Historicamente sempre existiu forma de trabalho organizado, contudo, a concepção de empresa como conhecemos hoje teve a sua fase embrionária no século XVIII, mais precisamente a partir da Revolução Industrial ocorrida no Reino Unido.
As linhas mais marcantes desse momento histórico foram: o liberalismo econômico, a formação de capital e a adoção de um conjunto de mudanças tecnológicas que substituíram o trabalho humano por máquinas.
Pois bem, após esse período embrionário, surgiu no início da década de 80 a fase da globalização da economia, segundo a qual setores da atividade econômica passaram a interagir e a atuar no mundo inteiro.
Atualmente a empresa é vista como a força motriz da economia mundial, responsável pela criação e circulação de bens, serviços e riquezas, de tal forma que é absolutamente inconcebível a ideia de sociedade sem a figura da empresa.
Juntamente com o fortalecimento vieram responsabilidades.
A sociedade de um modo geral espera que as empresas atuem de maneira íntegra, proba, de forma absolutamente transparente. A integridade da empresa passou a ser elemento decisivo para a sua própria existência, pois as pessoas não querem investir em empresas que estejam ou que possam vir a estar evolvidas em escândalos de fraude e corrupção.
Nessas situações o prejuízo para a empresa é certo.
A propósito, vale relembrar um caso recente ocorrido no País, onde bastou o Ministério Público denunciar alguns dirigentes de uma grande empresa de produtos de limpeza para que suas ações desvalorizassem significativamente.
Atentos a essa nova dinâmica, as organizações concluíram pela necessidade de se adotar um sistema contínuo de verificação da legalidade e idoneidade de suas condutas para diminuir os riscos em suas operações evitando, desta forma, incorrer em fraude, corrupção ou qualquer outra situação capaz de depreciar o nome da empresa.
Esse sistema contínuo de verificação é conhecido como compliance, termo oriundo do “verbo inglês to comply, que significa cumprir, executar, obedecer, observar, satisfazer o que lhe foi imposto.”.
No Brasil o compliance foi aplicado inicialmente no âmbito das instituições financeiras, expandindo, depois, para outros setores econômicos, normalmente aqueles com um número maior de normas regulamentadoras.
Nos dias atuais a adoção de um sistema de diminuição de riscos é necessário e útil a toda empresa, porquanto propicia benefícios como a valoração imaterial da empresa, consistente na respeitabilidade e confiança que ela passa a gozar no cenário econômico e social; em decorrência desta confiança, a empresa absorve mais clientes, torna-se bem-vista pelos fornecedores de capital, que diminuem taxas ante a diminuição do risco; incentiva investimentos, etc. Mas além de trazer benefícios imateriais, o compliance, em razão do seu caráter preventivo, tem o potencial de evitar despesas com indenizações, multas, sanções administrativas, processos, etc.
Embora seja difícil mensurar o valor econômico gerado com a implementação do compliance, “estudos referentes ao valor comercial do compliance comprovam que US$ 1,00 gasto significa a economia de US$ 5,00, referente a custos com processos legais, danos de reputação e perda de produtividade.” (in “Manual de Compliance”, Organizadores: Marcelo de Aguiar Coimbra e Vanessa Alessi Manzi, São Paulo : Atlas, 2010, p. 5).
Como se vê, o programa de compliance é a ferramenta mais adequada para se diminuir os riscos decorrentes das atividades empresariais e com isso minimizar as possibilidades de ocorrência de situações capazes de gerar prejuízo à empresa.
Colocado ao leitor uma visão panorâmica e rasa sobre o que é compliance, cumpre-nos fazer um recorte na matéria para destacar um viés desse programa, cuja finalidade está voltada especialmente para a prevenção de fatos que possam ser tipificados como crime.
Refiro-me ao criminal compliance, que pode ser definido como o sistema de contínua avaliação das condutas praticadas na atividade da empresa, destinado a evitar a violação, ainda que inconsciente, de normas criminais, ou mesmo evitar a prática de crimes contra a empresa.
Embora seja novidade no Brasil, em alguns países como os Estados Unidos da América e a Alemanha, as empresas já o adotaram há algum tempo como forma de minimizar os riscos criminais de suas atividades.
A implementação desse modelo de gestão empresarial é dividida em duas grandes etapas: a primeira refere-se a um levantamento de todas as condutas praticadas pela empresa no campo trabalhista, ambiental, tributário, financeiro, etc. A segunda, na posse do resultado deste levantamento identificam-se as condutas críticas, as quais podem ensejar o início de investigação ou mesmo ação penal, fazendo-se, em seguida, a adequação das condutas à legislação aplicável, quando possível, e, não sendo, é aconselhada a sua cessação.
Muitas vezes a empresa age sem saber que a sua conduta é criminosa ou pode vir a ser enquadrada futuramente como crime. Cite-se aqui, como exemplo, o caso “flexcard”, segundo o qual o Ministério Público Federal, ao contrário das empresas, considerou que o pagamento de incentivos de produtividade a funcionários, por meio de cartões magnéticos, tinha a natureza de salário e que por isso as empresas cometeram crime de supressão de contribuição previdenciária, pois nada recolheram nesse sentido. Ora, as empresas – pelo menos a sua maioria – acreditavam que aquela verba não tinha natureza salarial e não imaginavam a possibilidade de serem investigadas por suposta prática de crime de sonegação. Neste caso, se as empresas tivessem um programa de criminal compliance, certamente seriam advertidas de que aquela conduta era de risco e que poderia, no futuro, dar ensejo a uma discussão no âmbito criminal.
Mas não é só isso.
Com o criminal compliance também se criam normas de condutas dento da empresa, exigindo determinadas posturas e distribuindo responsabilidade entre os seus colaboradores. Institui-se formalmente a política de boas práticas dentro da empresa, pois cada indivíduo adquire a consciência, mediante a assinatura de termos, inclusive, sobre quais são as suas obrigações e deveres.
No ponto podemos destacar um caso envolvendo um parque de renome no Estado de São Paulo, em que se pretende atribuir a funcionários a responsabilidade pelo acidente em um brinquedo que resultou na morte de uma pessoa. Caso esse parque tivesse um programa de criminal compliance, certamente encontraríamos o responsável pela inspeção, manutenção e operação do equipamento, de sorte que, facilmente teríamos o culpado, se é que existiu.
O programa como se vê, possui dois pontos de destaque. Primeiro serve como meio inibidor de condutas negligentes, porquanto atribui a determinada pessoa, de modo expresso, claro e preciso, as suas responsabilidades sobre determinada área de atuação na empresa. Segundo, tem um caráter ético, pois permite que os verdadeiros responsáveis não se valham da pessoa jurídica, ou mesmo da complexidade das relações nela existes, para se escusarem de suas responsabilidades, fator determinante para manter o bom nome e a credibilidade da empresa.
A correta implementação do criminal compliance e seu constante monitoramento, traz benefícios no âmbito patrimonial e pessoal. Sob o aspecto patrimonial evita-se que a empresa seja alvo de operação policial ou mesmo de ação criminal, circunstância, como visto acima, de notório potencial lesivo, capaz inclusive de gerar sérias perdas financeiras. Sob o aspecto pessoal, evita-se que o administrador da empresa (presidente, diretor, etc), que por vezes desconhece a prática da conduta considerada criminosa, seja investigado, indiciado, réu em um processo-crime ou mesmo preso cautelarmente, pois o programa de diminuição de risco é capaz de revelar, de plano, os limites da sua responsabilidade penal naquele ato determinado.
Interessante anotar que no criminal compliance a consultoria criminal, comumente prestada após a realização do fato tido como criminoso, ou seja, de maneira contenciosa, passa a ter um nova perspectiva, a de prevenção, servindo de poderoso instrumento para que as empresas trabalhem absolutamente dentro das inúmeras normas penais vigentes (crimes financeiros, tributários, econômicos, ambientais, trabalhistas, consumeristas, etc.), bem como para delimitar a responsabilidade criminal de seus colaboradores, evitando que atos de desvio das normas de conduta ou mesmo criminosos sejam vinculados à empresa ou atribuído indevidamente a determinadas pessoas, apenas por ocuparem cargos de administração.
Presidente da Comissão de Estudos sobre o Sistema Viária da OAB/SP, Vice-Presidente da Comissão de Assistência Judiciária da OAB/SP, Presidente da 93ª Subseção da OAB/SP – Pinheiros, Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, advogado criminalista e professor universitário
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