I – Da casuística:
Tem sido freqüente militares ingressarem na reserva/reforma (forma de inatividade própria dos mesmos e insculpida na Lei nº 6.880/80) e, futuramente, reinserirem-se no mercado de trabalho, seja como estatutários, ou mesmo na atividade privada.
Assim, ao se verem acometidos por doenças graves (ocupacionais ou não), vitimados por acidente de trabalho, bem como possuintes de tempo de novo labor/contribuição apto a gerar aposentadoria, os ditos militares são assaltados pela dúvida se se torna possível a percepção desse novel benefício, concomitantemente com os proventos advindos da inativação a que foram antecedentemente jungidos.
Para escoimar essa dúvida, desde logo, mister se faz perquirir se a nova ocupação do militar da reserva/reforma é guindada pelo regime estatutário, o que pressuporá seu ingresso no serviço público pela senda do respectivo certame, ou se é ela vinculada ao regime da Previdência Social, o que obriga exegese do texto constitucional, mormente excertos das regras contidas nos arts. 37 e 40 da Lei Mater, e, notadamente, um bosquejo por legislação infraconstitucional.
Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, até mesmo por imperativo da limitação intelecto-jurídica, este articulista, nas linhas subseqüentes, esboçará seu pensamento na trilha de se proporem soluções para as ocorrências dantes narradas, máxima tendo em vista os posicionamentos do STF e do TCU, este último, inclusive, por se ter debruçado quanto à consulta aviada pelo Ministério da Defesa.
II – Do quadro jurídico gestado pela EC 20/98 e seus reflexos normativos:
Mister se faz, por primeiro, deixar registrado, por mais bisonho que seja, que no ordenamento jurídico pátrio existem três regimes previdenciários, quais sejam: a) os afetos a estatutários, no plano civil – (art. 40 da Lex Legum); b) os atinentes aos funcionários da iniciativa privada (art. 195 do mesmo texto constitucional); c) os tangentes a militares (arts. 42 e 142 da Carta Política).
Agora, enfrentaremos a questão relativa a um militar da reserva/reforma que, por ventura, ao ingressar no serviço público, desta feita como civil (estatutário), o tenha procedido antes da vigência da EC 20/98.
Em caso tal, se o citado militar inativo fizer jus, por exemplo, à aposentadoria, não paira qualquer celeuma à ausência de total obstáculo para tanto, porque somente a referida Emenda fizera incluir na Carta Constitucional uma eventual ocorrência geratriz de impedimento de cumulação.
Daí porque, neste tanto, o Supremo Tribunal Federal vaticinar:
“O art. 93, § 9º, da Constituição do Brasil de 1967, na redação da EC 1/69, bem como a Constituição de 1988, antes da EC 20/98, não obstavam o retorno do militar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargo civil, acumulando os respectivos proventos. Precedentes [MS n. 24.997 e MS n. 25.015, Relator o Ministro EROS GRAU, DJ 01.04.05; e MS n. 24.958, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 01.04.05].” (Processo nº 25113/DF. Data de publicação: 06/05/2005, DJ. Rel. Min. EROS GRAU).
A propósito, observemos o art. 1º da prefalada EC 20/98, que giza:
“Art. 1º – A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:
(…)
Art. 37 –
§ 10 – É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.”
A obviedade da preservação da cumulabilidade de rendimentos da reserva/reforma com os da inativação posterior é palmar, ou seja, calca-se na homenagem do direito adquirido, que, sabidamente, é garantia constitucional, por imperativo de seu art. 5º, XXXVI.
III – Das exceções constitucionais para cumulação de benefícios:
Todavia, a hodierna redação do § 10 do art. 37 da nossa Carta Política, prontamente, já excepciona três situações que permitem a cumulação de proventos da inatividade do militar com os da sua nova condição de beneficiário, quais sejam, os provenientes de cargos acumuláveis, eletivos e em comissão com possibilidade de demissão ad nutum.
Explica-se:
a) se o militar da reserva/reforma houver sido professor em um colégio militar, por hipótese, e, após a sua inativação, vier a ocupar, agora como civil, a docência em uma universidade pública, pode aposentar-se nesta última função e, paralelamente, perceber os proventos advindos da sua inclusão na pretérita inativação castrense, com amparo no art. 37, XVI, da Lex Legum. Mutatis mutandis, socorre-se deste aresto:
“ADMINISTRATIVO. VIÚVA DE MILITAR. PENSÃO MILITAR. CONCESSÃO. CUMULAÇÃO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA DE DOIS CARGOS DE PROFESSOR. ARTIGO 72, DO DECRETO Nº 49.096/60. POSSIBILIDADE.
O ordenamento constitucional hodierno consagra o princípio geral da inacumulação de cargos públicos, excepcionado apenas as hipóteses nela exaustivamente previstas, dentre elas a de dois cargos de professores (art. 37, XVI, (“a”), desde que haja compatibilidade de horários. O artigo 72, do Decreto nº 49.096/60, deve ser interpretado à luz do preceito constitucional que arrola as exceções ao mencionado princípio, o que há de ser feito necessariamente pela admissibilidade da acumulação da Pensão Militar com os proventos de aposentadoria de dois cargos de professor, ainda que as fontes pagadoras sejam distintas.” (STJ. Processo nº 199800249710/RJ. 6ª Turma. Data de julgamento: 08/09/1998. Rel. Min. VICENTE LEAL)
b) se o militar da reserva/reforma, posteriormente à sua inativação, tornar-se vereador, deputado etc., em sendo possível aposentar-se por decorrência da ocupação do cargo eletivo, de igual modo, terá direito à cumulação das duas fontes de renda;
c) se o militar da reserva/reforma preencher a função de assessoria, desde que nela adentre pelo emblema da confiança de sua chefia, o que significa livre contratação e dispensa, se preenchidos os requisitos para sua inatividade em tal cargo, similarmente, poderá cumular os vencimentos.
Põe-se fecho com este escólio do Tribunal de Contas da União, assim grafado:
“1. Somente é lícita a acumulação de proventos quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, independentemente de o beneficiário ser servidor público ou militar. 2. Permite-se a continuidade da acumulação de proventos de aposentadoria, reserva remunerada ou reforma com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, respeitando-se o limite salarial do funcionalismo público, àqueles que preencheram as condições do art. 11 da EC 20/98, até 16/12/98. 3. O servidor, amparado pelo art. 11 da EC 20/98, que implemente as condições para aposentar-se no novo cargo, somente poderá fazê-lo se renunciar à percepção dos proventos decorrentes da aposentadoria anterior, salvo na hipótese de acumulação de proventos decorrentes da aposentadoria, aos da reserva remunerada ou reforma anterior, por se tratarem de regimes diferentes.” (Processo nº 006.538/2003-7. Acórdão nº 1310/2005 – Plenário. Min. Relator. WALTON ALENCAR RODRIGUES. Publicação: Ata 33/2005 – Plenário. Sessão 31/08/2005; grifou-se).
IV – Da possibilidade de cumulação de proventos da inatividade do militar, em virtude da reforma/reserva, com os advindos de benefícios securitários de regimes diversos:
Passando-se ao largo das discussões que poderiam ter gênese em decorrência da Lei nº 9.297/96, por inaplicável a esta matéria que cuida tão somente da viabilidade de cumulação de vencimentos da reserva/reforma com os vertidos em caso de ingresso posterior do militar e sua efetiva aposentadoria, traçaremos os comentários abaixo.
À primeira vista surge o art. 11 da EC 20/98, cuja dicção é a seguinte:
“Art. 11 – A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.”
Parece-nos que uma leitura ligeira e superficial da norma acima retratada dar-nos-ia a impressão que, após 16/12/98 (data da publicação da EC 20/98), o militar da reserva/reforma que adentrasse em nova função como civil, seja pública ou privada, não lograria qualquer benefício de caráter previdenciário, haja vista ser-lhe vedada a cumulação de proventos.
Entrementes, melhor esquadrinhando o telado art. 11, da EC 20/98, assim como o art. 124, da Lei nº 8.213/91 (RBPS – Regime de Benefícios da Previdência Social), o que se extrai é a impossibilidade de cumulação de dois benefícios em um mesmo regime securitário. Em outras palavras, o que não se pode dar é percepção conjunta de benefícios oriundos de um mesmo regime, isto é, salvo situações de cumulabilidade, não será factível que um servidor público, por exemplo, aposente-se duplamente como estatutário (art. 40, da Lei Magna), assim como igual peia se tem para um empregado, na faina privada, auferir em duplicidade aposentação perante o INSS (art. 195, da Carta de Outubro). Logo, em possuindo o militar estatuto próprio (Lei nº 6.880/80), tendo ele se inativado por reserva/reforma, vindo a assenhorear-se de nova vida laboral, ainda que ao depois da EC 20/98, poderá, desde que cumpridos os ditames do ordenamento securitário, lobrigar benefício de tal jaez, dado estar-se diante de regime diverso do constante no art. 40 da Carta Magna, ou mesmo do prefixado pela Lei nº 8.213/91.
Nem poderia ser diferente:
a) Se alguém, como estatutário, aposentar-se em tal regime e sendo apto para mourejar no átrio privado, e nele vier a acidentar-se no trabalho, por exemplo, poderá auferir a eventual aposentadoria oriunda do INSS.
No mesmo giro, está a jurisprudência assim cotejada:
“”É possível a acumulação de benefícios de diversos regimes previdenciários, uma vez que a Lei 9.528/97 não convalidou dispositivo da Medida Provisória 1.523/96, que proibia tal acumulação” (AC n° 1999.01.00.036010-6/MG, 1ª Turma, Rel. Des. Federal Aloísio Palmeira Lima, DJU, II, de 18.10.1999, p. 188).” (TRF da 1ªRegião. Processo nº 199901000551417. 1ª Turma. Rel. Des. CLAUDIO MACEDO DA SILVA . data de julgamento: 06/05/2003).
b) Se a pessoa aposentar-se no Regime Geral da Previdência Social (INSS) e, ao depois, tornar-se servidor público (estatutário) e puder se aposentar também como tal, nenhum obstáculo terá quanto à cumulação destes dois benefícios, como bem enfatiza este julgado:
“Não há óbice à percepção de dois benefícios, provindo de fontes diversas
(regime geral da previdência e fundo de previdência dos servidores públicos federais). O que a Lei 8.213/91 não admite é a cumulação de benefícios com idêntico fato gerador.” (TRF da 4ª Região. Processo nº 200271100009567. 5ª Turma. Rel. Des. Fed. ANTONIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA. Data de julgamento: 31/10/2002).
c) Todavia, se a interpretação do art. 37, § 10, conferida pela EC 20/98 fosse na trilha de que benefícios oriundos da reserva/reforma (arts. 42 e 142 da Lei Maior) não pudessem ser percebidos cumuladamente, se o militar houvesse, após sua inativação, ingressado na esfera pública ou privada, seria a única exceção, prejudicial àquele que optou pela vida castrense, isto é, nas alíneas a e b, tal percepção simultânea será factível e, nesta hipótese, o egresso do meio militar teria de se conformar tão somente com os rendimentos da sua reserva/reforma. Isso vilipendiaria o princípio da isonomia, dado que, em sendo regimes diversos da previdência lato sensu, jamais poderá se ter a manietação do auferimento de numerário advindo de regimes diferentes.
Então, forte neste viés protetivo, é que o mencionado art. 37, § 10, usou a conjunção alternativa “ou” (e não a aditiva “e”) entre os casos do art. 40 e os do art. 42, não deixando qualquer perplexidade de que o que se é vedado é o duplo sufragar de benefícios simultâneos capitulados (ambos) no art. 40 ou (ambos) no art. 42 da Carta Política.
Neste compasso, por sinal, é que se lança mão de fragmento do memorável voto do pontífice Ministro Eros Grau, que com exatidão, ajunta que:
“6. Ficou ressalvada, desse modo, até a data da publicação da emenda [EC 20/1998], a percepção de proventos, fossem eles de natureza civil ou militar, cumulada com remuneração do serviço público. 7. O preceito, outrossim, vedou a concessão de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores civis, previsto no art. 40 da Constituição do Brasil. Não há, note-se bem, qualquer menção à concessão de proventos militares, estes previstos nos arts. 42 e 142 da Constituição. 8. (…) não houve acumulação de proventos decorrentes do art. 40 da Constituição do Brasil, vedada pelo art. 11 da EC 20/98, mas a percepção do provento civil [regime próprio do art. 40 CB/88] cumulado com provento militar [regime próprio do art. 42 CB/88], situação não abarcada pela proibição da Emenda. 9. Neste sentido os precedentes julgados pelo Plenário no último dia 2 de fevereiro, MS n. 24.997, MS n. 25.015, MS 25.036, MS n. 25.037, MS n. 25.090 e MS n. 25.095, dos quais sou Relator, e MS n. 24.958, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, nos termos dos quais entendeu-se que a Constituição do Brasil de 1967, bem como a de 1988, esta na redação anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, não obstavam o retorno do militar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargo civil, acumulando os respectivos proventos.” (STF. Processo nEm outro precedente (MS 25.192-1/DF), desta feita sob a relatoria do Ministro Eros Grau, o STF acatou tese análoga. Transcrevo trecho do voto condutor, que externa o atual entendimento do Pretório Excelso” (apud TCU. Processo nº 006.538/2003-7. Acórdão nº 1310/2005 – Plenário. Min. Relator. WALTON ALENCAR RODRIGUES. Publicação: Ata 33/2005 – Plenário. Sessão 31/08/2005; sublinhou-se).
Ante o posicionamento do pretório excelso, o Tribunal de Contas da União (órgão chancelador e registrador das aposentadorias federais), sempre atento à baliza da legalidade, lavrou o quanto segue:
“Ressalvada minha opinião pessoal, expressa no voto condutor do acórdão embargado, considerando os arestos mencionados, tanto no âmbito do Poder Judiciário, quanto nesta Corte, é necessário analisar novamente a questão inicial posta pelo Ministério da Defesa, até mesmo devido a considerações de economia processual.
Consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, extraído do MS 25.192-1/DF, a Emenda Constitucional 20/1998, a par de vedar a acumulação de proventos civis e militares com vencimentos de cargo, emprego ou função pública, por meio de seu art. 11, convalidou as acumulações até então existentes. Estabeleceu, entretanto, que não poderia haver a concessão de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores civis.
Dessa forma, um servidor civil que acumulasse os proventos de cargo no qual já se aposentara com a remuneração de outro cargo, não poderia aposentar-se neste sem renunciar àquela aposentadoria.
Porém, o Ministro Eros Grau asseverou que tal vedação não se aplicaria aos militares que houvessem sido reformados, assumido cargo público civil e se aposentado nesse cargo. A razão consistiria no fato de se tratarem de regimes diferentes, enquanto o primeiro, civil, estaria previsto no art. 40 da Constituição Federal de 1988, o segundo, militar, possuiria fundamentação no art. 42 do mesmo normativo.
Esse posicionamento foi acatado e tem sido reiterado pelo Tribunal Pleno do STF. Nessas condições, deve esta Corte, nos termos do voto condutor do Acórdão 179/2005 – Plenário, acima transcrito, observar a interpretação da Constituição pelo seu guardião, o próprio STF.
Por conseguinte, deve ser alterado o entendimento esposado pelo Acórdão 1840/2003 – Plenário. Os comandos presentes nesse precedente continuam válidos, no que concerne aos servidores civis, para aqueles que não recebem proventos oriundos de reserva remunerada ou reforma. Entretanto, deve ser devidamente adaptado para conter o permissivo estampado no entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Dessa forma, incluo a hipótese excepcional de acumulação de proventos no caso de militar da reserva remunerada ou reformado, que assumiu cargo civil e nele veio a aposentar-se. Apenas nesse caso, haverá possibilidade de acumulação de proventos oriundos da reforma ou reserva remunerada e da aposentadoria no cargo civil.” (Ementa do TCU já citada; apuseram-se destaques)
Recentíssimamente, uma vez mais, o Supremo Tribunal Federal, na lira do alumiado Ministro Eros Grau, confecciona a seguinte ementa:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS. CIVIL E MILITAR. POSSIBILIDADE. 1. A Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, em seu artigo 11, apenas proíbe a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição do Brasil. Nada dispôs a propósito da acumulação de percepção de provento civil [CB/88, artigo 40] com provento militar [CB/88, artigo 42]. 2. Agravo regimental a que se dá provimento.” (Processo RE-AgR 527714/RJ. Data de julgamento: 05/06/2007).
Este trecho do voto, com viés de plena elucidação, enfatiza que:
“A Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, em seu artigo 11, apenas proíbe a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal. Nada dispõe a propósito da acumulação de percepção de provento civil [CB/88, artigo 40] com provento militar [CB/88, artigo 42].” (negritos do autor).
O Ministro Walton Alencar Rodrigues, ao que se verifica, não discrepa em momento algum do que fora exarado pelo Excelso Pretório, pois veja-se:
“Nessas condições, deve esta Corte, nos termos do voto condutor do Acórdão 179/2005 – Plenário, acima transcrito, observar a interpretação da Constituição pelo seu guardião, o próprio STF.
Por conseguinte, deve ser alterado o entendimento esposado pelo Acórdão 1840/2003 – Plenário. Os comandos presentes nesse precedente continuam válidos, no que concerne aos servidores civis, para aqueles que não recebem proventos oriundos de reserva remunerada ou reforma. Entretanto, deve ser devidamente adaptado para conter o permissivo estampado no entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Dessa forma, incluo a hipótese excepcional de acumulação de proventos no caso de militar da reserva remunerada ou reformado, que assumiu cargo civil e nele veio a aposentar-se. Apenas nesse caso, haverá possibilidade de acumulação de proventos oriundos da reforma ou reserva remunerada e da aposentadoria no cargo civil.” (TCU. Processo AC-1310-33/05-P. Ata 33/2005 – Plenário. Sessão 31/08/2005. Data de aprovação: 06/09/2005; inexistentes ênfases no texto primígino).
Deve ser pontuado, ademais, que o tratamento previdenciário dos inseridos no meio castrense é tão singular que no art. 40, § 20, da Constituição Federal, está assim grafado:
“Fica vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal, ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X.”
O tratamento para o militar é tão díspar do dispensado ao civil que a mesma Carta Maior, em seu art. 142, reza que:
“§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
(…)
X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra” (ausentes parênteses e reticências no original).
Nota-se, então, que a exegese securitária do militar ganha foros de especificidade, isto é, possui traços eminentemente peculiares, o que conduz à factibilidade de tornar inconfundível o seu regime com os dos estatutários, estes últimos regulados pelo art. 40 da Carta da República, enquanto aqueles o são pelo art. 42 do mesmo diploma constitucional.
Em suma, aos militares reformados ou que estejam na reserva e que, frente à higidez intelectual que em regra os brinda, mormente por serem desalojados do ócio, não deve ser sonegado o signo da cumulação de benefícios securitários, públicos ou privados, a que venham angariar em virtude de possuírem regime específico de inativação.
É de ser alinhado, outrossim, que o TCU, quando da consulta formulada pelo Ministro da Defesa, deixou estampado, de modo solar, que a vedação lançada no art. 11, da EC 20/98, não atinge militares na reserva/reforma quando estes, após tal inativação, adentrarem no serviço público mediante o respectivo certame, dado que o que está proibido é a cumulatividade de dois benefícios securitários de um mesmo regime, daí porque aquele dispositivo da vertente Emenda se referira unicamente ao art. 40 do texto constitucional.
Portanto, em homenagem ao princípio da hierarquia, em nosso entender, não deverão mais as Forças Armadas criar qualquer celeuma jurídica quanto à cumulação de aposentadorias em comento, porque o TCU respondera tal questionamento, nada mais nada menos, do que ao digno Ministro da Defesa, representante de órgão de cúpula do âmbito militar, tal como se pode aquilatar pela leitura do art. 87, da Constituição Federal.
Destarte, com arrimo no princípio da hierarquia, deve ser anotado que o temário esboçado neste artigo já tem orientação segura, por império do gizado pelo TCU, ao pronunciar-se sobre ato consultivo do Ministro jungido à pasta militar, a ponto de nos parecer que nenhuma autoridade subalterna no círculo castrense poderá esboçar interpretação diferenciada da já firmada pelo Sodalício de Contas do Brasil.
A tanto, vale-se da hodierna lição da administrativista Maria Sylvia Zanella di Pietro, na obra “Direito Administrativo”, 17 ed., São Paulo: Atlas, 2004, onde obtempera que:
“A organização administrativa é baseada em dois pressupostos fundamentais: a distribuição de competência e a hierarquia. O direito positivo define as atribuições dos vários órgãos administrativos, cargos e funções e, para que haja harmonia e unidade de direção, ainda estabelece uma relação de coordenação e subordinação entre os vários órgãos que integram a Administração Pública, ou seja, estabelece a hierarquia.” (negritos da fonte).
Não é sem razão, portanto, que o inciso I do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal enfeixa nas mãos do Ministro da Defesa, visto que é o titular da pasta castrense, a incumbência de dar direção única às tomadas de providências e regulamentação dos destinos de seus comandados, o que confere, por certo, uma vera unidade de direção.
De efeito, soa imprescindível, para evitar dissenso nos meandros do próprio Exército, que, por intermédio de portaria, ocorra a competente regulação da matéria aqui debatida, colocando pá de cal sobre este assunto que, como registrado dantes, já se encontra sufragado pelo STF e pelo TCU.
Traz-se a sírio mais uma demonstração do Poder Judiciário brasileiro, onde o TRF da 4ª Região esmerou-se em verberar:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. MILITAR DA RESERVA. PERCEPÇÃO CUMULATIVA DE PROVENTOS DE INATIVIDADE COM VENCIMENTOS DA ATIVIDADE. 1. Não se aplica a proibição de percepção de proventos de inatividade prevista na parte final do art. 11 da EC nº 20/98, uma vez que a referência é específica ao regime de previdência do art. 40, ou seja, do servidor público civil. Como é cediço, os militares da União possuem regime próprio de previdência, plasmado no Estatuto Militar (Lei nº 6.880/80). 2. Tratando-se de uma restrição de direito, sua exegese deve se ater estritamente aos lindes da intentio legis, não podendo ser alargada para apanhar situações assemelhadas (extensão a quaisquer outros regimes previdenciários), sob pena de incursão em imperfeita analogia. 3. Agravo de instrumento provido, prejudicado o regimental.” (TRF da 4ª Região. Processo nº 200304010389673. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON. Data de publicação/fonte: 03/12/2003, DJU p. 758; destacou-se).
E, para realçar, o eminente Relator Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, no que interessa à matéria em comentário, deixou registrado em seu voto que:
“Como referido pelo MM. Juízo a quo, a jurisprudência do Pretório Excelso assentou que a Constituição Federal de 1988 veda a percepção cumulativa de proventos de inatividade por servidor civil ou militar com vencimentos da atividade, a não ser que os cargos sejam acumuláveis. Tal diretriz, aliás, restou posteriormente positivada constitucionalmente, consoante o disposto no § 10 do art. 37, acrescido pela EC nº 20/98. Destarte, a regra geral, a priori, é a inacumulabilidade, consubstanciada que está em preceito inserto no capítulo das disposições gerais da Administração Pública (Cap. VII, Seção I); a exceção é a acumulabilidade, em se tratando de cargos acumuláveis, aplicando-se o mesmo, de conseguinte(…) Porém, ainda que se entenda que deva prevalecer sua condição de militar que ingressou após a inatividade no serviço público, sendo-lhe permitida a cumulação de proventos e vencimentos na forma do art. 11 da EC nº 20/98 (aliás, frontalmente contrária à jurisprudência do STF), não se aplica a proibição de percepção de proventos de inatividade prevista na parte final daquele mesmo dispositivo, uma vez que a referência é específica ao regime de previdência do art. 40, ou seja, do servidor público civil. Como é cediço, os militares da União possuem regime próprio de previdência, plasmado no Estatuto Militar (Lei nº 6.880/80). Trata-se de uma restrição de direito, sendo que sua exegese deve se ater estritamente aos lindes da intentio legis, não podendo ser alargada para apanhar situações assemelhadas (extensão a quaisquer outros regimes previdenciários), sob pena de incursão em imperfeita analogia. Tal conclusão é reforçada em face do § 6º do art. 40 da Carta da República, que se refere particularmente ao regime de previdência previsto naquele dispositivo (art. 40). Tal conclusão, aliás, é igualmente encampada pela Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, como se confere do Parecer juntado pelo recorrente a fls. 142/151, a respeito da matéria. Vale aludir ao seguinte excerto, por pertinente: “À vista de concepções desse teor, tomando-se por base o postulado segundo o qual sempre que possível, deverá o dispositivo constitucional ser interpretado num sentido que lhe atribua maior eficácia, tem-se que a proibição de perceber mais de uma aposentadoria, contida no § 6º do art. 40 da Constituição e na segunda parte do art. 11 da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, restringe-se, tão-somente, às aposentadorias à conta do regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição: regime de previdência dos servidores públicos civis titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vez que os militares dos Estados, do Distrito Federal e Territórios e os das Forças Armadas pertencem aos regimes de previdência de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, respectivamente.”” (sublinhou-se e apuseram-se parênteses e reticências, não constantes no original).
Perora-se, chamando a atenção para o fato de que em patente de oficiais militares já se vislumbra a necessidade de que eles sejam possuintes de nível superior de escolaridade, como anota o provécto Min. Walton Alencar Rodrigues, ao assentar que:
“…o fato de os cargos da carreira militar não poderem ser acumulados, na atividade, com outros, dada a natureza das atribuições a eles inerentes, que requerem integral dedicação ao trabalho, não constitui fator impeditivo, de per si, para que, afastado o requisito de dedicação integral ao serviço (o que se dá com a inativação), tais cargos venham a ser acumulados com outros.
(….)
Ora, os cargos militares situados no nível de oficial requerem a aplicação de conhecimentos científicos obtidos em nível superior de ensino. Aliás, as academias militares são regularmente reconhecidas como instituições de ensino superior.
Logo, não há como negar, salvo melhor juízo, o título de cargo técnico ou científico aos cargos militares do oficialato.” (Processo nº 006.538/2003-7. Acórdão nº 1310/2005 – Plenário. Min. Relator. WALTON ALENCAR RODRIGUES. Publicação: Ata 33/2005 – Plenário. Sessão 31/08/2005; apuseram-se parênteses e reticências).
E continua o ilustre Ministro:
“Sendo assim, nenhum óbice se apresenta à acumulação, por militar inativo, de proventos de reserva ou reforma e vencimentos de cargo de magistério. Em conseqüência, também inexiste obstáculo à percepção cumulativa de proventos militares e proventos civis originários de cargo de magistério.”
Agasalhável, destarte, a cumulatividade de militar da reserva/reforma com o novel ingresso no campo do magistério, já que aqui incide a permissão constitucional lavrada no inciso XVI, alínea b, do art. 37, que, nesta hipótese, sequer necessita adentrar à celeuma do predito art. 11, da EC 20/98. Explicando melhor: em o militar ,adentrando-se na reserva/reforma e, ao depois, vir a preencher os quadros de docente em instituição de ensino, fará jus ao percebimento dos proventos da sua inatividade com os de sua aposentadoria como professor, caso tenha ele se sagrado como professor antes ou depois da EC 20/98, porque aqui se estará diante de uma cumulabilidade permitida hodiernamente pela Lei Mater.
V – Das conclusões:
Se o militar, aposto na reserva/reforma, mesmo após a EC 20/98, ingressar em nova função (pública ou privada) e se agastar com doença grave, acidente de trabalho ou, quiçá, possuir tempo de serviço/contribuição apto para lhe engendrar benefício securitário, fará jus ao mesmo, sem os entraves do art. 11, da EC 20/98, haja vista que o que está proibido é fruição de dois beneplácitos oriundos do mesmo regime, mas nunca o gozo de um benefício previdenciário, desaguado pela Lei nº 8.112/90, ou, ainda, decorrente da Lei nº 8.213/91, com os frutos da reserva/reforma remunerada.
Deve a orientação supra mencionada restar positivada mediante emissão de portaria, uma vez que tal assunto já se vê acobertado pela remansosa jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal e, também, pelo escólio pretoriano do egrégio Tribunal de Contas da União, que, por sinal, fixou com maestria os lindes da possibilidade da cumulação de aposentações para militares, quando da consulta formulada pelo ínclito Ministro da Defesa.
Deve ser frisado, outrossim, que a cumulação de proventos da inatividade de militar, seja esta advinda da reforma/reserva, com a de professor que o inativo castrense veio a ocupar posteriormente ao seu desligamento das Forças Armadas, independentemente deste novo seu ingresso na atividade ter ocorrido ulterior ou anteriormente à EC 20/98, será permitida por imperativo constitucional, qual seja, o regrado no art. 37, XVI, b.
Informações Sobre os Autores
Emerson Odilon Sandim
Professor, Procurador Federal Aposentado, Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, Escritor, Conferencista e Parecerista.
Ana Paula Feitosa Prates
Estagiária