Resumo: O presente artigo trata da (im)possibilidade cumulação, em uma mesma demanda, de pedidos de benefício acidentário e não-acidentário, quando a comarca não possuir sede da Justiça Federal.
1. INTRODUÇÃO
Quem lida com o Direito Previdenciário no seu dia-a-dia sabe que é bastante comum a formulação de pedidos, na mesma demanda, de benefício previdenciário[1] e acidentário. Assim, por exemplo, soí já constar da inicial o pedido de auxílio-doença previdenciário ou, subsidiariamente, em caso de existência de nexo causal reconhecida pelo perito do juízo, auxílio-doença acidentário.
Em outro caso, igualmente comum, há pedido de benefício previdenciário, mas, após o laudo, e a verificação do nexo causal, o juiz concede ao autor benesse acidentária.
Tal postura – antijurídica, como se pretenderá demonstrar – é comum em função da identidade dos juízes para apreciar ambas as demandas, caso a comarca não seja sede de Vara Federal.
É que as demandas acidentárias são processadas perante o Juiz Estadual, por força do art. 109, I, da Carta de 1988. Por outro lado, algumas demandas não-acidentárias são igualmente processadas pelo Juiz de Direito “sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal”, no dizer do § 3.º do mesmo artigo.
Dito isso, passa-se a abordar a impossibilidade de cumulação de ambos os pedidos na mesma demanda, bem como da concessão de benefício de ordem diversa da requerida na inicial.
2. DA IDENTIDADE DE JUÍZES, MAS DIVERSIDADE DE JUÍZOS
O caso ora abordado, relembre-se, diz respeito ao ajuizamento de demanda na Justiça Estadual buscando a concessão de benefício previdenciário e/ou acidentário. Diz respeito, também, à hipótese de pedido de benefício previdenciário, após o que se decidiu pela implantação de benefício acidentário (ou vice-versa).
Embora, nesse cenário, o juiz, pessoa física, seja o mesmo para julgar ambas as demandas, o juízo é diverso. Explica-se: para conceder-se benefício acidentário, o juízo é estadual, mas para conceder benefício previdenciário, no caso, o juízo é federal por delegação, não obstante o juiz seja o mesmo.
Conquanto pareça ser uma questão de menor importância, a qual deveria ser relegada em nome da celeridade e da razoável duração do processo, não o é. Por duas razões: a) o Código de Processo Civil pátrio veda a cumulação de ambos os pedidos e b) gera-se confusão processual no momento pós-sentença, após recurso(s) voluntário(s) ou remessa necessária.
Não poderia haver a cumulação acima (concessão de benefício previdenciário e/ou acidentário) porquanto a competência para processá-los é diversa. O inciso II do art. 292, § 1.º, do CPC assim dispõe:
“Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação: […]
II – que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; […]”
Note-se que, de fato, a competência para um pedido é da Justiça Federal, enquanto que para outro, da Estadual. Tal confusão normalmente só se faz nítida na fase pós-sentença. Para quem o sucumbente irá recorrer, para o TRF ou para o TJ? Pergunta-se isso porque há a possibilidade de se acolher um ou outro dos pedidos formulados em grau de recurso.
Tome-se um exemplo. Como recorrer de uma sentença que afastou o nexo causal e concedeu benefício previdenciário em uma demanda denominada, na inicial, de acidentária?
Devido ao princípio da unirrecorribilidade, não se poderia interpor duas apelações, uma para o TRF e outra para o TJ. Caso se recorresse para o TJ, haveria o reexame, por uma Corte Estadual, de decisão que concedeu um benefício previdenciário, de competência da Justiça Federal; se o endereçamento fosse para o TRF, esta Corte decidiria acerca do nexo causal, tema de competência absoluta da Justiça Estadual por ser a chave da identificação de acidentes de trabalho.
3. DAS ALTERNATIVAS JURIDICAMENTE ACEITÁVEIS
Para os casos acima narrados, seria altamente recomendado que o Juiz, ao verificar a cumulação indevida, intimasse o autor para emendar a inicial no fito de sanar a irregularidade, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de extinção do feito sem apreciação do mérito (art. 284 e parágrafo único do CPC).
Nessa oportunidade, o autor deveria esclarecer se intenta a percepção ou revisão de benefício previdenciário ou acidentário.
No caso de buscar um benefício acidentário e, do exame dos autos, sobretudo da análise do perito do juízo, concluir-se pela ausência de nexo causal com o labor, haveria improcedência do pedido, demandando extinção do processo com apreciação do mérito (art. 269, I, do CPC).
Isso se dá porque o nexo causal é um dos requisitos do benefício acidentário[2]. Uma vez ausente, tal fato deve levar o processo a uma decisão de improcedência.
Nesse caso, nada obsta que se aproveite da prova pericial já realizada para o requerimento de benefício previdenciário em outra demanda, como forma de conferir maior celeridade ao novo feito, desta feita previdenciário.
4. CONCLUSÃO
A impossibilidade de cumulação de pedidos de benefício previdenciário e/ou acidentário, embora seja um empecilho à celeridade da resolução do conflito, é uma decorrência lógica da competência federal delegada prevista no art. 109, § 3.º, da Constituição Federal de 1988.
Embora não convenha, aqui, discorrer sobre tal critério, que já é alvo de inúmeras críticas, registre-se que sua inconveniência se tornou fulgurante após um consolidado e interminado processo de interiorização das Varas Federais no Brasil.
De qualquer modo, até que tal dispositivo seja alterado, misturar competências federais e estaduais no mesmo juízo, sob o argumento da celeridade, hipossuficiência do segurado ou qualquer outro, é uma aberração jurídica, sobretudo por se tratar o INSS de autarquia federal, o que demanda, como regra, a competência da Justiça Federal. Nessa linha de raciocínio, excepcional é o julgamento de demandas nas quais ele figure como réu pelo Poder Judiciário Estadual.
Caso não se adotem as posturas acima apontadas, tornar-se-ia regra o julgamento de demandas acidentárias e previdenciárias pela Justiça Estadual, em clara afronta à delimitação de competências dispensada pela Constituição.
Informações Sobre o Autor
Nícolas Francesco Calheiros de Lima
Procurador Federal do quadro da Advocacia-Geral da União, Pós-graduado em Direito Constitucional