamos a necessidade de fortalecer cada vez mais o papel ativo da população que deve cobrar do Estado seus direitos, bem como a necessidade de que os agentes institucionais que atuam nos projetos sociais tenham competência e clareza do papel e da responsabilidade do Estado na consolidação dos direitos sociais, a fim de que possa trabalhar esta questão junto à população usuária, aumentando, assim, seu poder de pressão e luta por esses direitos, o que pode contribuir para fazer avançar o que legalmente encontra-se instituído.

Evidencia-se que a partir de 1988 com a promulgação da Constituição Federal,  novos contornos foram dados à cidadania brasileira, porém a efetivação da cidadania mediante as políticas sociais –materializadas no ECA, na LDB e na LOAS – encontrou muitas dificuldades em sua operacionalização. Destaca-se no plano político e institucional a descentralização das ações, com a conseqüente municipalização da formulação e da implementação de políticas sociais por meio dos conselhos criados com base nessa legislação.

No Brasil, a política pública destinada ao atendimento da população em situação de pobreza, só passou a integrar o campo dos direitos sociais após a Constituição de 1988, especificamente em relação a criança e adolescente, traz em seu Artigo 203 que: a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes. (BRASIL, 1988)

Destaca-se também que em seu Artigo 5, Inciso LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:  a) registro civil de nascimento; b) certidão de óbito (BRASIL, 1988), garantindo assim que todos sejam registrados logo após seu nascimento.

Os artigos acima referenciados trazem uma marca ainda muito forte da pobreza como foco de assistência, de amparo, sem especificar qual seria esse, nem de que forma essa assistência poderia contribuir para modificar a situação em que o sujeito se encontra. Portanto, apenas sugere proteger, algo necessário, mas não suficiente para possibilitar o direito às crianças e suas famílias de modificarem a condição em que se encontram.

Para Campos (1999), a Constituição de 1988 é um marco legal no qual todas as lutas e demandas em defesa da infância culminam, incorporando reivindicações de segmentos diferenciados e, por isso, construindo um “novo sujeito de direitos, a criança pequena” (IDEM, p. 124). Esse reconhecimento se faz mesmo constatando que dentre as crianças, as mais penalizadas são as que vivem com renda abaixo de ½ salário mínimo.

Evidencia-se, na Constituição Federal do Brasil em seu Artigo 227: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Importa-se ter a clareza que a situação da infância e adolescência em nosso país é uma das expressões da questão social. Dar conta das particularidades das múltiplas expressões da questão social é explicar os processos sociais que as produzem e reproduzem e como são experimentadas pelos sujeitos sociais que as vivenciam em suas relações sociais quotidianas. É nesse campo que se dá o trabalho do assistente social, devendo apreender como a questão social em múltiplas expressões é experienciada pelos sujeitos em suas vidas quotidianas (Iamamoto, 1998).

A seguir, breve contextualização dos direitos constituídos a crianças e adolescentes no Brasil.

1.2 – Crianças e Adolescentes: Garantia de Direitos

A questão dos direitos das crianças e adolescentes se agravou dramaticamente nos últimos tempos pelas condições de pobreza e marginalidade em que vivem milhões de crianças e adolescentes. Empurradas pela fome e exclusão das políticas públicas a estabelecer uma relação adulta com a sociedade, através do trabalho precose, ou pior ainda, da pequena criminalidade; da falta de acesso à educação, da precarização do atendimento de saúde e seus direitos sociais básicos negligenciados.

Essa lógica real se reproduz diante dos nossos olhos no cotidiano de trabalho. Diariamente encontramos situações da qual os instrumentos e as garantias nos dadas já não atendem a realidade. A multiplicidade de casos exigem diferentes soluções que dependem de um conjunto de ações  que envolvam diferentes  esferas da sociedade. A essas soluções pensadas e elaboradas conjuntamente e que buscam solucionar certa demanda de problemas é que chamamos de política social.  Especificamente toda a política social busca a inclusão e a integração a sociedade.

No Brasil, a partir da década de 1980, com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 que determina que crianças e adolescentes sejam prioridades absolutas e entre essas prioridades aponta a saúde e a proteção como direitos a serem garantidos, porém nem sempre foi assim.

Considera-se que historicamente no Brasil, as ações públicas voltadas para esse segmento eram revestidas por contradições, na qual a diferenciação entre o “menor” e a “criança” pode-se constituir um exemplo ímpar. O conceito jurídico de menor passou designar toda a infância pobre, entendida como potencialmente perigosa e que deveria ser contida. Essa classificação opunha-se ao conceito de criança, pelo qual eram definidos aqueles que viviam em famílias burguesas (Martins, 2004).

A inclusão dos direitos da criança no corpo da Carta Constitucional e a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) revolucionam, abolindo termos e práticas características da tutela e da segregação histórica imposta à infância pobre, mascarada pelo assistencialismo de programas de transferência de renda.

A Lei 8.742/93 – LOAS[1] (Lei Orgânica da Assistência Social), enfatiza em seu Artigo 1 que: a assistência social, direito de cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa publica e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”(LOAS,1993).

Em relação a criança e ao adolescente em seu Art. 2 – Assistência Social tem por objetivos: I – proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo a crianças pobres e carentes (LOAS, 1993)

Nesse sentido, cabe ressaltar que a assistência social se materializa de forma integrada as demais políticas setoriais, visando o enfrentamento a pobreza e a garantia dos mínimos sociais, universalizando direitos sociais com equidade.

A partir de 2004, com a implantação da Política Nacional de Assistência Social materializa-se o conteúdo da LOAS na constituição do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, que constitui na organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo.

“Os serviços, programas, projetos e benefícios tem como foco prioritáriao a atenção as famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidas pelas funções que desempenham, pelo numero de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe ainda, gestão compartilhada, co-financiamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-politicas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil, e estes tem o papel efetivo na sua implantação e implementação” (PNAS, 2004, p.39).

A fim de efetivar o SUAS, os municípios necessitam ter o CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, espaço onde será executado serviços de Proteção Social Básica do município, sendo assim necessita estar localizado em área de vulnerabilidade social do município, próximo a população, fomentando sua participação nas atividades. “O CRAS atua com famílias e indivíduos em seu contexto comunitário, visando a orientação e o convívio sociofamiliar e comunitário” (PNAS, 2004, p.35).

Os serviços da rede de proteção social básica, são aqueles que potencializam as famílias enquanto unidade de referencia, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo dos seus membros, ofertando serviços que visam à convivência, a socialização e o acolhimento, bem como promoção e integração ao mercado de trabalho (PNAS,2004).

Dentre as atividades propõe-se: Programa de Atenção Integral as Famílias – PAIF; Programa de Inclusão produtiva e projetos de enfrentamento a pobreza; Centro de Convivência para idosos; Serviços para crianças de 0 a 6 anos de idade, que visem o fortalecimento dos vínculos familiares, o direito de brincar, ações de socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, e de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e Centros de informação e de educação para o trabalho, voltados para jovens e adultos.

O CRAS deve contar com equipe técnica especifica, definida pela Norma Operacional Básica Recursos Humanos do SUAS – NOB/RH/SUAS, contando normalmente com coordenador do CRAS, assistente social, psicólogo e demais recursos humanos necessários a seu funcionamento.

Ressalta-se que não se pode segmentar o usuário, mas considerar além das situações de risco social em que se encontra, que mesmo em processo de fragilização de vínculos familiares, este faz parte de uma família, que possui tipologias e arranjos familiares e aos ciclos de vida dessa família. “Portanto, as condições de vida de cada individuo dependem menos de sua situação especifica que daquela que caracteriza sua família”(PNAS, 2004, p.42).

Nesse sentido, buscando a emancipação da família, garante-se a proteção e o desenvolvimento de seus membros, superando a focalizaçao tanto da situação de risco apresentada como de seus membros, ou seja: “a centralidade da família é garantida à medida que a assistência social, com base nos indicadores das necessidades familiares, se desenvolva uma política de cunho universalista, que em conjunto com as transferências de renda em patamares aceitáveis se desenvolva, prioritariamente, em redes socioassistenciais que suportem as tarefas cotidianas de cuidado e que valorizem a convivência familiar e comunitária” (PNAS, 2004, p.42)

Ao pensar a criança e adolescente como cidadãos de direitos de suas garantias previstas em lei para a elaboração de políticas públicas de integração e inclusão na sociedade precisamos vê-los como seres humanos, cidadãos portadores de direitos. Sabemos que crianças e adolescentes precisam de proteção, de família, de casa para morar, de escola, de alimentação, de atendimento de saúde.

“A realidade brasileira nos mostra que existem famílias com as mais diversas situações socioeconômicas que induzem à violação dos direitos de seus membros, em especial, de suas crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência, além da geração de outros fenômenos como por exemplo, pessoas em situação de rua, migrantes, idosos abandonados que estão nesta condição não pela ausência de renda, mas por outras variáveis da exclusão social” (PNAS, 2004, p. 36).

Destaca-se também, aquelas crianças e adolescentes que precisam de atendimento além do essencial a simples sobrevivência, tais como, a portadora de deficiência que precisa ser incluída independente da especificidade do seu problema; a criança vitima de violência que precisa atendimento e muitas outras situações em que são lhes reservados todas as garantias legais.

Como se sabe, os direitos e as garantias constituem sempre a lei do mais fraco contra a lei do mais forte que se desenvolve e impera cada vez que os direitos e garantias estão ausentes ou não efetivos. E são precisamente as crianças e adolescentes, mais que ninguém, os sujeitos “fracos”, às vezes, são abandonadas à lógica da força do mercado.

Diferentes áreas da administração pública, ou seja, as esferas Federal, Estadual e Municipal, trazem propostas de projetos e programas de inclusão de crianças e adolescentes nas políticas públicas.  Embora que ainda de forma bastante setorializada, sem a devida integração na maioria dos casos, ou seja, os mesmos problemas enfrentados pela Assistência Social, Saúde e Educação são tratados em programas específicos de cada área.

O que se tem de imediato, a partir de uma leitura dos programas nas diversas áreas, é um retrato suficientemente claro do desenho das políticas públicas. Entretanto, verifica-se de maneira quase generalizada, a preferência por ações pontuais, setorializadas e pouco abrangentes, que atendem a um público relativamente limitado. Para fazer frente à situações de exclusão, contudo, ações tímidas e extremamente focalizadas parecem ser ineficazes. O objetivo de propiciar a inclusão aponta para uma intervenção mais abrangente, que considere as diversas dimensões envolvidas nessa problemática e que possibilite, através da intersetorialidade das ações, a ruptura com situações de risco e de vulnerabilidade social e a sustentabilidade.

Em tempos de Estado Democrático de Direito, torna-se imprescindível a construção de uma sociedade justa e solidária, com a redução das desigualdades sociais (art.3o, I e III da CF/88). Cabe às esferas decisórias governamentais a honesta e vigorosa delimitação de um modelo econômico menos excludente, capaz de promover de fato o bem-estar de todos e assegurar uma existência digna. A redução das desigualdades sociais intrínsecas ao capitalismo, a implementação de políticas públicas de cunho social baseadas na efetivação da cidadania e não no assistencialismo, bem como a promoção do real acesso e usufruto de bens e serviços pode propiciar eficazmente a redução da marginalidade na infância e adolescência.

A delimitação de um modelo econômico cujas bases seja a construção de uma sociedade  verdadeiramente mais justa por parte das agências políticas, resultará decerto na existência de maiores e melhores oportunidades para as crianças e adolescentes. Paralelamente, devem ser realizadas ações educativas no sentido de desenvolver nos mesmos a capacidade de participação consciente no cenário social. Essa capacidade pode ser desenvolvida a partir do conhecimento dos seus direitos fundamentais pelas crianças e adolescentes.

A conscientização é fundamental para a construção de uma identidade na qual a cidadania possa se consolidar (BAZILIO, 2003) e o protagonismo possa ser estimulado. Como observa Sônia Kramer:  “a criança recria a história da barbárie, reconstrói com os destroços, refaz a partir de ruínas e estilhaços, refunda uma tradição cultural que parecia não indicar alternativas, faz história do lixo” (2003, p. 91-92).

Vale ressaltar que, pode-se pensar na construção e no exercício efetivo da cidadania como forma de viabilizar a inclusão social e a afirmação da dignidade humana várias vezes negligenciada no Estado brasileiro marcado pela desigualdade, miséria e exclusão social. Em meio aos fatos perpetuados, propomos o estabelecimento de elos de solidariedade visando contribuir através de ações educativas, preventivas integrando famílias, sociedade e poder público  para a promoção da inclusão social de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

 Considerando que: “o espaço educativo pode se constituir em local privilegiado onde se possa transmitir uma imagem do futuro que não se constitua simplesmente como presente melhorado, mas que incorpore os sonhos e valores de uma sociedade efetivamente justa e igualitária” (BAZILIO; KRAMER, p. 126, 2003).

Aborda-se no próximo item, as políticas publicas municipais realizadas nos municípios de Selbach/RS para a criança e ao adolescente.

1.3 – Políticas Municipais de Inclusão Social de crianças e adolescentes: experiência do município de Selbach/RS

Considera-se Iamamoto, “todo o processo de trabalho implica uma matéria-prima ou objeto sobre o qual se incide a ação do sujeito”, (2005, p.61), a criança e do adolescente, objeto deste estudo, começa a aparecer à medida que marcos legais consideram-os enquanto sujeitos direitos.

Mais adiante, a autora enfatiza: “É a questão social em suas múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional junto à criança e ao adolescente, ao idoso, a situações de violência contra a mulher etc. (IAMAMOTO, 2005, p.62)

O exercício profissional deve ir ao encontro da realidade e o significado da infância/adolescência, examinando o lugar e a sua posição numa determinada sociedade para dar conta das particularidades da questão social vivenciadas por suas famílias, “é nesse campo que se dá o trabalho do assistente social, devendo apreender com a questão social em múltiplas expressões é experienciada pelos sujeitos em suas vidas cotidianas”. (IAMAMOTO, 2005, p.62)

Ressalta-se que durante o processo de trabalho, o assistente social está inserido em Redes de Atendimento, qual seja idoso, criança, assistência social, etc. Deve-se o fato de que nada se conquista trabalhando sozinhos, necessita-se interagir com os demais, com outros profissionais, reunidos em torno de um objetivo comum, pertencentes ao mesmo espaço institucional, a fim de buscar a efetividade das ações, encaminhamentos e atendimentos para o sujeito, o qual procura os serviços e conhecimentos do profissional, constituindo assim a rede interna, que será a essência da rede social. (Türck,2001)

“O profissional é desafiado a desenvolver sua intervenção profissional de forma a garantir que suas habilidades e conhecimentos teórico-metodológicos, associados a sua sensibilidade, lhe permitam uma interpretação acerca da realidade, dos processos sociais e de sua competência profissional, que o distinga dos demais, na qual as ações relacionadas com as expressões da questão social são realizadas, preservando a unidade na diversidade” (KIST, 2008, p. 48).

Sabe-se que sozinhos não somos ninguém, pouco ou nada se consegue, mas que através do trabalho em rede, das relações sociais estabelecidas com outras especialidades (psicologia, fisioterapia, enfermagem, advogados, etc…), vislumbra-se a mudança, a excelência no atendimento, desvendando e interpretando a realidade apresentada a fim de garantir o acesso aos direitos, qualificando a intervenção profissional. Conforme Türck “trabalhar em rede social é, antes de tudo, construir um processo de cidadania. É suplantar todos os processos de exaltação ao individualismo, postos na sociedade contemporânea”. (2001, p. 60)

Através do trabalho intersetorial, da aglutinação de saberes e práticas na construção integrada de soluções/intervenções, busca-se aperfeiçoar conhecimentos e recursos na intervenção profissional. Entende-se por intersetorialidade a “articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas, visando ao desenvolvimento social, superando a exclusão social”. (JUNQUEIRA, 1997, p. 35)

Em suma, através da equipe do CRAS e demais profissionais do município, norteados pelas legislações, decretos, portarias e instruções, planeja-se e organiza-se a rede de proteção social do município, a fim de garantir a proteção da criança desde o seu nascimento, desenvolve-se o Grupo de Gestantes, coordenado por enfermeira, onde as futuras mães recebem informações, encaminhamentos necessários e o acompanhamento de sua gestação. O grupo reúne-se semanalmente.

Ao nascerem, as crianças são encaminhadas ao Grupo de Puericultura, que atende crianças recém-nascidas até um ano de vida. Coordenado pela enfermeira, as crianças tem seu peso e crescimento verificado, recebem orientações, palestras educativas, sobre a saúde e o desenvolvimento infantil, com diversos profissionais da área da saúde. O grupo reúne-se mensalmente.

Desenvolve-se o Programa Primeira Infância Melhor, que visa o atendimento de 20 famílias, desde gestantes a crianças de ate 4 anos de idade. O programa tem por objetivo  promover o desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos, com ênfase nas crianças de zero a três. As ações previstas visam fomentar a valorização da criança no Estado do Rio Grande do Sul, bem como formar recursos humanos na área do desenvolvimento infantil, e informar e capacitar as famílias e os profissionais, em especial da área de saúde, para a promoção e proteção dos direitos da criança (Secretaria Estadual  da Saúde).

Como forma de abordagem as famílias, o programa propõe duas modalidades: a visita domiciliar para gestantes e crianças de 0 a 3 anos e modalidade grupal para crianças de 3 a 5 anos, fase da socialização. Para as famílias com gestantes e crianças de 0 a 3 anos, a atenção deve ser individual e sistemática, uma ou duas vezes por semana, realizada na própria residência pela visitadora[2]. Nestas sessões, com duração de 45 minutos à uma hora, aproximadamente, as famílias serão orientadas e se demonstrará como realizar atividades de estimulação e/ou preventivas nas condições do local; que materiais utilizar e como avaliar a efetividade das ações realizadas.

Na modalidade grupal, as famílias que têm crianças de 3 a 5 anos, se reúnem semanalmente, com sessões com duração de 1 hora a 2 horas, onde através de brincadeiras, cânticos, estórias etc… as mães participarão das atividades com seus filhos, num local da comunidade previamente determinado (parque, parca, espaço comunitário, entre outros) ou na própria sala do programa. O visitador realizará demonstrações com a participação das famílias, propondo-lhes que dêem continuidade ao trabalho, em seus lares no restante da semana, despertando assim o interesse da mãe em dedicar um tempo para brincar com o filho, constituindo vínculo familiar.

Ao se trabalhar com as famílias temos que respeitar as regras da família (horários), perceber o funcionamento da família (dificuldades), aproximar as famílias das possibilidades de inclusão social (recursos) da rede de atendimento, facilitar a comunicação dentro da família (falar com os pais não com a criança), valorizando a família no seu espaço e no desenvolvimento de seu papel, pois a família é responsável e competente por si mesma, mantendo sempre um comportamento ético nas visitas.

Serão repassadas formas de estimular a criança através do manejo de condutas e brincadeiras adequadas a cada fase evolutiva de seu desenvolvimento. O Programa se propõe a dar orientação quanto aos aspectos que deverão ser observados relativos à saúde da criança, porém, os técnicos treinados não têm a atribuição de dar atendimento médico, mas realizam encaminhamentos necessários.

O programa é executado pelo Grupo Técnico Municipal – GTM, constituído intersetorialmente[3], onde a visitadora traz para as reuniões as situações específicas de cada família, observadas durante a realização das visitas, assim os profissionais do GTM fazem visitas domiciliares e os encaminhamentos necessários, sendo um elo entre a família e a rede de serviços do município, evitando assim situações de risco para a família. O GTM reúne-se semanalmente.

Ao completarem quatro anos de idade, a maioria das crianças saem do programa e passam a freqüentar as Escolas Municipais de Educação Infantil.

Em relação a crianças na faixa etária de 06 anos a 12 anos de idade, tem-se o programa ASEMA – Apoio Sócio Educativo em Meio Aberto (turno inverso à escola), oferecido no CRAS, visa atender as crianças em situação de risco em turno inverso a escola, principalmente crianças provenientes de famílias beneficiarias do programa Bolsa Família e que não tem onde ficar enquanto os pais estão trabalhando.

Realizam diversas atividades pedagógicas, brincam, passeiam, recebem lanche, sempre  supervisionados por uma professora. No município de Selbach as crianças recebem aulas de educação física e violão.

Em relação aos jovens, desenvolve no município o Projovem Adolescente, que destina-se a jovens de 15 a 17 anos, pertencentes as famílias beneficiarias do Programa Bolsa Família; egressos de medida socioeducativa de internação ou em cumprimento de outras medidas socioeducativas em meio aberto, conforme disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); em cumprimento ou egressos de medida de proteção, conforme disposto na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 e/ou Egressos ou vinculados a programas de combate à violência, ao abuso e à exploração sexual.

Tem por objetivo Complementar a proteção social básica a família, criando mecanismos para garantir a convivência familiar e comunitária e criar condições para a inserção, reinserção e permanência do jovem no sistema educacional.

Os jovens são organizados em um coletivo de 25 integrantes, sob a responsabilidade de um orientador social. O serviço é oferecido no CRAS, conta com 12,5 horas semanal, distribuídos em um encontro, que é definido como espaço de pesquisa, estudo, reflexão, debates, ação e experimentação, a partir de temas transversais como direitos humanos e socioassistenciais, trabalho, cultura, meio ambiente, saúde, esporte e lazer. Nos demais dias realizam as oficinas de artesanato e atividade física e oficina de geração de renda e qualificação para o trabalho. Ambas com profissionais para realizar as atividades, dentre eles o assistente social e o psicólogo do CRAS.

Realiza-se com os jovens, encontros/visitas a outros municípios, visando a integração entre os coletivos, com esporte, gincanas e atividades diversas com todos.

A fim de atender as mães dessas crianças e dos jovens, os CRAS oferecem oficinas de geração de renda, palestras e atividades educativas relacionadas a saúde, meio ambiente, direitos socioassistenciais, enfim, promovendo a informação das famílias e qualificação para o trabalho.

Conclusão

Muitos são os desafios, as possibilidades e os limites do agir profissional do assistente social no cotidiano do CRAS – Centro de Referencia de Assistência Social.

O maior desafio está em concretizar/materializar os preceitos legais, tais como: a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei Orgânica da Assistência Social, Política Nacional de Assistência Social.

Esse artigo enfatiza a criança enquanto prioridade absoluta, que tenha seus direitos assegurados, definindo que as famílias, instituições de atendimento ou outros não ajam de forma desrespeitosa, negligente, discriminatória. Diante das políticas públicas existentes, dos programas Federais e Estaduais que repassam recursos financeiros aos municípios, pode-se organizar uma rede de oferta de serviços de atendimento a família e a seus membros.

A implementação e organização do SUAS em todos os municípios, com CRAS, com fundos de financiamento, controle social através dos conselhos municipais e de direitos, com equipe de referência que planeje e execute tais ações, em conformidade com sua realidade, torna-se indispensável no atendimento das demandas municipais e enfrentamento a pobreza e a exclusão social.

Torna-se relevante, pensarmos em política de assistencia social emancipatória, que viabilize o acesso ao conhecimento e a informação de todos para buscarem seus direitos sociais e assim serem protagonistas de sua história. Partindo das crianças, para que almejem um futuro mais digno e por que não melhor do que seus pais, que não dependam exclusivamente de programas de transferência de renda, que não sejam máquinas de votos, mas cidadãos conscientes de sua condição, proporcionando sua inclusão social.

Nesse sentido, pensarmos na educação como um todo, para além da sala-de-aula, do simplesmente assistir aulas, mas no cotidiano das crianças e de suas famílias, considerando a característica do ser humano em produzir conhecimento e por meio dele transformar,organizar-se e rever valores, muitos destes apreendidos no contexto familiar, pois o aprendizado começa ao nascer, na família, continuando por toda a vida, na convivência com as outras pessoas.

 

Referência:
FILGUEIRAS, Cristina Almeida Cunha. “Trabalho, Sociedade e Políticas Sociais”.  Serviço Social e Sociedade. N. 55, Novembro, 1997, p.29-42.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 9°  ed. São Paulo: Cortez, 2005.
KIST, Rosane Bernardete Brochier. O processo de trabalho do assistente social e a garantia de direitos do idoso a partir da abordagem grupal. 2008. 162 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Serviço Social, Porto Alegre/RS. 2008.
MARTINS, Aline de Carvalho. Conselhos de direitos: democracia e participação. In: Política social, família e juventude: uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004.
POLITICA NACIONAL DE ASSISTENCIA SOCIAL. 2004.
TÜRCK, Maria da Graça Mauer Gomes. Rede interna e rede social: o desfio permanente na teia das relações sociais. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2001.
 
Notas:
[1] “A Constituição Federal de 1988 traz uma nova concepção para a Assistência Social brasileira. Incluída no âmbito da Seguridade Social e regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS em dezembro de 1993, como política social publica, a assistência social inicia seu transito para um campo novo:o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal.”(PNAS, 2004)

[2] Visitadora: Pessoa contratada ou selecionada por concurso publico, que recebe capacitação especifica para atuar com as famílias do programa.

[3] Cada município o constitui como desejar, considerando que é constituído por três integrantes, representantes de secretarias municipais.


Informações Sobre o Autor

Marcia Liliane Barboza Kurz

Assistente Social formada em 2001 pela Universidade de Cruz Alta- UNICRUZ. Especialista em Gerontologia Social pela Universidade de Passo Fundo – UPF/2003. Mestre em Serviço social pela PUCRS/2009. Servidora Pública Municipal na Prefeitura Municipal de Selbach/RS


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