Resumo: O presente trabalho tem como objeto a mudança imposta pela Emenda Constitucional nº 45/2004 quanto ao dissídio coletivo de natureza econômica, solução sempre pensada quando do fracasso da greve como instrumento de transformação das condições de vida do trabalhador. São vários os questionamentos quanto à necessidade de propositura desta ação por comum acordo das partes em conflito. Expor as razões do inconformismo doutrinário é o que se propõe neste curto ensaio.
Palavras-chave: Dissídio coletivo de natureza econômica. Ajuizamento. Comum acordo.
Sumário: Introdução. 1. A negociação coletiva na Constituição. 2. O Dissídio Coletivo de Trabalho antes e depois da Emenda Constitucional nº 45/2004. 3. A constitucionalidade da exigência do “comum acordo”. Conclusões. Referências
O Brasil tem convivido desde longas datas com o problema do desemprego e – mesmo quando presente o emprego – com as mais diversas formas de trabalho degradante. Tem-se, diante deste quadro crítico, defendido a ideia de fracasso do trabalho subordinado, e a hipossuficiência de seus exercentes perante o mercado.
Como solução para estancar esta crise, o Direito vem apresentando mecanismos aparentemente capazes de produzir normas pela livre vontade dos atores sociais. Tais mecanismos vêm em contraposição ao direito imposto pelo Estado, fruto do intervencionismo[1] próprio de países fascistas autoritários, em que se evidenciavam sobremaneira as vantagens do corporativismo. Um intervencionismo que, diga-se, tinha como fundamento pôr fim à exploração do homem pelas forças econômicas.
A redução das formas autônomas de solução dos conflitos não se mostra apenas no plano quantitativo, aliás, não são insignificantes as maneiras possíveis de composição extraestatal de litígios. Talvez o que se mostra qualitativamente reprovável, em termos brasileiros, seria a duvidosa força dos sindicatos dos obreiros, o que tem motivado teses que sufragam o alargamento do papel do Estado na produção de normas protetivas.
É preciso considerar, todavia, que a existência de normas estatais que primam pela tutela coletiva não deve ser simplesmente erradicada, pois é essencial sob o ponto de vista da concretização do princípio da igualdade. Deixar o trabalhador à própria sorte nas relações de trabalho é o mesmo que se distanciar da realidade social e econômica do Brasil; é desconsiderar, em tempos de crise mundial, a existência de uma tendenciosa curvatura ao poder econômico em detrimento à dignidade dos trabalhadores.
Certo que o desemprego e o subemprego não podem ser combatidos com simplório intervencionismo estatal, posto que necessário; entretanto, há urgência em fortalecer e incentivar as formas autônomas de solução dos conflitos entre empresários e trabalhadores, e tal incentivo parece ter sido pensado quando da alteração da maneira de se finalizar uma negociação coletiva.
1. A negociação coletiva na Constituição
A negociação coletiva pode ser entendida como um processo de resolução autônoma de interesses específicos dos atores sociais, em que os representantes dos trabalhadores e empregadores buscam um entendimento quanto às cláusulas que devam integrar as convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho, cláusulas estas que, assim como as leis, geram direitos e obrigações para seus destinatários e signatários do instrumento.
A negociação coletiva (art. 7o, incisos VI, XIII, XIV, XXVI; art. 8o, inciso VI; e art. 114, §§ 1o e 2o) é um dos mais eficazes instrumentos de pacificação social e de equilíbrio dos interesses das partes envolvidas na relação laboral. Não deve ser pensado como mero procedimento preparatório ao ajuizamento de dissídio coletivo perante a Justiça do Trabalho (Art. 114, § 2º, da CRFB). O normal é que as partes se entendam, sem necessitar de intervenção estatal.
A negociação coletiva de trabalho pressupõe a presença do sindicato profissional representante legítimo da classe trabalhadora, obrigatoriedade esta que não alcança a classe empresarial, ao ponto que esta poderá negociar individualmente, em caso de acordo coletivo.
Há uma certa presunção de que o fato de os trabalhadores serem representados por sindicatos acaba por garantir uma paridade de armas frente ao poderio econômico do patrão. Infelizmente, o intervencionismo estatal e a rigidez da estrutura sindical brasileira, de inspiração corporativista, facilitam a manutenção de um sindicalismo artificial e distanciado de seus fins institucionais.
Apesar destes pontos obstaculizantes, não se pode dizer que a negociação inexiste. Pelo contrário, é justamente em tempo de maiores crises econômicas que a classe trabalhadora mais demonstra sua insatisfação frente aos discursos flexibilizadores de direitos secularmente adquiridos, isto sem contar com ocorrentes demissões em massa. O caminho da negociação é primordial na busca de soluções criativas que compatibilizem os instrumentos de combate à recessão com a manutenção da dignidade do trabalhador. Evidentemente, não é resultado comum a todas as negociações um único lado sagrar-se vencedor e o outro perdedor: a Constituição de 1988, ao tratar da negociação coletiva, instituiu a possibilidade de flexibilização das relações de trabalho, que poderá resultar em reduções salariais ou de jornada de trabalho, para ficar apenas nestes exemplos. Assim, é possível dizer que a negociação coletiva vem a ser um instrumento de concessões recíprocas.
Nem sempre a negociação mostra-se exitosa. Uma vez reconhecido seu fracasso, duas saídas são normalmente esperadas: a deflagração de greve ou o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, consoante norma prevista no art. 114, § 2º. Acontece que, com modificação ocorrida na Constituição da República pela Emenda Constitucional nº 45/2004, interessante polêmica evidenciou-se quanto ao modo de se instaurar um dissídio dessa natureza.
Em que pese já haver transcorrido certo tempo desde a Emenda Constitucional nº 45/2004, até hoje há questionamentos quanto à necessidade de propositura desta ação por comum acordo das partes em conflito. Exporemos a seguir as razões de tanta polêmica.
2. O Dissídio Coletivo de Trabalho antes e depois da Emenda Constitucional nº 45/2004
Antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, o artigo 114, §§ 1º e 2º da Constituição da República, continha a seguinte redação:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: […]
§ 1º: Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º: Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.”
Como se observa, a autocomposição entre os atores sociais vem caracterizada como condição prévia a uma ação heterônoma. A Constituição da República literalmente induz as partes a uma regulação autônoma, com o escopo de estabelecer um diálogo que acarrete o firmamento de condições ótimas de trabalho, mantendo o equilíbrio de forças e a paz social.
Todavia, uma vez não alcançada negociação coletiva de trabalho, as partes deveriam buscar uma alternativa para a solução do conflito. Em países de sindicalismo forte, provavelmente a greve seria uma opção, porém, como há no Brasil um sindicalismo tutelado, nada mais provável – diante da possibilidade constitucional – que a solução dos conflitos sociais acabasse sendo transferidas ao Poder Judiciário. A via judicial, assim, tornava-se um meio fácil de pacificar um conflito, já que não era necessário o mútuo acordo para instaurar a instância.
Esta facilidade de se instaurar a instância coletiva não estava imune a críticas, sobretudo pelo fato de que, em verdade, fazia do Judiciário não um órgão garantidor da correta aplicação do Direito, mas um verdadeiro criador de posições jurídicas de vantagem. É que a parte final do então § 2º do artigo 114 da Constituição previa claramente o poder normativo da Justiça do Trabalho, possibilitando a fixação de normas e condições de trabalho por meio de uma Sentença Normativa, tendo esta que respeitar apenas as disposições mínimas contidas na legislação trabalhista e nas normas coletivas em vigor.
Este poder normativo gerou grandes incômodos, o que levou a uma investida contra a previsão constitucional. Há quem diga que houve até a extinção deste poder, uma vez que se passou a exigir “comum acordo” entre as partes para a proposição da demanda judicial.
Tal modificação se deu pela Emenda Constitucional nº 45/2004, também chamada de Reforma do Poder Judiciário, que procedeu, dentre várias mudanças, uma revisão da competência da Justiça do Trabalho, gerando algumas controvérsias. O § 1º do artigo 114 da Constituição foi mantido, porém, o § 2º do mesmo dispositivo foi alterado substancialmente, passando a dispor que:
“§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”
Verifica-se que a nova redação do artigo 114, § 2º da Constituição refere-se ao dissídio coletivo de natureza econômica, justamente a seara que possibilitou à Justiça laboral a deter de poderes criadores de normas, de condições específicas de trabalho.
Ademais, o que se vê no § 2º do art. 114 da Constituição foi uma tentativa de impedir o intervencionismo estatal na criação de normas trabalhistas. A redação anterior do parágrafo em comento dizia que podia “a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições”, enquanto na atual consta que pode “a Justiça do Trabalho decidir o conflito”, talvez pretendendo retirar a ideia de uma ampla discricionariedade do julgador diante de conflitos econômico-sociais.
A grande questão, no entanto, diz respeito mesmo à exigência de “comum acordo" entre as partes envolvidas para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. As teses defendidas pela doutrina e pela jurisprudência referentes a essa inovação divergem nos fundamentos e nas conclusões, levando a diferentes posicionamentos sobre o tema quanto à constitucionalidade desta nova exigência.
3. A constitucionalidade da exigência do “comum acordo”
Com a nova redação do § 2º do artigo 114, passa-se a ideia de que seria necessário que as partes processuais figurassem como signatários da petição inicial para o conhecimento válido do dissídio coletivo de natureza econômica, de modo a sustentar-se o comum acordo como um verdadeiro pressuposto processual[2]. Seria o fim do dissídio coletivo de natureza econômica?
A intenção reformista foi claramente atingir o poder normativo do Poder Judiciário laboral, justamente por ter havido alguns exageros: com a facilidade em se buscar a tutela jurisdicional, pouco se fez para imprimir eficácia à negociação coletiva. Os atores sociais preferiam comodamente submeter-se ao paternalismo estatal, expediente que, sem dúvida, só contribuiu para enfraquecer ainda mais os sindicatos dos trabalhadores, que, não raro, afastam-se de suas missões institucionais.
Realmente, era preciso acabar de vez com o comodismo das classes trabalhadoras, representadas por seus sindicatos, criando uma obrigatoriedade praticamente insuperável de se exaurir a negociação coletiva, instrumento histórico e responsável pelas verdadeiras melhorias das condições de trabalho. Teriam os trabalhadores esquecido a arte de negociar?
Com esta nova fase, os sindicatos devem buscar alternativas, estratégias que os tornem aptos a resolver contendas sem o auxílio do paternalismo estatal. Essa exigência (do comum acordo) ainda que não tenha a verídica finalidade de incentivar a negociação entre as partes, necessariamente fomentará a prática de negociações coletivas, prática esta que não alcançará de imediato todos os sindicatos, mas, certamente, será bem utilizada por muitos.
A nosso sentir, em não havendo esse comum acordo e, portanto, não se achando aberta a via do dissídio coletivo, somente restará às partes insistir, à exaustão, na negociação coletiva até que se encontre uma solução autocompositiva. Todavia, na hipótese de persistir o dissenso, os trabalhadores deverão auto tutelar-se pela greve[3], direito fundamental este legitimado aos trabalhadores pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Neste diapasão, ainda resta saber se é imprescindível que ambas as entidades sindicais subscrevam a petição inicial do dissídio coletivo de natureza econômica. Qualquer interpretação deve se dar de maneira a não esvaziar por completo o instrumento do dissídio. O sentido da expressão “de comum acordo” não pode significar, necessariamente, que a petição seja conjunta entre os envolvidos. Quando, proposta a ação, a parte adversa não demonstrar oposição, deve-se reconhecer a aceitação tácita. Assim, uma vez ajuizado um dissídio coletivo sem a anuência da parte contrária, deveria o julgador, ao invés de extinguir prontamente o processo, mandar citar o suscitado para manifestar-se, e apenas na hipótese de recusa expressa ao dissídio coletivo, o processo seria extinto sem resolução de mérito.
O ministro Maurício Godinho explicou que a manifestação de comum acordo tácito configura-se quando a parte, em juízo, manifesta expressamente sua concordância, ou não, com a instauração do dissídio. Atos processuais, como participação em audiências conciliatórias ou o comparecimento em juízo para apresentar defesa, não são equivalentes à concordância tácita com o ajuizamento do dissídio coletivo.[4]
Ademais, ainda que não haja aceitação bilateral da instauração da instância, não se pode dizer que há violação ao principio da inafastabilidade do poder jurisdicional, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição, ainda que se possa apontar algum retrocesso na proteção dos direitos sociais.
A imposição de bilateralidade no ajuizamento do dissídio coletivo não viola frontalmente o art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República porque o dissídio coletivo econômico não visa a proteger direito subjetivo existente, de modo que os princípios fundamentais do processo não lhes serão aplicáveis.
A Justiça do Trabalho, na espécie, não passa de um árbitro público, à semelhança da arbitragem privada. A diferença estaria que na arbitragem privada normalmente os polos são equilibrados, enquanto na relação trabalhista tal não ocorre, daí que se pensa ser a arbitragem pública dotada de maiores garantias de imparcialidade.
Logo, com a e Emenda Constitucional nº 45/2004, à primeira vista, não se poderia mais falar tecnicamente em “dissídio” sem o risco de esbarrar no paradoxal “comum acordo”. Na verdade, ainda que haja comum acordo, haverá o dissídio. É que o comum acordo não põe fim à lide coletiva, mas apenas autoriza sua resolução de maneira heterocompositiva. Onde há conflito de interesses, há dissídio.
A natureza jurídica do dissídio coletivo é mista, sendo voluntária no seu nascedouro e processual no seu desenrolar, tendo em vista que, uma vez aceita a arbitragem, não há mais como haver retratação unilateral. O que pode ser um absurdo, condicionar o direito de ação do autor à autorização do réu, deve ser vista apenas como uma particularidade.
Além de tudo, considerar que o Poder Judiciário deva ser o melhor palco para a geração de direitos é ignorar o real papel dos sindicatos perante os poderes legitimamente competentes para legislar. Cabe ao Poder Legislativo criar normas de conteúdo geral e abstrato, ao tempo que caberá aos sindicatos representativos da categoria exigir dos parlamentares a proteção de seus interesses. A atividade legislativa típica deveria ser o modo constitucionalmente adequado para que o Estado interferisse nas relações privadas, isto em uma sociedade que se diz democrática ou participativa.
Desta forma, vê-se que, com a reforma constitucional, acabou-se fomentando o aparecimento da forma mais contundente de conflito entre os sujeitos da relação de trabalho, a greve, em sentido contrário à toda política corporativista de outrora. Toda a estrutura tradicionalista da legislação do trabalho pretendeu a pacificação social por meio da vigilância estatal, ou seu paternalismo.
Nesse contexto, no sentido da constitucionalidade da inovação, manifestou-se a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST:
“Processo: RODC 219007420065120000 21900-74.2006.5.12.0000. Relator(a): Carlos Alberto Reis de Paula. Julgamento: 11/10/2007. Órgão Julgador: Seção Especializada em Dissídios Coletivos. Publicação: DJ 23/11/2007.
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. EXIGIBILIDADE DE COMUM ACORDO.
A manifestação expressa da representação patronal em contrário ao ajuizamento do Dissídio Coletivo torna inequívoca a ausência do comum acordo-, condição da ação prevista no art. 114, § 2º, da Constituição da República. Preliminar que se acolhe para extinguir o processo sem resolução do mérito, à luz do art. 267, VI, do CPC[5].
Processo: DC 1659416952006500 1659416-95.2006.5.00.0000. Relator(a): Antônio José de Barros Levenhagen. Julgamento: 14/12/2006
Órgão Julgador: Seção Especializada em Dissídios Coletivos. Publicação: DJ 16/02/2007.”
“EXIGÊNCIA DE COMUM ACORDO PARA INSTAURAÇÃO DE DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. CONSTITUCIONALIDADE DA INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. OPOSIÇÃO DA PARTE ADVERSA. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR FALTA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL.
I – A Emenda Constitucional nº 45/2004 não aboliu o poder normativo da Justiça do Trabalho, nem lhe subtraiu sua função jurisdicional, desautorizando assim a tese sustentada aqui e acolá de que teria passado à condição de mero árbitro, extraída da exigência de comum acordo para instauação do dissídio coletivo.
II -A atividade jurisdicional inerente ao poder normativo da Justiça do Trabalho qualifica-se como atividade jurisdicional atípica, na medida em que, diferentemente da atividade judicante exercida no processo comum, não tem por objeto a aplicação de direito preexistente, mas a criação de direito novo, detalhe a partir do qual se pode divisar situação sui generis de ela, na sua atividade precípua como órgão integrante do Judiciário, desfrutar ainda que comedidamente da atividade legiferante inerente ao Poder Legislativo.
III -Tendo por norte essa singularidade da atividade jurisdicional cometida à Justiça do Trabalho, no âmbito do dissídio coletivo, mais a constatação de o § 2º, do art. 114, da Constituição ter erigido a negociação coletiva como método privilegiado de composição dos conflitos coletivos de trabalho, não se divisa nenhuma inconstitucionalidade na exigência de comum acordo, para a instauração do dissídio de natureza econômica, no cotejo com o princípio constitucional da inderrogabilidade da jurisdição.
IV -Não sendo necessário que a instauração do dissídio de natureza econômica seja precedida de petição conjunta dos contendores, como a princípio o poderia sugerir a locução -comum acordo-, interpretando-a teleologicamente pode-se chegar à conclusão de ela ter sido identificada como pressuposto de válido e regular desenvolvimento do processo de que trata o art. 267, inciso IV, do CPC.
V -Descartada a exigência de que os contendores, para provocação da atuação do poder normativo da Justiça do Trabalho, assim o tenham ajustado previamente, cabe apenas verificar se o suscitado a ela se opõe expressamente ou a ela consinta explicita ou tacitamente, no caso de não se insurgir contra a instauração do dissídio de natureza econômica, circunstância que dilucida a não-aplicação, no processo coletivo do trabalho, da ortodoxia do processo comum de se tratar de matéria cognocível de ofício pelo juiz, a teor do § 3º, do art. 267, do CPC, pelo que o seu acolhimento dependerá necessariamente da iniciativa da parte adversa.
VI -Como a suscitada expressamente manifestou-se contrária ao ajuizamento do dissídio coletivo, depara-se com a ausência do pressuposto de válido e regular desenvolvimento do processo de que trata o art. 267, inciso IV, do CPC, indutora da sua extinção sem resolução do mérito, a teor do caput daquele artigo. Processo extinto sem resolução do mérito. [6]
Com efeito, conforme entendimento pacífico do TST, não há conflito entre a exigência de "comum acordo", como requisito para instauração do dissídio coletivo, e o disposto no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal.
Porém, cabe esclarecer que os sindicatos profissionais no Brasil, em regra, nunca tiveram uma autonomia e uma representatividade tal que propiciasse negociar em igualdade com o setor econômico, salvo raras exceções e em específicos locais do país. Logo, limitar ou mesmo impedir, na prática, a definição do conflito pelo Poder Judiciário trabalhista pode não ter caracterizado uma violação ao acesso à justiça ou à liberdade sindical, mas certamente criou retrocessos quanto às condições de trabalho de algumas categorias.
Como já foi dito, a ideia do poder normativo da Justiça do Trabalho possui inconteste influência fascista, corporativista, que, com o pretexto de proteger as classes sociais, impedia a ação coletiva, o conflito real entre capital e trabalho. A própria Justiça do Trabalho vinha servindo como uma alternativa ora à proibição da greve ora à sua própria insuficiência.
O paternalismo estatal, ainda que com um discurso protetor, pode acabar por desestimular as formas extrajudiciais de composição dos conflitos de trabalho, pois convém tanto ao Estado corporativo como a um sindicato enfraquecido buscar a solução para as controvérsias oriundas da relação de trabalho no seio do próprio Estado.
Sabendo que o direito do trabalho foi fruto de lutas de classes, de grandes sacrifícios e resistência, chega a ser paradoxal que justamente na relação laboral é que se aceita a interferência normativa do Poder Judiciário nas relações privadas. Um Poder Judiciário que, mesmo com boas e justas intenções de seus membros, não seria o órgão mais preparado para conhecer efetivamente dos meandros do conflito coletivo e da realidade enfrentada por cada categoria envolvida.
É verdade que não poderia o Estado distanciar-se por completo das relações de trabalho, ao menos no que se refere ao Brasil, como pretende os defensores de um movimento flexibilizador, muitas vezes inclinado à precarização do trabalho e ao abandono do trabalhador. O total absenteísmo estatal não é a solução para a crise de desemprego e subemprego. Mecanismos tais funcionam muito bem no início, como remédios que somente alcançam os sintomas. O desemprego tem se mostrado um problema significativamente estrutural, de modo que medidas rápidas e paliativas somente escondem a necessidade de uma ação complexa.
Tal constatação, que o Estado não se deve afastar-se por completo, pode estar presente no próprio efeito da negociação coletiva, que não é instrumento apenas de avanço protetivo dos trabalhadores, tendo em vista a possibilidade constitucional e legal de ela ser instrumento também de redução de direitos, com o objetivo verídico ou não de diminuir custos e possibilitar a transposição dos períodos de crise que ameaçam a continuidade da atividade empresarial e os postos de trabalho.
Assim, pode-se dizer que a nova redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal que condicionou o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica ao comum acordo dos entes coletivos envolvidos não encerra nenhuma inconstitucionalidade. A inafastabilidade da jurisdição não alcança o poder normativo da Justiça do Trabalho, poder este que foge à função típica do Poder Judiciário e relativiza sobremaneira a separação dos poderes.
Do exposto, ressalte-se que é perfeitamente possível que se exija comum acordo para a instauração do dissídio coletivo, mas de se ressaltar igualmente que o rigor deve ser abrandado pela aceitação de que o acordo possa ser tácito, manifestado durante o curso do dissídio coletivo, em razão da não-oposição expressa da parte adversária.
O intuito inequívoco da reforma constitucional foi o de extinguir o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, alçando tal órgão jurisdicional a mais uma espécie de arbitragem, a judicial, à semelhança do que já ocorre no seio privado.
Recusando-se as partes a chegar a um desfecho promissor ao cabo da negociação coletiva, e não se optando por instaurar o dissídio, não restará outra saída que não seja a greve. Para isto, os sindicatos necessitam ser fortes, sob pena de tornar uma boa intenção (fortalecimento da negociação coletiva, dos sindicatos e supressão do corporativismo) em mera demagogia incutida pelo poder econômico e aceita ingenuamente pelo proletariado.
Informações Sobre o Autor
Wesley Adileu Gomes e Silva
Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela FACAPE e em Direito Previdenciário pelo Juspodivm, Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina