Criminalização da LGBTfobia: Uma Problematização Necessária

Maria Eduarda Camargo Pereira[1]

Helen Correa Solis Neves[2]

 

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RESUMO: O presente artigo busca abordar a criminalização da homofobia, algo muito discutido no Brasil e no mundo atualmente. Assim, o tema em questão foi dividido em três tópicos, a fim de entender como essa discussão perpetuou na história mundial, como essa problemática ainda influencia a vida da sociedade no mundo contemporâneo e como funciona a legislação de alguns países a respeito deste tema. Além disso, é objetivo do artigo abordar os mais diversos posicionamentos, a fim de permitir uma compreensão mais ampla desta questão. Por fim, delimitou-se que a criminalização da homotransfobia é necessária, entretanto, somente deve ser efetivada quando feita da maneira correta, ou seja, por meio do Poder Legislativo e com o intermédio do sistema educacional.

PALAVRAS CHAVE: Homossexual. Sistema Educacional. Ativismo judicial. Conservadorismo.

 

ABSTRACT: This article seeks to address the criminalization of homophobia, something much discussed in Brazil and in the world today. Thus, the theme in discussion was divided into three topics, in order to understand how this discussion perpetuated in world history, how this issue still influences the life of society in the contemporary world and how the legislation of some countries about this subject works. In addition, it is the purpose of the article to approach the most diverse positions, in order to allow a broader understanding of this issue. Finally, it was established that the criminalization of homophobia is necessary, however, it should only be carried out when done correctly, that is, through the Legislative Branch and with the intermediary of the educational system.KEY WORDS: Homosexual. Educational system. Judicial activism. Conservatism.

 

SUMÁRIO: Introdução. 1. Contexto histórico da violência que produziu a homotransfobia. 2. Argumentos prós e contras a criminalização da homotransfobia. 3. Experiências mundiais de criminalização e não criminalização da homotransfobia. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Homofobia, segundo o dicionário, é o medo patológico em relação à homossexualidade e aos homossexuais, a quem se sente sexual e afetivamente atraído por pessoas do mesmo sexo e essa forma de preconceito prejudica milhares de pessoas diariamente. Um crime com viés homofóbico afeta a vida de todos os envolvidos, especialmente a da vítima, considerando que ela foi submetida a esse acontecimento apenas por expressar sua orientação sexual, algo que é, definitivamente, intrínseco à natureza humana. Assim, com os debates atuais, faz-se necessária a discussão da criminalização da homotransfobia, que está sendo decidida pelo Poder Judiciário brasileiro. Existem diversos posicionamentos acerca desse assunto e a finalidade desse artigo é pontuar e analisar aqueles que possuem maior relevância, ou seja, os que são mais discutidos pela sociedade.

É de suma importância o debate de ideais, independentemente do assunto, a fim de que seja possível descobrir a melhor forma para lidar com o problema apresentado, assim, isso não seria diferente a respeito da criminalização da homofobia. A apresentação de diferentes posições acerca de um mesmo assunto permite que seja visualizada a questão de uma forma mais ampla e democrática, além disso, permite que os opositores consigam enxergar o lado do seu adversário para que possam compreender o porquê daquele pensamento e respeitá-lo plenamente. A respeito da criminalização da homotransfobia, seria essa a melhor maneira de se combater o preconceito? Não seria essencial realizar outras mudanças anteriormente? O presente artigo buscará abordar os mais diversos posicionamentos e, por fim, posicionar-se-á acerca do assunto. Para responder a estes questionamentos utilizer-se-á como metodologia a revisão da bibliografia sobre o assunto, bem como matérias jornalísticas que tratam desta questão.

No primeiro tópico será feita a contextualização da historicidade do preconceito em pauta, com a finalidade de entender os motivos os quais fizeram com que existisse a possibilidade de se criar uma legislação específica para proteger a população LGBT. Além disso, é preciso compreender qual foi o momento em que a homossexualidade começou a ser vista, por parte da sociedade, como algo negativo e descobrir se em algum momento anterior à essa depreciação existiu a aceitação e normalização do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Ademais, é fundamental para esse artigo que sejam ressaltados alguns acontecimentos, como crimes marcados pela intensa violência, os quais tornaram urgente, para os defensores da criminalização, a criação de uma lei que punisse de forma específica quem praticasse atos homofóbicos. Por fim, torna-se necessário citar dados os quais confirmem a violência existente para com a comunidade LGBT, especialmente no Brasil.

Em segundo lugar, é fundamental que sejam pontuados os posicionamentos mais contundentes a respeito da possível criminalização da homotransfobia.  Os argumentos, tanto favoráveis quanto contrários, devem apresentar, preferencialmente, embasamento teórico, mesmo que religioso.  Assim, será analisada a Constituição Federal de 1988 e os direitos que nela estão previstos e como isso influencia na criminalização da homofobia. Além disso, outros documentos legislativos, a exemplo do Código Penal, serão analisados à luz da pauta em questão. Também serão discorridos os argumentos contrários à criminalização da homofobia por meio do viés religioso, argumento utilizados por alguns dos críticos à criação dessa lei. Ademais, o sistema carcerário também será pautado no artigo, assim como questões acerca da criminalidade no Brasil. Por fim, será discorrida sobre a existência do ativismo judicial, considerando que a votação da a criminalização da homotransfobia está sendo realizada pelo Supremo Tribunal Federal, membro do Poder Judiciário.

Em terceiro lugar, é preciso que sejam feitas análises acerca de países que criminalizaram ou não essa forma de preconceito, entender o contexto histórico e educacional no qual eles estão inseridos e descobrir, no caso dos países que criminalizaram a homotransfobia, se a criação da lei foi a única medida utilizada. Assim, serão pontuados e estudados o Canadá, que criminalizou essa forma de preconceito, os Estados Unidos, que também criminalizaram, porém, apresentam certas dificuldades quando se trata da prevenção de crimes homofóbicos e o Sudão, país o qual possui fortes índices de homofobia e, claramente, não a criminalizou. Finalmente, é essencial que seja mencionada a função da educação, especialmente na formação dos membros da sociedade.

Assim, após abordar todos os temas citados anteriormente, será possível apontar os melhores caminhos para acabar ou prevenir a homofobia, mesmo que isso inclua ou não a sua criminalização. Como dito anteriormente, apenas por meio da discussão dos posicionamentos existentes será possível decidir se a melhor decisão para resolver problemas como esse seria criar uma lei especifica e apostar no poder do Direito Penal para resolver problemas como esse.

 

  1. Contexto histórico da violência que produziu a homotransfobia

O art. 3º da Constituição Federal de 1988, precisamente no inciso IV, prevê que é objetivo fundamental da Republica Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, entretanto, quando o assunto é a comunidade LGBT, é fato que não existe a efetivação desses objetivos previstos na Lei Maior. Assim, é necessário fazer um aparato geral e histórico sobre o porquê da necessidade do debate mediante a criminalização da homotransfobia, especialmente no ano de 2019.

Por milhares de anos o amor entre duas pessoas do mesmo gênero foi considerado como algo comum, especialmente em sociedades que ainda não haviam tido contato com o homem branco, a exemplo do Brasil antes da Era Colonial, como afirma o jornal O Globo (SANCHES, 2018, online). Com a chegada dos portugueses, os costumes europeus foram espalhados por meio da violência e, junto a esses hábitos, a homofobia chegou e se consolidou. É de suma importância ressaltar o viés jesuíta do pensamento do colono português, logo, esse assunto foi tratado com um olhar totalmente religioso, baseado na “Bíblia”.

Ainda dentro do contexto histórico colonial, segundo o jornal Opção (BELÉM, 2015, online), um documento datado de 1549, escrito pelo sacerdote e chefe da primeira missão jesuítica na América, Padre Manoel da Nóbrega, já relatava hábitos homossexuais presentes na cultura indígena brasileira e, por meio desse documento, denunciou-os a Coroa Portuguesa, ainda assim, de acordo com a reportagem “Amor de índio”, publicada na revista Aventuras na Historia (BERNARDO, 2017, online), a primeira vitima de um crime com viés homofóbico no Brasil foi o índio Tibira, que foi preso, torturado e morto a mando do entomólogo francês Yves d’Evreux. O sofrimento do índio foi documentado pelo missionário citado anteriormente em seu diário “Viagem ao Norte do Brasil feita nos anos de 1613 e 1614”, o pretexto utilizado foi o de “purificar a terra do abominável pecado da sodomia”.

Na história recente do Brasil, diversos casos de violência foram registrados contra essa parcela da população, como foi relatado no livro “Holocausto Brasileiro” da jornalista Daniela Arbex, o qual denuncia o isolamento involuntário de pessoas, dentre elas LGBTs, em um hospício na cidade de Barbacena, em Minas Gerais. Ainda sobre o livro, diversos casos de tortura e exposição a condições subumanas vividos por homossexuais confinados são relatados (ARBEX, 2013, p. 14). Posteriormente, no decorrer da historia, outras vidas seriam perdidas para o preconceito.

Com a chegada dos ditos tempos modernos, a heteronormatividade foi agraciada pela sociedade, seja por questões religiosas ou puramente culturais. Sendo assim, relações homoafetivas, que fogem desse padrão, tendem a ser discriminadas puramente por sua natureza desviante do modelo considerado positivo e aceito pela comunidade. Um exemplo a nível mundial das consequências da homotransfobia foi a perseguição efetivada pelo regime nazista aos homossexuais com o denominado “triangulo rosa”, símbolo o qual era utilizado para marcar homossexuais nos campos de concentração (PARKINSON, 2016, online).

Nesse ínterim, a homossexualidade foi oficialmente retirada da lista internacional de doenças escrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 17 de maio de 1990, porém, mesmo após essa conquista, ainda existem tentativas de tratar a homossexualidade, considerando-a como algo patológico, o que contraria a OMS (FACCHINI, 2018, online). A homotransfobia no Brasil foi amplamente intensificada nos últimos anos, tendo em vista que, de acordo com jornal O Globo (17 jan. 2018, online) o assassinato de LGBTs aumentou 30% entre 2016 e 2017, essa pesquisa foi realizada pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil, fundada em 1980. Além disso, ainda segundo o jornal O Globo (QUEIROGA, 2018, online), a nação brasileira segue no primeiro lugar no ranking mundial de assassinatos de transexuais, de acordo com pesquisa da ONG Transgender Europe, uma rede de diferentes organizações de pessoas transexuais, transgêneros e outras pessoas que pensam da mesma maneira para combater a discriminação e apoiar os direitos das pessoas trans.

É importante frisar que o comportamento homossexual está presente em todas espécies, o que faz dele algo completamente normal e natural, entretanto, a espécie humana é dotada de preconceitos, o que faz com que esse comportamento seja julgado e, consequentemente, condenado por algumas pessoas, mesmo sendo algo intrínseco à natureza humana. Sendo assim, fica explícito que, mesmo com atitudes internacionais, como foi o caso do feito histórico da OMS por meio da retirada da homossexualidade da lista internacional de doenças, a homofobia não acabou, pelo contrário, o índice de assassinados com motivações homofóbicas aumentou no Brasil.

Casos de violência extrema, como o assassinato da travesti Dandara dos Santos relatado pelo jornal BBC (LAVOR, 2017, online), que foi apedrejada e morta a tiros em 15 de fevereiro de 2017, na cidade Fortaleza no Ceará, chocam toda a sociedade e aumenta ainda mais o medo da comunidade LGBT de realizar atividades corriqueiras, como ir ao supermercado ou andar na rua. Apos barbáries como estas, o clamor popular por mudança na legislação brasileira toma conta da mídia, a criminalização da homofobia se torna uma alternativa para tentar fornecer segurança, que é um direito individual, às lésbicas, aos gays, aos bissexuais e às pessoas trans.

Segundo o site do Senado Federal (BORTONI, 2017, online), a expectativa média de vida de um transexual no Brasil é de 35 anos, a metade da media nacional. Isso está diretamente relacionado com a cultura do ódio existente quando o assunto é homossexualidade. Discursos de ódio efetuados por algumas autoridades do pais não colaboram em nada para a dignificação da vida do transexual no Estado que,  ainda conforme o site do Senado Federal (BORTONI, 2018, online) mais mata essa parcela da sociedade. A Constituição Federal de 1988 prevê o direito à vida e, claramente, isso não está sendo assegurado aos transexuais.

Os direitos LGBTs ainda são prematuros no Brasil, por exemplo: o casamento homoafetivo só foi garantido pela justiça em 15 de maio de 2013, ou seja, anteriormente os casais homossexuais não tinham o mesmo direito dos casais heterossexuais, mesmo que a igualdade esteja prevista na Constituição Federal de 1988. Além disso, conforme o jornal O Globo (MENDES; FERREIRA, 2018, online) o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) somente regulamentou as alterações de nome e sexo no registro civil para pessoas transexuais sem precisar apresentar uma ordem judicial em 28 de junho de 2018, fato que por si só aponta a prematuridade dos direitos dessa parcela da sociedade.

Dessa maneira, é fundamental para esse artigo ressaltar que, consoante ao jornal Folha de São Paulo (MANTOVANI, 2019, online), relações homossexuais ainda são consideradas crime em 70 países do mundo, alguns preveem a pena de morte para quem cometer tal ato. Nesse contexto, são por motivações como as citadas anteriormente que o debate da criminalização da homofobia é necessário, a fim de se verificar se esta é a melhor solução.

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  1. Argumentos prós e contras a criminalização da homotransfobia

Inicialmente, é interessante mencionar que para que haja democracia é fundamental que haja oposição, ou seja, debate de opiniões, ideias e pensamentos, tendo em vista que só é possível obter conhecimento ao analisar todos os lados existentes do assunto proposto. Nesse contexto, a criminalização da homotransfobia divide opiniões em toda a sociedade, com pessoas contra e a favor dessa proposta, assim, é fundamental para esse artigo que os dois polos sejam examinados, a fim de que seja possível a análise do tema da maneira mais ampla possível.

Em primeiro lugar, esse artigo contemplará os argumentos favoráveis à criminalização da homofobia no Brasil. Sendo assim, por que a criminalização da LGBTfobia seria necessária? Historicamente, a comunidade LGBT foi marginalizada pelas igrejas, detentoras de grande influência na sociedade medieval e também na modernidade, as quais consideram as relações homossexuais pecado. Essa marginalização também ocorre por parte do Estado e sua inércia mediante os diversos crimes de ódio que ocorreram nos últimos anos, como citado no primeiro tópico, considerando que crimes com motivações homofóbicas ocorrem há muito tempo e mesmo assim não houve a criação de uma lei específica para esse grupo social vulnerável.

O art. 1º Constituição Federal de 1988 aponta como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, em seu inciso III, a dignidade humana. Dessa maneira, para muitos, a criminalização da homofobia seria a garantia dessa proposição, ao compreender que a população LGBT deveria ter assegurado seu direito de expressar livremente a sua orientação sexual e a sua identidade de gênero, sem precisar temer por sua vida, já que isso faz parte do preceito em questão. Assim, ao afirmar que toda Nação busca efetivar o texto constitucional, criminalizar a homotransfobia seria um dos caminhos para tal. Ainda a respeito da Constituição Federal de 1988, precisamente em seu art. 5, inciso XLI, afirma que “A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, ou seja, não criminalizar a LGBTfobia seria, para os defensores dessa pauta, um claro desrespeito à Carta Magna.

Além disso, muitos afirmam que seria uma questão de igualdade, ao apontar que outros grupos vulneráveis, como as mulheres, possuem legislações específicas, a exemplo da Lei Maria da Penha, que, de acordo com seu preambulo, “Cria mecanismos para coibir a violência domestica e familiar contra a mulher”. Ademais, os defensores dessa causa afirmam que, caso aprovada a criminalização da homotransfobia, seria um mecanismo essencial para garantir o direito à vida, afinal, segundo um levantamento obtido pelo jornal O Globo (SOUTO, 2018, online), a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou comete suicídio, o que faz o Brasil ser campeão desse tipo de crime e esses dados apontariam, claramente, uma urgência social relativa a esse tema.

Em entrevista ao jornal BBC (BARIFOUSE, 2019, online), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou que o Congresso sempre ofereceu proteção pela lei penal a grupos sociais vulneráveis, como crianças e adolescentes, idosos, portadores de deficiência, mulheres e consumidores, “No entanto, apesar de dezenas de projetos de lei, só a discriminação homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O único caso em que o próprio Congresso não seguiu o seu padrão”. Ainda conforme essa entrevista ao jornal BBC, para o advogado Paulo Iotti, doutor de Direito Constitucional, “O direito penal existe para defender a sociedade e também minorias e grupos sociais vulneráveis. Por isso, criminaliza o racismo e coíbe a violência contra a mulher, mas o Código Penal não é suficiente hoje para proteger a população LGBT.”.

Essa insuficiência do Código Penal se explica ao colocar em pauta que crimes homofóbicos ainda ocorrem com frequência considerável, já que, como citado anteriormente, a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou comete suicídio no Brasil. Além disso, esses crimes ocorrem com tamanha violência, a exemplo do caso reportado pelo site de noticias G1 (2019, online), no qual relata que a travesti Quelly da Silva, de 35 anos, foi assassinada e teve seu coração arrancado. O assassino afirmou, sorrindo, que a travesti era um demônio e tranquilamente descreu o crime cometido.

Ademais, uma parcela dos defensores da pauta em discussão afirma que a homofobia seria uma forma de racismo e que deveria ser enquadrada nessa modalidade criminal (Lei 7716/89), já que, novamente, a Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 5, inciso XLI que “A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.”. Portanto, assim como o crime de racismo é um atentado aos direitos fundamentais previstos no artigo 5 da Lei Maior, o mesmo seria válido para a homofobia, que é uma violação clara de direitos tais como: o direito à segurança, à liberdade, à igualdade, à dignidade, e, muitas vezes, à vida. Em notícia divulgada pelo site do Consultor Jurídico (POMPEU, 2019, online), o ministro Celso de Mello, em seu voto a respeito da criminalização da homofobia, argumenta que esse preconceito seria uma forma de racismo contemporâneo, tendo em vista que ambas as maneiras de discriminação estão baseadas no mesmo preceito de exclusão.

Ademais, outra vertente a respeito da criminalização da homotransfobia é a de que isso seria apenas o exercício da concepção do Direito Penal. Para Bitencourt (2018, p. 141):

Atualmente podemos afirmar que a concepção do direito penal está intimamente relacionada com os efeitos que ele deve produzir, tanto sobre o individuo que é objeto da persecução estatal, como sobre a sociedade na qual atua. Além disso, é quase unânime, no mundo da ciência do Direito Penal, a afirmação de que a pena justifica-se por sua necessidade. Muñoz Conde acredita que sem a pena não seria possível a convivência na sociedade de nossos dias.

Dessa maneira, para cumprir com a concepção do Direito Penal e controlar a violência existente para com a comunidade LGBT, seria fundamental a criminalização dessa forma de preconceito, considerando que um dos efeitos produzidos pela norma poderia ser a diminuição de crimes com motivações homofóbicas e que existe, claramente, uma necessidade de se criar uma pena para tais crimes. Além disso, a convivência em sociedade, que faz parte dessa concepção, seria facilitada, tendo em vista que a comunidade LGBT poderia ter seus direitos assegurados por meio de uma lei penal.

Ainda segundo o Direito Penal, a fim de proteger a dignidade da pessoa humana e preencher a lacuna existente na lei, lacuna a qual não permite que os homossexuais e os transexuais tenham seu direito de viver assegurado, o Poder Judiciário teria a necessidade de fazer a analogia da lei. Dessa forma, o STF estaria cumprindo apenas a sua função, ou seja, caso haja insuficiência na lei, o juiz deve fazer a analogia. Segundo Bitencourt (2018, p. 207):

A analogia não se confunde com a interpretação extensiva ou mesmo com a interpretação analógica. A analogia, convém registrar desde logo, não é propriamente forma de interpretação, mas de aplicação da norma legal. A função da analogia não é, por conseguinte, interpretativa da norma jurídica. Com a analogia procura-se aplicar determinado preceito ou mesmo os próprios princípios gerais do direito a uma hipótese não contemplada no texto legal, isto é, com ela busca-se colmatar uma lacuna na lei. Na verdade, a analogia não é um meio de interpretação, mas de integração do sistema jurídico. Nese hipótese, não há um texto de lei obscuro ou incerto cujo sentido exato se procure esclarecer. Há, com efeito, a ausência de lei que discipline especificamente essa situação.

Por fim, após a apresentação dos fatos anteriores, criminalizar a homofobia, para os defensores da pauta, mesmo que feito pelo STF, não seria nada além do cumprimento da função judiciária, já que este deve realizar a analogia em caso de existir uma lacuna na lei. Portanto, fica explícito, de acordo com os defensores do argumento posterior, que, caso não criminalizada a homotransfobia, o judiciário estaria sendo omisso para com sua função.

Em segundo lugar, faz-se necessária a discussão mediante os argumentos contrários à criminalização da homofobia, tendo em vista que o artigo se propõe à esta análise. Existem diversas vertentes a respeito desse assunto, umas delas, por mais fundamentalista que seja, utiliza a pauta de que, caso criminalizada a homofobia, a liberdade religiosa estaria em risco. A atual Constituição vigente no país afirma, em seu artigo 5, inciso VI, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Assim, a criminalização da homofobia violaria a proteção à liturgia religiosa, ao considerar que livros sagrados, como a “Bíblia”, condenam práticas homossexuais, como afirma o terceiro livro do texto sagrado em questão, Levíticos, em seu capítulo 18, versículo 22 “com homem não te deitarás, como se fosse mulher, abominação é”.

Além disso, outro pensamento contrário à criminalização da LGBTfobia está embasado no fato do Brasil ter, de acordo com o site da Câmara dos Deputados (CALVI, 2018, online) a quarta maior população carcerária do mundo, composta por, aproximadamente, 700 mil presos, logo, o país não possui a estrutura necessária para comportar essa quantidade exorbitante de detentos. Dessa forma, criminalizar a homofobia iria aumentar esse número que já é, obviamente, inadequado. Ainda segundo matéria citada anteriormente, 61,7% dos encarcerados são pretos ou pardos e 75% deles possuem até o ensino fundamental completo, fato que seria um indicador de baixa renda, ou seja, ao criminalizar a homotransfobia, essas parcelas da população (negros e pobres) seriam ainda mais penalizadas, tendo em vista que são os que mais sofrem com o sistema penal brasileiro, o que entra no âmbito da criminalização da pobreza. Para Vilson Faria, doutor em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (Argentina), doutor em Direito Civil pela Universidade de Granada (Espanha), pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Del Museo Social Argentino (Argentina), especialista em Ciências Criminais pela PUC-RS, dentre outras qualificações, em seu artigo “O Ministério Público na Vanguarda  do Combate ao Racismo”, publicado no site da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (2015, online):

No nível simbólico, ou seja, no nível das representações recíprocas que os grupos constroem interativamente, o racismo estará particularmente empenhado em pôr à mesa uma série de rebaixamentos sobre o negro, fazendo pesar-lhe a acusação de criminoso em potencial. Proveitosamente, o sistema penal reintensifica como pode o aludido estereótipo, convocando os discriminados a prestarem explicações reiteradas vezes. Não é demais, assim, afirmar que o sistema penal representa a continuidade do racismo por outros meios ou que, o sistema de discriminação penal está organicamente vinculado ao sistema de discriminação racial

Dessa maneira, criminalizar a homofobia poderia, por consequência do racismo existente no Direito Penal, encarcerar mais negros e aumentar a desigualdade racial já existente no país. Como visto anteriormente, a maior parte da população carcerária é negra e, com a criação de mais punições penais, esse número poderia se tornar ainda mias expressivo.

Ainda a respeito do sistema carcerário brasileiro, cabe a seguinte reflexão: mesmo sendo o quarto país que mais encarcera no mundo, a taxa de criminalidade no Brasil ainda é alta, colocando em pauta que, de acordo com o site de notícias G1 (2019, online), mesmo com queda de 10% nas mortes violentas, o país registrou, no ano de 2018, 51.589 assassinatos. Ou seja, será mesmo que mandar mais pessoas para a cadeia, sem se preocupar com a causa primeira do problema, seria a solução para o fim da homofobia? Criminalizar condutas realmente reduz a criminalidade?

Ademais, o fato da possível criminalização da LGBTfobia ser votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) caracteriza, claramente, um caso de ativismo judicial e, para o juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, doutor em direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor da Faculdade de Direito de Recife (UFPE) e na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em artigo publicado no site do Consulto Jurídico (NOGUEIRA, 2019, online), “Fora da previsão constitucional, portanto, todo ativismo é um exercício arbitrário de razões próprias (metajurídicas) e as suas decisões, efeitos dessa espiritualização que não podem ser tomadas como produto de Estado”. Assim, permitir a criminalização da homofobia por meio de um ato de ativismo judicial seria dar aval ao comportamento arbitrário do Poder Judiciário.

Portanto, fica evidente que os argumentos de ambos os posicionamentos são válidos e, em sua maioria, possuem algum embasamento teórico. Ademais, posteriormente serão analisadas experiências mundiais de criminalização e não criminalização da LGBTfobia, a fim de ser possível a contemplação de casos concretos mediante esse assunto.

 

  1. Experiências mundiais de criminalização e não criminalização da homotransfobia

A homofobia, segundo o jornal Correio do Estado (AVELAR, 2019, online), atualmente, é crime em mais de 40 países, nessas Nações, a prática de LGBTfobia é considerada um agravante de crime de ódio. Esse artigo se propõe a analisar, em âmbito mundial, a criminalização da homotransfobia, a fim de considerar os dois polos, ou seja, os defensores e os críticos à criminalização e refletir se é ou não a melhor forma de se combater o preconceito. Assim, é preciso questionar: a criminalização foi feita unicamente por viés penal/judicial ou em conjunto de outras medidas? Histórica e educacionalmente, qual a diferença desses países, com destaque para o Canadá, para com o Brasil?

O Canadá, considerado um país desenvolvido, segundo artigo publicado na Revista Educação e Cultura Contemporânea, escrito por Nilson Fernandes Dinis, psicólogo, mestre em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas e doutor pena Universidade Estadual de Campinas (2012, p. 75), é contra a discriminação à orientação sexual desde 1982, por meio da Canadian Charter of Rights and Freedom. Ademais, a Lei Canadense de Direitos Humanos afirma, em sua primeira parte, que:

Para todos os efeitos desta Lei, as razões de discriminação proibidas são raça, origem nacional ou étnica, cor, religião, idade, sexo, orientação sexual, identidade ou expressão de gênero, estado civil, status familiar, características genéticas, deficiência e condenação por um delito para o qual foi concedido um perdão ou em relação ao qual foi ordenada a suspensão de um registro

Além disso, ainda segundo o artigo mencionado anteriormente, o país foi pioneiro entre os países americanos em adotar políticas de inclusão de direitos da comunidade LGBT em sua agenda. Fatos como os citados acima apontam uma proteção considerável à população homossexual por parte do Estado canadense.

É possível afirmar que a educação canadense tem sido um alicerce essencial para a aceitação LGBT, já que as escolas e universidades abordam assuntos relacionados à diversidade sexual e, com isso, alcançam maior visibilidade e apoio aos homossexuais. Nesse ínterim, como aponta Nilson Fernandes Dinis, (2012, p. 77):

Mesmo que o conservadorismo esteja ainda presente em parte do discurso educacional, o processo de desconstrução das categorias tradicionais das identidades sexuais e de gênero tem sido bastante presente no mundo contemporâneo devido à atuação dos grupos feministas e dos grupos LGBT que reivindicam mais espaço de representação em nossa sociedade. Um desses espaços tem sido justamente o do currículo das escolas de ensino fundamental e médio, e também no processo de formação de docentes nas universidades. Essa maior visibilidade tem resultado em uma maior conscientização dos direitos das minorias sexuais e de gênero, porém tem também despertado reações por parte de grupos conservadores que reivindicam em nome da “liberdade de expressão” seu direito de discriminar determinados grupos. Tal cenário apela para que o tema da diversidade sexual e de gênero seja cada vez mais debatido no currículo de formação docente, preparando educadoras e educadores para resistir aos discursos normativos sobre corpo, gênero e sexualidade. A maioria das universidades no Canadá parece ter se integrado a essa proposta incentivando a inserção de temas sobre diversidade sexual ou de gênero nas suas grades curriculares, e ao mesmo tempo desenvolvendo políticas de combate às discriminações baseadas em identidade de gênero ou em orientação sexual

Entretanto, é necessário analisar o contexto educacional no qual se encontra o Canadá, considerando que é um país usado como referência mundial quando se trata de educação, já que, segundo matéria publicada pelo jornal BBC (COUGHLAN, 2017, online), o país é uma superpotência quando se trata de educação e ficou entre os dez melhores países em matemática, ciência e interpretação de texto. Dessa maneira, para Maria Cecília de Souza Minayo, cientista social, mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em saúde publica pela Fundação Oswaldo Cruz, em artigo publicado pela Revista Pedagógica (2013, p. 258):

Portanto, é possível pensar a educação como uma forma de diminuir a violência social e a criminalidade no médio e no longo prazo, pois os indivíduos melhores preparados e com maiores qualificações conseguem se inserir melhor no mercado do trabalho, têm mais oportunidades, melhores salários, têm mais noção de cidadania e de seus direitos e deveres, o que os torna menos propensos a se inserirem em grupos criminosos.

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Acerca da citação feita anteriormente é plausível afirmar que a educação inibe a violência, a qual, muitas vezes, a comunidade LGBT é vítima. Por consequência, é possível perceber uma realidade social muito diferente da encontrada no Brasil, especialmente no âmbito educacional, logo, existe o seguinte questionamento: não seria necessário, antes de se criminalizar a homotransfobia, mudanças profundas nas bases educacionais brasileiras?

Em um possível meio termo encontram-se os Estados Unidos, país que criminaliza a homofobia por meio de sua lei federal Matthew Shepard and James Byrd Jr. Hate Crimes Prevention Act, aprovada em 2009. A respeito da lei citada anteriormente, é interessante discorrer brevemente a respeito da história de Matthew Shepard, segundo o jornal BBC (SHEERIN, 2018, online). Matthew, com 21 anos à época, era calouro da Universidade de Wyoming e abertamente homossexual. Em uma noite o estudante foi para um bar, local onde dois homens ganharam a confiança de Shepard e o atraíram até uma picape. Dentro do carro, um dos homens arrancou uma arma, bateu em Matthew e roubou sua carteira. Eles dirigiram para fora da cidade e amarraram a vítima em uma cerca de madeira, posteriormente, torturaram o estudante e o deixaram para morrer.

Este crime marcou os Estados Unidos, considerando que, além de extremamente violento, foi cometido por motivações homofóbicas. A lei federal Matthew Shepard and James Byrd Jr. Hate Crimes Prevention Act, segundo o site do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (2019, online), fornece financiamento e assistência técnica a jurisdições estaduais e locais para ajudá-las a investigar e processar com mais eficiência os crimes de ódio motivados por, dentre outros, orientação sexual. Portanto, é considerada um grande avanço para a comunidade LGBT, considerando que essa legislação os protege dos atos homofóbicos que possam acontecer.

Entretanto, existem algumas observações a serem feitas, a fim de considerar se a legislação é realmente efetiva para o fim ou prevenção da homofobia, a exemplo de uma matéria presente na revista Galileu (LACOMBE, 2015, online), a qual afirma que, em 2015, 40% dos sem-teto dos EUA eram adolescentes gays que se encontravam em situação de rua devido à rejeição familiar por serem homossexuais:

O número estimado de jovens com esse histórico que precisam recorrer a abrigos públicos assusta: mais de 300 mil, de acordo com cálculo feito pelo Center of American Progress. E enquanto muitas outras questões gays chegam ao debate público —como casamento e adoção —, o tema do adolescente abandonado pela família permanece à sombra.

Ainda segundo a matéria citada anteriormente, o índice de suicídio é oito vezes maior entre os adolescentes gays quando comparado a um adolescente heterossexual. Outra informação que consta na matéria é o fato de que “estudos feitos com adolescentes em abrigos indicam que a maioria vem de família muito conservadora e religiosa, dentro das quais é mais difícil entender a homossexualidade como natural e mais fácil enquadrá-la como doença ou desvio de caráter”. Portanto, é possível perceber que, mesmo com uma legislação específica a respeito da homofobia, o pensamento familiar ainda continua, em partes, o mesmo e a comunidade LGBT continua a ser marginalizada, algumas vezes pelo próprio núcleo familiar.

Além disso, outro fato que deve ser destacado é que, de acordo com o site da revista Consultor Jurídico (MELO, 2017, online), “o Tribunal de Recursos de West Virginia decidiu que agressões contra gays não podem ser consideradas crime de ódio, porque a lei estadual, que menciona sexo, não menciona orientação sexual como fator de discriminação”. O fato, por si só, demonstra uma clara decisão conservadora, a qual contraria a lei federal Matthew Shepard and James Byrd Jr. Hate Crimes Prevention Act citada anteriormente.

Outro acontecimento que causou discussões acerca da homofobia nos Estados Unidos foi a suspensão de casamentos gays no estado do Alabama. Segundo o site de notícias G1 (2016, online), o presidente da Suprema Corte do Alabama havia ordenado aos juízes do estado que não emitissem mais licenças matrimoniais para casais do mesmo sexo. Como consta na matéria:

A maior autoridade judicial do país legalizou o casamento do mesmo sexo em todo o território norte-americano em 26 de junho de 2015 em uma decisão histórica. Naquela época, o Tribunal decidiu que os 14 estados (de 50) que ainda se recusavam a unir duas pessoas do mesmo sexo, não só deveriam fazê-lo como também reconhecer os casamentos gays realizados em outros estados.

Mas, segundo Moore, esta decisão federal envolve “confusão e incerteza” entre os juízes de família do Alabama. Alguns se submetem a ela, outros não emitem licenças de casamento para casais gays e outros simplesmente pararam de emitir licenças, de acordo com a ordem do juiz.

Logo, fica evidente que, mesmo com a legislação existente, que criminaliza a homotransfobia, alguns fatos e decisões continuam a prejudicar a comunidade LGBT. Ou seja, existem problemas a serem resolvidos, especialmente a respeito da mentalidade conservadora existente dentro dos núcleos familiares.

Ademais, em contrapartida, existem países que não criminalizam as práticas com cunho homofóbico, o que é o caso do Brasil e, algumas vezes, possuem legislações que prejudicam a comunidade LGBT. Segundo matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo (SMITH, 2014, online), a África é o continente mais homofóbico do mundo. Após essa afirmação, se faz necessária a análise do contexto histórico e educacional desse local.

No quesito educacional, a África se mostra um continente com diversas dificuldades, já que, segundo o jornal BBC (BERMÚDEZ, 2017, online), “Na África Subsaariana, 88% dos alunos concluem os estudos equivalentes ao fundamental com problemas de compreensão em leitura”, fato que por si só demonstra a deficiência existente no sistema educacional africano. Dessa maneira, é possível relacionar a homofobia com índices educacionais debilitados, pois, segundo Zabala (2010, p 28):

A capacidade de uma pessoa para se relacionar depende das experiências que vive, e as instituições educacionais são um dos lugares preferenciais, nesta época, para se estabelecer vínculos e relações que condicionam e definem as próprias concepções pessoais sobre si mesmo e sobre os demais.

Conforme a citação acima, a educação molda as concepções pessoais sobre si e os demais, logo, quando há uma educação boa, tolerante e inclusiva, tal qual a do Canadá, a tolerância por parte da população sobre temas a respeito da diversidade sexual, por exemplo, é maior. Quando há mais tolerância, o preconceito diminui junto com a violência contra grupos vulneráveis, como a comunidade LGBT.

Ainda segundo a citação feita anteriormente, as instituições educacionais seriam locais essenciais para se estabelecer vínculos, esses que podem ser fundamentais para a formação de uma sociedade mais tolerante, pois, ao conviver com diferenças, o ser humano tende a aceitar mais o outro. Isso se afirma ao considerar que, para Nilson Fernandes Dinis (2012, p. 81) “A construção social de nossos preconceitos se dá às vezes pela falta de novas informações no espaço educacional que questionem e desconstruam nossas tradicionais representações sobre gênero e sexualidade”. Um caso concreto disso seria o do Canadá, país o qual incluiu a diversidade sexual em seu calendário escolar e teve êxito.

A homofobia no continente é tamanha que, em alguns países, como o Sudão, segundo o jornal Folha de São Paulo (MANTOVANI, 2019, online), as relações homossexuais são punidas com pena de morte. É importante ressaltar que o Sudão é um país que, em 2010, era considerado o país mais pobre do mundo (ZANINI, 2010, online), segundo, novamente, o jornal Folha de São Paulo. Logo, talvez seja possível relacionar a situação econômica do país com o atraso das legislações, as quais punem a homossexualidade com a morte, ao considerar que o dinamismo econômico global coloca um país em contato com o outro e as leis e costumes são atualizados de acordo com o desenvolvimento monetário do país. Esse dinamismo econômico, que proporciona o contato com novos pensamentos e culturas, claramente, não é enxergado no Sudão e isso reflete no fato das leis serem tão arcaicas e intolerantes.

Portanto, indubitavelmente, os índices de homofobia estão correlacionados ao contexto histórico, educacional e até mesmo econômico de um país. Foi mencionado previamente um grande sucesso na criminalização da homofobia, o Canadá, entretanto, houve também, nesse país, a inserção de temas a respeito da diversidade sexual no contexto escolar. Logo, a criminalização ocorreu por uma via de mão dupla, juntamente ao sistema educacional do país.

Em uma posição de meio termo foi mencionado os Estados Unidos, país que possui legislações específicas relacionadas aos crimes praticados por motivações homofóbicas, entretanto, ainda possui pequena aceitação familiar dos adolescentes homossexuais, considerando que estes compõem uma porcentagem considerável dos moradores de rua. Ademais, ainda a respeito dos Estados Unidos, algumas entidades jurídicas ainda demonstram desaprovação a respeito da oficialização dos relacionamentos homossexuais, um direito que deveria ser igual para todos. Fatos como os mencionados anteriormente demonstram a fragilidade da criminalização da homofobia estadunidense, já que, mesmo protegidos por lei, a população LGBT ainda sofre com a marginalização social.

Foi citado também um país extremamente intolerante à homossexualidade e conivente com a homofobia, o Sudão, no qual a homofobia não foi criminalizada, entretanto, esse país possui um contexto histórico, educacional e econômico totalmente diferente dos países desenvolvidos. Esse país possui um contexto histórico marcado pela exploração, além de uma educação e uma economia deficientes.

Por fim, fica a seguinte reflexão: há como obter êxito na luta contra o preconceito sem trabalhar na causa primeira, que seria a educação, fato o qual seria responsável, em grande parte, pela formação do cidadão? Além disso, não seria necessária a intervenção penal para que crimes motivados por homofobia fossem evitados e para garantir a sobrevivência da comunidade LGBT, a qual precisa ter os seus direitos fundamentais garantidos?

 

Conclusão:

Diante do exposto, fica evidente que, historicamente, a comunidade LGBT não foi apenas socialmente marginalizada, mas vítima de intensa violência, especialmente após a consolidação do Colonialismo, que foi apoiado pela poderosa Igreja Católica e seus princípios pautados na Bíblia. As relações homossexuais, antes consideradas naturais, foram penalizadas pelos colonizadores de forma extremamente violenta, como citado anteriormente. Contemporaneamente, mesmo após a homo e a transexalidade terem sido retiradas da lista internacional de doenças fornecida pela OMS, os índices brasileiros de homofobia ainda são consideráveis e isso, definitivamente, está relacionado à historicidade da problemática, pois certos hábitos e pensamentos ainda perpetuam, mesmo após décadas.

Dessa maneira, casos como os citados nesse texto ainda ameaçam a integridade física dos membros da comunidade LGBT, a exemplo dos crimes cometidos contra Dandara e Quelly, são consequência de uma história marcada pelo forte preconceito e agressividade. Assim, é racional afirmar que a homofobia possui raízes profundas, que estão cravadas não apenas na história brasileira, mas na história mundial, já que crimes com viés homofóbico, marcados pela intensa violência, ainda ocorrem do mundo inteiro.

Nesse contexto, é plausível afirmar que existe grande inércia por parte do Poder Legislativo, considerando que, mesmo após a ocorrência destes crimes, ainda não criou uma legislação penal específica a fim de proteger os direitos fundamentais dos membros da comunidade LGBT. Portanto, a criação desta lei para essa parcela da população seria uma forma de preservar a integridade humana e a vida dessas pessoas, já que os crimes homofóbicos possuem por motivação unicamente a orientação sexual da vítima. Assim como a Lei Maria da Penha busca proteger mulheres de serem vítimas de violência motivada apenas pelo fato de serem mulheres, a criminalização da homotransfobia teria por objetivo coibir a violência motivada unicamente pela sexualidade do ser.

Entretanto, como visto anteriormente, a criminalização por si só pode não produzir bons resultados, ainda mais em um país que possui um sistema carcerário deficiente, que não cumpre com a sua função de ressocialização do encarcerado. Assim, criminalizar a homofobia, apostando no poder do Direito Penal para coibir tal forma de preconceito, no atual contexto brasileiro é um erro, especialmente ao afirmar que as maiores vítimas da ação do Poder Penal são a população pobre, muitos com pouco acesso à educação, e a população negra, já que, são quem mais ocupam as prisões brasileiras.

Ademais, os níveis educacionais brasileiros não são satisfatórios e, como visto anteriormente, uma educação eficiente forma melhores cidadãos e, por consequência, diminui os níveis de violência. A escola deveria ser um local de convivência com as diferenças, dentre elas as diferenças sexuais, porém, com a ineficiência estatal para com a educação, muitas vezes, não existem recursos suficientes para cumprir com a função integradora desse meio.

Além disso, o fato da criminalização da homotransfobia estar sendo discutida pelo Poder Judiciário e não pelo Poder Legislativo é uma característica clara de um ativismo judicial e as decisões realizadas por um juiz ativista refletem suas próprias razões, ou seja, refletem seus próprios ideais, fato que por si só é arbitrário, já que o poder conferido ao juiz seria usado inadequadamente. O ativismo judicial é um exercício arbitrário de poder do Judiciário, fato que ofende ao pressuposto de igualdade dos Três Poderes previsto na Constituição Federal de 1988.

Por fim, fica evidente que, sim, a criminalização é necessária, entretanto, antes de apelar para o Direito Penal, outras medidas deveriam ser tomadas, a exemplo da melhoria do sistema educacional brasileiro e das oportunidades por parte das mazelas sociais. Dessa maneira, um dos melhores exemplos de criminalização que realmente foi efetiva, o Canadá, focou no cenário educacional antes de tudo, pois é fato de que a escola faz parte da formação dos pensamentos e das ações dos membros da sociedade. Além disso, essa discussão deveria ser pauta do Poder Legislativo, tendo em vista que é função dele legislar, sendo inadmissível o ativismo judicial.

Portanto, criminalizar a LGBTfobia é extremamente necessário, a fim de proteger os direitos fundamentais dessa parcela da população, porém, não da forma que está sendo feita no Brasil. Antes de tudo, é fundamental que o Poder Judiciário assuma sua real posição e deixe para o Poder Legislativo a função típica de criar leis e, além disso, a educação deve se tornar pauta principal do Poder Executivo, a fim de que, com uma educação de qualidade, seja possível formar melhores cidadãos, com pensamentos e atitudes mais tolerantes.

 

REFERÊNCIAS:

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ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

 

[1] Discente do 1º período do curso de Direito do Centro Universitário de Patos de Minas – Unipam.

[2] Graduação em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (1996). Mestre em Direito Público pela Universidade Católica de Brasília (2005). Professora orientadora do artigo em questão.

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