Resumo: A geopolítica surge propriamente em um dos períodos mais convulsivos da história ocidental, acompanhando o processo de unificação e a ascenção da Alemanha ao poder no mundo. Sua parabola inicia-se em meados da metade do Séc XIX e conlcui-se com a Segunda Grande Guerra Mundial. Atravessa a idade dos imperialismos e os dois conflitos mundiais, antes de cair no ostracismo. O presente argtigo busca demonstrar como a geopolítica apesar de sua debilidade epistemológica e de conotação ideológica, resurgirà do ostracismo com força a partir do fim dos anos 70. E neste contexto, surge um interesse renovado do público a pirori crítico, pelo menos no mundo francófono, em comparação com visões globalizantes e simplistas do discurso imperealista americano. Deste modo, busca-se ainda, uma abordagem epistemológica radicalmente renovada, levando em conta, as críticas que endereçaram a geopolítica clássica, em particular modo, de uma análise mais aprofundada dos fundamentos de Estado, e da identificação de outros atores geopolíticos e de seus interesses.
Palavras-chave: Geopolítica Clássica – Geopolitik – Ostracismo – Geopolítica Crítica
1. Apresentação
Durante o século XX, poucas expressões linguísticas parecem ter adquirido tanto destaque como a palavra “geopolítica”. Originária da virada do século passado pela fantasia do Suéco Rudolf Kjellén (1864-1922), o neologismo alcança imediatamente um considerável sucesso tornando-se uma “tendência” durante a Segunda Guerra Mundial, mantendo-se na obscuridade pelas academias após o final do conflito, e retornando com força apartir dos anos 80 do séc. passado.
Inicialmente, a nova construção semântica, cunhada por Kjellén juntamente com várias outras incluindo a sócio-política, economo-política, e bio-política[1], representava a ciência que “ocupa-se do Estado enquanto organismo geográfico ou fenômeno espacial”, sucessivamente com a obra do geógrafo alemão Karl Haushofer (1869-1946), que reuniu juntamente com os sugerimentos de Kjellén, com as idéias de Friedrich Ratzel (1844-1904) e com as teorias de Harold J. Mackinder (1861-1947) para fazer da “geopolítica” uma abordagem capaz de relacionar o interesse nacional a expansão do Estado e o controle estratégico das vias de comuicação, assumindo assim o termo um significado mais amplo. A notoriedade do “novo” modelo “geopolítico” de analisar o território e o seu poder, logo se estendeu para além das fronteiras da Alemanha. A obra de Hausshofer ecoou de forma perceptível no Japão e na Itália, suscitando uma grande atenção também na âmbito das nações inimigas da Alemanha, como a França e os Estados Unidos.
Nos Estados Unidos particularmente, a geopolítica assume rapidamente a aura misteriosa de “arma secreta do nazismo” (como escrevia o “Reader’s Digest”, que em 1941 publicou um relatório intitulado The Thoussand Scientists Behind Hitler), solicitando reações adversas. O explícito interesse nos confrontos do expansionismo territorial, justificado pela Geopolitik alemã em nome do “espaço vital” dos povos mais intensamente propensos ao crescimento, que foi de fato, definido por um influente geógrafo Isaiah Bowman como uma “apologia do furto” (1942).
Outros estudiosos todavia, se mostraram acalorados em relação à nova disciplina de Haushofer, o sociólogo Cahnman[2] por exemplo, declarou que a abordagem alemã deveria ser importada, para fazer da “ação pedagógica a nível nacional, com o intuíto de agitar os americanos do seu falso sentido de segurança, e para ensiná-los a pensar em grandes áreas”. Equanto De Voto, até tentou identificar antepassados americanos à geopolítica e ao mesmo tempo, demonstrar que os modelos geopolíticos elaborados nos Estados Unidos, como por exemplo o de William Gilpin (1843-1894), procurava a afirmação da democracia e da paz, em detrimento daquela do autoritarismo ou da guerra[3].
Obviamente, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a alegada ligação com o nazismo, que anteriormente tinha desencadeado uma grande atenção nos confrontos da Geopolitik, foi a grande causa de seu fracasso, fazendo-a cair no ostracismo por um bom período.
Hoje, a geopolítica retorna a arena talvez demasiado, uma vez que, combinados com os temas pertinentes como (as relações entre territórios, comunicação e poder), tratados pela ciência política, pelas relações internacionais; ou simplesmente, por outros que acreditam ser cômodo citá-la, mesmo que por engano, um vocábulo que está em voga. Ou mesmo no âmbito dos que se ocupam mais propriamente das relações entre espaço, política e poder, no entanto, atualmente tendem a dar significados distintos à “geopolítica” daqueles desenvolvidos durante a metade do século XX.
Originária da prática disciplinar, com a finalidade de compreender como o controle dos espaços pudessem garantir a aquisição do controle político, a geopolítica na realidade abandonou esta finalidade – que tradicionalmente a colocava a serviço do poder – para assumir um novo papel muito mais imparcial o de “entender”[4].
Com a contribuição da escola francesa, a geopolítica abandona a perspectiva de Estado-cêntrico que era de sua própria tradição, para se dirigir em um campo de estudo que se propõe em diferentes escalas, estudar as rivalidades e competições entre os povos que vivem em territórios[5], e portanto, diferenciando-se de maneira cada vez mais marcante também pelas relações internacionais[6].
Em fim, a abordagem crítica de matriz Anglo-saxônica elevou o novo modo de estudar a geopolítica “a geopolítica crítica”, uma abordagem que se coloca no milieu intelectual do pos-estruturalismo e, redesenhando o ponto de partida do Postcolonial Studies e dos Gender Studies, propondo-se a romper com a unicidade do ponto de vista de quem a observa, procurando desconstruir os “discursos” geopolíticos através do quais procuram dar um sentido ao mundo.
2. A Geopolítica Classica: a escola Alemã
As relações existentes entre os eventos políticos e características do território constituem-se em um antigo tema de reflexão. Como bem assinala Gottmann, “a geopolítica enquanto estudo de influência dos fatores territoriais na ação política, existe desde quando o homem embarcou em uma vida do tipo política”. Todavia, a geopolítica como “nova ciência” veio a sistematizar-se na Alemanha somente nas primeiras décadas do séc. XX, trazendo em grande parte as aspirações da obra de Friedrich Ratzel (Politsche Geographie, 1897)[7].
Considerado por muitos como o fundador da geografia política, Ratzel concebia esta disciplina como a “Geografia do Estado”, ou seja, a ciência que deveria analizar as relações que conectam território, povo e Estado. Sendo o Estado definido como um “organismo ligado ao solo” como uma espécie de organismo biológico cuja superficie território, varia com o passar dos anos. A este propósito, Ratzel considera não só os organismos vivos na sua individualidade, mas também que em base ao seu crescimento demográfico necessitam expandir o seu âmbito territorial para tirarem o seu sustento (os seus espaços vitais – o lebensraum).
De certo modo, a sua Politische Geographie almeijava ser um instrumento para os governantes alemães, uma teoria sobre o poder do Estado e as suas formas territoriais. É verdade porém, que o carater proposital científico do seu trabalho, pode ser acolhido em equívoco: falta na verdade de exatidão. Como bem sublinha Korinman[8] um dos melhores conhecedores da obra de Ratzel, que discorre: “a escolha dos assuntos geográficos sobre os quais se baseia a classificação Ratzeliana, não há nada de gratuíto; os axiomas universais que o geógrafo exalta são de tudo privos de neutralidade, e esta ambiguidade as vezes lhe caracteriza”.
De fato, as leis formuladas por Ratzel eram claramente filogermânicas e haviam um só escopo: encontrar uma justificativa teórica ao crescimento do Estado alemão. Para Ratzel, o Reich deveria de fato, compensar-se com o espaço, as desvantagens da sua posição geográfica. Neste âmbito, a viagem aos Estados Unidos, e as impressões que terá, aplicará nas situações da Alemãnha, que contribuirão também para a sua compreenção do Raum, do espaço.
Como é evidente, as teorias de Ratzel, mesmo que não preconizem diretamente a guerra, justificam a expansão territorial como uma exigência biológica e portanto, permitem interpretar em termos de “necessidade natural” a conflitualidade tirânica dos Estados mais potentes nos confrontos dos organismos políticos menores. Por este motivo, as suas idéias se prestavam à fundamentar as reivindicações expansionistas da Alemanha, e para esse fim, seria tomado por aqueles que se tornariam os fundadores da geopolítica da escola alemã, Rudolf Kjellén e Karl Haushofer.
Na história do pensamento geopolítico, a principal contribuição de Kjellén, além de ter cunhado o silogismo “geopolítica” é considerado de ter atribuído à geopolítica um tema específico (a análise da posição relativa do Estado comparado com os outros, da forma do território do Estado, das suas característica físicas) e a tarefa (avaliar o nível de potência dos Estados e a previsão da evolução das situações internacionais). Da posição, que pode ser periférica, central ou situada em uma condição de interposição entre grandes potências, Kjellén evidencia o significado relativo e variável no tempo, da forma do território, considerando que em condições ideais deveria ser concêntrica. Já a dimensão é considerada por ele como um indicador do futuro do Estado enquanto grande potência[9]. Desta forma, o Estado é segundo Kjellén, em contínua competição com outros Estados e os maiores tendem a subjugar os menores[10].
Com suas previsões de grandeza, a sua obra que originalmente foi escrita em Suéco, foi traduzida e difundida na Alemanha sucessivamente após a derrota na primeira Guerra Mundial, e obteve um notável sucesso, tornando-se parte da bagagem cultural de muitos nacionalistas amargurados pelas consequências do conflito e ansiosos em por remédios a tal situação. Um deles foi Karl Haushofer[11], intelectual que passaria a ser considerado por muitos (talvez erroneamente)[12] como o primeiro responsável em colocar a geopolítica e as suas políticas expansionistas, a serviço do nazismo.
Bem como as idéias de Ratzel e de Kjellén, Haushofer demonstrou-se profundamente influenciado pela capacidade de descrever as relações de poder em escala global e o papel das comunicações como aquelas colocadas pelo inglês Halford Mackinder, durante a conferência sobre o The Geographical Pivot of History, realizada no Royal Geographical Society em 1904. A sua visão geopolítica centrava-se em três aspectos fundamentais: a noção de “espaço vital” útil para enfatizar a necessidade de reestabelecer a unidade do espaço cultural alemão dentro de sua área natural de expansão na Europa central; a dinâmica constitutiva das chamadas “Pan-Idéias”; e a relação entre potências continentais e potências marítimas, focada por Mackinder e o por outros autores pertencentes a escola Anglo-americana.
Segundo Haushofer, na ordem internacional ideal, era crucial o papel das alianças: o que para a alemanha, os Estados amigos deveriam ser o Japão, em grau de contrastar as potências marítimas graças a sua grande capacidade naval, a Rússia, que no modelo de Mackinder representava a potência terrestre inviolável. O objetivo final todavia, não deveria ser a guerra, mas o surgimento de um esquema mundial orquestrado por um número limitado de Estados, capaz de controlar a própria esfera de influência as (Pan-Idéias), sem interferir com a dos outros países. Como meta a curto prazo, Haushofer sugeria reiteradamente a revisão do Tratado de Versailles; em outra perspectiva mais a longo prazo, ele esperava graças a difusão de sua revista a Zeitschrift für Geopolik , educar a população alemã a ter uma conciência espacial mais ampla. Para este fim, ele apresentou uma cartografia definitivamente inovadora, inovando de fato também a cartografia geopolítica[13].
2.1 A geopolítica clássica na tradição Anglo-americana
Se a geopolítica alemã firmou-se prevalentemente sobre o tema da expansão territorial do Estado, no contexto anglo-saxão, o tema das relações entre espaço e poder destina-se focalizar prevalentemente o significado “geopolítico” das comunicações, ou seja, na relação entre o network de comunicações e o controle político dos espaços mundiais[14].
Dentro desta perscpectiva, o papel de precursores deve ser reconhecido por De Voto (1994) a William Gilpin, que já na metade do Séc.XIX, tinham formulado um modelo “global”, onde relacionava o futuro desenvolvimento do continente Norte-americano com a sua posição central a respeito do network de comunicações entre a Asia e a Europa[15]. Gilpin com sua publicação The Central Gold Region of North America de 1860, empenhou-se em demonstrar que o futuro da América do Norte como, “permanent mistress of the word” seria garantida, não apenas pela posição intermediária entre Asia e Europa, mas também pelo clima. O papel político das comunicações globais foi acentuado por Gilpin em sua obra sucessiva The Cosmopolitan Railway 1890, onde previa a realização de um sistema ferroviário “cosmopolitano”, que seria capaz de conectar todos os continentes, que tornaria mais facilmente a troca de idéias e o encontro culutral entre os povos, consentindo a difusão dos ideias americanos de liberdade, democracia em nível global.
Obviamente que a utopia planetária deste autor era muito avançada para ser acolhida pelos contemporâneos, que limitaram-se a por em prática algumas de suas sugestões ligadas ao desenvolvimento, conexos com a realização de um network ferroviário[16]. Todavia, como sustenta De Voto, o seu modelo tinha todas as características de um verdadeiro “modelo geopolíco” não apresentando-se de forma visionária como os anteriores, que foram acolhidos a nível mundial com muito mais sucesso do que o seu[17].
Na verdade, no mesmo ano em que foi publicado o Cosmopolitan Railway, foi publicado em 1890 o (The Influence of Sea-power upon History 1660-1793), pelo admirável Alfred T. Mahan, um trabalho com notório interese geopolítico, muito mais tradicional como abordagem, mas talvez por isso, muito mais fácil e acessível, que recebeu um notável sucesso tanto nacional como internacionalmente[18]. A este autor, se deve o mérito de haver conduzido, talvez pela primeira vez, uma reflexão completa sobre o confronto entre as potências marítimas e terrestres.
A contribuição mais importante, neste ponto de vista, foi no entanto, articulada alguns anos mais tarde por Halford J. Mackinder[19]. Que obtém todavia, fama planetária como homem político e estrategista, graças a conferência sobre o “The Geographical Pivot of History”[20] realizada em Londres 1904.
Praticamente, quase que simultaneamente a Ratzel e a sua Politische Geographie, Mackinder, abordou o tema da política mundial como condicionados pelo espaço e a posição, construindo a sua teoria evocando a necessidade de um equilíbrio das forças, e também o equilíbrio entre as potências continentais e marítimas, concluindo de certa forma, que a potência que dominasse as forças marítimas e continentais, tornariam-se inevitavelmente a detentora do mundo.
As idéias de Mackinder, foram refinadas no ensaio Democratic Ideals Reality de 1919 cujo alvo polêmico é o idealismo wilsoniano. Neste trabalho, o que se reafirma é de matriz da geopolítica realista, movida significativamente para a zona ocidental “área pivô”. Destaque na escola determinista, Mackinder, foi o primeiro a estudar a relação entre a força marítima e continental em uma escala mundial. Ele aborda o seu tema considerando que no globo inteiro há uma massa continental compacta, na qual teoriza de “Heartland” (“o coração da terra”), com sua geopolítica continental, defende a idéia da terra como uma “ilha” que teria um coração: “Quem domina a Europa Oriental controla o coração do mundo. Quem domina o coração do mundo controla a ilha mundial. Quem domina a Ilha Mundial controla o mundo[21].
As idéias de Mackinder teriam sido recebidas com grande atenção entre os adversarios do império britanico , especialmente por Haushofer, fazendo com que Mackinder revitalizasse a atenção para uma mudança de equilíbrio, reelaborando para acolher em uma definição central. Dessa forma, elabora um texto chave, publicado há alguns anos mais tarde – The Round world and the Winning of the Peace (1943) – Mackinder deu uma nova interpretação do “Pivô-Núcleo”, precisando entre outras a sua visão a respeito da organização de uma futura paz[22].
Mackinder deu uma contribuição significativa à visão de mundo e também as suas idéias sobre um “núcleo Central” que de qualquer modo foram confirmadas. Por mais que interessante e em certos casos pertinentes, e as suas teses não tenham levado em conta os fatores humanos, (da vontade dos povos e de seus governantes), não obstante, tratou-se de aspectos essenciais para a gestão das políticas de potência como a segunda guerra mundial tem demonstrado.
No conjunto, Mackinder fez de sua obra um precursor e conseguindo criar uma verdadeira escola de pensamentos, onde sua influência sobre a atividade dos políticos dos grandes Estados não pode ser substimada, e em particular modo, nos países Anglo-saxônicos.
2.2 Os substitutos Franceses da Geopolítica Clássica
Diferentemente da Alemanha, a França da terçeira República, não desenvolverá grandes teorias geopolíticas. Como causa primeira desta rejeição, tinha-se que o pensamento geopolítico apresentava-se principalmente como uma expressão do pangermanismo.
Mesmo que, a geografia acadêmica francesa, não tivesse ainda afirmado e nem construido o seu corpo epistemológico, Elisée Reclus[23] havia no entando, desenvolvido uma geografia global engajada politicamente. Para ele, a geografia física seria o fundamento sólido da geografia humana, mas seria a geografia da história que fundamentaria este processo. Esta sua contribuição, apoia-se em uma grande erudição sob forma de enciclopédia, muitas vezes alimentada por considerações sócio-políticas. Reclus, aparece como um geógrafo importante que foi capaz de ser a base de um pensamento original geopolítico[24].
Após a Segunda Guerra Mundial, o geógrafo francês A. Demangeon, considerava que a assimilação pelos geopolíticos alemães de Estado a um indivíduo vivo, dotado de uma alma, seria um abuso científico. Ele escreve em 1932: “ A geopolítica é um “coup monte” um complô, uma máquina de guerra. Se ela quer estar entre as ciências, é hora de voltar-se para a geografia política”[25]. Ainda neste viés, Roger Brunet afirma que o termo geopolítica, “fortemente carregada de atraso em sua conotação original, que os recentes esforços de reabilitação ainda não se apresentaram completamente dissipados”[26]. Uma segunda questão, diz respeito às referências ideológicas fundamentais na França, ou seja, os valores universalistas da Revuolução françesa: Liberté, Egalité, Fraternité. A unidade do território seria o produto da cidadania republicana[27]
Demangeon, reconhece que a Politische Geographie de Ratzel, “apesar de lacunosa e pionierística, consegue estabelecer leis e abrir vastos horizontes”, mas inversamente, em um artigo (Géographie politique, 1932)[28], ele demonstra-se decisivamente contrário a geopolítica: “ Devemos constatar que a geopolítica alemã, renuncia deliberadamente a qualquer espírito científico. Logo também Ratzel não fez progressos; canalizzando-se no terreno das controvérsias e ódios nacionais”.
Do mesmo modo, Demangeon não reconhecendo ainda, alguma cientificidade à Geopolitik, assim discorre:
“Esta não pode ser uma ciência, a partir do momento no qual pretende fornecer materiais à ação política[…], ser ainda um guia para a vida política[…], ser a conciência do Estado”. Na verdade “não é senão uma indústria nacional de publicidade e ensinamentos”, porque “visa interesses não gerais e humanos, mas propriamente os Germânicos”. La Geopolitik “não é outra que, uma campanha educadora apta a preparar o povo alemão a ascencão da ordem mundial européia. É um instrumento da guerra”[29].
De fronte a tal aversão, os principais fundadores da geopolítica na França, Andre Siegfried[30], e Jacques Ancel[31], vinculados a (École libre de sciences politiques), vão ser os dois geógrafos, que participarão no nascimento de uma concepcão francesa da geografia política e da geopolítica, a primeira dirigindo-se aos estudos das políticas internas dos Estados, e a segunda com os seus delineamentos externos. Do primeiro, se extrai a contribuição considerada como o fundador da geografia do voto (tableau politique de la France de l’ouest sous la troisième république, 1913), do segundo, o grande esforço por um lado, em redefinir os limites geográficos em conexão com as variações das potências dos Estados (Géographie des frontière, 1938), e por outro lado, a ofensiva em desmarcarar a Geopolitik alemã e as suas ambições de caráter expansionista (Geopolitique-1936).
Porém é de grande importância mencionar os trabalhos de Jean Gottman[32], autor de “la politique des Etats et leur géographie -1952”, onde, nem sempre foram plenamente aceites pelo establishment geográfico francês de sua época, como bem afirma Vandermotten[33], expõe a sua observação na diferenciação espacial. Os espaços se diferenciam “logo que eles se tornam acessíveis aos homens”[34]. Estes espaços, para eles “instinto de organização social”, para eles “necessidade de lógica” buscando, “constantemente pôr em ordem nesta diferenciação, o que a natureza havia deixado complexo…Isto, resultou na divisão do espaço que era acessível em compartimentos”[35]. Em geral podemos dizer que a escola possibilista francesa, referindo-se a lição de Paul Vidal de la Blanche, era oposta ao determinismo geográfico originariamente ratzeliano, valorizando a importância do elemento humano como componente do Estado[36].
3. A geopolítica crítica
Nos anos seguintes a Segunda Guerra Mundial, desaparece juntamente com o nazismo a Geopolitik alemã, naufragando as suas imitações, cessando abruptamente o interesse à esta abordagem por parte dos estudiosos americanos. Da geopolítica parecia não haver mais traços[37].
Como consequencia desta recusa intelectual, a Guerra Fria parecia destinada a permanecer um objeto de pouco interesse para os geografos angloxassonicos, enquanto a geopolítica prestava-se naqueles anos ao papel das práticas governativas[38] .
Mas apartir dos anos 70 do Séc. passado, uma nova atenção começa a emergir nos no que diz respeito aos temas de carater político e internacional. Um dos autores de referencia dentro deste renovado interesse disciplinar do papel da geografia em matéria de política é sem dúvida, Yves Lacoste[39]. No âmbito francófano, a influência deste autor, que lançou a revista Heródoto, destinada a adotar em 1983 o eloquente subtítulo de Revue de géographie et de géopolitique, foi tão forte o suficiente para desencadear uma nova corrente de pensamento geopolítico e de revilatizar a produção seguindo uma linha fortemente inovadora. Politicamente empenhada, a geopolítica de Yves pode ser classificada como Anti-geopolítica[40] de matriz anglo-saxônica, nascida em referência ao conceito de hegemonia de Gramsci[41] e a idéia de Anti-política elaborada por George Konrad[42].
Obviamente hoje, ao lado da geopolítica Anti-imperialista a moda francesa, e da Anti-geopolícia movimentista, continua a ser praticada também a geopolítica neoclássica, focalizada na análise da geoestratégia das temáticas geoeconômicas e nas questões dos interesses nacionais.
Todavia, no âmbito das discussões acadêmicas aflorou uma nova reflexão, que compartilha em comum com a Anti-geopolítica[43], a ruptura do ponto de vista único e objetivo, e em comum, com a geopolítica Anti-imperialista a atenção para a multiplicidade dos discursos privilegiando os discursos em relação ao envolvimento ideológico. Esta nova prática, surge em meados dos anos 90 do séc. passado, e se define como “geopolítica crítica”, e se conecta ao nome de autores como Gerard Toal, Simon Dalby, John Agnew, Joanne Sharp.
Cada um destes autores citados, leva a sua contribuição crítica específica para a geopolítica. Em Dalby, (Creating the Second Cold War-1990) se deve o mérito por ter definido o discurso geopolítico, como um processo de exclusão espacial (o momento essencial do discurso geopolítico é a divisão do espaço entre o “nosso” espaço e o “deles”; a sua função política de incorporar e regular “nós”, como “iguais” e distintos, “deles” como diferentes)[44].
Enquanto que Toal, conceitualizou a “geopolítica crítica” como uma abordagem intelectual (Critical Geopolitcs -1996), evidenciando de modo particular de como a geopolítica seria uma forma de geo-power, ou na verdade, de produção do discurso de matriz geopolítica[45], e que se faz necessário lever em conta, junto com a geopolítica “formal” elaborada nos meios acadêmicos, como também a geopolítica “prática”, produziada e atuante em nível governamental, e a geopolítica “popular”, veinculada pelos meios de comunicação de massa e pela cultura popular[46].
Em seguida, John Agnew em (Geopolitics: Re-visioning World Politics) faz uma reeleitura com cortes críticos, aos discursos da geopolítica tradicional, identificando em seu contexto alguns aspectos constantes como, a visualização e o mapeamento do espaço global do alto (the view from nowhere) e a sua estruturação binária; seguindo a categoria posta nós/eles – Leste/Oeste; a leitura das diversidades espaciais em termo de tempo, em referência a um modelo evolutivo único (o modelo de desenvolvimento europeu e ocidental); a naturalização da por assim dizer, “armadilha terrritorial”, segundo a qual a soberania para ser exercitada requer espaços fronteiriços preterivelmente fechados (e então, a chave de leitura da organização política é inexoravelmente representada pelo Estado) e por fim, a atenção constante aos temas conectados à conquista do poder e o interesse nacional.
Com Joanne Sharp, além de ter cunhado a definição de popular politics em decorrência do discurso geopolítico veiculado pela mídia com (Hegemony, Popular Culture and Geopolitics The Reader’s Digest and the Construction of Danger, 1996) combinou a abordagem da geopolítica crítica, com uma contribuição metodológica proveniente dos gêneros dos estudos[47].
Do ponto de vista da posição teórica, a geopolítica crítica pode situar-se como, um conjunto de estudos culturais e de estudos pós-coloniais, no âmbito do pós-estruturalismo. Suas principais referências teóricas embasam-se em Michel Foucault, principalmente no que diz respeito na conexão entre o poder eo conhecimento e na análise do discurso; e em Antonio Gramsci, para os conceitos do senso comum e de hegemonia cultural[48].
Desta forma, os objetos da geopolítica crítica voltam-se à representações geopolíticas como forma de produção do saber, e como instrumento que produzem discursos. Dentro desta perspectiva, cada representação geopolítica é uma naração discursiva, e portanto, coloca-se dentro das práticas socias que tornam o mundo intelegível a nós mesmos e aos outros. O discurso geopolítico é quase sempre “localizado” no tempo e no espaço e há uma função “naturalizante”.
4. Considerações finais
Como procurou-se demonstrar no presente artigo, dentro de um contexto histórico e não evoltivo, por razões que a terminologia continua a gerar uma grande incerteza epistemológica, onde o esforço de tal disciplina e suas transformações são vagamente percebida por algumas explicações globais, pode ser vista como uma tentativa em sugerir um quadro de referência teórico. Procurou-se desta forma, seguir um percurso didático buscando evitar a ambiguidade e individuar os conhecimentos e competências em relação ao significado contemporâneo atribuído à expressão.
Desta forma, procurou-se demonstrar as profundas mudanças nas quais a geopolítica enfrentou nas últimas décadas. Uma transformação que realçou interesses em diversos atores, bem como os temas e as abordagens teóricas. A geopolítica contemporãnea resurge para lidar com os novos problemas cada vez mais urgentes e complexos, colocando em comunicação territórios diferentes, que constrõem novas alianças e contrastes que exigem leituras renovadas e novos conhecimentos para afrontar a realidade.
Em definitivo, pode-se concluir que o futuro enquadramento da geopolítica, pode ser
retomado instalando um espaço crítico sobre o mundo contemporâneo, não como uma disciplina isolada, mas através de um processo hibrido e interdisciplinar em relação à outras ciências sociais. Pois acredita-se, que esta recombinação da historicidade da geopolítica pode recontextualizar a complexidade atual e eliminar os traços deixados pela geopolítica de origem germânica. Pensando no coletivo e solidário talvez, se alcance a solução para muitos e graves problemas futuros da humanidade, sem a violencia e sem os erros do passado.
Referências bibliográficas:
Informações Sobre o Autor
Alaerte Antonio Martelli Contini
Doutor em Ciencia Politica pela Università di Pisa, Itália; Pós-doutor em Direito no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC