Resumo: Tema controvertido no Direito Ambiental é a possibilidade, ou não, da aplicação do princípio da retroatividade aos danos ambientais ocorridos no passado. Não há, na legislação brasileira, qualquer previsão legal quanto à aplicação da retroatividade da lei para que, nos casos de danos históricos ambientais, seja cominada a responsabilidade objetiva. No entanto, visando a ampla e integral reparação do dano ambiental, defende-se a ideia da retroatividade, uma vez que, apesar da conduta ter se concretizado no passado, os efeitos são presentes, e à alguém deve ser atribuída a responsabilização para fazer cessar e reparar o dano.
Palavras-chave: Retroatividade. Responsabilidade civil. Responsabilidade Objetiva. Danos ambientais. Danos históricos.
Abstract: Controversial issue in Environmental Law is the possibility, or not, for the application of the principle of retroactivity to environmental damage that occurred in the past. There is not, under Brazilian law, any legal prediction about applying on the retroactivity of the law, in cases of historical environmental damage, to apply the objective liability. However, in order to wide and full compensation for the environmental damage, defends the idea of retroactivity, since, in spite of conduct have been realized in the past, the effects are present, and to someone should be assigned the responsibility to stop and repair the damage.
Keywords: Retroactivity. Civil liability. Objective liability. Environmental damage. Historical damage.
Sumário: Introdução. 1. Princípio da irretroatividade das leis, da retroatividade: conceitos. 2. Dos danos ambientais. 3. Danos ambientais no tempo. Conclusão: da aplicação da retroatividade em relação aos danos ambientais históricos. Referências.
Introdução
No Direito Ambiental brasileiro, a responsabilidade civil ambiental, por força do disposto pela Lei nº. 6.938/81 e recepcionada pelo parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal, é objetiva, ou seja, afasta-se a investigação e a discussão da culpa, mas não se prescinde do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem causa o dano. Assim, a qualquer lesão ambiental ocorrida após a edição da Lei nº. 6.938/81, aplica-se a responsabilidade objetiva.
No entanto, nos danos ambientais ocorridos antes da entrada em vigor da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, o regime de responsabilidade era aquele estabelecido pelo art. 159, do Código Civil de 1916, que estabelecia a responsabilidade civil em sua modalidade subjetiva.
Frisa-se que a primeira lei brasileira a acolher a teoria da responsabilidade objetiva foi a Lei nº. 6.453/77, que trata dos danos nucleares e que dedica um capítulo (capítulo II) à responsabilidade civil pelos prejuízos nucleares.
A teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade. A prova da culpa (em sentido lato, abrangendo o dolo ou a culpa em sentido estrito) passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável.
Contudo, muitas vezes não é possível a avaliação dos danos com precisão. Eventualmente o dano ambiental somente se manifesta com o decorrer do tempo o que tornaria, pela responsabilidade subjetiva, a tarefa de indenizar pelo dano ocorrido, uma tarefa muito mais difícil.
Tendo-se em vista a importância do bem tutelado pelo Direito Ambiental, e a dificuldade – às vezes impossibilidade – de se reparar o dano causado, passou-se a adotar a teoria objetiva. Como já dito, a partir da Lei nº. 6.453/77, em relação aos danos nucleares e a partir da Lei nº. 6.938/81, para os demais danos ambientais. Por essa teoria, analisa-se apenas o dano e o nexo causal.
Todavia, no que tange aos danos ambientais históricos, ocorridos antes da entrada em vigência da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, o que se tem é a aplicação da responsabilidade subsidiária.
E não há a previsão, tanto pela Lei nº. 6.938/81, quanto por qualquer outra lei, da possibilidade de retroatividade, para que nos casos de danos ambientais históricos, seja aplicada a responsabilidade objetiva, que faria surgir, assim, a obrigação de reparar o dano independentemente da culpa do agente degradador, mesmo quando a conduta tenha sido praticada anteriormente à vigência da referida lei ambiental.
A norma deve reger os acontecimentos ocorridos somente sob sua égide. Contudo, visando a ampla e integral reparação do dano ambiental, uma vez que os danos ambientais, ainda que produzidos no passado, continuam produzindo efeitos[1], este artigo tem como escopo defender a ideia da retroatividade, uma vez que, apesar da conduta ter se concretizado no passado, os efeitos danosos são presentes, e à alguém de ver atribuída a responsabilização para fazer cessar o dano. Caso contrário, permanecerá a situação de incômodo, de desequilíbrio, de degradação ambiental, que é contra o mandamento expresso no art. 225, caput, da Constituição Federal (“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (…) – Grifos nossos).
1. Princípio da irretroatividade das leis, da retroatividade: conceitos
Pelo princípio da irretroatividade, as leis regem somente os fatos presentes e futuros, não se submetendo aos seus efeitos as situações jurídicas anteriores à data de sua entrada em vigor. O princípio da irretroatividade das leis remonta ao Direito Romano, que já trazia o adágio de que a lei obriga os atos futuros, não os passados: lex prospicit non respicit, a lei avança, não retrocede[2].
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro traz, em seu art. 6º que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
A Constituição da República de 1988, no seu art. 5º, inciso XXXVI, confirmou a irretroatividade: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A irretroatividade é a regra porque somente com sua garantia se possibilita a certeza e a segurança jurídicas, ou seja, o indivíduo pode contar com a proteção das situações jurídicas já formadas, com sua imutabilidade, porquanto validamente criadas, pelo que passa também a confiar nas disposições do ordenamento jurídico, podendo prever como sua conduta nelas será enquadrada. Ademais, embora as leis estejam em constante modificação, o ordenamento jurídico apresenta uma unidade e um desenvolvimento no tempo, não podendo sofrer, a cada nova lei elaborada, a desconsideração de todas as situações jurídicas realizadas, bem como de todos os direitos adquiridos sob a vigência da lei revogada.
A exceção para confirmar a regra é a retroatividade da lei. Aqui, a lei pode retroagir para beneficiar alguém. No Direito Penal, é o caso, por exemplo, de lei posterior que passa a desconsiderar determinada conduta como crime. Assim, todos efeitos benéficos e favoráveis desta lei retroagem para todos os fatos anteriores à sua entrada em vigência. De acordo com o parágrafo único do art. 2º, “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”[3]. No Direito Tributário, o princípio da irretroatividade não impede lei que conceda uma vantagem ao contribuinte, tenha incidência retroativa, já que como direito individual seu, só opera como regra protetiva, isto é, quando a lei cria ou aumenta um tributo. O art. 106, II, do CTN, estipula três casos de retroatividade da lei mais benigna aos contribuintes e responsáveis, tratando-se de ato não definitivamente julgado.
2. Dos danos ambientais
O dano ambiental é todo e qualquer diminuição, degradação ou extinção de um recurso natural ou organismo vivo, ou a alteração na situação de equilíbrio natural, ou ainda aquele que degrada o meio ambiente artificial. Citando Maddalena, Sánchez afirma que dano ambiental “es un daño a um bien público, un daño a la colectividad”[4] (SÁNCHEZ, 1996, p. 137).
A legislação também traz um conceito do que seja dano ambiental. A Lei nº. 6.938/81, em seu art. 3º, inciso II, entende que é a “a alteração adversa das características do meio ambiente”.
Em que pese toda a poluição, todo o desequilíbrio atual do ambiente, toda aniquilação de seres vivos nos dias de hoje, os problemas ambientais não são um fenômeno do nosso tempo.
Citando o pesquisador Gerard W. Olson, Carlos Gomes de Carvalho ensina que “as pesquisas arqueológicas vem encontrando evidências de que os problemas ecológicos contribuíram para a derrocada de civilizações antigas”. (CARVALHO, 2000, p. 202). Cita, por exemplo, a antiga cidade de Sardis, importante capital do reino da Lidia (atual Turquia), onde por volta do ano 600 a.C. foi descoberto ouro em seus vales. A intensa exploração e o mau uso da terra relacionam-se ao empobrecimento e a destruição daquele reino.
E os problemas persistiram com o passar dos séculos e o desenvolvimento tecnológico e científico alcançado pela humanidade permitiu além de todo o desenvolvimento, uma busca cada vez maior por recursos naturais, o que levou (e ainda leva) a situação de desequilíbrio ambiental dos nossos tempos. Não se nega, outrossim, que o uso destes recursos propiciou, direta ou indiretamente, a melhoria da qualidade de vida das pessoas, contribuindo de sobremaneira para ao desenvolvimento das sociedades até ao patamar onde nos encontramos atualmente.
Como já dito, dano ambiental é aquela situação que causa desequilíbrio no meio ambiente; é a diminuição, o esgotamento ou até a extinção dos recursos naturais e de organismos vivos.
No entanto não é qualquer dano que deve ser considerado. Deve haver um limite de tolerabilidade para evitar abusos.
A Constituição Federal impõe a preservação de um meio ambiente equilibrado e não que não haja qualquer alteração.
Paulo Affonso Machado ensina que “seria excessivo dizer que todas as alterações no meio ambiente vão ocasionar um prejuízo, pois dessa forma estaríamos negando a possibilidade de mudança e de inovação, isto é, estaríamos entendendo que o estudo adequado do meio ambiente é o imobilismo, o que é irreal”. (MACHADO, 2014, p. 401).
Essa posição é compartilhada por Marcos Mendes Lyra, que entende que “não poderá considerar como dano ambiental qualquer atividade que, embora altere as condições primitivas do ambiente natural, não venha afetar o seu equilíbrio”. (LYRA, 1997, p. 53).
Assim, não é qualquer conduta que causa prejuízo. Há um limite entre o lícito e o ilícito. Como leciona Morato Leite, “a questão que se coloca é saber estabelecer em que momento o homem deixa, com sua atividade, de usar o meio ambiente para abusar dele”. (LEITE, 2003, p. 188).
Assim, se um homem mata um animal para fazer dele seu alimento, para usar sua pele para fazer dela sua vestimenta, agindo em estado de necessidade, por exemplo, usa o meio ambiente. A ação desse homem é tolerável, excluindo-se sua responsabilidade civil. Entretanto, se o homem captura uma espécie de pássaro e o prende numa gaiola, deixa de usar, passando a abusar do meio ambiente. Essa segunda ação não pode ser tolerada e deve ser punida.
Mas quais são esses limites de tolerabilidade? Quando uma atividade deixa de ser lícita para se tornar ilícita para causar a degradação do meio ambiente?
O legislador responde essas perguntas ao estabelecer, no inciso III do artigo 3º da Lei nº. 6.938/81, que há poluição, há a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) Prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) Criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) Afetem desfavoravelmente a biota;
d) Afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) Lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Já foi também entendido pela jurisprudência que órgãos como o IBAMA, por exemplo, podem definir limites de tolerância[5].
Por fim, o dano causado não atinge somente o meio ambiente em si; vai muito mais além. Interfere também no homem, em sua saúde, bem-estar, qualidade de vida, em questões econômicas e sociais.
3. Danos ambientais no tempo
O dano ambiental possui certas peculiaridades em relação as demais espécies de danos. Tais peculiaridades são também ligadas ao tempo. Muitas vezes o dano ambiental não pode ser determinado, podendo se materializar de forma gradativa com o tempo.
De acordo com Danny Monteiro da Silva, “tais efeitos lesivos podem, ainda, advir de uma conduta, que, em razão da limitação do conhecimento científico vigente numa determinada época, era praticada normalmente e geralmente caía no esquecimento, até que uma perturbação natural ou não venha a ativar seus efeitos lesivos, vindo, então, a causar um danos ambiental na atualidade”. (SILVA, 2008, p. 162).
Assim, graças ao reconhecimento do princípio da solidariedade intergeracional do direito ambiental, consubstanciado pelo disposto no artigo 225 da Constituição Federal (“(…) impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” – grifos nossos), além dos princípios da prevenção e da precaução, os danos ambientais podem ser futuros, baseados na teoria do risco abstrato.
São riscos globais, de consequências imprevisíveis e até mesmo imperceptíveis. Não há, em muitas situações, a certeza de que ocorrerá, quando ocorrerá, como ocorrerá, ou quais os prejuízos advindos desse dano ambiental. Dessa forma, basta que haja a possibilidade ou ameaça de que ocorram para ensejar a adoção de medidas preventivas e protetivas a favor do meio ambiente. Assim, nossos Tribunais devem passar a decidir ações que levem em consideração o futuro, criando obrigações antes mesmo da ocorrência de danos. É o dever de evitar ou ao menos minorar potenciais danos ambientais, antes que haja a perda do objeto, qual seja, a higidez ambiental.
Podem, por outro lado, os danos ambientais terem ocorridos no passado também.
É notório que a preocupação com o meio ambiente é fato recente. Desde há muito tempo o homem explora os recursos naturais, tendo sempre, desde então, predominado a concepção de que tais recursos eram infinitos e que como estavam à disposição, poderiam (e deveriam) ser utilizados, sem se dar conta, no entanto, dos impactos negativos dessa exploração que eram causados ao meio ambiente.
Não se nega também que o uso destes recursos propiciou, direta ou indiretamente, a melhoria da qualidade de vida das pessoas, contribuindo de sobremaneira para ao desenvolvimento das sociedades até ao patamar onde nos encontramos atualmente.
Ocorre que foi-se percebendo que, ao contrário do que se pensava, os recursos naturais eram finitos, que devem ser utilizados com critério para não afetar o desenvolvimento da humanidade, não prejudicar a qualidade de vida e a saúde de todos, e sobretudo, para não sobrecarregar ainda mais o planeta em sua função de provedora de tais recursos. Deve-se ter a noção de que os recursos naturais podem (e devem) ser utilizados, desde que de forma solidária e responsável, evitando-se assim o colapso dos serviços ambientais e, porque não, da própria vida humana.
Os danos ambientais históricos, de acordo com Danny Monteiro da Silva, são aqueles “definidos pelo fator tempo, já que são causados no passado, quando não havia vigência de uma legislação ambiental mais liberal ou com padrões de emissão totalmente ultrapassados e insustentáveis do ponto de vista ecológico. Tais danos podem ser acumulados ou crônicos e se caracterizam pela persistência ao longo do tempo, dos efeitos nocivos deles advindos” (SILVA, 2008, p. 174). São exemplos de danos históricos o depósito no solo de substâncias tóxicas e perigosas, é a poluição atmosférica acumulada, entre outros.
Assim, para o futuro não repetir o passado, é de grande importância o estudo dos danos ambientais ocorridos no passado, uma vez que diversas condutas praticadas normalmente em tempos pretéritos, hoje em dia se revelam altamente lesivas não apenas ao meio ambiente, mas também à saúde e ao bem-estar da população. Talvez o maior exemplo o disso seja a utilização de técnicas rudimentares na agricultura, como as queimadas. Por ser um processo de baixo custo, destinado a limpar uma área, ainda é utilizado por pequenos agricultores, com o objetivo de limpar a área de cultivo, renovar a pastagem ou ainda facilitar a colheita da cana-de-açúcar. Ocorre que as queimadas prejudicam bastante o equilíbrio ambiental, interferindo na qualidade do ar, impactando os processos de mudanças climáticas no planeta e contribuindo com o aquecimento global, além de, em alguns casos, acarretar danos a redes elétricas e outros elementos do patrimônio público.
Esses danos ambientais passados vão se acumulando, formando um passivo ambiental[6], que manifesta-se “na contaminação por resíduos industriais, em que as partículas poluentes podem se concentrar no ar, nas áreas superficiais do solo, nos sedimentos ou nas águas subterrâneas, podendo ser transportados a partir destes meios, por diferentes vias, alterando as características naturais desses elementos e determinando riscos ou mesmo impactos negativos que recaiam sobre esses elementos naturais e as pessoas que vivam em suas proximidades”[7]. Citamos, por exemplo, estudo onde foram encontrados, no ano de 2005, traços, em grande parte da Europa, do Césio-137 proveniente da nuvem radioativa advinda do acidente nuclear ocorrido em Chernobyl, antiga União Soviética, em 1986, afetando desde aquela época, um sem número de vítimas. Esse tipo de dano acumulado tem como característica, sua capacidade de persistência no decorrer do tempo. Podemos citar também como exemplo de dano ambiental acumulado o que ocorre no rio Tietê, no estado de São Paulo. Sua degradação começou na década de 1920 “com as obras para tornar as margens retas na capital para construir pistas, as pessoas pararam de frequentar o rio e ele foi virando um depósito de lixo”[8].
A partir desse exemplo, surgem algumas dificuldades na apuração e na possível reparação de danos ambientais ocorridos no passado, como por exemplo, quem poluiu, qual a extensão da degradação, ou ainda se tal fato, que hoje é tido como danoso ao meio ambiente, era naquela época.
Uma das características do dano ambiental é a dificuldade da verificação do nexo causal, pois sem a comprovação do nexo de causalidade, impossível haver responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar e reparar as lesões. Se a verificação do nexo de causalidade já é difícil em danos atuais, o que dizer em relação àqueles cometidos no passado, ou ainda, como atribuir responsabilidade ao agente poluidor que não existe mais, seja porque foi extinto, seja porque foi encampado por outro?
A legislação não prevê a possibilidade de retroatividade da lei para a aplicação da responsabilidade objetiva nos danos ambientais. A jurisprudência já reconheceu que, no que tange aos atos praticados antes da vigência da Lei nº. 6.938/81, somente devem ser ressarcidos à coletividade, com base na responsabilidade objetiva, o que foi degradado após a vigência do citado dispositivo legal
Conclusão: da aplicação da retroatividade em relação aos danos ambientais históricos
Para os danos ambientais históricos, principalmente aqueles ocorridos antes da entrada em vigor da Lei Ambiental de 1981, era aplicado o sistema de responsabilidade subjetiva. Era a regra do Código Civil de 1916. Haveria enorme dificuldade em se provar a culpa do causador do dano ambiental se fosse utilizada a teoria subjetiva. Seria necessário provar a culpa do agente e se este agiu com dolo ou culpa, sendo que, para que surja o dever de indenizar, é necessária a sua prova (da culpa).
Não se analisa a vontade do agente (prescinde da culpa), mas sim o dano e o nexo causal. Pela teoria objetiva, o agente causador do dano é responsabilizado independentemente de ter agido com culpa. O sistema antigo, de responsabilização subjetiva, é de interpretação mais restritiva e que dificulta a responsabilização do autor do dano ambiental. Dessa forma, nos casos em que não houve a reparação do dano, deve a lei ambiental retroagir, mesmo que não benéfica, visando a proteção de ecossistemas frágeis ou de espécies ameaçadas de extinção. Outrossim, por tratar-se de direito intergeracional, irrenunciável, imprescritível, inalienável, indisponível e transindividual, o direito ao meio ambiente hígido e equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida deve ser amplamente preservado.
No entanto, já entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo que, em se tratando de danos ambientais históricos, cujas condutas tenham sido praticadas antes da entrada em vigor da Lei nº. 6.938/81, somente seria objeto de reparação aquilo que foi lesado após a vigência da referida Lei, conforme Agravo de Instrumento nº. 1243301. No Recurso Especial nº. 11074, 2ª Turma do STJ (DJ: 06.09.93), desdobramento daquele processo, importante o despacho saneador do Ministro Relator Hélio Mosimann:
“Quanto à irretroatividade, mesmo que se afastasse a responsabilidade objetiva – apenas para argumentar – desde o Código Civil, quem causar dano a outrem está obrigado a indenizar. Recorde-se, porém, que a ação foi ajuizada com fundamento na responsabilidade objetiva (art. 14, Lei nº 6.938/81) e, subsidiariamente, na responsabilidade subjetiva (art. 159, C.C.).
Nem se alegue que se pretende reparação de danos muito anteriores à instalação das indústrias em Cubatão. Além de a perícia registrar a época e a devastação, a decisão atacada (parte transcrita no memorial, fls. 11), já beneficiou as empresas, ao restringir que “só será restituível à coletividade o que foi lesado após a edição da Lei nº 6.938/81(…)”[9].
Também são os votos do Ministro Peçanha Martins, neste mesmo Recurso Especial: “examinando o processo, constatei, no despacho saneador, que o Exmo. Juiz prolator ressalvou que “só será restituído à coletividade o que foi lesado após a edição da Lei 6.938/81” (f. 141). Este o limite temporal para aferição dos alegados danos causados ao meio ambiente. E só poderão ser provados ou repelidos mediante perícia técnica. Por tais razões, reconhecendo a impossibilidade da retroação da Lei 6.938/81 (…)”[10].
Como observa-se nos trechos acima transcritos, mesmo havendo prova cabal do dano ambiental, a não adoção do princípio da irretroatividade beneficiou as empresas poluidoras, restringindo a restituição do dano à coletividade somete ao que foi lesado após a edição da Lei de 1981. Ainda que eventualmente tais empresas tenham sido condenadas, o dano ambiental histórico remanesce, portanto.
Ademais, eventual interrupção da causa degradadora do ecossistema com o ajustamento de conduta de uma empresa às exigências da legislação ambiental, entretanto, não deve excluir eventual obrigação da empresa em reparar e/ou indenizar os danos causados durante sucessivos anos de produção industrial.
Também, nossa legislação não prevê a possibilidade da aplicação de tal princípio, ainda que, utilizando-se, paralelamente, de fundamentos do Direito Penal, por ainda haver a situação lesiva ao ambiente, pode-se traçar um paralelo com os crimes permanentes e com os crimes continuados. Nestes, assim como no dano ambiental ainda não reparado, permanece a situação antijurídica, remanesce a continuidade delitiva. Dessa forma, perdura o dever de reparação dos danos ambientais.
Outrossim, para a responsabilização objetiva, não se analisa a vontade do agente, ou ainda o fator temporal, mas sim, o dano e o nexo causal.
Dessa forma, mesmo o dano ambiental sendo histórico, e permanecendo a lesão sem reparação, não há razão para que não seja aplicado o princípio da retroatividade, afinal tais danos representam ofensa permanente, com seu efeito sendo, muitas vezes, agravado com o passar do tempo, já que à época não foram mitigados ou evitados pelo responsável. Ora, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de Estocolmo, em 1972, oficializou-se a preocupação ecológica. Já havia então, desde essa época, 9 anos antes da entrada em vigor da Lei nº. 6.938/81, um senso comum de preservação, não apenas do meio ambiente, mas também da saúde humana.
Finalmente, a Constituição Federal, em seu art. 5.º, inciso XXXVI, não proíbe a retroatividade da lei (salvo a lei penal que prejudique), ou seja, viável a retroação da Lei nº. 6.938/81, que estabelece o regime de responsabilidade objetiva, de forma a amenizar os problemas ambientais, vez que, ao menos, excluiria a tarefa de comprovação de culpa do agente, possibilitando que danos ambientais sem resposta possam ser, enfim, serem solucionados.
O que se deve ter sempre em mente é que não pode haver perpetuação do dano ambiental pela sua consolidação, ou seja, se houve desmatamento, se houve poluição por derramamento de substância nociva, etc., não há se dizer simplesmente que houve consumação do dano e nada há a ser feito. Se é possível a recuperação desse dano por obra do homem, deve ser implementada.
Por fim, não deve haver direito adquirido a determinada situação de dano ambiental, como não é perfeito o ato jurídico que se coaduna com a degradação do meio ambiente, bem como a coisa julgada torna-se, no mínimo, antijurídica, ilegal, imoral, se for contra o instituído pela Carta Magna de 1988 que prevê, expressamente, o dever de todos de proteção e preservação do equilíbrio ambiental.
O Direito Ambiental exige isso. Exige que se retroaja a lei, no sentido de praticar a defesa do meio ambiente em favor da sociedade. Trata-se de uma exegese pró-ambiente versus o benefício individual. Trata-se do múltiplo, do coletivo e não do uno, do individual.
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Notas:
Advogado. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável (PUCRS). Especialista em Direito Ambiental (FMU). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.
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