1-Introdução
O Estado proíbe que os particulares façam justiça com as próprias mãos e desta proibição surge o Direito de invocar a prestação jurisdicional para resolução de conflitos. Esse é o direito de ação; direito subjetivo, público, genérico, abstrato, genérico e indeterminado. Seu fundamento repousa na Constituição Federal, no art. 5º, XXXV.
Para manter a harmonia e a ordem no meio social, além de regular as relações entre seus membros, o Estado, através de normas, estabelece limitações à conduta humana. O desrespeito a essas normas proporciona a aplicação de uma sanção, que poderá ser de natureza civil, administrativa ou penal.
Há normas que tutelam bens jurídicos e interesses eminentemente públicos e sociais, sendo que sua observância é imprescindível à convivência social. A transgressão dessas normas caracteriza a infração penal e a sanção é a “pena”; que constitui a mais grave de todas as sanções. Contudo a pena não surge apenas com a infração; previamente deve existir um processo, iniciado através da ação penal.
Apesar de grande parte da doutrina dividir a ação penal em pública e privada, deve-se dizer que ela é sempre pública, contudo, a sua iniciativa pode ser privada em alguns casos. Trata-se de casos excepcionais elencados na legislação infraconstitucional e que constituem alvos de algumas críticas, como se verá a seguir.
2- Evolução Histórica do Processo Penal
O processo penal brasileiro ainda encontra-se em profunda evolução, caminhando para uma publicização do sistema. A visão privatista do processo penal vem sendo desconstituída ao longo dos tempos, depois de ter partido de um processo acusatório rígido e essencialmente individualista.
Inicialmente a acusação penal era privada, sendo responsabilidade do ofendido acusar publicamente aquele que cometeu uma infração penal. Vale ressaltar que diante da inércia do ofendido, qualquer do povo poderia tomar para si essa difícil tarefa de buscar a punição do infrator. Nesse contexto, o Estado permanecia indiferente a tais conflitos dando ensejo à conceituação do processo como “coisa das partes”. Tal modelo acusatório era fruto de uma sociedade romana liberal individualista, que transformava o processo penal em algo ineficaz e em desconformidade com os princípios de justiça dentro de um processo.
Para contrapor o modelo acusatório individualista, acompanhando a alteração estrutural da sociedade, surge o inquisitorialismo. Tornou-se visível que o Estado e as instituições políticas não poderiam ficar à margem do combate e da repressão à criminalidade; até porque, muitas vezes o particular não tinha meios para exercer esse controle, ou até mesmo se desinteressava. Começava a publicização do processo penal.
O sistema inquisitorial deixava nas mãos do juiz a tarefa de acusar e de buscar provas, eliminando o triângulo processual formado pela acusação, defesa e juiz. A parcialidade do juiz fica flagrante e o processo acaba sendo um procedimento investigatório, onde o réu é o objeto da investigação. O julgador já partia de um pré-convencimento e daí buscava as provas para fundamentar sua opinião, sendo que, nem o sistema de provas legais o impedia de alcançar seu objetivo.
A evolução processual fazia-se necessária para tornar a atividade jurisdicional mais justa e eficaz, independente de interesses individuais. O surgimento do Ministério Público acabou servindo como solução para que houvesse uma acusação neutra e imparcial quanto à pessoa do acusado. A conservação da figura do juiz trouxe de volta ao processo a triangulação, retornando ao sistema acusatório, desta vez sem acusações privadas.
3-Extinção da Ação Penal Privada
A ação penal privada é aquela em que o titular do direito de ação é, exclusiva ou subsidiariamente, a vítima, seu representante legal ou seus sucessores. A ação penal privada subsidiária está positivada na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5, LIX : “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. A ação penal exclusivamente privada tem sede infraconstitucional e, no Direito Brasileiro, é admitida atendendo-se a algumas razões: a) tenuidade da lesão à sociedade; b)caráter privado do bem jurídico tutelado; c) o strepitus judicii (o escândalo do processo devido à publicidade). Vale ressaltar que em ambos os casos a pretensão punitiva permanece com o Estado e por isso há quem fale que ambas ações são públicas, somente a legitimação para elas que é privada.
Quanto à ação penal privada subsidiária não temos ressalvas a tecer; trata-se de um direito garantido constitucionalmente e que permite a atuação do ofendido em caso de inércia do Ministério Público. É justo que se dê a oportunidade de persecução penal ao ofendido quando o órgão ministerial não iniciar a ação dentro do prazo. Não seria racional deixar a vítima sem esse direito diante da desídia do titular da ação penal.
Sabe-se que a regra é que a iniciativa da ação penal seja pública, pois ao Estado cabe tutelar e pacificar a sociedade diante das infrações penais cometidas. Nesse contexto, ao dar à vítima a titularidade exclusiva para propor a ação penal, o Estado passa a abrir mão de tutelar os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal, pois o início da ação restará condicionada à vontade da vítima.
De acordo com os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, a sanção penal deve ser utilizada como ultima rattio, ou seja, deve ser utilizada quando nenhuma outra for eficaz. As normas penais que protegem interesses essencialmente particulares não se coadunam com a finalidade do Direito Penal, que é reservado para fatos realmente graves, que comprometem seriamente a estabilidade da vida em sociedade. Desse modo, como ensina o professor Elmir Duclerc (2005, p.238):“[…] simplesmente não é possível falar de crimes que atinjam prioritariamente interesse privado”. No mesmo sentido o professor Eugênio Pacelli (2004, p. 121); “[…] se houvesse um delito que interessasse mais ao particular que à coletividade, talvez não houvesse razão para a criminalização da conduta […]”.
A seara penal é o modo mais grave de punir o indivíduo, pois lida diretamente com a liberdade do mesmo, e essa liberdade não deve ser enfocada em uma ótica exclusivamente privada, e sim em um sentido amplo. Isso fica claro nas sábias palavras do ilustríssimo Rui Barbosa:
O paciente pode até não querer a liberdade; pode, resignado ou indignado, desprezá-la. É indiferente. A liberdade não entra no patrimônio particular, como as cousas que estão no comércio, que se trocam, vendem ou compram; é um verdadeiro condomínio social; todos o desfrutam, sem que ninguém o possa alienar; e se o indivíduo, degenerado, a repudia, a comunhão, vigilante, a reivindica. (apud TOURINHO, 2004, p.403)
Diversos autores, como Sebástian Soler, Bindin, Maggiori e Ferri, repudiam a ação penal privada, por considerarem que o processo penal pode se transformar em verdadeira vingança privada, descaracterizando assim o seu objetivo. Entendem esses doutrinadores que é o sentimento de vingança ou o interesse pecuniário que levam o particular a ingressar com a ação penal. Em contrapartida, Frederico Marques, se posiciona da seguinte forma:
Se a ação penal estampasse qualquer forma de vingança primitiva, também as ações civis teriam o mesmo aspecto e fisionomia. Em uma ou outro o particular não tem qualquer atitude direta contra a parte contrária, mas, ao revés, invoca a prestação jurisdicional para a solução do conflito de interesses em que se traduz a lide ou a controvérsia. (apud TOURINHO, 2004, p.433)
Com todo respeito ao professor Frederico Marques, ousamos discordar do seu posicionamento. No processo civil, não há espaço para sentimento de vingança; aquele que provoca a prestação jurisdicional, na maioria das vezes, tem um objetivo pecuniário em vista, não importando, muitas vezes, quem irá satisfazê-lo. Já no processo penal, o particular que ingressa com a ação penal, pretende ver punido seu agressor, muitas vezes impelido por ódio e rancor que surgem a depender do mal que ele sofreu.
Segundo Pacelli (2004) , o Direito Penal não prevê, pelo menos essencialmente, qualquer resposta estatal que se dirija à recomposição dos danos da vítima. Não se objetiva devolver a integridade física perfeita a quem sofreu lesões corporais, ou dar vida àquele que sofreu homicídio. As exceções são recentes, iniciadas com a introdução da lei 9.099/95, que se referem a um modelo de processo de natureza conciliatória e não condenatória introduzidos no Brasil por influência dos Estados Unidos, que utilizam largamente a chamada “justiça negociada”. Esse modelo é alvo de críticas de Edmundo Hendler:
Em la actualidad, por contraste, la preocupación más extendida, em distintas partes del mundo, concierne a la tendência a implantar mecanismos substitutivos de la acción pública por medio de acuerdos u otros arreglos de tipo consensual o transacional inspirados, em su mayoría, em los reconocimientos de culpabilidad negociados (‘plea bargaining’) típicos del sistema penal norteamericano. (HENDLER, 1996)
Fazendo uma análise desses institutos que visam à reparação do dano, pode-se perceber que refletem a responsabilidade civil utilizada no âmbito penal. Talvez a utilização desses institutos, no futuro, seja uma forma de garantir a eficácia do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, levando para a seara cível conflitos que possam ser resolvidos com a reparação do dano à vítima, por não causarem transtornos à sociedade. Contudo, a natureza conciliatória do processo não respeita os princípios basilares da seara penal.
Diante dos argumentos apresentados acima se pode perceber que o caráter privado do bem jurídico tutelado e a tenuidade da lesão à sociedade não servem como justificativas para a existência da ação penal privada. Passemos agora a analisar o polêmico strepitus judici, ou, o escândalo do processo.
Há casos em que a publicidade do crime, proporcionada pela instauração do processo, acaba sendo tão gravosa para o ofendido, que ele pode preferir o sigilo a ver a punição do infrator. Nesses casos, a vítima tem a exclusividade da ação penal, para decidir se quer ver seu agressor punido ou não. Diante desses fatos cabe um questionamento; nesses casos, o instituto da representação não atenderia aos objetivos da ação penal privada?
Ao responder essa pergunta afirmativamente, boa parte da doutrina, assim com nós mesmos, discorda também desta razão de existência da ação penal privada. Até porque, se a vítima quiser acompanhar o processo de perto, pode fazê-lo como assistente, que, segundo o Código de Processo Penal, pode propor meios de prova, requerer reperguntas às testemunhas, aditar as alegações finais, participar do debate oral, arrazoar recursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele mesmo, e contra-arrazoar os interpostos pela defesa.
Geralmente, os chamados “crimes sexuais” são os maiores exemplos de possíveis causadores de gravames à vítima, com a exposição do fato através do processo. Nesses casos, não se pode exigir que a vítima, totalmente fragilizada, compareça a audiências, interrogatórios ou se submeta a exames constrangedores, participando ativamente do processo como titular da ação penal. Mesmo nesses casos, o Estado deve tomar a frente da ação penal em busca de uma persecução penal eficaz, até porque, inúmeras vezes a vítima não procura a justiça por medo de sofrer retaliações e os crimes acabam aumentando a chamada “cifra negra”.
Se tais situações fossem casos de ação penal pública condicionada haveria a proteção à intimidade da vítima, porque a ela caberia representar pelo início da ação e ainda a desoneraria quanto aos trâmites do processo e também das despesas processuais. No mesmo sentido: “Somos que o instituto da representação já atenderia aos ponderáveis interesses que se busca tutelar através da ação privada” (JARDIM, 2003, p.85).
Vale ressaltar que, nos dias de hoje, crimes hediondos somente se procederão mediante queixa. Trata-se dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, que, em regra, são de ação privada (art. 225 do Código Penal). Contudo, o art. 225 narra ainda que serão de ação pública em dois casos: quando há miserabilidade da vítima ou de seus pais para prover das despesas do processo (condicionada) e quando o crime é cometido com abuso de pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador (incondicionada).
Há quem defenda a inconstitucionalidade do artigo 225, por ferir o princípio da proporcionalidade:
Isto necessariamente nos leva a discussão da (in)constitucionalidade do dispositivo do Código Penal (art. 225) que remete aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor ao rol de delitos em que se atua através de ação penal privada, colocando-se como exceção (pasmem!) a ação penal pública. (STRECK, 2004; p.2)
Para corroborar com nosso entendimento vale citar um projeto de lei de 2002 em que o então Ministro de Estado da Justiça, Miguel Reale Júnior, submete a aprovação do presidente da república a mudança do art. 225 do Código Penal. A proposta visa alterar o dispositivo para que nos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e corrupção de menores, a ação penal seja iniciada pelo Ministério Público, mediante representação do ofendido.
Ainda em relação aos “crimes sexuais”, deve-se ter em vista que, havendo morte da vítima sem deixar sucessores legitimados à ação penal, o Estado nada poderá fazer para punir o agressor. Nessas situações não caberia mais falar em escândalo do processo, pois a vítima já estaria morta e, mesmo assim, a ação penal não poderia ser iniciada por falta de legitimidade ativa. Trata-se de uma anomalia jurídica o Estado renunciar à adequada persecução penal nesses crimes considerados hediondos (estupro e atentado violento ao pudor), que podem ter penas de até 10 anos de reclusão na forma simples.
A ação penal privada desvirtua o processo penal, é fruto de um sistema penal ultrapassado, que foi criado em uma sociedade onde as relações privadas prevaleciam sobre o interesse público. Era o auge da implantação do modelo liberal-individualista do Direito no Brasil, representando um contexto diferenciado do atual, em que condutas eram tipificadas e reguladas de acordo com a moral e interesses privados.
Uma análise profunda e ideológica, deixando de lado aspectos pessoais e profissionais, nos leva a defender a extinção da ação penal privada. Diante deste fato poderia haver um alargamento da utilização da ação penal pública condicionada à representação, como ocorre na Itália. Vale salientar que, para que o processo penal siga seu caminho corretamente, sem a ação penal privada, é preciso que haja punições severas para qualquer tipo de falha dos órgãos do Ministério Público, pois, como órgão acusatório neutro precisa funcionar da melhor forma possível.
4- Dos Crimes de ação penal privada
Atualmente, de acordo com a legislação brasileira, são crimes que somente se procedem mediante queixa: crimes contra a honra; alteração de limites; usurpação de águas e esbulho possessório (quando não houver violência); crimes de dano; de introdução ou abandono de animais em propriedade alheia; fraude à execução; violação de direitos autorais e conexos; contra a propriedade industrial; induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento para fins matrimoniais (personalíssima); estupro; atentado violento ao pudor; posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, assédio sexual e corrupção de menores.
Não é objetivo do presente trabalho analisar todos os crimes que se procedem mediante queixa, contudo é importante ressaltar alguns pontos sobre eles. Primeiramente deve-se dizer que é notório o caráter privado dos bens jurídicos tutelados na maioria desses crimes. Como já discorremos acima, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas que reflitam aspectos privados (casamento, por exemplo), pois não é esse o objetivo deste ramo jurídico. A tipificação de muitas dessas condutas desrespeita o princípio da intervenção mínima, da fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal, pois poderiam perfeitamente ser tuteladas pelo Direito Civil ou Administrativo, por exemplo.
Utilizemos como exemplo os crimes contra a honra: em que sentido interessa ao Direito Penal o fato de uma pessoa xingar a outra? Ou o fato de uma pessoa imputar fato ofensivo à sua reputação? Essas condutas, em regra, não atingem nem reflexamente a sociedade, são fatos que dizem respeito somente às duas partes e que poderiam ser tutelados pelo Direito Civil através de indenização, respeitando assim a subsidiariedade Penal. É completamente desproporcional utilizar a forma mais rigorosa de punição para fatos que não comportam tamanha gravidade; isto é, nas palavras de Luís Flávio Gomes, como dar um tiro de canhão para matar uma mosca. Justamente por isso, na esteira de Raúl Cervine (1995), grande jurista Uruguaio, defendemos a descriminalização das condutas que desrespeitem a ultima rattio do Direito Penal.
O próprio procedimento que o Código de Processo Penal determina para os crimes contra a honra retratam a característica extra-penal dessas condutas. Segundo o art. 520 do CPP, o juiz, antes de receber a queixa, oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem. Como já dito antes, o Direito Penal, que trata de direitos indisponíveis, não poderia permitir esse tipo de procedimento, que é característico da esfera cível.
Vale ainda citar o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento para fins matrimoniais (art. 236. CP). O Código Civil Brasileiro de 2002 regula o instituto do casamento em inúmeros artigos, estabelecendo regras e sanções para os nubentes. Qual seria a real necessidade da intervenção penal no matrimônio? É um despropósito e chega a se inconcebível se falar em crime no presente caso.
5-Direito Comparado
Fazendo uma pesquisa sobre legislações estrangeiras podemos perceber que, em vários países, a publicização do processo penal está mais desenvolvida do que na legislação pátria. O Direito Italiano, por exemplo, não admite a ação penal privada, contudo há o instituto da querela, que equivale à nossa representação, com uma peculiaridade: o Código Penal Italiano mitiga o princípio da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação, permitindo que o ofendido perdoe o culpado mesmo após proposta a ação. Ocorre que, desta forma, a querela Italiana atinge o objetivo da ação penal privada brasileira e ainda permite que haja o perdão após instaurada a ação, sendo que, neste caso, a vítima não arcará com as despesas processuais nem terá o ônus de se expor com a acusação.
As legislações Francesas e Mexicanas seguem o exemplo Italiano e não prevêem a ação penal privada. Já a Alemanha e a Argentina são exemplos em que a iniciativa privada da ação está restrita a pouquíssimos casos e, para TOURINHO (2004), poderiam ser exemplos a serem seguidos pelo Brasil, se não fosse o caso de extinguir por completo a ação penal privada.
Alberto Bovino, professor de Direito Penal e Criminologia da Universidade de Buenos Aires discorda de Tourinho ao defender que por conta do número restrito de crimes que se procedem mediante ação penal privada, o Estado passa a perseguir qualquer conduta que se possa considerar crime. Isso se dá também em função do princípio da legalidade-obrigatoriedade, como se pode perceber nessa passagem do texto do professor argentino:
En aquellos países en que rige el principio de legalidad procesal, la balanza se inclina a favor de perseguir toda conducta que pueda considerarse como delito. Este es el caso de Argentina, en cuyo Código Penal se establece que deberán iniciarse de oficio todas las acciones penales”, con excepción de aquellas que dependieran a instancia privada y de las acciones privadas (art.71). De todos modos, estas excepciones no alteran, por el numero y por el tipo de figuras que incluyen, la base de la persecución oficial. (BOVINO, 2005)
O referido Código Penal Argentino apesar de admitir a ação penal privada, acaba sendo mais coerente do que o Código Penal Brasileiro, pois não utiliza como justificativa a tenuidade da lesão à sociedade ou o caráter privado do bem jurídico tutelado, que não se coadunam com as características do Direito Penal. Apenas admite-se em alguns crimes sexuais, sendo a justificativa, portanto o strepitus judicii, o que não deixa de ser um erro, pela gravidade dos crimes, como já explanado em linhas acima.
6- Conclusão
A legislação penal e processual penal brasileira encontra-se ultrapassada, ainda com resquícios inquisitoriais e de uma sociedade liberal-individualista, onde as relações privadas prevaleciam sobre as públicas. Torna-se vital uma transformação nas leis infraconstitucionais, sobretudo para que se respeite os mandamentos de nossa Carta Magna.
As codificações jurídicas devem sempre acompanhar a evolução da sociedade, sob risco de tornarem-se obsoletas. As leis devem refletir a vontade da comunidade, devem se compatibilizar com o “pacto social” que está presente no momento de sua aplicação. Com códigos da década de 40 percebe-se que muitas regras materiais e processuais penais estão ultrapassadas e não se compatibilizam com o estágio evolutivo da sociedade moderna.
Observa-se que o delito, como fenômeno social, muda constantemente de aspecto, juntamente com as formas de vidas políticas, econômicas, sociais e culturais surgidas em cada época. O que foi definido como crime pelo legislador, na década de 40, atualmente pode não passar de mero ato imoral ou ilícito civilmente, como já é o caso do adultério. Inúmeras outras condutas atualmente tipificadas não mais se justificam como parte de um Direito Penal Mínimo.
No que diz respeito à ação penal, deve-se ter em vista que a concepção privatística de Direito não se adequa à nossa realidade. Antes de qualquer coisa, como ressalta Afranio Silva Jardim (2003), deve-se ter em mente que, em um Estado Democrático de Direito, a vontade da maioria não pode ficar condicionada à interesses e privilégios de poucos. A busca pela pacificação social não pode ser tolhida pela vontade de poucos, sob pena de descaracterizar as bases democráticas construídas com muito esmero, ao longo dos anos.
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