Resumo: Este artigo tem por objetivo a análise do Art. 225, § 1º, VII da Constituição da República Federativa do Brasil à luz do acórdão do TJ/PR proferido pela Dês.ª Maria Aparecida Blanco de Lima. A metodologia utilizada para a pesquisa baseou-se na pesquisa de normativos, jurisprudência e doutrina atinentes ao tema. Após uma breve abordagem da evolução histórica da Legislação Ambiental no tocante a proteção da fauna, estabelecendo a relevância e as consequências da decisão sob o ponto de vista Constitucional e Infraconstitucional. Ao final, demonstra que os princípios constitucionais ambientais implícitos e explícitos vêm sendo aplicados pelos tribunais brasileiros. Por outro lado conclui-se que a legislação infraconstitucional ainda não absorveu todos os preceitos e princípios constitucionais garantidores de proteção aos animais.
Palavras-chave: Experimentação Científica com Animais. Maus Tratos. Proteção Constitucional à Fauna.
Abstract: This article aims at the analysis of Article 225, § 1, VII of the Constitution of the Federative Republic of Brazil in the light of the judgment of the ECJ / PR delivered by the Right. ª Maria Aparecida de Lima Blanco. The methodology used for the research was based on research regulations, jurisprudence and doctrine relating to the theme. After a brief overview of the historical evolution of environmental law regarding the protection of fauna, establishing the relevance and consequences of the decision from the point of view of constitutional and infra. At the end, demonstrates that constitutional environmental principles implicit and explicit have been applied by Brazilian courts. Furthermore it is concluded that the constitutional legislation has not yet absorbed all the precepts and guarantors constitutional principles protecting animals.
Keywords: Scientific Experimentation with Animals. Punishment. Constitutional Protection Fauna.
Sumário: Introdução 1. Evolução Histórica da Legislação de Proteção aos Animais. 2. Novo Paradigma da Juridicidade Ambiental. 3. Tratamento Infraconstitucional dado aos Animais. 3.1 Aspectos da Lei 11.794/2008. 4. Comentários ao Acórdão nº 862610-8 Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do Paraná. Considerações Finais. Referências
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo a análise do Art. 225, § 1º, VII da Constituição da Republica Federativa do Brasil à luz do acórdão do TJ/PR, proferido pela Dês.ª Maria Aparecida Blanco de Lima, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná.
O referido acórdão versa sobre a tentativa de reforma da decisão que deferiu a suspensão dos experimentos científicos realizados pela Agravante Universidade Federal de Maringá com os cães da raça Beagle e qualquer outra raça, bem como, qualquer outro animal até decisão final do mérito da referida ação civil pública.
Destaca-se que a análise dos feitios jurídicos que abarcam o acordão tem como base norteadora a Constituição da Republica de 1988 e a Lei 11.794/2008 que regulamenta o artigo 225, § 1º, inciso VII da Carta Magna.
O Termo fauna está presente na Constituição nos arts. 23, inciso VII; 24, inciso VI; mas é no artigo e 225, paragrafo 1º, inciso VII, que o instrumento protetivo é apresentado de forma impositiva.
O tema é de grande importância, visto que a proteção à fauna, e mais especificamente a proteção de animais domésticos tem previsão constitucional e representa atribuição do Poder Público. Observamos que o Estado Brasileiro não tem interesse em tratar do tema, tão caro aos animais. Atualmente a Lei 11.794/2008[1] regulamenta o art. 225, § 1º, inciso VII da Constituição. Tal lei estabelece os procedimentos para uso científico dos animais em experimentos científicos.
A lei 11.794/2008 cria órgão para administrar as atividades que façam uso de pesquisa com uso de animais, porém conforme afirma Machado, “a mesma apresenta limitações em sua estruturação, como por exemplo, a de limitar a representação da sociedade em sua composição, desconsiderando a possibilidade de serem obtidas decisões imparciais e em consonância com o pensamento da sociedade”.
O decreto 6.899 de 15 de julho de 2009 regulamenta a composição do CONCEA e estabelece normas para o seu funcionamento. O referido regulamento define o CONCEA, como órgão integrante da estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada multidisciplinar de caráter normativo, consultivo, deliberativo e recursal, para coordenar os procedimentos de uso científico de animais.
Observa-se que a crítica do Professor Paulo Afonso é extremamente válida. Tal órgão não tem composição paritária, deixando a sociedade à margem do processo decisório o que fragiliza a posição das sociedades protetoras dos animais.
A relevância do assunto se torna ainda maior pelo alcance da norma (Infraconstitucional) em questão, que incide diretamente no direito a vida, saúde e bem estar dos animais utilizados em pesquisas cientificas.
2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO À FAUNA
No Brasil o primeiro momento onde se criam instrumentos jurídicos de proteção aos animais é verificado nas Ordenações Manuelinas (1512-1605). Em seu texto vedava-se a prática de “caça de perdizes, lebres e coelhos, com redes, fios, bois, ou outros meios e instrumentos capazes de causar dor e sofrimento na morte destes animais (FREITAS, 2007, p. 19)”.
Contudo, é fato que a inspiração da norma não era necessariamente a proteção dos animais. A ideia de proteção daquelas determinadas espécies teria muito mais o condão de proteção da propriedade do que necessariamente a proteção da fauna em si.
Em 1580 conforme conta Freitas (2007, p. 19) o Brasil estava, assim como Portugal, sob o domínio da Espanha, e nesse contexto Felipe I editou as Ordenações Filipinas, com aplicação em todas as colônias portuguesas. O referido texto criminalizava a prática de matança de animais por simples malícia. Sendo a pena aplicada a de degredo para o Brasil.
Na década de 30 do século passado começaram a florescer as primeiras normas, totalmente nacionais, que tutelavam os recursos naturais, incluindo-se aí a fauna. Em 10 de julho de 1934 foi instituído o Decreto nº 24.645, que condenava os maus-tratos sofridos pelos animais, definindo regras de proteção. Na mesma toada foi instituído por Getúlio Vargas o Decreto nº 24.645/1934 que definia medidas com relação aos animais domésticos (SIRVINKAS, 2003).
O decreto 24.645/34 representou avanço na tutela dos animais domésticos, visto que definia as condutas lesivas e imputava multa e até prisão de acordo com o grau de lesividade da conduta. À época em um Brasil predominantemente agrário as condutas referiam-se em grande parte a animais domésticos utilizados nos processos produtivos. Independente disso o grande avanço da norma está na afirmação de que todos os animais são tutelados pelo Estado, gozando de assistência em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e membros das sociedades protetoras dos animais.
Todavia, o art. 3º, inciso XXXI do referido decreto, apresenta de forma indireta uma excludente, afirmando que condutas para fins científicos estariam autorizadas. No caso concreto, o que se apresenta é a visão de uma sociedade preocupada com seus próprios interesses utilitaristas.
Já na década de 1960 surgiram as primeiras leis que definiam de maneira mais robusta a tutela da fauna. Podemos citar a Lei de Proteção à fauna, Lei nº 5.197/1967 e o Código de Pesca, Decreto-Lei nº221, de 28 de fevereiro de 1967 e o próprio Código Florestal[2]. Tais leis inovavam no sentido de melhor sistematizar o corpo normativo relativo ao tema fauna. Cabe ressaltar que todo ordenamento jurídico anterior a Constituição da Republica de 1988 possuía caráter eminentemente antropocêntrico e utilitarista. O animal deveria ser protegido quando o interesse e bem-estar humano não estivessem em jogo.
Em 1988 a Constituição da República apresenta um novo paradigma da Juridicidade Ambiental. A adoção da preservação do meio ambiente como um direito fundamental. Estabelecido em princípios constitucionais implícitos e explícitos. A nova visão do ordenamento jurídico ambiental “coloca a natureza em primeiro plano, digna de respeito e consideração em si e por si mesmo” (PADILHA, 2010).
A proteção a Fauna, de forma específica, está presente em todos os princípios constitucionais ambientais na Constituição, mas em especial no art. 225, §1º, inciso VII, onde determina como responsabilidade do Poder Público em "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”.
3 – NOVO PARADIGMA DA JURIDICIDADE AMBIENTAL
Prescreve a Constituição Federal em seu § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público à proteção da fauna e a flora, vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Desse modo, os animais são parte integrante da fauna, incumbindo ao Poder Público a sua proteção. Tal proteção deve ser de realizada de maneira ampla geral e irrestrita e independe da legislação infraconstitucional.
O novo paradigma constitucional estabelece a proteção à fauna colocando-a em primeiro plano, devendo ser protegida independente do viés econômico, cultural e social. Os animais tem nesse novo ambiente constitucional a garantia à vida. Esta afirmação “não está contida de forma expressa na Constituição, mas é logico interpretar que ao serem protegidos da crueldade devem estar vivos, e não mortos” (MACHADO, 2009).
Necessário anotar as palavras de Norma Sueli Padilha quando afirma que a abordagem constitucional assume a influência das bases da construção Teórica do Direito Internacional Ambiental do Meio Ambiente, pois não mais considera os elementos naturais como inesgotáveis, e assume a necessidade de imposição de limites de sustentabilidade contra a perversa lógica de sua exploração sem limites. (PADILHA, 2010).
A exploração de animais para benefício da evolução da ciência não pode em qualquer hipótese submetê-los à crueldade.
O Supremo Tribunal Federal vem decidindo, em sua parca jurisprudência sobre o tema, pela proteção dos animais, em casos como a “farra do boi”, no Estado de Santa Catarina (BRASIL, 2011) e a decretação da inconstitucionalidade de leis estaduais que permitiram rinhas de galos (BRASIL, 2005).
O conceito de crueldade é a qualidade do que é cruel, ato cruel, rigor excessivo, barbaridade, desumanidade. Trata-se de ato sádico, desumano, doloroso, que causa sofrimento naquele que sofre, enfim, um mal gratuito, um mal além do absolutamente necessário (AURÉLIO, 1986). Assim considera-se um ato praticado contra os animais como cruel quando ele atingir a integridade físico-psíquica do animal causando-lhe sofrimento.
A Constituição Federal, “ao impedir que os animais sejam alvo de atos cruéis, supõe que esses animais tenham sua vida respeitada” (MACHADO, 2009). A proteção da vida, saúde e dignidade do animal é obrigação constitucional do poder público.
Lembramos que em sede de constituição não se admite a submissão de animais a atos cruéis. Então porque submetê-los a testes científicos que lhe causam dor, sofrimento e morte. Será mesmo necessário nos dias de hoje a prática de testes em animais para fins de benefícios científicos ao homem? A tecnologia atual já pode trazer novas técnicas que dispensem o uso da vida animal no processo de pesquisa?
Certo é que o novo paradigma constitucional se afasta da cultura Antropocêntrica, onde o homem é colocado como o mais importante dentro dos processos sociais, econômicos e científicos.
De mesmo modo a cultura utilitarista também sofre abalo pela nova concepção constitucional. O animal não será protegido única e exclusivamente por sua função econômica, mas também por possuir proteção constitucional “em si mesmo” (PADILHA, 2010).
A pergunta que se faz quando analisamos a Lei 11.794 é se verdadeiramente seria necessária a utilização de animais para fins de ensino ou para pesquisa?
4 – TRATAMENTO INFRACONSTITUCIONAL DADO AOS ANIMAIS
Apesar de a Constituição vedar as práticas que submetem os animais à crueldade, a legislação infraconstitucional não segue o mesmo caminho, na medida em que autoriza indiretamente a prática de atos cruéis contra animais quando inexistirem recursos alternativos.
A Lei de Crimes Ambientais nº 9.605 de fevereiro de 1998, em seu art. 32 tipifica a prática de ato de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena prevista para o crime é de detenção de três meses a um ano, e multa.
Conforme o parágrafo 1º do mesmo artigo, que incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Se o animal chegar ao óbito a pena será aumentada de um sexto a um terço.
A lei de crimes ambientais avança na proteção aos animais, entretanto o permissivo do paragrafo 1º autoriza a possibilidade legal de prática de atos cruéis em pesquisas cientificas quando não existirem recursos alternativos.
Novamente a visão antropocêntrica e utilitarista permeia a legislação infraconstitucional. As experiências em animais vivos dentro da lógica legalista é perfeitamente possível e legalmente válidas. O legislador infraconstitucional não absorveu o novo e moderno paradigma ambiental estatuído na Carta Magna. Os animais tem direito a proteção contra maus tratos e as pesquisas que forem realizadas com animais devem respeitar este direito inderrogável.
No caso das pesquisas realizadas com animais, não cabe apenas “mitigar ou reduzir a dor do animal. Trata-se, muito mais, de averiguar, em procedimento formal, em cada caso, se o animal deve, ou não, ser sacrificado. Sendo a ausência deste procedimento motivação ensejadora de inconstitucionalidade da referida lei” (MACHADO, 2009).
4.1 – Aspectos Importantes da Lei 11.794/2008
A “Lei Aruoca”,[3] estabelece procedimentos para o uso de animais em experiências cientificas. Na atualidade, é grande a discussão sobre a referida Lei. Tudo em função de denúncias contra uma instituição de pesquisa denominada Instituto Royal.
Tal instituição estaria realizando pesquisas biomédicas e testes de medicamentos em ratos, coelhos e cães da raça beagle. O caso apresentado no acordão analisado neste artigo é bem similar ao caso atual que está em todas as manchetes de jornais e revistas[4].
O caso Instituto Royal tomou magnitude na mídia pela total inércia do poder público na fiscalização e aplicação da Lei Arouca. Várias denúncias foram apresentadas para as autoridades responsáveis e nada foi feito para averiguar a real situação dos animais utilizados na instituição com fins de pesquisa.
Desse modo, a sociedade civil organizada partiu para o exercício das próprias razões, invadindo o referido instituto e assim resgatando um grande número de cães. As condições em que se encontravam os animais eram as piores possíveis conforme informações de ativistas, veiculadas nos vários meios de comunicação Brasileiros.
A Lei 11.794/2008 define que no § 1º do art. 1º, a utilização de animais para duas finalidades: ensino e pesquisa. No caso o ensino ficando restrita a utilização única e exclusivamente em estabelecimentos de ensino superior e estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica.
No § 2º do art. 1º, impõe ainda que serão consideradas como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros testados em animais, conforme definido em regulamento próprio.
É conveniente frisar que a lei não específica de forma clara quais seriam os limites para utilização dos animais. Deixa este vazio legal ser preenchido pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA.
O Conselho foi criado pela própria lei com a finalidade de formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa cientifica segundo o Art.5, I da Lei 11.794/2008.
É um órgão consultivo e deliberativo, com poder para estabelecer regramentos para a utilização de animais em ensino e pesquisa. O mesmo está vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e tem como o presidente o Ministro da referida pasta.
A grande critica que se faz a Lei 11.794/2008, refere-se à composição do conselho. O desequilíbrio entre poder publico, empresas e a sociedade protetora dos animais é evidente. Na forma como está construído, não existe possibilidade de efetiva participação das entidades na fiscalização e preservação dos interesses dos animais.
Tal desequilíbrio também se verifica nas Comissões de Ética no uso dos Animais, as chamadas CEUAs. Previstas no seu art. 8º, as comissões são pré-requisito para o credenciamento das instituições com atividades de ensino ou pesquisa com animais.
O desequilíbrio se apresenta na composição da CEUA, que possui apenas 1(um) representante de sociedades protetoras de animais legalmente estabelecidas no País. Com relação aos médicos, biólogos, docentes e pesquisadores na área específica não existem limites previstos de representantes.
Talvez por tais facilidades legais as denúncias de maus tratos estejam nas manchetes atuais. A instituição do CONCEA e das CEUAs poderiam representar uma ferramental de mínima proteção aos animais “usados” para fins ditos científicos.
O referido normativo infra legal apresenta em seu Capítulo IV as Condições de Criação e uso de animais para ensino e pesquisa científica. Dentre elas prescrições de eutanásia, tratamento médico veterinário, cuidados especiais entre outros.
O professor Machado (2010) faz uma crítica pertinente à expressão “usar os animais” que merece ser aqui apresentada. Nas palavras do Jurista “não se pode deixar de afirmar que é uma expressão crua e rude, ainda que se procure suavizar a expressão com o viés de uso científico. Os animais não são coisas, como no direito antigo, mas seres vivos, integrando o meio ambiente, com proteção constitucional”.
Nesse contexto a comunidade científica demonstra estar desconectada da nova visão constitucional, que coloca o animal como ser vivo, portador de direitos. A ideia encanecida de que os animais são coisas, e que como tal, não são merecedores de direitos e garantias é ainda o modal da concepção científica brasileira.
Não se pode, porém, demonizar as pesquisas científicas que tanto tem contribuído com a qualidade de vida e saúde do homem. O desenvolvimento de novas técnicas médicas e novos medicamentos tem na pesquisa com animais apresentado grandes resultados para a sociedade.
Entretanto, tais resultados não podem vir do sofrimento e crueldade com os animais “utilizados”. Tais seres são tutelados pelo poder público e merecem do legislador brasileiro um corpo de normas que sejam realmente eficazes no que tange a proteção contra abusos.
A ciência não pode parar, mas as técnicas científicas que torturam, deformam e mutilam devem ser banidas. Para tanto, a aplicação da Lei Arouca tem demonstrado não ser suficiente para garantir a proteção dos animais.
A Lei como está posta, permite muita liberdade na aplicação de técnicas de pesquisa, o que facilita a prática de atos de crueldade sob a bandeira do desenvolvimento científico.
O Capítulo IV da Lei Arouca vem estabelecer regramentos que visam reduzir o sofrimento dos animais através de protocolos de analgesia, tratamento médico veterinário e eutanásia como forma de minimizar o sofrimento das cobaias.
Vale a citação do art. 14, § 1º da Lei Arouca:
“Art. 14. O animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado quando, antes, durante e após o experimento, receber cuidados especiais, conforme estabelecido pelo CONCEA.
§ 1º O animal será submetido à eutanásia, sob estrita obediência às prescrições pertinentes a cada espécie, conforme as diretrizes do Ministério da Ciência e Tecnologia, sempre que, encerrado o experimento ou em qualquer de suas fases, for tecnicamente recomendado aquele procedimento ou quando ocorrer intenso sofrimento.”
No ver da doutrina Constitucionalista que trata do tema, não se pode permitir intenso sofrimento do animal em nenhuma fase da pesquisa. Se ocorrer a necessidade de eutanásia como medida humanística em favor do animal que sofre, algo está errado na elaboração da pesquisa, quando não previu tal situação.
O Capitulo V da Lei Arouca define as penalidades administrativas às instituições que trabalham com pesquisas. As penalidades podem ser de advertência, multa, interdição temporária, suspensão de financiamentos provenientes de fontes oficiais de crédito e fomento científico, interdição definitiva. É bom frisar que Lei de crimes ambientais tipifica a conduta de crueldade como crime, e pode ser aplicada a pessoa jurídica e natural. Sendo que as sanções previstas nos arts. 17 e 18 desta Lei serão aplicadas pelo CONCEA, sem prejuízo de correspondente responsabilidade penal.
Por fim, o art. 21 define a competência para fiscalização das atividades reguladas pela Lei 11.749/2008 aos órgãos dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, da Educação, da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, nas respectivas áreas de competência.
5 – COMENTÁRIOS AO ACÓRDÃO N º 862610-8 AGRAVO DE INSTRUMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ.
A análise do acordão nº 862610-8 no presente artigo toma uma nova dimensão, quando ainda nesta semana uma grande polêmica foi criada sobre o tema “uso de animais em pesquisas científicas”, especialmente a utilização de cães da raça beagle. O caso aqui analisado muito se assemelha com o caso atual do Instituto Royal[5].
Observe-se o trecho do acórdão nº 862610-8 da lavra da Ilustre Dês.ª Maria Aparecida Blanco de Lima em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. DECISÃO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ UEM DA UTILIZAÇÃO DE CÃES (DA RAÇA BEAGLE E QUALQUER OUTRO) E DE QUALQUER OUTRO ANIMAL, NOS PROTOCOLOS MENCIONADOS E EM OUTRAS PESQUISAS LEVADAS A EFEITO OU FUTURAS PELO DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REFORMA. ELEMENTOS CONSTANTES NOS AUTOS QUE NÃO EVIDENCIAM A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES TRAZIDAS PELA AGRAVANTE OU O FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO QUE JUSTIFIQUE A REVOGAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA. DECISÃO QUE SE ENCONTRA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, TENDO SIDO PROFERIDA EM CONFORMIDADE COM OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONSTANTE NOS AUTOS. QUESTÕES VERSADAS NOS AUTOS QUE RECLAMAM O AMADURECIMENTO DO PROCESSO, SENDO PRUDENTE A SUSPENSÃO DAS PESQUISAS COM DITOS ANIMAIS ATÉ ULTERIOR DELIBERAÇÃO DO JUÍZO SINGULAR OU TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO ORIGINÁRIA. RECURSO DESPROVIDO”. (TJPR – 4ª C. Cível – AI – 862610-8 – Maringá – Rel.: Maria Aparecida Blanco de Lima – Unânime – – J. 03.07.2012)
Considerando a definição de meio ambiente e recursos ambientais apresentada pela Lei de Politica Nacional de Meio Ambiente n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, conclui-se que a proteção da fauna está contida dentro da proteção do meio ambiente e, portanto, está tutelada pela Ação Civil Pública.
O Art. 3º, I, Lei 6 938/81 define meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações da ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Já o inciso V do Art. 3º da mesma Lei apresenta a definição de Recursos Ambientais, sendo estes a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
A Ação Civil pública pode ser de iniciativa do Ministério público, pelas entidades de defesa do meio ambiente e pelo poder público através dos órgãos ambientais. A sociedade pode através da representação ao MP, provocar a sua atuação visando garantir e proteger o meio ambiente como tema constitucionalmente tutelado.
Sendo o direito dos animais uma garantia constitucional cabe ao MP atuar para resguardar os mesmos de qualquer situação de maus tratos ou crueldade. A Ação Civil Pública tem como objetivo a condenação cominatória e pecuniária, ou seja determina o cumprimento de obrigação de fazer ou deixar de fazer. Podendo em medida cautelar barrar um ato danoso ao meio ambiente ou aos animais constitucionalmente tutelados.
Partindo para análise propriamente dita do Acordão Paranaense, constatamos que se trata de acordão que julgou improcedente o Agravo de Instrumento que se rebelava contra decisão interlocutória que suspendeu a utilização de cães da raça Beadle e outros animais até o julgamento final de Ação Civil Pública em face da Universidade Estadual de Maringá.
A referida decisão manteve a suspensão da utilização de cães da raça Beagle (e qualquer outro) e de qualquer outro animal, nos protocolos e pesquisas realizados pelo departamento de odontologia da Universidade Estadual de Maringá.
A brilhante atuação do Ministério Público do Paraná em defesa dos animais, demonstra a sua preocupação na concretização do novo paradigma constitucional, onde o animal é considerado em si mesmo. E forçoso neste momento ilustrar o anseio de mudanças na tratativa dos animais, para tal vejamos o que ensina a Professora Norma Sueli Padilha:
“A Constituição de 1988 faz um apelo de um esforço solidário entre o Poder Público e a coletividade no cumprimento do dever de preservar e proteger o meio ambiente, o que implica comunhão de esforços, parceiras público-privadas, solidariedade social e diálogo com todos os setores da sociedade”. (PADILHA, 2010)
Depreende-se que nos autos da ação principal que o Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Maringá não está promovendo o tratamento especial definido pela Lei 11.974/2008 e com isso tais atos podem e devem ser tipificados como crime ambiental.
Desse modo os animais ali utilizados, em primeira análise, estão em situação de risco imediato, o que é mais que suficiente para o deferimento do pedido de suspensão das pesquisas com animais.
No mérito, a premissa utilizada para como base da decisão liminar agravada demonstra que as pesquisas científicas realizadas pela ré já estão sendo empregadas em humanos, circunstância que afasta a conotação de necessidade de utilização de animais para tal fim[6]. Se não são mais necessárias as pesquisas com animais em função da existência de testes já realizados em humanos, para que então realizar tais pesquisas?
Vai bem o Ilustre Juiz Siladeufo Rodrigues da Silva da 5ª Vara Cível de Maringá ao deferir a liminar em favor dos animais. Um dos fundamentos da Sentença merece ser apresentado, vejamos:
“O Legislador pátrio, ao editar a Lei nº 11.794/08, possibilitou que pesquisadores pudessem realizar experimentos científicos em animais desde que não haja outro meio alternativo capaz de obtenção dos mesmos resultados ou melhores resultados com a pesquisa almejada” (TJPR, Decisão Liminar – Autos n.º 25709-/2011 de Ação Civil Pública)
Outra premissa refere-se às práticas utilizadas pela UEM, que não apresentam promoção de tratamento especial e necessário aos animais. Tal alegação tem como base relatório emitido pelo CRMV-PR, constante nos autos.
O art. Art. 14. da Lei 11.794 é cristalino ao exigir que o animal só possa ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado quando, antes, durante e após o experimento, receber cuidados especiais, conforme estabelecido pelo CONCEA.
Como então a Universidade Estadual de Maringá realiza pesquisas a margem da lei sem qualquer sanção do Órgão Fiscalizador chamado CONCEA? Tais fragilidades tem sua origem, a nosso ver, na própria Lei instituidora do Conselho.
Sua flagrante ineficiência na fiscalização das universidades e institutos de pesquisa demonstra descaso com a questão ambiental. A própria composição dada ao conselho pela Lei, leva ao descredito das questões relativas à proteção aos animais.
Conforme já afirmado no presente artigo, não existe privilégio às associações de defesa dos animais, que tem uma ínfima representatividade dentro do CONCEA, e das CEUAs instituídas nos institutos de pesquisa e universidades.
Por outro lado a agravante alega em sua fundamentação que não teriam praticado ou permitido que seus prepostos praticassem quaisquer atos que pudessem caracterizar maus tratos aos animais, igualmente albergados pela proteção constitucional[7]. Alegam ainda que tem efetivamente cumprido toda a normatização com relação às pesquisas científicas que envolvem o uso de animais.
Entretanto, não foi apresentado nos autos do Agravo de Instrumento em tão pouco nos autos da Ação Civil Pública prova de que a referida instituição possuísse registro regular no CONCEA.
A conclusão é bem óbvia, a Universidade agiu à margem da Lei 11.974/2008 e da Constituição Federal. O permissivo para as pesquisas está contido no corpo da Lei Arouca. Se não existe registro da instituição no CONCEA, qualquer ato de pesquisa utilizando animais é efetivamente pratica de crueldade e por consequência crime ambiental.
O que fere de morte o Art. 225, §1º, VII da Constituição Ambiental de 1988. Segundo Édis Milaré (2011. p.207), “a Constituição da Republica de 1988, ao determinar, em seu Art. 225, §1º, VII, ao Poder Público a incumbência de proteger a fauna, abrigou sob o manto da lei todos os animais indistintamente, vez que todos os seres vivos têm valor, função e importância ecológica, seja como espécie, seja como indivíduo”.
Não bastasse os requisitos legais não cumpridos pela Universidade, existem provas mais que claras do tratamento cruel dado aos animais utilizados pela Universidade. A presença de medicamentos vencidos e profissionais sem qualquer qualificação técnica como responsáveis diretos pelo cuidado com os animais demonstra o desrespeito à vida.
Conforme o parágrafo 1º do art. 32 da Lei nº 9.605 (Lei de Crimes Ambientais), incorre nas mesmas penas previstas no Art. 32 quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
Deste modo, a referida Universidade (agravante) pode ser responsabilizada criminalmente pelos atos praticados, além da penalização dos agentes e responsáveis pelo tratamento cruel.
Sob o ponto de vista da Nova Constituição Ambiental de 1988, a referida decisão demonstra que a evolução do pensamento jurídico ambiental dentro no novo paradigma estabelecido pela constituição.
Padilha (2010) citando Konrad Hesse (1991, p.9), afirma que a vontade da Constituição determina a conduta dos poderes públicos e a sociedade.
Nas palavras de Peter Hãberle (1997, nota, 16, p. 37) citado por Padilha (2010): A defesa do direito ao equilíbrio do meio ambiente trata-se de um poder-dever imposta a todos os intérpretes da Constituição, neles incluindo o “povo” que detém o pleno exercício da Cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Restou claro no presente trabalho que a Lei 11.974/2008, com seu atual regramento não garante a proteção dos animais utilizados para fins de experimentos científicos. A partir da análise dos princípios constitucionais ambientais ficou evidenciado que o legislador infraconstitucional não apreendeu a nova e moderna visão ambiental estabelecida pela Constituição da Republica de 1988.
A proteção dos animais representa um imperativo Constitucional, que deve ser exercido como um poder-dever do Estado. Os instrumentos criados para em tese evitar a exposição de animais à crueldade demonstram-se ineficazes.
A lei Arouca é apenas um instrumento legal para validar os atos de crueldade contra os animais. Acreditamos que a proteção dos animais utilizados em laboratório só realmente ocorrerá quando ocorrer uma regulamentação do art.225, §1, VII, da CR que realmente apresente instrumentos de controle das entidades que realizam pesquisas. E que tal instrumental seja amplamente debatido e fiscalizado com a participação equânime das entidades de proteção aos animais.
A celeuma atual sobre o tema demonstra que os órgãos fiscalizadores atuais não têm atuado na busca da proteção e preservação das cobaias. Entendemos que a pesquisa científica é fundamental para o desenvolvimento do país, mas dentro de conceitos de sustentabilidade e respeita a vida animal.
As pesquisas cientificas, por sua importância não podem parar, mas a violência, a mutilação, a tortura física e psíquica deve cessar. E o instrumento para realizar esta mudança já existe e é plenamente aplicável.
Entendemos ser necessária a edição de nova lei que regule os limites da aplicação de animais para fins didáticos e para pesquisas cientificas. E que esta nova lei reformule a atual composição do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA, dando mais participação aos órgãos ambientais e sociedade civil organizada e sociedades de proteção aos animais, a fim de impedir que práticas ilegais e inconstitucionais continuem a ocorrer.
Por derradeiro, destacamos que o Congresso Nacional está se debruçando sobre o tema, tendo em vista o clamor atual da sociedade. Os últimos acontecimentos no Instituto Royal, apenas corroboram na confirmação de que a pesquisa científica nacional com uso de animais necessita urgentemente de um novo marco regulatório. E que este novo marco de regulação esteja em consonância com os princípios ambientais presentes na Constituição da Republica de 1988.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Alan de Moura Rodrigues
Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara de Belo Horizonte Minas Gerais. Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC – PUC MINAS). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS).