da análise sobre a responsabilização civil do ex-consorte por abandono afetivo: uma breve abordagem à luz da responsabilidade civil e do direito de família

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Resumo: Com o advento das modernas transformações sociais, a instituição da família passou a ter maior proteção normativa, em especial com o processo da constitucionalização do Direito Civil, por conseguinte, do Direito de Família e da responsabilização civil. Simultaneamente, os indivíduos que compõe a família têm também seus interesses resguardados por força da cláusula geral da dignidade da pessoa humana e dos princípios da busca pela felicidade, da liberdade e da solidariedade, dentre outros. A partir dessa premissa, o estudo em comento pretende, por meio de decisões e doutrina abalizadas, estabelecer se o ex-consorte, que supostamente provocou o fim do casamento, deve ser responsabilizado civilmente, ou seja, se deve ser condenado pelo dano do abandono afetivo, mediante a reparação compensatória. Assim, o abandono afetivo que culminou com o encerramento da união marital não deve ser, só por esse motivo, razão suficiente para provocar a condenação por responsabilidade civil àquele que causou o dano, posto que pela técnica da ponderação dos interesses, o princípio da busca da felicidade e da liberdade se sobressaem em relação ao princípio da solidariedade, que assiste ao ex-consorte que sofreu como fim do casamento.

Palavras-chave: Abandono Afetivo. Ex-consorte. Família. Responsabilidade Civil.

Abstract: With the advent of modern social changes, the institution of the family came to have greater protection normative, in particular with the process of constitutionalization of civil law, therefore, of family law and of civil liability. Simultaneously, the individuals who compose the family also have their interests safeguarded by the general clause of human dignity and from the principles of the pursuit of happiness, freedom and solidarity, among others. The social changes led to greater awareness and democratization of society, allowing that the spouse who suffers from the end of the conjugal society try to compensate this suffering with civil repair, before the Judiciary. From this premise, the present study intend, through decisions and authoritative doctrine, establish if the ex-consort, who supposedly caused the end of the marriage, should be civilly liable, in other words, if it should be condemned by the damage of the affective abandonment by compensatory restoration. Thus, the emotional distance that culminated in the end of the marital union should not be, for this reason, sufficient to cause the condemnation of liability to the which caused the damage, since by the technique of balancing of interests, the principles of the pursuit of happiness and freedom stand out relative to the principle of solidarity, which assists the ex-spouse who suffered from the ending the marriage.

Keywords: Affective abandonment. Ex-consort. Family. Civil Liability.

Sumário: Introdução. 1. Da constitucionalização do Direito Civil. 2. Aplicação da técnica da ponderação dos interesses – princípio da busca pela felicidade, da liberdade e da solidariedade. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente estudo almeja apresentar, discutir e fazer um exame acurado acerca das questões que envolvem a possibilidade ou não de responsabilização civil do ex-consorte por abandono afetivo, tendo como base os preceitos doutrinários da responsabilidade civil e do direito de família. Para tanto, preliminarmente, discutiu-se sobre o fenômeno denominado constitucionalização do Direito Civil, o qual permitiu maior segurança à instituição familiar, para, por fim, estabelecer o bem-estar social, igualdade, solidariedade entre os pares. Empós, passou-se a análise da aplicação da técnica da ponderação dos interesses, com o uso dos princípios da busca pela felicidade, da liberdade e da solidariedade, sem olvidar das normas pertinentes ao caso, para efetivamente resolver sobre a responsabilização civil do ex-consorte por abandono afetivo.

1 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

A análise da questão certamente merece prévio entendimento do que seja a inserção e o amparo do Direito Civil em relação à Constituição Federal de 1988. Sabe-se que desde os idos de 1988 o Direito Civil passou a ser albergado pela Carta Magna de 1988, pelo fenômeno denominado de constitucionalização do Direito Civil, privilegiando, dentre outros direitos deste ramo, a Responsabilidade Civil e o Direito de Família, naquele caso ressaltando os interesses de quem sofreu o dano e qual foi praticado, e neste, preservado os interesses individuais dos integrantes da família, para que seja o meio de concretização da satisfação pessoal e do crescimento social.

Nesse diapasão, é certo que a dignidade da pessoa humana permanece sob elevada importância na ordem constitucional, principalmente após o reconhecimento histórico dos Direitos Fundamentais, bem como a partir do novo modelo constitucional solidarista, atento aos ditames da boa-fé, bem-estar social, igualdade, solidariedade entre os pares. Na ordem dos princípios do direito de família, é certamente o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana um dos mais caros, segundo afirma Maria Helena Diniz:

“O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227).” (DINIZ, 2002, p. 21).

Ainda, nesse ínterim, a instituição da família passou por grandes transformações no decorrer dos últimos anos, onde se percebe a instrumentalização e a democratização, influenciada pela dignidade da pessoa humana para propiciar a justiça material, deixando, com isso, de ser uma instituição intocável pelo Estado, individualista, e que na figura do pai era concentrada a máxima da dignidade da pessoa humana, em detrimento dos demais membros da família. Aborda o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves sobre a instituição da família no início da organização da civilização:

“No direito romano a família era organizada sob o princípio da autoridade. O pater famílias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis). Podia, desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos e penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser repudiada por ato unilateral do marido”. (GONÇALVES, 2009, p. 15).

De tal modo, pelas razões apontadas, é possível apreender que o Estado Social permitiu que o direito de família fosse protegido constitucionalmente, principalmente pela função que ocupa na sociedade, para efetivamente materializar as exigências dos indivíduos e as suas necessidades, com vistas a promover o desenvolvimento e a satisfação de todos os componentes, indistintamente, pois a todos é assegurada a cláusula geral da tutela da pessoa humana.

Assevera-se que a família é hodiernamente instituição que serve aos interesses dos seus membros, para que a convivência seja agradável, cercada pela igualdade moral e jurídica, sem olvidar da dignidade da pessoa humana, posto que a família não se constitui isoladamente, ou seja, o cerne é formado pelo “agrupamento” humano (objeto de discussões doutrinárias), e participa da vida social com os demais elementos que compõem a sociedade. Entretanto, cabe ressaltar que a família faz parte de um todo maior, e deve respeitar as regras constitucionalmente estabelecidas, e os seus indivíduos devem observar os direitos que assistem a cada um, caso contrário, o Estado deve interferir para resguardar os interesses do indivíduo lesado.

2 APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DOS INTERESSES – PRINCÍPIO DA BUSCA PELA FELICIDADE, DA LIBERDADE E DA SOLIDARIEDADE

É sabido que um relacionamento que constitui uma família, em quaisquer circunstâncias, só tem razão de ser quando fundado pelo amor, posto que não se pode determinar o valor e a duração do amor, sendo este algo subjetivo e que o Estado não pode dispor. Nem mesmo o Estado pode determinar que um relacionamento permaneça para beneficiar um outro integrante da família, pois estar-se-ia a ferir a dignidade da pessoa humana, daquele a ser embaraçado do direito de liberdade. Nesse sentido, as normas que elencam os deveres conjugais não podem ser tidas como absolutas, pois todos os indivíduos da família têm o direito do livre desenvolvimento e vontade, desde que o exerça de maneira responsável.

Há uma parcela considerável das decisões relativas as relações familiares, pelos tribunais pátrios, que admitem a responsabilidade civil nestas questões que envolvam a violação dos deveres conjugais, sendo reforçadas pela corrente denominada de positivista. Mas frisa-se que compete cauta análise do julgador, haja vista a ponderação que este deve ter quantos aos valores e interesses existenciais insertos em cada caso. Ademais, cabe complementar que a responsabilidade civil possui função solidarista – pelo incremento do Direito Social à luz da Constituição -, portanto, os indivíduos sociais devem zelar pela manutenção dos direitos e deveres adstritos à própria condição de vida em comunidade, de maneira a harmonizar os interesses, propiciadas pela solidariedade e o bem-estar social. Desta feita, considerando o entendimento de parte dos doutrinadores, existe a possibilidade de ingressar com ação de reparação por dano contra cônjuge ou companheiro que praticou ato ilícito ou qualquer violação capaz de danificar algum preceito do direito de família, e usando da analogia, como ocorre nas demais relações jurídicas obrigacionais, quando são descumpridas.

Concernente à reparação do dano pelo culpado do fim da relação conjugal, ocorre a tese de que o direito de família já tem o próprio sistema sancionatório, assim, supõe-se que isso afastaria a responsabilidade civil. Com o advento da Emenda Constitucional de nº 66, a qual alterou o conteúdo do parágrafo sexto, do art. 226, da Constituição Federal de 1988, dando redação mais enxuta, qual seja, que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio” – diminuindo o prazo de mais de dois anos de separação judicial ou separação de fato por mais de dois anos -, é possível perceber que a redação simplificou a dissolução do casamento, minorando a ingerência do Estado nas relações familiares e nos interesses individuais -obviamente, observada a responsabilidade quanto à liberdade dos indivíduos – preservando a regra geral da dignidade da pessoa humana de cada um dos consortes.

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010); […]”

O autor Sérgio Gischkow Pereira adota a tese de que a reparação por dano moral não deve emanar pura e simplesmente da infração a um dever conjugal, por força da hermenêutica sistemática, a qual já impõe sanções ao cônjuge que provoca o dano, como a perda do direito à guarda, dentro outras. Senão vejamos o entendimento de Pereira (apud RITO; DALSENTER, 2010, on-line):

“É possível demonstrar que a indenização por dano moral, decorrente de violação do dever do casamento (por extensão, da união estável), é inviável em nosso sistema jurídico. Cumpre lembrar que, na hermenêutica moderna, prevalece a exegese sistemática. Ora, o sistema jurídico-positivo pátrio sanciona o infrator com a penosíssima condenação como cônjuge culpado, que, além de bastante afetar moralmente, implica nas consequências gravíssimas de perda do direito à guarda dos filhos e perda do direito a alimentos! Pois bem, não há que acrescentar a isto, sem lei explícita, mais uma sanção, qual seja a indenização por dano moral! Portanto, sistematicamente, de comprova que não sobra espaço para cogitar da reparabilidade por alegado dano moral oriundo de infração de dever do casamento.” 

Nota-se que a referida tese não se sustenta por si só, pois depende da análise do magistrado quanto ao nível do dano aplicado, se é cometido com violência, ou se é de cunho físico ou mesmo moral etc. Assim como há, também, de ter a ponderação dos interesses, principalmente porque a questão trata do princípio da liberdade do ex-cônjuge que provocou o fim do relacionamento, em contraposição ao princípio da solidariedade, que assiste ao ex-cônjuge que sofreu com o fim da união, sendo aí o da liberdade superior. Portanto, nesta última situação, provavelmente não ensejaria a reparação do dano moral por abandono afetivo, mas não levando em conta as sanções já previstas no ordenamento para o culpado do fim da relação conjugal, e, sim, pelo fato da ponderação dos interesses resultar na consideração do princípio da liberdade.

No tocante a avaliação dos interesses das partes, como dos ex-consortes, que possuem individualmente a própria dignidade a serem precipuamente consideradas, as quais não se confundem, existem argumentos fortes no meio acadêmico de que quando há confronto entre os interesses das partes, desta feita, deve-se sopesar os interesses por meio da técnica denominada de ponderação, para que se chegue ao dano no caso concreto, e verdadeiramente se possa reparar a vítima.

Na situação discutida, pondera-se o princípio da solidariedade por parte do ex-cônjuge que sofreu com o fim do relacionamento, e o da liberdade por parte do ex-cônjuge que supostamente provocou o fim da união pelo abandono afetivo, sendo todos os princípios advindos da cláusula geral da dignidade da pessoa humana. Daí, segundo doutrina abalizada, entre os interesses da sociedade conjugal e a opção individual dos cônjuges, resta assegurado o direito individual. Ou seja, a liberdade prevalece em relação aos interesses da família, por diversas razões, dentre elas pode-se destacar a busca pela felicidade, como dispõem várias decisões fundamentadas do Supremo Tribunal Federal, inclusive sendo designada como Direito Fundamental e princípio da busca pela felicidade, implícito do princípio da dignidade da pessoa humana, segundo afirma artigo de Clenio Jair Schulze.

Para que seja possível a efetiva aplicação e consideração da reparação do dano à vítima, é prioritariamente necessária a configuração, através de uma lesão a dado fato tutelado juridicamente, bem como a implicação do dano sob a perspectiva jurídica e sua extensão. Com isso, surge a necessidade de se verificar a presença dos pressupostos da responsabilidade, quais sejam, o dano, nexo de causalidade e a culpa, exceto no caso da responsabilidade objetiva, que neste a culpa é dispensada.

Com o fito de acrescentar este estudo, cabe salientar, mesmo não sendo o foco, que não resta dúvida alguma quanto à caracterização do dano no episódio que há violência física ou moral praticada no casamento, visto que atinge a moral e a dignidade do cônjuge, afastando a técnica da ponderação, por não ser permitida a avaliação da ofensa em face da dignidade de outrem. 

Para compreender o dano moral, é necessário o estudo com base na visão positiva, que possui três enfoques, o primeiro que dispõe sobre o dano moral, o qual ofende os direitos de personalidade; empós, em outro enfoque, há a corrente que dispõe sobre o dano moral, designando-o como aquele que não possui os efeitos patrimoniais do dano (extrapatrimoniais); por fim, corroborado pela visão da doutrinadora Maria Celina Bodin de Moraes, há a corrente que trata sobre o dano moral sendo aquele que fere diretamente a dignidade humana. Amparado por estas correntes de estudo, vejo que se adequa ao caso a última – se for a hipótese de aplicação -, haja vista a sua amplitude, proporcionando a vítima maior condição de ser reparada, pois tal medida considera todos os prejuízos que possam comprometer a dignidade da pessoa humana etc. Assim, a partir da visão adotada por esta última corrente, o ex-cônjuge que sofreu com o fim da união pode ter interesse na causa, pois sofreu lesão a sua dignidade, no entanto, cabe cauta análise do magistrado para apontar os limites do dano, os prejuízos efetivamente sofridos pela vítima, e determinar a reparação. É incontroverso que deve se ater o magistrado, também, à questão da ponderação dos interesses.

É inexorável o princípio da dignidade da pessoa humana frente a proteção do indivíduo e seus direitos intrínsecos, quais sejam, o princípio da igualdade, da integridade psicofísica, da liberdade, e da solidariedade, observado em todo caso a responsabilidade do ser humano perante a coletividade e as suas implicações, se descumprida, e a solidariedade para com os demais, sempre sopesando-os, e sabendo que são direitos interdependentes.   

A questão em comento põe em prova vários valores e interesses existenciais. Mas por questão didática e para direcionar o estudo, é imprescindível discorrer sobre um caso específico, por exemplo, o da ex-esposa que propõe ação de indenização contra o ex-marido, alegando que o casamento teria acabado por culpa exclusiva deste, por descaso, por sua falta de carinho e companheirismo, justificados por seu intenso apego e dedicação ao trabalho. Declara ainda que o abandono afetivo foi o responsável pelo fim da união matrimonial, por isso, pretende ser reparada judicialmente por danos morais.

Conjectura-se que a reparação por danos morais seria o meio utilizado para dissuadir o ex-marido a não promover mais essas condutas reprováveis perante a sociedade, na medida em que se espera que cada indivíduo possa aplicar naturalmente, o que não ocorreu neste caso. Todavia, entendo que o ex-marido possui amparo pelo princípio da dignidade da pessoa humana, através da liberdade, que suplanta, em análise preliminar, o direito a solidariedade na relação conjugal, que resguarda o interesse da ex-esposa. Deve-se, também, considerar que o ex-marido poderia estar imbuído da boa-fé, pois sendo feliz, talvez achasse que traria a felicidade aos demais.

Destarte, creio que nada justifica o abandono afetivo, mas o fato de buscar a felicidade pessoal pode abrandar o dano causado a outrem – se configurar – contudo, todo exame depende do caso concreto. Vislumbra-se que o ex-marido estava feliz mantendo a atitude de exercer o papel de arrimo de família, no entanto, o exagero na conduta prejudicou a felicidade dos demais familiares, notadamente da ex-esposa que se viu tolhida da própria felicidade, a qual demonstrou depender do ex-marido para ser feliz.

Não se pode obrigar ninguém a dar amor se não o tem. Os cônjuges, que são adultos e desenvolvidos psiquicamente, têm condições de suportar os possíveis dissabores da vida, ante as suas escolhas. Mas fazendo comparação ao dever dos pais para com os filhos, aqueles devem oferecer todo amor e carinho como combustíveis para propiciar o desenvolvimento normal dos filhos, e não só cumprir com o dever físico de alimentar, também, com o alimento da alma, o amor.

Em menção ao amor entre consortes, cabe trazer à baila a referida decisão – mesmo sendo em sentido análogo – haja vista que dispõe sobre o tema:

“APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE ADOÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTO VOLITIVO. ADOÇÃO ENTRE IRMÃOS. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 42, §1º DA LEI Nº 8.069/90 (ECA). INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA INALTERADA. 1. "A adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade". O elemento volitivo relativo ao adotante, fundamental ao ato de adoção, não está presente in casu. 2. Ainda que se reconhecesse a possibilidade jurídica do pedido, incidiria a proibição de adoção entre irmãos, vez que a apelante é irmã da falecida esposa do apelado, nos termos do art. 42, §1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/60). 3. O suposto desamor do recorrido em relação à apelante não constitui ação ilícita, passível de reprovação, não havendo norma jurídica que obrigue alguém a amar ou dedicar amor a outrem. Precedentes do STJ. Sentença mantida. Apelação conhecida e improvida.”

Todas estas questões aventadas devem ser avaliadas pelo magistrado, para evitar a continuidade da prática dolosa, por meio da aplicação de uma possível penalidade educativa pela responsabilidade civil, e não uma mera cobrança pecuniária, com às vezes se pensa. Ou, ainda, minimizando a problemática, a fim de evitar uma enxurrada de ações desse conteúdo, que ressaltam os deveres conjugais em prejuízo dos direitos fundamentais.

Por fim, cumpre trazer à baila algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, as quais fazem alusão em inúmeros momentos ao princípio implícito da busca da felicidade – advindo do princípio da dignidade da pessoa humana -, utilizado para fundamentá-las. Senão vejamos o atual posicionamento desta Suprema Corte brasileira:

“UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO – ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) – O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA – O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE […] DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. – O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. – O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. – Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.[…]”

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I – O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. […] II – LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. A pesquisa científica com células-tronco embrionárias, autorizada pela Lei n° 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam a vida de expressivo contingente populacional (ilustrativamente, atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica, as neuropatias e as doenças do neurônio motor). A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião "in vitro", porém u'a mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio. Isto no âmbito de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica "a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça" como valores supremos de uma sociedade mais que tudo "fraterna". O que já significa incorporar o advento do constitucionalismo fraternal às relações humanas, a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade em benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza. Contexto de solidária, compassiva ou fraternal legalidade que, longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões "in vitro", significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. Inexistência de ofensas ao direito à vida e da dignidade da pessoa humana, pois a pesquisa com células-tronco embrionárias (inviáveis biologicamente ou para os fins a que se destinam) significa a celebração solidária da vida e alento aos que se acham à margem do exercício concreto e inalienável dos direitos à felicidade e do viver com dignidade (Ministro Celso de Mello). […]”

3 CONCLUSÃO

É certo que ninguém pode ser compelido a permanecer sob o mesmo teto para evitar o dissabor de outrem, posto que situações adversas acontecem na vida, inclusive as desagradáveis e contrárias a nossa vontade. Mas é preciso que a partir destes maus momentos, possa-se obter o crescimento psíquico e emocional para se tornar cada vez mais forte ante as situações vindouras que nunca cessarão; fazem parte da vida, e que nem sempre o Estado poderá interferir. A lei não pode ser o meio para impor as condutas que possam dar continuidade ao vínculo conjugal, ou mesmo compensar o seu fim.

Por tudo ora exposto, concluo que na situação apresentada não seria cabível a reparação civil, especialmente pela colisão dos interesses, quais sejam, a favor do ex-marido o princípio da liberdade e da busca pela felicidade, e para a ex-esposa, o princípio da solidariedade, todos corolários do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, sobressaem, pela técnica da ponderação, os princípios da liberdade e da busca pela felicidade.

Ademais, a ex-esposa é adulta, com intelecto formado, capaz de suportar todas as dores do fim do relacionamento. O ex-marido não pode ser punido pela falta de amor ou afeto numa relação que é construída a cada dia e, por isso, não se sabe quais as razões que levaram a falta de afeto do ex-marido para com a ex-esposa. Acredito também que num dado relacionamento não se pode determinar a convivência “eterna”, por isso há somente uma expectativa de que o matrimônio prossiga.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Adriano Barreto Espíndola Santos

Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra – Portugal. Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Especialista em Direito Público Municipal pela Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. Advogado