Da aplicação da legística ao processo legislativo tributário

Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir o processo de elaboração das leis, bem como os efeitos calamitosos de uma legislação produzida sem planejamento e de forma pouco criteriosa. Visa, também, abordar a utilização da Legística como forma de otimização do processo legislativo e da elaboração de normas conforme o Direito e à Constituição, como medida última para sanar as problemas vigentes.

Palavras chaves: Leis. Inovações legislativas. Falta de técnica legislativa. Direito Tributário.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo discutir la elaboración de las leyes, así como los efectos calamitosos de la legislación producida sin planificación y de manera imprudente. También tiene como objetivo abordar el uso de la Legística para la optimización del proceso legislativo y de la elaboración de normas de acuerdo con el Derecho e la Constitución, como medida última para poner remedio a los problemas existentes.

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Palabras clave: Leyes. Innovaciones legislativas. La falta de técnica legislativa. Derecho Tributario.

Sumário:  Introdução. 1 Do conceito de leis e do processo legislativo no Ordenamento jurídico brasileiro. 1.1 Do conceito de lei e legislação no Direito Tributário. 1.2 Do princípio da Legalidade em Direito Tributário. 2  Da Crise Da Legislação. 3. Dos desacertos na legislação tributária e da violação ao princípio da segurança jurídica. 4. Da qualidade das normas jurídicas tributárias e da legística como solução para os problemas. 5. Da Conclusão.

INTRODUÇÃO

O estudo do fenômeno legislativo, envolvendo o processo de elaboração das leis, vem ganhando importância em muitos países, especialmente na Europa, nas últimas décadas. Em razão dos efeitos calamitosos de uma legislação produzida sem planejamento e de forma pouco criteriosa, a preocupação com a qualidade da produção legislativa passa a ocupar a pauta de prioridades de diversos governos.

Da mesma maneira, a excessiva quantidade de lei torna-se um empecilho a efetividade da aplicação das normas. Sistemas jurídicos em todo o mundo, especialmente após as revoluções sociais que marcaram o início do século XX, têm manifestado esse problema. Isto ocorre pelo fato de, nas décadas mais recentes, a demanda por soluções estatais para os mais diversos problemas ter sido freqüentemente atendida por meio de intervenções legislativas, em detrimento da utilização de outras formas para solução das dificuldades.

Outrossim, observa-se que o Direito vigente tem se tornado mais complexo, em razão das infindáveis relações sociais que passaram necessitar de regulação. A normatização de algumas situações é feita, às vezes, por mais de uma lei, as quais não raramente alteram ou revogam, expressa ou tacitamente, as anteriores. Isso gera muitas dificuldades para o jurista e, mesmo, para o cidadão, quando este tenta identificar que diplomas se aplicam a uma dada situação num determinado momento.

Em Direito Tributário a situação agrava-se. A análise do ordenamento jurídico dá conta de diversas normas tributárias declaradas inconstitucionais. Porém, a declaração de inconstitucionalidade, por si só, não resolve o problema. Com a modulação dos efeitos temporais realizadas pelo Supremo Tribunal Federal, milhares de contribuintes, ano a ano são prejudicados pela atécnia legislativa e pela falta de coerência do legislador na elaboração de normas.

Outrossim, não há uma codificação das normas tributárias. No sistema jurídico posto, temos os três tipos de entes federativos atuando mutuamente e regulando relações sociais de cunho tributário. Dessa forma, o contribuinte depara-se, diariamente, com um emaranhado de normas jurídicas tributárias, de difícil compreensão, e de complexa aplicação.

Esse quadro justifica os esforços empreendidos na tentativa de implementar a produção de regulamentações de qualidade, mais eficazes e menos onerosas, que assegurem mais credibilidade ao sistema normativo e possibilitem diminuição de custos de elaboração legislativa, acesso mais fácil e mais efetividade às normas. Outrossim, são necessárias medidas que possibilitem a concretização dos direitos constitucionais previstos na Carta Magna, que tornem o sistema jurídico mais seguro, mais simples.

É nesse contexto que proporemos, no presente trabalho monográfico, a utilização da Legística como forma de otimização do processo legislativo e da elaboração de normas conforme o Direito e à Constituição, como medida última para sanar as problemas vigentes.

1 – Do conceito de leis e do processo legislativo no Ordenamento jurídico brasileiro

Antes de adentramos no estudo da problemática da qualidade das leis, cabe, desde logo, elucidar qual o conceito que empregamos quando falamos de legislação, em particular por que o ordenamento jurídico pátrio é rico em referências imprecisas deste termo jurídico.

Primeiramente, para chegarmos ao conceito de Legislação, no plano estritamente jurídico, é necessário realizar uma análise poder legislativo por oposição a poder regulamentar. Desse modo, por “poder regulamentar” deve entender-se o poder normativo do governo (por oposição ao poder normativo do Parlamento e à adoção de atos individuais pelo governo). Este poder normativo do governo poderá ser, de acordo com os diferentes ordenamentos jurídicos, um poder legislativo paralelo ao poder regulamentar, um poder exclusivamente regulamentar e ainda um poder originário ou delegado.

Nessa toada, importante ressaltar que, embora o governo possua poder regulamentar a fim de disciplinar matérias sujeitas à sua competência, o vocábulo “lei”, em seu sentido técnico, é fruto de atividade exercida exclusivamente pelo Poder Legislativo, como historicamente consagrado nos anais do Direito Constitucional, em especial com Montesquieu na sua Teoria de Separação de Poderes.

Outrossim, mesmo definindo o ente apto a elaborar leis, o vocábulo ainda comporta significações plúrimas. A palavra lei pode ser empregada em três sentidos diferentes, conforme a abrangência que se pretenda dar a ela. Em uma acepção amplíssima, lei é toda regra jurídica, escrita ou não; aqui ela abrange os costumes e todas as normas formalmente produzidas pelo Estado, representadas, por exemplo, pela constituição federal, medida provisória, decreto, lei ordinária, lei complementar, etc. Já num sentido amplo, lei é somente a regra jurídica escrita, excluindo-se dessa acepção, portanto, o costume jurídico. Por fim, numa acepção estrita, de cunho técnico e especifico, a palavra lei designa uma modalidade de regra escrita, que apresenta determinadas características. No direito brasileiro, podemos incluir no sentido estrito de Lei apenas a lei complementar e a lei ordinária.

Cabe ressaltar que no ordenamento jurídico brasileiro, a lei, em sentido estrito é fruto de um processo legislativo estabelecido na Constituição Federal. Como bem coloca o Profº Alexandre de Morais:

“O termo processo legislativo pode ser compreendido num sentido duplo sentido, jurídico e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção das leis e atos normativos que derivam diretamente da própria constituição, enquanto sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas”.[1]

Com base na argumentação do doutrinador supracitado, é natural inferir que a Carta Magna define uma sequência de atos que deverão ser obedecidos pelos órgãos, a fim de formar as referidas espécies normativas. Como consagra o referido autor:

“O respeito ao devido processo legislativo na elaboração das espécies normativas é um dogma corolário à observância do princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente, uma vez que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada pelo Poder competente, segundo as normas de processo legislativo, determinando, desta forma, a Carta Magna, quais os órgãos e quais os procedimentos de criação das normas gerais.”[2]

Em suma, o conceito de lei está estritamente relacionado com Poder legislativo, sendo concebida como fruto de um processo legislativo, realizado, em estrita obediência às normas constitucionalmente estabelecidas, por representantes democraticamente eleitos.

1.1 Do conceito de lei e legislação no Direito Tributário

Conforme expusemos no item anterior, o processo legislativo compreendido no art. 59 da Carta Maior é destino à elaboração de:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I – emendas à Constituição;

II – leis complementares;

III – leis ordinárias;

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IV – leis delegadas;

V – medidas provisórias;

VI – decretos legislativos;

VII – resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”

Os instrumentos legislativos supramencionados, quase na sua totalidade, são utilizados, cotidianamente, para veicular normas de caráter tributário e reger as relações sociais daí decorrentes. A exemplo disso, temos emendas constitucionais que são aprovadas para criação de novos tributos; leis complementares traçando regras gerais de direito tributários e solucionando conflitos; leis ordinárias veiculando a regra matriz tributária ou regras matrizes de isenção, medidas provisórias concedendo isenções tributárias, dentre outros.

Ao analisar o tema legislação tributária, o Professor Sacha Calmon dispõe que:

“A expressão legislação tributária, anote-se de saída, está entre aspas, Em termos de técnica legislativa é um vero espanto, mas tem razão de ser. É que a palavra legislação expressa sempre coleção de leis, em sentido formal e material, se bem que entre nós, em razão ora das ditaduras, ora da hipertrofia do Executivo nos períodos democráticos, a figura do Decreto-lei sempre esteve presente como ente normativo com força material de lei. Seja lá como for, legislação significa coletânea de lei, excluindo as sentenças, os acórdãos judiciais e os atos administrativos de caráter normativo, tais como, v.g, os regulamentos, as circulares, as resoluções, os pareceres normativos et caverna”.[3]

Ressalta, contudo, o referido autor que, embora a expressão legislação tributária seja ampla e equívoca, somente a lei poderá definir os principais temas tributários a fim de “proteger os contribuintes da inconstância das orientações baixadas pela Administração Fiscal mediante os variados instrumentos de que dispõe”[4]

Assim sendo, o Código Tributário Nacional, por meio do art. 96, teve o cuidado de definir legislação tributária como leis, tratados, as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que abordem o tema tributos e as relações jurídicas a elas pertinentes. In verbis:

Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

De acordo com a terminologia adotada pelo Código Tributário Nacional, os termos Lei e Legislação não se confundem. Embora haja muita imprecisão técnica na definição do tema, o termo Lei, é a Lei em aspecto formal, que pode ser compreendida como o ato jurídico “produzido pelo poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição”.[5]

Outrossim, por uma questão de segurança jurídica do contribuinte,  o termo “lei”, em Direito Tributário, é lei em sentido estrito, que deve ser compreendido como norma jurídica aprovada mediante processo legislativo e sancionada pelo executivo, na pessoa do Presidente da República ou quem o represente:

“Lei, em sentido amplo é qualquer ato jurídico que se compreenda no conceito de lei em sentido formal ou em sentido material. Basta que seja lei formalmente, ou materialmente, para ser lei em sentido amplo. Já em sentido restrito só é lei aquela que o seja tanto em sentido formal como em sentido material”[6]

Além dos veículos legislativos trazidos pelo art. 59 da Carta Magna, temos as chamadas normas complementares veiculando regras em matéria fiscal. O CTN, em seu artigo 100 dispõe que:

“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;

II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.

As normas complementares, podem ser compreendidas, formalmente, como atos administrativos. São denominadas normas complementares, porque se destinam a completar o texto das leis, tratados, convenções internacionais e decretos.

Em razão de sua função de complementaridade da legislação tributária, as referidas normas não podem inovar ou modificar o texto da norma que complementam, sob pena de ilegalidade. Outrossim, a elas também é vedado invadir o campo da reserva legal. Como bem ressalta Ricardo Alexandre:

Tais atos também são hierarquicamente organizados, de forma que o posicionamento de determinada autoridade administrativa em determinado ponto da escala hierárquica de instituição terá como consectário posicionamento semelhante das normas editadas por esta autoridade, quando comparadas com as normas emanadas das demais autoridades da mesma esfera administrativa”

Como é notório, as regras para edição de normas complementares são bem menos rigorosas que os processos legislativos tendentes à elaboração de leis, emendas constitucionais, conversão de medidas provisórias, dentre outras. Não há, a semelhança dos que existe nas Casas Legislativas, comissões de Constitucionalidade e Justiça, Comissões Temáticas, órgãos estes aptos e constitucionalmente encarregados de um controle prévio de legalidade e constitucionalidade.

Assim sendo, é natural inferir que, embora, o campo legislativos das normas complementares seja menor do que das leis, aquelas possuem papel fundamentam na práxis tributária, pois estão muito mais próxima da atuação fática do contribuinte do que as leis.

1.2 Do princípio da Legalidade em Direito Tributário

Como é notório, o principio da legalidade e sua aplicação no Direito Tributário não é uma inovação do sistema jurídico pátrio. Sua remonta a João Sem Terra, tendo como marco histórico a Magna Charta:

O princípio da legalidade, aspiração genérica dos povos, no campo específico da tributação, despontou em vários lugares como já vimos. Convencionou-se, porém, tomar como marco histórico a Magna Charta imposta a João Sem Terra pelos barões normandos, consignando numa de suas prescrições a frase no taxation without representation. Ao lume dessa insurgência contra o poder unipessoal de tributar, o princípio incorporou a conotação de autotributação, por isso que a idéia da imposição passou a depender as audiência de um conselho indicados pelos governados. É claro que os barões daquele tempo não foram eleitos pelo povo, nem a representação por eles pleiteada aparentava o feitio dos atuais parlamentos. Não obstante, desde então, ao poder de tributar associou-se o ideal da representação popular, ainda que o consentimento pudesse ser dado diretamente ao príncipe, por conselhos nem sempre representativos”.[7]

Com o decorrer dos séculos, o princípio da legalidade adquire outra conotação, eis que passa a ser entendido como a exigência de uma norma elaborada pelo Poder Legislativo, que contenha o caráter de prescrição impessoal, obrigatória e abstrata. Outrossim, a exigência de que os assuntos fundamentais da sociedade sejam veiculados por lei deve constar da Lei Fundamental, i sto é, da Carta Constitucional que rege determinada sociedade.

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No Direito Pátrio, todas as Constituições Brasileiras, desde o Império[8], prevêm o princípio da Legalidade como garantia fundamental. Contudo, o princípio da legalidade tributária, somente foi inserido em textos constitucionais a partir da Constituição de 1946, em seu art. 141, § 34:

“Art 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 34 – Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.”

Fazendo uma análise, embora genérica e superficial do nosso sistema jurídico, constatamos que embora o princípio da legalidade tributária possa ser encontrado no art. 5º, II da CF , uma vez que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", o constituinte originário pretendeu, de forma incisiva, submeter as pessoas políticas ao referido princípio, para que não restasse dúvida de natureza alguma. Dessa forma, incluiu no art. 150, I da Constituição Federal norma própria, apta a reger os entes políticos e os cidadãos nas relações jurídicas tributárias.

Conforme assevera a Paulo de Barros Carvalho:

O princípio da legalidade é introduzido no sistema jurídico que na formulação genérica do artigo 5º, II, da CR, quer em sua conformação específica para o direito tributário (artigo 150,I, da CR). A análise do texto legal se desenvolve a partir deste plano constitucional, onde se situa, aliás, o enunciado normativo daquele valor, expandido-se pelo corpo do sistema com integral respeito à hierarquia. É tomando posições firmes do texto da Carta Magna, racionalmente compostas e fundadas sempre na doutrina segura, que o exegeta compõe a linguagem descritiva, imprimindo seriedade ao discurso”[9]

Assim sendo, somente lei, em seu vocábulo estrito, pode estabelecer tributos, ou aumentar seu valor. Logo, somente à lei é permitido dispor sobre os principais aspectos da norma tributária, ou seja, sobre seu  antecedente, o consequente.

Dessa forma, infere-se que o constituinte originário “trilhou os caminhos da democracia representativa aplicada à matéria tributária. O entendimento é eu, ao menos em teoria, no parlamento se encontram os legítimos representantes do povo. Por isso a criação do tributo por meio de lei significaria uma autorização popular para a instituição da exação, de forma que o povo só seria obrigado a pagar os tributos que aceitou pagar”.[10]

Dessa forma, o art. 150 da Carta deve ser compreendido como uma tentativa do legislador originário de limitar a atuação da Administração Pública em prol da justiça e da segurança jurídica dos administrados. Nesse aspecto, Paulo de Barros Carvalho ressalta que:

 “O princípio da legalidade é limite objetivo que se presta ao mesmo tempo, para oferecer segurança jurídica aos cidadãos, na certeza de que não serão compelidos a praticar ações diversas daquelas prescritas por representantes legislativos,e para assegurar observância ao primado constitucional da tripartição dos poderes. O princípio da legalidade compele o intérprete, como é o caso dos julgadores, a procurar frases prescritivas, única e exclusivamente, entre as introduzidas no ordenamento positivo por via de lei ou de diploma que tenha o mesmo status. Se do conseqüente da regra advier obrigação de dar, fazer ou de não-fazer alguma coisa, sua construção reivindicará a seleção de enunciados apenas e tão-somente no plano legal” [11]

Destarte, a referida norma constituição serve como limite objetivo, visando, em síntese, proteger os cidadãos, uma vez que seria temeroso admitir que a Administração Pública tivesse liberdade irrestrita na criação e aumento dos tributos, sem salvaguarda alguma aos cidadãos contra os excessos cometidos.

Nesse ínterim, convém lembrar que o art. 97 do CTN traz o princípio da reserva legal, impondo que:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”

Ao analisar o referido dispositivo legal, Hugo de Brito Machado dispõe que:

“As regras do art. 97 do CTN constituem explicações do preceito constitucional, inscrito no capítulo dos direitos e das garantias fundamentais, pelo qual é vedado às pessoas jurídicas dotadas de competência tributária ‘exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça’. Na verdade, o princípio constitucional só terá eficácia se entendido nos termos já por nós explicados ao tratarmos dos princípios jurídicos da tributação”[12]

Face ao exposto, infere-se que o conteúdo do princípio da legalidade tributária ultrapassa o da legalidade comum, eis que a legalidade tributária significa a “ reserva qualificada de lei, impondo com que os tributos sejam instituídos não apenas com base em lei, ou por autorização legal, mas pela própria lei, dela devendo ser possível verificar todos os aspectos, da norma tributária impositiva de modo a permitir ao contribuinte o conhecimento dos efeitos tributários dos atos que praticar ou posições jurídicas que assumir”.[13].

2- Da Crise Da Legislação

Embora uma lei, em um Estado Democrático de Direito, deva ser devidamente elaborada pelo Poder competente, segundo as normas de processo legislativo, a fim de atender o primado da legalidade, tal fato, por si só, não tem bastado para evitar a chamada “crise da legislação”.

Como bem ressalta o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra Processo legislativo, a crise legislativa está estritamente relacionada à multiplicação de leis, que nada mais é:

“fenômeno universal e inegável. Com segurança, pode-se dizer que nunca se fizeram tantas leis em tão poço tempo. No Brasil, por exemplo, durante todo o Império, foram promulgadas cerca de 3.400 leis. Durante a Primeira República, de 1891 a 1930, cerca de 2.500 leis. E de 18 de setembro de 1946 a 9 de abril de 1964, nada menos que 4.300. E de 1964 até hoje mais de 7.000”[14]

Nesse ínterim, convém lembrar que com o nascimento do novo modelo de Estado, constata-se uma mudança de finalidade no uso da lei, que de instrumento regulador preventivo das relações sociais, passa a ter o caráter de ferramenta operativa de transformação e de governo da sociedade, fazendo o Estado atuar de forma mais incisiva no campo econômico e social. Desta forma, inverte-se o papel do legislador e do Estado:

“que tinha sido entregue pela experiência liberal; não mais “guardião noturno”, usando a definição de Lassalle, não mais simplesmente um expectador dos processos econômicos e sociais; mas por sua vez, partícipe do jogo, com a função equilibradora que porém, multiplica a produção do direito e a fragmenta através de disciplinas específicas e detalhadas”.[15]

Cabe lembrar que a alteração na função do Estado Moderno decorre, principalmente, de um momento histórico de lutas sociais. Com o surgimento do Welfare State, o Estado passa a ser uma organização política e econômica encarregado de ser o agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com o país em questão. Como resultado dessa atuação, gera-se uma imponente expansão dos serviços públicos, ocasionando, por via reflexa, uma grande extensão e multiplicação das regulamentações.

Nessa toada, Manoel Gonçalves ressalta que o aumento exorbitante do número de leis nada mais é que fruto da ampliação do domínio em que o governante se intromete em razão das novas concepções de Estado e que o legislador pátrio:

 “Em vez de esperar a maturação da regra para promulgá-la, o legislador edita-a para, da prática, extrair a lição sobre seus defeitos e inconvenientes. Daí decorre que quanto mais numerosas são as leis tanto maior número de outras exigem para completá-las, explicá-las, remendá-las, consertá-las… Feita às pressas, para atender a contingências de momento, trazem essas leis o estigma da leviandade. (…)

Ora, a transitoriedade e a desvalorização da lei são extremamente daninhas para a vida social. É Burdeau quem sublinha: “A lei não tem apenas significação jurídica, tem outrossim um valor social: é um elemento de ordem e de certeza nas relações da vida de todos os dias. Independente das aspirações sociais e da inumana generosidade dos ideais, ela é o ponto firme, um ponto morno talvez, mas indispensável à estabilidade das instituições”.[16]

Em razão desse avalanche de normas, como frisa o próprio autor, o ordenamento jurídico se torna uma babel:

 “A multidão de leis afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o cidadão, desnorteia o juiz. A fronteira entre o lícito e o ilícito fica incerta. A segurança das relações sociais, principal mérito do direito escrito se evapora.”[17]

Conforme dados recentes do instituto IBOPE, o ordenamento jurídico brasileiro conta atualmente com mais de 180 mil normas jurídicas (considerando também a produção legislativa dos municípios e dos estados, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário[18]), e que mais de 500 novas leis [19]são elaboradas por dia útil.

Nesse ínterim, importante ressaltar que a inflação legislativa traz diversas consequência maléficas: perturba o ordenamento jurídico, bem como abala a segurança jurídica nas contendas dos tribunais. Com efeito, criar leis é atributo teleológico do direito, tornando interesses juridicamente protegidos, garantidos e organizados, por meio de processo legislativo que obedeça aos requisitos da legisprudência, bem como aspectos constitucionais, legais e jurídicos.

Uma vez oferecido o projeto de lei com sua justificativa, os elaboradores da lei, portanto, os representantes do povo no melhor estilo Volksgeist na voz de Kant, cuja consciência emoldura a forma por conveniência e oportunidade, muitas vezes atendem aos interesses do governo, sem, contudo, atender aos interesses dos destinatários da norma. Dessa forma, além da crise legislativa, passa-se à descrença na atuação parlamentar.

Tal cenário social, em especial, a crise da legislação cada vez mais inflacionada, ingovernável, que dá início a uma reflexão global sobre o modo de redação das leis, tanto no plano científico como no plano político, refletindo em todos os países europeus a necessidade de efetuar uma observação profunda, sobre o modo de legiferar e de emanar regulamentos ou diretivas, e sucessivamente apurar soluções mais incisivas em nível político-institucional.

Nesse sentido, frisa Bertrand de Jouvenel que:

“Essa mudança sobre todas as relações sociais e afeta rodas as existências individuais. Ela afeta tanto mais quanto nelas se põe mais arrojo, quanto a elas mais se dá ambição, quanto se pensa em fazê-las mais livremente. O cidadão, aí, já não está protegido por um direito certo, pois a justiça segue as leis cambiantes. Não mais está ele garantido contra os governantes cuja audácia lhes permite legislar segundo seu capricho. As desvantagens ou vantagens que uma lei nova pode produzir ou trazer são tais que o cidadão aprende a tudo temer ou a tudo esperar de uma alteração legislativa”.

Da mesma forma, a Mônica Salem Herman salienta que:

 “Nesse cenário, não só a qualidade do direito, a autorizar um controle sobre os elementos estruturais da lei, assume contornos de exigência constitucional, mas, a seu turno, a questão da previsibilidade e da confiança de que deve ser merecedor o legislador passam a assumir status de elementos imprescindíveis para a correta análise da conformização de ato ou norma do Poder Público aos preceitos maiores da Constituição”[20]

3- Dos desacertos na legislação tributária e da violação ao princípio da segurança jurídica

Nesse contexto histórico, e, em respostas aos anseios sociais, surge assim uma área do conhecimento relativamente recente que se ocupa da elaboração das normas, visando dar qualidade aos atos normativos, a chamada Legística.

Como expusemos nos itens anteriores, houve, na sociedade uma conscientização quanto ao valor das leis, em especial, o impacto que leis mal formuladas causam na vida cotidiana. Nesse sentindo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho ressalta que:

“Ocorre pelo mundo afora uma tomada de consciência de que o valor das leis- valor no sentido de consecução dos objetivos por elas postas são apreciadas pelo legislador. Até ontem, por assim dizer, só havia preocupação com o agenciamento da iniciativa quanto aos projetos, quanto à sua apreciação pela casa ou, mais comumente, pelas câmaras legislativas, quanto à sua sanção ou veto, quando previstas, quanto à promulgação e publicação dos textos visando à eficácia de suas normas. Isto é, a preocupação se restringia ao processo legislativo que, em Constituições como a brasileira, é pormenorizadamente regulado. (..)

Quanto à elaboração dos projetos, ninguém com isso se preocupava. Supunha-se que todo parlamentar, ou todo corpo administrativo a prepará-los para o Executivo, estava apto a fazê-lo adequadamente. (…)

Entretanto, de algum tempo para cá, mais cedo nalguns Estados mais tardiamente noutros, ganhou atenção o fato de que a qualidade dos projetos condicionava a qualidade das leis e, em consequência, a sua eficácia e sua efetividade”[21]

Como consequência de processos legislativos mal formulados tivemos uma “enxurrada” de leis inconstitucionais a reger relações em diversos campos sociais, em especial, as relações travadas no campo tributário. Como exemplo de tais afirmações, temos a Emenda Constitucional n° 03/1993 que criou o Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza. Financeira – I.P.M.F. Nessa toada, cabe ressaltar que o STF decidiu pela inconstitucionalidade do referido tributo visto que:

“EMENTA: – Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, “b”, e VI, “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”, da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, “a”, da C.F.); 3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidencia do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d” da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.”

Outrossim, no campo de ICMS temos diversas normas que padecem de vícios, trazendo não só transtornos sociais para os administrados, mas também insegurança jurídica:

“O Supremo Tribunal Federal (SFT) considerou inconstitucionais 23 normas estaduais que concediam incentivos fiscais por meio da redução do ICMS. Pelo entendimento do Supremo, esses incentivos só podem ser concedidos por meio de convênios firmados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – que reúne secretários de Fazenda de todos os estados e do Distrito Federal.

Isso quer dizer que uma legislação para conceder incentivos fiscais para determinado estado só pode ser editada se todos os demais estiverem de acordo. O tribunal julgou ontem 14 ações diretas de inconstitucionalidade que contestavam tais benefícios e envolviam Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espirito Santo, Pará e Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal. O Paraná contestava reduções do valor do ICMS oferecidas por outros estados (veja quadro nesta página) e, em dois casos, o próprio Executivo estadual foi ao Supre­mo para contestar leis criadas pela Assem­bleia Legislativa paranaense. Procurado para comentar essas ações, o procurador-geral do estado, Ivan Bonilha, não foi encontrado.

A capacidade do homem de criar situações jurídicas é ilimitada. Se previu um auxílio transporte para integrantes das polícias civil e militar. Deu-se uma conotação própria a esse auxílio, com a isenção de ICMS na aquisição de um veículo popular zero quilômetro para cada policial. Peca a lei pela falta de razoabilidade, afirmou o ministro Marco Aurélio Mello sobre uma lei paranaense.”[22]

Devido ao panorama acima traçado, é natural inferir que não é somente a qualidade, mas também a previsibilidade do Direito que são afetadas em razão da má técnica legislativa. Mônica Salem Herman, em sua obra, ressalta que problemas na elaboração de leis violam os princípios da Claridade da Lei, da Acessibilidade, da Eficácia, da Efetividade, da Irretroatividade, da Proteção dos Direitos Adquiridos, da Confiança Legítima e da Estabilidade das Relações Sociais.

Não obstante, as ponderações acima, a autora dispõe que:

Nesse cenário, não só a qualidade do direito, a autorizar um controle sobre os elementos estruturas da lei assume contornos da exigência constitucional, mas seu turno, a questão da previsibilidade e da confiança que deve ser merecedor o legislador passam a assumir o status de elementos imprescindíveis para a correta análise da conformização de ato ou norma do Poder Público aos preceitos maiores da Constituição. Isto no sentido de extirpar a ação corrosiva do álea e garantir um ambiente de segurança jurídica” [23]

Como é notório, o principio da segurança jurídica está consagrado no artigo 5° inciso XXXVI, da Carta Magna e garante aos cidadãos que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Cabe ressaltar que o princípio da segurança jurídica nasceu com o objetivo de proteger o individuo na construção e elaboração de novas normas, a fim de possibilitar ao cidadão a confiabilidade para com o Estado, em especial, no relativo à impossibilidade de criação de normas retroativas e vedação à flexibilização da coisa julgada.

Em matéria tributária o referido princípio reveste-se de maior importância, eis que impõe diversas limitações ao poder de tributar, atuando como sobreprincípio em matéria tributária. Assim sendo, a segurança jurídica implica em uma visão convergente da legalidade, anterioridades, iretroatividade, com o único objetivo de garantia fundamental dos cidadãos.  Nesse sentido, Leandro Paulsen dispõe que:

“O preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil anuncia a instituição de um Estado Democrático que tem como valor supremo, dentre outros, a segurança. Segurança é a qualidade daquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido, acautelado, garantido, do que se pode ter certeza ou, ainda, daquilo em que se pode ter confiança, convicção. O Estado de Direito constitui, por si só, uma referência de segurança. Esta se revela com detalhamento, ademais, em inúmeros dispositivos constitucionais, especialmente em garantias que visam a proteger, acautelar, garantir, livrar de risco e assegurar, prover certeza e confiança, resguardando as pessoas do arbítrio. A garantia e a determinação de promoção da segurança revelam-se no plano deôntico (“dever ser”), implicitamente, como princípio da segurança jurídica.

O princípio da segurança jurídica constitui, ao mesmo tempo, um subprincípio do princípio do Estado de Direito (subprincípio porque se extrai do princípio do Estado de Direito e o promove) e um sobreprincípio relativamente a princípios decorrentes que se prestam à afirmação de normas importantes para a efetivação da segurança (sobreprincípio porque dele derivam outros valores a serem promovidos na linha de desdobramento da sua concretização). Diversos Ministros do STF referem-se à segurança jurídica como sobreprincípio em matéria tributária, conforme se pode ver dos votos proferidos quando do julgamento do RE 566.621, relativo à aplicação retroativa da LC 118/05.”[24]

4 Da Qualidade Das Normas Jurídicas Tributárias E Da Legística Como Solução Para Os Problemas

Segundo Assunção Cristas, professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e ex-diretora do Gabinete de Política e Planejamento do Ministério da Justiça de Portugal, Legística é o “Ramo do saber que visa estudar os modos de concepção e de redação dos atos normativos.[25]” Para a referida autora, Legística pode ser entendida como a arte de bem fazer as leis, ao reunir um conjunto de fundamentos com o objetivo de elaborar a melhor norma possível.

Para Mônica Salem Herman, a Legística:

 “dirige seus esforços exatamente ao estudo sistematizado de fórmulas e mecanismos voltados a atender ao princípio da segurança jurídica, a priorizar a ideia da qualidade do direito, a confiança legítima e sua previsibilidade”[26]

Em razão do objeto da referida Ciência ser munir as bases para a formulação de uma lei plena, a Legística baseia-se em duas dimensões: a Legística material e a formal.

A Legística material está relacionada com o planejamento, a necessidade, a utilidade, a harmonização da norma com o ordenamento jurídico vigente e a avaliação legislativa. Para isso, antes da decisão de legislar, necessário se faz uma correta descrição do problema e uma clara definição dos objetivos, a fim de optar pela melhor solução. Assim sendo, a Legística atua não apenas nas técnicas de uma boa redação, mas principalmente na decisão de legislar, verificando a necessidade ou não de novas leis.

Nessa toada, a Professora Mônica Salem Herman ressalta que:

“A plataforma operatória da Legística importa num FATOR (AVI), correspondente à avaliação técnica de impacto, que a propositura novo direito produzirá no ambiente social após a sua propositura. E pretende – por intermédio de meios técnicos – apurar de forma precisa os efeitos desta proposta legislativa, apresentando o quadro de vantagens e desvantagens, uma projeção das possibilidades de sucesso, os riscos potenciais, o custo benefício e o custo-utilidade, o ônus que acarretaria à sociedade, à empresa, ao mercado.” [27]

Por sua vez, a Legística formal estuda a redação do ato legislativo propriamente dito de forma a garantir clareza e coerência da norma, tornando-a compreensível e linguisticamente.

Dessa forma, natural inferir que a qualidade da técnica legislativa compreende não apenas a qualidade redacional, mas igualmente a avaliação da decisão de legislar (o conteúdo da futura norma), a integração da legislação no contexto normativo, econômico e social, a participação dos cidadãos no processo legislativo e a avaliação da sua aplicação.

Não obstante o acima exposto, cabe ressaltar que todo arranjo da legística deve obedecer à sinfonia e ao sincronismo da vontade democrática, além da obediência ao processo legislativo. Com a legística, evitam-se invasões do Poder Judiciário no controle legal das normas jurídicas elaboradas pelo Poder Legislativo.

Quanto à necessidade de ser adotado no ordenamento jurídico pátrio a Legística, como forma de sanar as deficiências legislativas atuais, bem como minimizar a crise legislativa que estamos enfrentando, a professor Mônica Salem Herman sintetiza que:

 “As deficiências e falhas de que as leis, não raras vezes são portadoras podem, de fato, dificultar a sua aplicação, prejudicar sua compreensão, inviabilizarem-se pelo seu conteúdo normativo, conflitante com regras e princípios superiores, enfim,a par da inaptidão para a produção dos efeitos desejados, importam num custo exacerbado, inútil e demasiadamente elevado para a comunidade envolvendo na sua invalidação toda uma máquina estatal que, ao invés, poderia despender essa energia concretização de demandas sociais condizentes com a realidade”[28]

5. Da Conclusão

Em suma, a legística é uma ciência que não pode mais ser ignorada sob pena de falência no sistema legistativo. Assim, os bons ensinamentos colhidos da Legística devem ser levados em conta, pois se referem a boas práticas que, se bem utilizadas, contribuem para a qualidade do ordenamento jurídico e, consequentemente, para as soluções dos problemas que afetam boa parte da sociedade, ajudando a transformar as idéias em leis que possuam efetividade, melhorando as condições de vida do cidadão e diminuindo a distância entre representantes e representados.

 

Referências
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Os impulsos modernos para uma teoria da legislação. Legislação: Cadernos de Ciência da Legislação, Oeiras, Portugal, n. 1, p. 7-14, abr.-jun. 1991.
CAUPERS, João. Relatório sobre o programa, conteúdo e métodos de uma disciplina metódica da legislação. Legislação: Cadernos de Ciência da Legislação, Oeiras, Portugal, n. 35, p. 5-87, out.-dez. 2003.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.
HERMAN,Mônica Salem. Processo Legislativo, Técnica Legislativa e legística. Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Município de São Paulo. São Paulo. 2009
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo. Ed. Atlas – 2003. 2ª Ed.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.
USERA, Raúl Canosa. Interpretacion Constitucional Y Formula Política. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1988.
 
Notas:
[1] Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. Ed. Atlas – 2003. 2ª Ed. p.129.

[2] Idem

[3] Coelho, Sacha Calmon Navarro Coelho, Curso de Direito Tributário Brasileiro. Ed. Forense. 9ª Edição, pg. 623 e 624.

[4] idem

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª Edição. São Paulo: 2009, pág. 77.

[6] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª Edição. São Paulo: 2009, pág. 77.

[7] Coelho, Sacha Calmon Navarro Coelho, Curso de Direito Tributário Brasileiro. Ed. Forense. 9ª Edição, pg. 216

[8]  A Constituição Brasileira de 1824, em seu art. 179 dispunha que: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: I nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.

[9] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. Editora Noeses. 3ª Edição. São Paulo: 2009 , pág. 294.

[10] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. Editora Método. 3ª Edição. São Paulo: 2009.

[11] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. Editora Noeses. 3ª Edição. São Paulo: 2009, pág 294/295

[12] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª Edição. São Paulo: 2009, pág. 81

[13] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário, 3ª ed. Porto Alegre: ed. Livraria do Advogado, 2010

[14] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 272

[15] CONTINI, Alaerte Antonio. A crise da Lei e a certeza do Direito no contexto europeu: A temática da qualidade da legislação. Revista Âmbito Jurídico.

[16] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, pg. 254

[17] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, pg. 254

[18] Apud http://cidadaniaedemocracia.com/2012/06/12/o-que-e-seguranca-legislativa/

[19] idem

[20] HERMAN,Mônica Salem. Processo Legislativo, Técnica Legislativa e legítica. Revista, pág. 32

[21] FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A legística e a Filosofia da Lei. Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Município de São Paulo, Ano 2009.

[22] BALDRATI, Breno. Gazeta do Povo. http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1132483&tit=Isencoes-de-ICMS-sao-consideradas-ilegais

[23] HERMAN,Mônica Salem. Processo Legislativo, Técnica Legislativa e legítica. Revista, pág. 39

[24] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário, 3ª ed. Porto Alegre: ed. Livraria do Advogado, 2010

[25] CRISTAS, Assunção. Legística ou a Arte de Bem Fazer Leis. Datado de abr./jun. de 2006.
 Disponível em http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewPDFInterstitial/717/897.

[26] HERMAN,Mônica Salem. Processo Legislativo, Técnica Legislativa e legítica. Revista, pág. 32

[27] idem

[28] HERMAN,Mônica Salem. Processo Legislativo, Técnica Legislativa e legítica. Revista, pág 33.


Informações Sobre o Autor

Priscila Prado Garcia

Procuradora da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, mestranda em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Granada


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