Autor: Mateus Soares de Andrade – Acadêmico de Direito da 7ª Etapa, UNAERP Faculdade de Direito Laudo De Camargo. (E-mail: mateus.so456@gmail.com)
Orientadores: Me. Ferrucio José Biscaro – Graduado em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (2007); Pós graduado em Direito Previdenciário pela EPD (2008); Mestre em Direito Difuso e Coletivo pela UNAERP (2016). (E-mail: fbiscaro@unaerp.br)
Profa. Dra. Dionéia Motta Monte-Serrat – Pós-Doutoranda em Matemática Computacional, FFCLRP-USP (2020); Pesquisadora-colaboradora do IEL-UNICAMP (2014-2016); Doutorado Direto em Psicologia pela FFCLRP-USP (2007-2013); (Email: dserrat@unaerp.br)
Resumo: Este artigo tem como objetivo esclarecer alguns pontos da reforma previdenciária brasileira introduzida pela Emenda Constitucional 103/19. Foi utilizada técnica de argumentação indutiva aliada à revisão bibliográfica e da lei para análise comparativa com textos legislativos anteriores à reforma imposta pela referida emenda. Observa-se que o instituto de Previdência Social brasileiro sofreu diversas reformas ao longo do tempo para adequar-se às novas leis e à realidade social, a fim de adequar a contagem de tempo para aposentadoria. Aborda-se a perda de eficácia até a extinção do fator previdenciário e a implantação de tabela progressiva destinada a retardar a aposentaria dos contribuintes. Verifica-se como essas mudanças afetaram os funcionários públicos no exercício da função. Ressalta-se a importância do direito adquirido antes da reforma em análise e a aplicação ou não da retroatividade com base na Constituição Federal, e em decisão do Juizado Federal Especial no Município de Ribeirão Preto – São Paulo. Destaca-se a importância da proporcionalidade e da razoabilidade para que o Direito não seja desigual a ponto de o segurado ter a aposentadoria impedida em razão de requisitos pouco alcançáveis.
Palavra-chave: Reforma Previdenciária. Emenda Constitucional 103/19. Direito Adquirido. Fator previdenciário. Regra 85/95.
Abstract: This article aims to clarify some points of the Brazilian social security reform introduced by Constitutional Amendment 103/19. Inductive argumentation methodology was used, together with bibliographic and law revisions, for comparative analysis with legislative texts prior to the reform imposed by the said amendment. It is observed that the Brazilian Social Security Institute has undergone several reforms over time to adapt to the new laws and to the social reality, in order to adjust the time count for retirement. It addresses the loss of effectiveness and extinction of the social security factor and the implementation of a progressive table designed to delay the taxpayers’ retirement. It can be seen how these changes affected public employees in the exercise of their service. We emphasize the importance of the right acquired before the reform under analysis and the application or not of retroactivity based on the Brazilian Federal Constitution, and in a decision of the Special Federal Court of Ribeirão Preto – São Paulo. It highlights the importance of proportionality and reasonableness so that the law is not unequal to the point that the taxpayer is prevented from retiring due to unattainable requirements.
Keywords: Social Security Reform. Constitutional Amendment 103/19. Acquired Right. Social security factor. Rule 85/95.
Sumário: Introdução. 1. Da finalidade e extinção do fator previdenciário. 2. Mudanças do art. 29-C em relação à Emenda Constitucional n. 103/2019. 3. Das regras do pedágio 50% e 100%. 4. Mudanças relativas aos empregados e funcionários públicos regidos pelo RGPS (Regime Geral De Previdência Social). Conclusão. Referências.
Introdução
Este artigo tem como objetivo discorrer sobre a extinção do fator previdenciário à luz da Emenda Constitucional nº. 103/19 (BRASIL, 2019), que trouxe alterações substanciais no que cerne às aposentadorias de um modo geral, e, também aos empregados e funcionários públicos regidos pelo RGPS (Regime Geral de Previdência Social) (BRASIL,1988).
O tema remete a uma análise das modificações feitas pelo legislador, as quais implicam alterações na vida de pessoas seguradas pelos regimes de previdência social. Dessa forma, este texto esclarece o leitor a respeito do tempo de labor necessário para conseguir aposentadoria seja para empregados ou funcionários públicos que se aposentarão depois do vigor da referida Emenda.
Utiliza-se neste trabalho metodologia argumentativa de caráter dedutivo, bem como revisão bibliográfica e da lei. São feitas pesquisas na doutrina, na própria Emenda Constitucional e na jurisprudência com a finalidade de argumentar e esclarecer o leitor sobre os pontos controvertidos sobre o advento da EC nº 103/19 (BRASIL, 2019).
A Previdência Social desde seus primórdios faz uma busca constante para que os seus segurados não aposentem precocemente, a fim de manter sempre um equilíbrio atuarial, fazendo com que as contas da Previdência Social sejam compatíveis com os benefícios do segurado. Dessa forma, existe uma necessidade de buscar melhores condições e formas de atender toda a população e não deixar deficitário esse programa que é de extrema importância para todos os brasileiros.
Com o passar do tempo várias regras foram impostas na tentativa de fazer o contribuinte retardar sua aposentadoria. Uma delas, foi a instituição do fator previdenciário, criado pela lei 9.876 de 26 de novembro de 1999.
Os doutrinadores Castro e Lazzari (2020, p. 808), dissertam que, “O fator previdenciário levava em conta o tempo de contribuição, a idade na data da aposentadoria e o prazo médio durante o qual o benefício deverá ser pago, ou seja, a expectativa de sobrevida do segurado.”
Infere-se, dessa definição, que há duas características relevantes para tratar desse fator: o tempo de contribuição e a idade na data da aposentaria, ou seja, a expectativa de sobrevida. Esses dois elementos serão abordados com maior profundidade nos tópicos seguintes.
São feitas algumas indagações a respeito da expressiva mudança que houve com a regra de transição (que coloca fim ao fator previdenciário), cuja regra imposta pela lei n.º 13.183 de 04 de novembro de 2015, perde sua eficácia para a reforma da EC n. 103/2019 (BRASIL, 2019). Faz-se também comentários sobre a questão da aplicação do pedágio.
Outro questionamento importante neste artigo é em relação ao art. 15 da Emenda Constitucional 103/19, indagando, com breves comparações, se houve algum prejuízo ao segurado em razão da transição de regras.
Ainda, com a nova Emenda Constitucional (BRASIL, 2019), houve mudanças no cenário de aposentadoria das pessoas que exercem funções públicas. Poderão elas continuar a exercer seus cargos após aposentar? O que muda com a última reforma?
As indagações descritas acima são importantes motivações para a extinção do fator previdenciário e serão tratadas em tópicos específicos no decorrer deste artigo até chegar-se a uma conclusão sobre o tema.
De proêmio, a finalidade do fator previdenciário apontado na introdução era a redução do valor do benefício e, para que isso não ocorra, necessário faz atingir um maior tempo de contribuição e, uma idade mais avançada. Fazia-se uma relação proporcionalmente invertida à idade do segurado, sendo assim o Professor Me. Ferrucio José Biscaro[1], expõe que quanto menor for a idade e menor o tempo de contribuição na data de aposentadoria do segurado, maior será o redutor que gera a consequência de um valor menor a ser percebido pelo segurado.
Existem dois elementos importantes que interferem no cálculo, o tempo de contribuição e a expectativa sobrevida, sendo que o primeiro está ligado à quantidade do tempo de contribuição: “Quanto maior o tempo de contribuição, menor o redutor aplicado e quanto menor o tempo de contribuição, maior o redutor”[2].
Aliado ao tempo de contribuição está o segundo elemento a ser considerado: a expectativa de vida, que é apresentada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), anualmente. Quanto maior a expectativa de vida maior é o fator.
Portanto, dessas duas características extrai-se que, para se ter um melhor benefício, o segurado tem de trabalhar por mais tempo com idade mais avançada, reduzindo seu fator e consequentemente mitigando os efeitos da expectativa de sobrevida, pois com o desenvolvimento humano e tecnológico ela tem aumentado ano pós ano.
Em 2015, houve a introdução de uma tabela progressiva chamada popularmente de regra 85/95, advinda da Medida Provisória n.º 676 de 17 de junho de 2015, que fora convertida na lei n.º 13.183/15 do mesmo ano, trazendo uma novidade: a regra do art. 29-C, da Lei n.º 8.213/91.
Com a nova regra, foi permitido ao segurado optar pela não incidência do fator previdenciário, visto que por ser uma regra de pontuação exige uma soma de idade mais tempo de contribuição que deve totalizar 95 pontos, para homens e 85 pontos, para mulheres. A soma exigida, tanto para homens quanto para mulheres deve ter o tempo integral, ou seja, o homem ter 35 anos de contribuição e a mulher 30 anos de contribuição, que, somados às respectivas idade,s totalizem os 95 pontos do homem e 85 pontos da mulher.
Mas, ainda seria necessário aumentar a pontuação para que o cálculo atuarial fosse equilibrado entre a arrecadação e os gastos com os benefícios. Assim, criou-se uma regra de transição, com aumento gradativo de um ponto a cada dois anos, iniciando com 85/95 pontos em 2017 indo até 2026, ocasião em que seriam totalizados 90 pontos para a mulher e 100 pontos para o homem, conforme inserção do parágrafo segundo no art. 29-C, iIn verbis:
“Art. 29-C. O segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for:
I – igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos; ou
II – igual ou superior a oitenta e cinco pontos, se mulher, observado o tempo mínimo de contribuição de trinta anos.
I – 31 de dezembro de 2018;
II – 31 de dezembro de 2020;
III – 31 de dezembro de 2022;
IV – 31 de dezembro de 2024; e
V – 31 de dezembro de 2026.” (BRASIL, 2015).
Desse modo, apesar de ser introduzida a nova regra, ainda haveria progressões à regra 85/95, indo para 86/96, 87/97 e assim por diante. As alterações do artigo acima transcrito destinavam-se a produzir efeitos a cada dois anos.
A partir da vigência da EC nº 103/19 (BRASIL, 2019), foi estabelecida idade mínima para as aposentadorias, e assim foi colocado fim ao fator previdenciário, pois já não se tinha sentido sua aplicação.
Ainda, cabe esclarecer que, desde a reforma de 2015 (BRASIL, 2015), com o sistema de pontos, já não se aplicava o fator aos segurados que atingiam a pontuação previamente estabelecida.
Em 2019, com o advento da EC 103/19 (BRASIL, 2019), houve alterações na regra que estava emvigor desde 2015 (BRASIL, 2015). Essa Emenda não revoga o art. 29-C da lei 8.213/91, originada pela lei 13.183 de 2015, mas provoca a perda da eficácia da tabela do artigo supracitado. Para os segurados que já possuíam o direito de aposentar, o que vai prevalecer é o direito adquirido, ou seja, aquele que tivesse cumprido o tempo necessário para obtenção do benefício antes de 13/11/2019, passa a ter opção caso obtenha mais vantagens pelas regras anteriores à referida reforma previdenciária.
Exemplo disso é o caso de um segurado que já tenha atingido a regra para aposentar-se até o fim de 2019, mas que não tenha dado entrada no pedido. Nesse caso não precisará adimplir a regra prevista no art. 15 da EC103/19, pois o direito adquirido é levado em consideração, e assim, o segurado não tem necessidade de seguir a nova regra. Vale salientar que o direito do segurado é amparado pelo o princípio de que o tempo rege o ato, fazendo prevalecer a data em que foi implementado o direito ao benefício e não quando a data de protocolo do benefício.
O art. 15 da nova reforma, traz a seguinte ideia:
Art. 15. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, fica assegurado o direito à aposentadoria quando forem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II – Somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, equivalente a 86 (oitenta e seis) pontos, se mulher, e 96 (noventa e seis) pontos, se homem, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.
(…) (BRASIL, 2019).
Essa nova regra mostra que há uma progressão ano a ano, como podemos observar na seguinte tabela:
Figura 1: Tabela demonstrativa da pontuação da regra imposta pela nova regra previdenciária.
HOMENS | MULHERES | ||
2020 | 97 | 2020 | 87 |
2021 | 98 | 2021 | 88 |
2022 | 99 | 2022 | 89 |
2023 | 100 | 2023 | 90 |
2024 | 101 | 2024 | 91 |
2025 | 102 | 2025 | 92 |
2026 | 103 | 2026 | 93 |
2027 | 104 | 2027 | 94 |
2028 | 105 | 2028 | 95 |
2029 | 96 | ||
2030 | 97 | ||
2031 | 98 | ||
2032 | 99 | ||
2033 | 100 |
Verifica-se na tabela que os homens, para se aposentar, deverão obter em 2028 o total de108 pontos, já as mulheres, em 2033 precisarão de 100 pontos. Isso dificulta o acesso à aposentadoria dos segurados brasileiros, mas consequentemente traz melhorias para a Previdência Social.
Portanto, entendemos que tanto em 2023 para homens como em 2028 para as mulheres, as aposentadorias por tempo de contribuição deixarão de existir pelos seguintes motivos: se um homem necessita ter em 2023 100 pontos e, levando em consideração que tenha o tempo integral, ou seja, 35 anos de contribuição, certamente ele precisará ter 65 anos de idade. Assim, se ele tiver os 65 anos de idade vai se aposentar por idade e não por tempo de contribuição; do mesmo modo a mulher em 2025, para atingir os 92 pontos precisará ter 30 anos de contribuição e 62 anos de idade, também se aposentará por idade, o que é mais vantajoso.
Em relação à aplicação de pedágio, devemos observar os artigos 17 e 20 da Emenda Constitucional Nº. 103/19, (BRASIL,2019), pois fazem menção ao pedágio 50% e 100%, respectivamente.
Sobre o art. 17 da Emenda Constitucional (BRASIL2019), referente ao pedágio 50%, a doutrinadora Menezes (2020, p. 40), aduz que: “Essa regra poderá ser aplicada pelos segurados que, na data da entrada em vigor da Reforma Previdenciária – 13/11/2019 – estavam há menos de 02 anos para completar o tempo mínimo de contribuição exigido para se aposentarem por tempo de contribuição.”
Partindo do que foi exposto acima, a pessoa que deva completar exatamente dois anos no dia 13/11/2019, terá acrescida a metade desses dois anos de contribuição como forma de pedágio, assim, tendo-se somado um ano. Vejamos o art. 17 da EC 103/19:
Art. 17. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional e que na referida data contar com mais de 28 (vinte e oito) anos de contribuição se mulher, e 33 (trinta e três) anos de contribuição, se homem, fica assegurado o direito à aposentadoria quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição cumprimento, se homem; e
II – Cumprimento de período adicional correspondente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem. (BRASIL, 2019).
Acrescenta-se, quanto ao art. 20 da EC/2019 (BRASIL, 2019), a menção ao pedágio 100%, que tem o seguinte regramento: o segurado deve ter o tempo mínimo de contribuição maior que o exigido no art. 17, ou seja, maior que dois anos para atingir o tempo integral de 30 anos para mulheres e 35 anos para homens. Assim, se um homem em 13/11/2019 tivesse 30 anos de contribuição, estariam faltando para ele 05 anos para atingir o tempo integral de 35 anos, sendo ele incumbido de pagar um pedágio de 5 anos, com o direito a se aposentar ao completar 40 anos de contribuição. Mas, além do pedágio aplicado, também é exigida uma idade mínima de 60 anos de idade pra homens e de 57 anos para mulheres. Vejamos o art. 20 da EC/19:
Art. 20. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se voluntariamente quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – 57 (cinquenta e sete) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem;
II – 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; (…) (BRASIL,2019)
Para exemplificar, se o segurado ou segurada está a quatro anos de se aposentar, ele/ela terá de trabalhar por mais oito anos (100%), ou seja, o homem deve atingir 39 anos de contribuição ( 35 anos + 04 de pedágio) e, a mulher 34 anos de contribuição ( 30 anos de contribuição + 04 de pedágio), cumprindo a regra imposta a partir da nova Emenda Constitucional (BRASIL,2019).
O questionamento que nos é apresentado diz respeito às mudanças ocorridas na manutenção do emprego do funcionário e empregado público regido pelo RGPS Regime Geral de Previdência Social (BRASIL, 1988), pós reforma previdenciária.
Os empregados e funcionários públicos regidos pelo RGPS (BRASIL,1988), antes da reforma, poderiam se aposentar e continuar exercendo sua função pública, assim o servidor poderia manter-se trabalhando e cumular sua renda à da aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição.
O avento da reforma trouxe uma mudança drástica para esse servidor, pois foi perdido o direito de se aposentar e continuar a trabalhar. Após a vigência da EC103/2019, o servidor segurado não faz jus a continuar seu vínculo empregatício. É o que estabelece o art. 37, §14 da CF/88:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte
(…)
Ainda com respeito a essa nova regra, é importante mencionar o caso de segurados que antes da vigência da reforma já poderiam se aposentar e, por algum motivo, não o fizeram. Nesse caso, devem invocar o direito adquirido e o princípio do melhor benefício, consistente nas condições anteriores à reforma. Com relação a esses segurados é importante remetê-los ao direito adquirido resguardado pelo art. 5º, inciso XXXVI da CF/88, in verbis:
“Art. 5º (…) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” (BRASIL, 1988).
A própria legislação interna previdenciária estabelece junto aos artigos 204 e 687 da Instrução Normativa 77 de 21/01/2015, que o segurado deve optar pelo benefício mais vantajoso e, que tal opção deva estar expressa nos autos, conforme podemos verificar:
“Art. 204. Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta anos, se mulher, optou por permanecer em atividade” (BRASIL, 2015)
“Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.” (BRASIL 2015)
“Art. 688. Quando, por ocasião da decisão, for identificado que estão satisfeitos os requisitos para mais de um tipo de benefício, cabe ao INSS oferecer ao segurado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles.
Os tribunais já vêm decidindo em conformidade com o direito adquirido e com o princípio do melhor benefício, determinando que o INSS revise o benefício considerando ser a data anterior à reforma mais vantajosa, conforme decisão em medida liminar concedida ao autor assistido pelo advogado Ferrúcio José Bíscaro:
Termo Nr: 6302045004/2020
Processo Nr: 0004641-20.2020.4.03.6302 autuado em 27/04/2020
Assunto: 040202 – Data de início do benefício (DIB) – Revisão de benefícios classe 1 – Procedimento do Juizado Especial Cível
Autor: Alvino Francisco da Costa
Advogado: Ferrúcio José Bíscaro
Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – I.N.S.S. (PREVID)
Distribuição por sorteio ema 28/04/2020 05:34:16
Data: 15/07/2020
Local: Juizado Especial Federal Cível Ribeirão Preto, 2ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo. Rua Afonso Taranto, 455, Ribeirão Preto/SP.
Juiz(a) Federal: Fernanda Carone Sborgia
DECISÃO <#Trata-se de pedido de revisão do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição n.º 42/193.850.331-4, com pedido de retroação da data de início e de tutela de urgência, ajuizado por ALVINO FRANCISCO DA COSTA em face do INSS. Alega o autor, professor da Prefeitura Municipal de Luís Antônio, que protocolou o pedido de aposentadoria perante a autarquia aos 24/01/2020 (DER), solicitando expressamente que fosse aplicado o princípio do direito adquirido, pois, em 11/11/2019, ou seja, um dia antes da Emenda Constitucional n° 103/2019, já havia implementado todos os requisitos para a concessão do benefício nos moldes da legislação anterior em vigor, eia que contava 36 anos, 05 meses e 20 dias de contribuição na referida data. (Grifo Nosso).
(…)
Portanto, requer a tutela de urgência para que a Prefeitura Municipal de Luís Antônio não o desligue de seu quadro de servidores e, ao final, seja reconhecido o direito adquirido ao benefício em 11/11/2019 (DIB), mantida a data de início de pagamento aos 24/01/2020 (DER).
(…)
Portanto, a fim de preservar a situação fática dos autos até a oitiva do município, reputo prudente a concessão liminar da tutela de urgência. Ante o exposto, face às razões expendidas, determino a integração do Município de Luís Antônio ao polo passivo da demanda e, ato contínuo DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar ao referido município que mantenha o vínculo contratual do autor até ulterior deliberação deste juízo. Expeça-se ofício, urgente, noticiando ao setor competente do Município acerca da presente decisão. Sem prejuízo, expeça-se carta de citação ao referido ente público. Cumpridas as determinações, dê-se nova vista ao INSS e, após, tornem os autos conclusos. Cumpra-se. #> Juíza Federal (Grifo Nosso).
Desse modo, no caso de um segurado funcionário público que já atingiu todos os requisitos para se aposentar, mas não o fez antes da vigência da reforma, este terá assegurado o direito adquirido, podendo optar por continuar exercendo seu trabalho. Já os que atingirem o necessário para se aposentar após a reforma, certamente terão seu vínculo rompido com o setor público.
Conclusão
Em virtude dos fatos mencionados, pode-se observar que a Previdência Social tem passado por diversas mudanças ao longo do tempo, as quais, em sua maioria retiram direitos dos trabalhadores segurados pelo RGPS, dificultando o acesso de milhares de pessoas aos benefícios.
Ressalta-se que as regras advindas em razão da nova reforma têm sido alvo de muitas críticas. Uma das mais importantes é em relação à regra imposta, a 86/96 que impõe regras de forma progressiva ferindo um princípio norteador do Direito, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana abrigado pela Constituição Federal (BRASIL, 1988) e indo em direção oposta ao ensinamento dos mais importantes doutrinadores do país, que reconhecem que os “direitos sociais”, implicitamente, estão também protegidos pelas cláusulas pétreas.
Cabe aos legisladores brasileiro refletirem até que ponto são exercidas proporcionalidade e razoabilidade entre previdência e segurado, para que não sejam atingidos direitos individuais e que também não levem à falência do sistema previdenciário.
Enfim, mudanças no Direito são constantes e devem ocorrer para o melhor desenvolvimento da sociedade humana, mas essas mudanças não podem ferir os princípios básicos instituídos pela Constituição Federal. Se, todos os princípios forem respeitados e resguardados, pode-se atingir uma sociedade com mais justiça e igualdade no futuro próspero.
Referências
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BRASIL. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social. Diário Oficial da União [República Federativa do Brasil]. Brasília, 25 de jul. de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 06 de julho de 2020.
BRASIL. Lei nº 13.183, de 4 de novembro de 2015. Altera as Leis nº s 8.212, de 24 de julho de 1991, e 8.213, de 24 de julho de 1991, para tratar da associação do segurado especial em cooperativa de crédito rural e, ainda essa última, para atualizar o rol de dependentes, estabelecer regra de não incidência do fator previdenciário, regras de pensão por morte e de empréstimo consignado, a Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, para assegurar pagamento do seguro-defeso para familiar que exerça atividade de apoio à pesca, a Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, para estabelecer regra de inscrição no regime de previdência complementar dos servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, a Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, para dispor sobre o pagamento de empréstimos realizados por participantes e assistidos com entidades fechadas e abertas de previdência complementar e a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990; e dá outras providências. Diário Oficial da União [República Federativa do Brasil]. Brasília, 5 de novembro de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13183.htm>. Acesso em: 07 de julho de 2020.
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MENEZES, Adriana; Direito Previdenciário para INSS: (Técnico do Seguro Social). 1. ed. São Paulo: Estratégia, 2020. p. 35-55.
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[1] Entrevista particular do Professor Ferrucio José Bíscaro em aula na Universidade de Ribeirão Preto, Unaerp, curso de Direito, 2020
[2] Anotações em sala de aula. Disciplina Direito Previdenciário. Professor Ferrúcio José Bíscaro, Unaerp, 2020.
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