Da (in)constitucionalidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a compatibilidade constitucional do disposto no artigo 8º da Lei 13.202/2015, o qual autorizou o Poder Executivo a atualizar monetariamente, na forma do regulamento, o valor de diversas taxas, com os princípios da legalidade, anterioridade e segurança jurídica.

Palavras-chaves: Atualização monetária. Anterioridade. Legalidade. Segurança jurídica.

Abstract: This article aims to analyzes the constitutional compatibility between the article 8 of Law 13.202/2015, which authorized the Executive to update the price of several rates, under the principles of legality, anteriority and legal certainty.

Keywords: Monetary Corretion. Anteriority. Legality. Legal Certainty.

Sumário: Introdução. 1. Da (não) ofensa ao princípio da legalidade tributária. 2. Da (não) ofensa aos princípios da anterioridade. 3. Da (não) ofensa ao princípio da segurança jurídica. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Desde as primeiras aquisições de direitos que, pouco a pouco, acabaram por culminar no surgimento do Estado Democrático de Direito, encontram-se disposições que limitaram o poder estatal no campo da tributação.  A mais antiga é aquela que submente a exigência do tributo à prévia autorização, cujo marco tem sido apontado pela doutrina como sendo a Magna Carta, assinada em 1215 pelo Príncipe João Sem Terra. Alguns estudiosos apontam data ainda mais remota, identificando tal exigência em práticas adotadas pelas corporações de ofícios.

No que diz respeito ao Direito Brasileiro, todas as constituições pretéritas trataram de estabelecer limitações ao poder de tributar. De todo modo, sem desconsiderar os méritos que cada uma teve dentro do contexto histórico em que foram editadas, é inegável que nenhuma constituição foi tão detalhista em matéria de Direito Tributário quanto à Constituição Federal de 1988. A atual constituição dedicou um título inteiro ao estabelecimento das linhas básicas do Sistema Tributário Nacional, existindo na lei maior um capítulo apenas para estabelecer as limitações ao poder de tributar.

Dentre as principais limitações gravadas nesse capítulo, que se inicia no artigo 150 da Constituição Federal, encontram-se as normas que estabelecem imunidades tributárias e os princípios de direito tributário. Assim, qualquer legislação que pretenda inserir novas obrigações no âmbito tributário deve passar pela filtragem dessas disposições constitucionais, não podendo adentrar nas áreas imunizadas ou escapar da incidência dos princípios ali consagrados.

Estabelecida essa premissa – de que qualquer norma que institui ou majora tributos deve observar estritamente as limitações constitucionais ao poder de tributar – tem o presente artigo o objetivo de analisar se o artigo 14 da Medida Provisória de número 685/2015, posteriormente convertido no artigo 8º da Lei 13.202/2015, obedece a todos os parâmetros da Constituição Federal de 1988.

Como se sabe, a Medida Provisória de número 685, de 21 de julho de 2015, autorizou o Poder Executivo a atualizar monetariamente, na forma do regulamento, o valor de diversas taxas existentes. Durante a sua tramitação no Congresso Nacional foram realizadas algumas alterações no texto original, dentre as quais a inserção de dois parágrafos que limitaram o percentual do valor a ser atualizado. Ao final, a Medida Provisória foi convertida na Lei 13.202/2015, tendo resultado, naquilo que diz respeito ao tema analisado, no seguinte artigo de lei: “Art. 8º.  Fica o Poder Executivo autorizado a atualizar monetariamente, na forma do regulamento, o valor das taxas instituídas:     (Regulamento) I – no art. 17 da Lei nº 9.017, de 30 de março de 1995; II – no art. 16 da Lei nº 10.357, de 27 de dezembro de 2001; III – no art. 11 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; IV – no art. 1º da Lei nº 7.940, de 20 de dezembro de 1989; V – no art. 23 da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999; VI – no art. 18 da Lei nº 9.961 de 28 de janeiro de 2000; VII – no art. 12 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 VIII – no art. 29 da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005; IX – no inciso III do caput do art. 77 da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001; X – nos art. 3º-A art. 11 da Lei nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999; e XI – no art. 48 da Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010

Não é preciso muito esforço para se concluir que o referido texto normativo não agride a nenhuma das normas de imunidade prevista no texto constitucional. Desse modo, a dúvida razoável existente, já objeto de algumas ações judiciais, diz respeito à possível ofensa a três princípios consagrados na carta, a saber, os princípios da (i) legalidade, (ii) anterioridade e (iii) segurança jurídica.

Assim, propõe-se, a partir de agora, a apresentar possíveis respostas a essas indagações, apresentando-se argumentos a respeito da (in) compatibilidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015 com os princípios retro mencionados.

1. DA (NÃO) OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da legalidade, extraído do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, enuncia que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O referido mandamento foi especializado para o âmbito tributário, tendo o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, sido claro ao afirmar ser “ vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

Embora os dois dispositivos mencionados deitem raízes na mesma doutrina política, a saber, na ideia de que os cidadãos devem se submeter tão somente as normas que eles próprios criaram através dos seus representantes, deve-se afastar, de plano, a afirmação segundo a qual o artigo 150, inciso I, seria desnecessário ou redundante, em razão da possibilidade de construção do princípio da legalidade a partir do artigo 5º, inciso II, anteriormente mencionado.

Isso porque, enquanto a legalidade geral – extraída do artigo 5º, inciso II – condiciona a obrigatoriedade de um comportamento a uma regra que possa ser construída “em virtude” de uma lei, a legalidade tributária – extraída do artigo 150, inciso I, da CF – exige que a própria obrigação esteja prevista na Lei, não existindo espaço para delegação[1]. Desse modo, a legalidade tributária tem contornos mais rígidos que a legalidade geral.

No que tange ao conteúdo do artigo 150, inciso I, da CF, a construção do princípio da legalidade tributária não pode prescindir de uma delimitação dos significados dos vocábulos exigir, aumentar, tributo e lei, utilizados pelo texto normativo. Tal tarefa se afigura fundamental para exata compreensão do mandamento constitucional, sendo certo que, a depender do significado que o intérprete der a cada uma dessas palavras, o grau de intensidade dos requisitos exigidos para introdução de um novo tributo ou majoração do seu valor pode variar sensivelmente.

No presente artigo, proceder-se-á, a partir de agora, ao estudo dos termos “aumentar”, “tributo” e “lei”, deixando-se de lado a análise individualizada do verbo “exigir. A razão dessa escolha repousa no fato de que a Lei 13.202/2015 – resultado da Medida Provisória de número 685/2015 – a que se pretende analisar a constitucionalidade, não instituiu ou exigiu novo tributo, limitando-se a autorizar o acréscimo do seu valor. Contudo, não custa frisar que, ainda que não se proceda a uma análise individual e pormenorizada sobre o significado do termo “exigir”, a sua significação é pressuposta na construção de sentido dos outros vocábulos, uma vez que as palavras não podem ser interpretadas isoladamente, senão no sentido em que empregadas, no cotejo com os demais termos que compõe a oração.

Feita tais considerações, debruça-se sobre a palavra tributo, cujo conceito comporta pelo menos seis acepções, conforme indicado por Paulo de Barros Carvalho[2]. São elas: a) a quantia em dinheiro; b) o dever jurídico do sujeito passivo; c) o direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) como relação jurídica tributária; e) como norma jurídica tributária; f) como norma, fato e relação jurídica, ao mesmo tempo.

No contexto em que a palavra tributo foi utilizada pela Constituição e, tendo em vista a multiplicidade de acepções do termo, é possível extrair do artigo 150, inciso II, duas ideias distintas e complementares:

Primeira, no sentido de que o princípio da legalidade se estende a todas as espécies tributárias espalhadas pelo ordenamento jurídico. Independentemente de se defender a existência de duas, três ou cinco espécies, ninguém discorda do fato de que tributo é gênero, do qual os impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios são espécies. Assim, ao utilizar o termo tributo, a Constituição deixou claro que a exigência de lei não se limita a uma ou alguma das suas espécies, aplicando-se indistintamente a todas as exações. Quando quis restringir um dispositivo à uma classe, a Constituição Federal o fez expressamente, como se observa do inciso IV, do artigo 150, o qual estabelece as hipóteses de imunidades à incidência de impostos.

A segunda ideia diz respeito à imprescindibilidade de que todos os elementos necessários ao nascimento da obrigação tributária estejam previstos em lei. Nesse sentido, CARVALHO (2011, p.299) enuncia que: “O princípio da legalidade compele o intérprete, como é o caso dos julgadores, a procurar frases prescritivas, única e exclusivamente, entre as introduzidas no ordenamento positivo por via de lei ou de diploma que tenha o mesmo status. Se do consequente da regra advier obrigação de dar, fazer ou não-fazer alguma coisa, sua construção reivindicará a seleção de enunciados colhidos apenas e tão somente no plano legal”.

Desse modo, a lei precisa indicar, com rigorosa exatidão, todos os elementos da realidade a tributar, a fim de que nela esteja previsto tudo o que for necessário e suficiente ao nascimento da obrigação tributária[3].

Quanto ao termo lei, é assente que, empregando a Constituição Federal esse substantivo, sem qualquer adjetivo que lhe qualifique, está-se diante da exigência tão somente de lei ordinária, cujo quórum para aprovação é de maioria simples.

Desse modo, basta analisar os dispositivos que outorgam competência para se concluir que, como regra, a instituição de tributos pode ser realizada por meio de lei ordinária, excetuadas as seguintes hipóteses, nas quais a Constituição Federal expressamente exigiu lei complementar: a) Empréstimos Compulsórios, conforme previsão do artigo 148 da CF; b) imposto sobre grandes fortunas, nos termos do artigo 153, inciso VII, da CF; c) Impostos residuais de competência da União, conforme artigo 154, inciso I; d) Contribuições para Seguridade Social Residuais, conforme artigo 195, §4º, da CF.

Discussão mais tormentosa e que tem relação com o objeto do presente artigo diz respeito à possibilidade de instituir ou aumentar tributos por meio de Medida Provisória.

Embora o Supremo Tribunal Federal, desde a redação originária da Constituição Federal –  antes, portanto, da Emenda Constitucional 32/2001 – tenha firmado posição no sentido da sua possibilidade[4], os argumentos em sentido contrário pareciam ter maior consistência, pelo menos até o advento desta Emenda Constitucional.

Em primeiro lugar, porque a expressão “força de lei”, utilizada no caput do artigo 62 da Constituição Federal para definir as Medidas Provisórias, não leva à equiparação da lei, em razão de aquelas serem dotadas de coercibilidade e vigor a título precário, até que sejam convertidas por decisão do Congresso Nacional[5].

O segundo argumento diz respeito aos próprios pressupostos de relevância e urgência, os quais exigem eficácia imediata da Medida Provisória, em contradição com o princípio da anterioridade. No dizer de (BALEEIRO, 2015) “as leis ordinárias ou complementares, que instituem ou majoram tributos, têm a eficácia e a aplicabilidade adiadas, por força do princípio da anterioridade. Medidas provisórias, em razão da relevância e da urgência, têm necessariamente sua eficácia e aplicabilidade antecipadas à existência de lei em que se hão de converter, por imperativo constitucional”[6]

A terceira objeção reside no fato de que, tratando-se de tributos aos quais se vislumbrou a necessidade de respostas estatais rápidas – notadamente os impostos a que a Constituição Federal autorizou a elevação das alíquotas pelo executivo – a própria Constituição Federal concedeu instrumento mais célere e efetivo do que as Medidas Provisórias, autorizando-se a elevação da alíquota por mero decreto do Poder Executivo[7].

O quarto argumento é o de que, à luz de todas as constatações acima, a mera ausência de proibição expressa não conduziria a uma autorização implícita.

Por outro lado, após a Emenda Constitucional de número 32/2001, tais argumentos parecem ter sido superados, em razão da inserção de dispositivo expresso que autoriza a edição de Medidas Provisórias em Direito Tributário. No entanto, a controvérsia sobre o assunto não findou, tendo apenas mudado de foco. Agora, a objeção não mais diz respeito a se existe ou não autorização, no texto constitucional para edição de Medidas Provisórias na seara tributária; mas a se a autorização existente, introduzida pela Emenda Constitucional nº 32/2001, ofende ou não alguma cláusula pétrea, sendo ela própria inconstitucional.

Há vozes abalizadas na doutrina que sustentam a inconstitucionalidade do dispositivo. Para CARRAZA (2011, p. 297), a referida emenda “Viola, pois, a cláusula pétrea do art. 60, §4º, III, da CF, que estabelece que nenhuma emenda constitucional poderá sequer tender a abolir a separação dos Poderes. Como se isso não bastasse, a Emenda Constitucional 32/2001 – sempre no que concerne às medidas provisórias – atropela o direito fundamental dos contribuintes de só serem compelidos a pagar tributos que tenham sido adequadamente consentidos por seus representantes imediatos: os legisladores. Invocável, portanto, na espécie, também a cláusula pétrea do artigo 60, §4º, IV, da CF, que veda o amesquinhamento, por meio de emenda constitucional, dos direitos e garantias individuais lato sensu”.

Pede-se vênia para não comungar desse entendimento. Defende-se, no presente artigo, que a referida Emenda Constitucional não atentou contra a separação dos poderes, pelas seguintes razões: a) a questão mais sensível diz respeito à possibilidade de o Poder Executivo editar instrumento com força de lei; tal previsão, no entanto, remonta à redação originária da Constituição Federal, fazendo parte do sistema de freios e contrapesos pressuposto pela salvaguarda do artigo 60, §4º, III, da CF; b) ainda que se entenda – como faz o presente artigo – que, na redação originária, não existia espaço para edição de Medidas Provisórias no campo tributário, a mera ampliação do rol dos assuntos possíveis de serem disciplinados por esse instrumento não representa, por si só, ofensa à cláusula pétrea, sobretudo no caso em discussão, em que o Supremo Tribunal Federal, como intérprete constitucional, já acolhia tal possibilidade; c) no conjunto, a Emenda Constitucional 32/2001 acabou por fortalecer o poder Legislativo, moralizando a tramitação das medidas provisórias e evitando a combatida prática de reedições sucessivas. A partir da nova sistemática, se a medida provisória não for convertida em lei no prazo de 60 dias prorrogáveis por uma vez, perde a eficácia, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

Também se pede licença para dissentir da tese de que a referida Emenda ofenderia o disposto no artigo 60, §4º, IV, da CF. Isso porque, a garantida de que os contribuintes só sejam compelidos a pagar tributos por meio do consentimento dos seus representantes restou preservada. Mesmo em se tratando de Medida Provisória, a última palavra é do Poder Legislativo. Ademais, em caso de rejeição ou perda da sua eficácia pelo transcurso do prazo constitucional, cabe ao Congresso Nacional decidir sobre a disciplina das relações jurídicas que ocorreram durante a sua vigência.

No que tange ao verbo aumentar, o contexto da oração permite inferir que a Constituição veda qualquer modificação, senão por meio de lei, na base de cálculo ou na alíquota da regra-matriz de incidência, que importe no acréscimo do valor tributável.

A questão controversa diz respeito à melhor interpretação do termo aumentar, existindo pelo menos duas acepções possíveis nesse contexto: Na primeira, o termo aumentar estaria atrelado ao valor nominal da exação, o que tornaria inconstitucional qualquer alteração da base de cálculo por meio de outro instrumento legislativo que não a lei – ou, de acordo com as premissas adotadas acima, por meio de Medida Provisória a partir da EC 32-2001. A segunda acepção do termo o vincula ao valor real, correspondente ao valor nominal após o ajuste em relação à inflação.

Embora exista na doutrina quem sustente a tese de que a palavra aumento deveria ser interpretada no primeiro sentido, vedando-se, portanto, a possibilidade de atualização monetária por ato infralegal, adota-se no presente artigo a tese contrária, que qualifica o verbo aumentar, previsto no artigo 150, inciso I, como atrelado ao valor real do tributo. E, assim se entende, pelas seguintes razões:

A Constituição empregou o termo aumentar ou aumento dezesseis vezes, em contextos distintos, não deixando expresso em nenhum deles de qual espécie de aumento – se nominal ou real – estaria a tratar. Nesse sentido, não tendo a Constituição escolhido um entre os dois sentidos e, sendo razoável quaisquer das interpretações, afigurar-se-ia lícito ao legislador optar por um dos dois significados, o que efetivamente ocorreu com a inserção do §2º ao artigo 97 do CTN. Com efeito, o referido dispositivo afirma que “Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”.

Ademais, do ponto de vista econômico, a mera atualização monetária da base de cálculo realmente não importa em majoração do tributo, mas tão somente na preservação do seu valor. Desse modo, o fundamento central do princípio da legalidade, que é de condicionar a tributação – e a sua medida – ao consentimento dos cidadãos resta preservado.

Além disso, em sendo o fenômeno inflacionário algo previsível e constante, não é desarrazoado que, na própria lei que institua a exação, conste previsão expressa que permita ao Poder executivo atualizá-la monetariamente. A referida técnica atende ao princípio da praticidade, evitando que, a cada exercício financeiro, deva o Poder Legislativo proceder a uma revisão de toda a legislação tributária, desencadeando sucessivos processos legislativos tão somente para que a medida real da tributação escolhida inicialmente permaneça a mesma.

Por fim, sob a perspectiva da pragmática, é certo que, desde há muito, o termo aumentar tem sido utilizado nesse contexto, de vedar o aumento real da tributação. A constituição de 1967, em seu artigo 20, inciso I, dispunha ser vedado aos entes federativos “instituir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”, em redação muito semelhante da atual. Já naquela época vigia o Código Tributário Nacional, cujo artigo 97, inciso II, dispõe que somente a lei pode estabelecer “a majoração de tributos”, bem como que não constitui majoração a atualização do valor monetário da base de cálculo, conforme §2 do artigo 97 citado anteriormente. Durante a vigência da Constituição pretérita, sempre se entendeu que esse último dispositivo era compatível com a ordem constitucional vigente. Assim, a tradição do direito brasileiro tem sido a de não considerar como aumento do tributo a mera atualização monetária da base de cálculo, não soando absurda a conclusão de que, ao manter praticamente idêntica, nesse ponto, a redação da Constituição passada, intentou-se preservar essa exegese.

Assim, por essas razões, compreende-se o termo aumentar, utilizado pelo artigo 150, inciso I, da CF, como aumento real da tributação.

Contudo, a adoção dessa acepção não significa afirmar que a atualização monetária da base de cálculo de um tributo possa ser feita ao talante da administração pública, sem quaisquer condicionantes que devam ser necessariamente observadas. 

Como expõe Roque Antônio Carrazza[8], o exercício desta aptidão deve ser exercido com obediência a dois pressupostos: primeiro, que a possibilidade da correção monetária por meio de ato infra legal esteja expressamente prevista em lei, uma vez que, ao efetuar o lançamento, a Administração Pública não pode agir sponte propria. Segundo, que a lei ou o ato que promover à atualização deve ser expressa ao indicar os critérios de correção monetária adotados.

No caso da Medida Provisória de número 685/2015, posteriormente convertida na Lei 13.202/2015, os dois requisitos mencionados acima foram observados:

O artigo 8º da referida lei dispõe que “Fica o Poder Executivo autorizado a atualizar monetariamente, desde que o valor da atualização não exceda a variação do índice oficial de inflação apurado no período desde a última correção, em periodicidade não inferior a um ano, na forma do regulamento, o valor das taxas instituídas”, arrolando a seguir as exações a que faz referência.

Dessa forma, há expressa autorização legal para realização da atualização monetária pelo Poder Executivo, tendo igualmente o dispositivo vedado a recomposição da inflação em periodicidade inferior a um ano.

Quanto ao critério de correção aplicável, as portarias editadas[9] determinaram a aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, o qual reflete a inflação do período, não se consubstanciando em um aumento real disfarçado.

Portanto, tendo sido construídas, de acordo com os pressupostos adotados ao longo do artigo, as significações dos termos aumentar, tributo e lei, faz-se possível chegar as seguintes conclusões: a) as taxas referidas na Medida Provisória de número 685/2015, posteriormente convertida na Lei 13.202/2015, devem obedecer ao disposto no artigo 150, I, da CF, por serem espécie do gênero tributo; b) o fato de os dispositivos analisados terem origem na edição de Medida Provisória não ofende a exigência de lei, uma vez que, após a Emenda Constitucional nº32/2001, afigura-se possível a sua utilização em matéria tributária; c) a efetiva atualização, pelo executivo, da base de cálculo das referidas exações, também não implicou ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que não implicou no aumento da exação.

Assim, no que tange ao princípio da legalidade, não se vislumbra inconstitucionalidade no artigo 8º da lei 13.202/2015.

2. DA (NÃO) OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE

O artigo 150, inciso III, da Constituição Federal, a partir do qual se pode construir os princípios da anterioridade, dispõe no seguinte sentido: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III – cobrar tributos: […] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”.

Do disposto na alínea b, é possível construir a norma a que a doutrina chama de anterioridade anual ou genérica, que veda a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  A alínea c, por sua vez, diz respeito à anterioridade nonagesimal, cujo conteúdo impede a cobrança da exação antes de decorrido noventa dias da lei que os instituiu ou aumentou.  

Constata-se que o texto também utiliza os termos tributos, lei e aumentou. Assim, no que tange as controvérsias acerca da interpretação dessas palavras, aplica-se integralmente todas os pressupostos assentados no item anterior do presente artigo.

Desse modo, não procede o argumento de inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 13.202/2015 por ofensa ao artigo 150, inciso III, da CF.

O princípio da anterioridade se aplica no caso de a lei aumentar um tributo, compreendendo-se tal vocábulo como aumento real e não meramente nominal.

No caso da Lei 11.202/2015, não houve aumento real do tributo, mas tão somente a atualização monetária das exações.

3. DA (NÃO) OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.

Afastadas as alegações de ofensa aos princípios da legalidade e da anterioridade, cumpre aferir agora se o artigo 8º da Lei nº 13.202/2015 ofendeu ao princípio da segurança jurídica.  Tal se afigura necessário em razão da existência de particularidade que diferencia o referido dispositivo de outras normas que também autorizaram o Poder Executivo a atualizar monetariamente alguma exação.

O fator de diferença reside no fato de que tais taxas foram instituídas há muitos anos – algumas delas há décadas – sem que, durante todo o período de vigência, fosse realizada a atualização monetária das exações. O resultado foi que, ao se corrigir os tributos pela inflação acumulada, verificou-se um incremento substancial na quantia devida.

Apenas a título de exemplo, os valores da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários e das suas correspondentes classes de patrimônio líquido que constam do Anexo da Lei nº 7.940, de 20 de dezembro de 1989 sofreram incremento de 241,85%. A Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária, por sua vez,  prevista no art. 23 da Lei nº 9.782/99, teve uma correção que atingiu o percentual de 193,55%.[10] Ressalta-se que, na redação originária da Medida Provisória, esse aumento era ainda mais significativo, em razão de durante a tramitação do processo legislativo se ter incluído o parágrafo primeiro ao artigo 8º, segundo o qual a primeira atualização monetária relativa às taxas previstas no caput ficaria limitada ao montante de 50% (cinquenta por cento) do valor total de recomposição referente à aplicação do índice oficial desde a sua instituição. Antes da inclusão desse parágrafo, ainda sob a égide da redação originária da Medida Provisória, presenciaram-se situações como aquela constante da Portaria Interministerial nº 701/2015, a qual elevou a taxa de revalidação e renovação de registro de medicamentos novos de R$ 80.000,00 para R$ 234.836,12.

Assim, ainda que não tenha existido um aumento real desde a última correção, o fato é que ocorreu um aumento brusco no valor da tributação, justificando-se um exame mais detido acerca de eventual ofensa ao princípio da segurança jurídica.

Antes, contudo, de adentrar-se no tema específico, é necessário fixar os parâmetros do teste de constitucionalidade que será realizado. Nesse sentido, é imprescindível a definição do que se entende, nesse artigo, como segurança jurídica, bem como quais são as condutas a que o referido princípio determina como obrigatórias, permitidas e proibidas.

Acerca do tema, Humberto Ávila, em longa monografia, demonstrou que a análise sobre a segurança jurídica ocorre mediante um alto grau de parcialidade e vagueza. A parcialidade ocorre em razão de o tema ser examinado sob um aspecto em particular, negligenciando-se as demais manifestações da segurança jurídica. A vagueza decorre do fato de o estudo ser feito de maneira excessivamente ampla, sem que sejam apontados critérios adequados para efetivação prática do princípio da segurança jurídica.[11]

A fim de superar tais dificuldades, o referido jurista reduziu a indeterminação conceitual do princípio da segurança jurídica e construiu critérios seguros que lhe garantem a operacionalidade.

Nesse sentido, utilizando-se da teoria elaborada por Humberto Ávila como referencial teórico, pode-se conceituar o princípio da segurança jurídica como a norma-princípio, fundada constitucionalmente, que determina a adoção de determinados comportamentos para realização dos estados que ela determina atingir[12]. Esses estados ideais cuja promoção é determinada pelo princípio da segurança jurídica são a cognoscibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade.

Nas palavras de ÁVILA (2016, p. 107/108), tais elementos podem ser descritos da seguinte forma: “o ideal de confiabilidade representa, sob perspectiva retrospectiva, a mudança do passado ao presente, denotando aquilo que, do passado, deve permanecer no presente; o ideal de calculabilidade ilustra, sob perspectiva prospectiva, a passagem do presente ao futuro, para demonstrar aquilo que, do presente, deve ser mantido na transição para o futuro; e a transparência do controle semântico-argumentativo revela a necessidade de objetividade discursiva na transição do dispositivo à norma, e da norma à decisão”

No que tange ao objeto do presente estudo, assume relevância o estado de calculabilidade, que diz respeito à dimensão futura do princípio da segurança jurídica. Pode-se defini-la como a capacidade de antecipação das consequências alternativas atribuíveis pelo Direito a fatos ou a atos, de forma que a consequência efetivamente aplicada no futuro se situe dentro daquelas alternativas que foram antecipadas no presente.[13]

Como se extrai da definição, o estado de calculabilidade não tem a pretensão de exigir que o cidadão tenha certeza sobre a norma que será aplicada no futuro, mas apenas determina que a norma que venha a incidir seja objetivamente previsível, ou seja, situe-se dentro do espectro de alternativas que possam ser antecipadas no presente.

Dentre as várias manifestações do estado de calculabilidade, destacam-se em importância a anterioridade de exercício financeiro e a anterioridade nonagesimal, a que se fez referência anteriormente. Tais normas proporcionam um conhecimento prévio da legislação do porvir, garantindo aos contribuintes a possibilidade de exercerem legitimamente um planejamento estratégico.

Contudo, tais manifestações não as únicas, possuindo o princípio da segurança jurídica autonomia. Assim, nos casos em que a regra da anterioridade não se aplique, seja por exceção constitucional ou mesmo porque o caso concreto não se amolda à sua hipótese, pode o princípio da segurança jurídica ser aplicado diretamente sobre a relação jurídica, a fim de salvaguardar os estados ideais a que ele almeja atingir.

No caso do objeto do presente artigo, como dito anteriormente, embora não tenha existido uma majoração real do tributo desde a última recomposição inflacionária – a afastar, de acordo com os pressupostos aqui aplicados, a incidência da norma da anterioridade – não há dúvidas de que o valor cobrado variou sensivelmente, em alguns casos triplicando.

A questão que se coloca, portanto, é responder se, à luz do princípio da segurança jurídica, afigurou-se legítima a atuação estatal de exigir, quase que instantaneamente, um aumento substancial no valor de diversas taxas em razão da realização de uma recomposição inflacionária acumulada de décadas.

Como se acentuou anteriormente, o estado preconizado pelo princípio da segurança jurídica é alcançado, na modalidade da calculabilidade, quando a norma a ser aplicada no futuro for possível de previsão no presente.

Nesse sentido, o estado da calculabilidade afasta mudança bruscas e drásticas. Nas palavras de ÁVILA (2016, p. 619), “ bruscas são aquelas alterações que não são, de modo algum, antecipáveis e que, por isso mesmo, surpreendem o destinatário que com aquelas não contava, nem podia contar”. As mudanças drásticas ocorrem quando as mudanças, embora antecipáveis, mostram-se bastante intensas nos seus efeitos.

Dentre os possíveis cenários capazes de previsão objetiva se enquadra a atualização monetária ou mesmo um aumento real da tributação, em razão de a revisão do critério quantitativo da regra-matriz de incidência ser fato corriqueiro, sobretudo quando realizado para recompor a perda inflacionária.

Contudo, a revisão do quantum debeatur, no caso concreto, além de ter atingido a patamares extraordinários, representou uma mudança repentina de postura do poder executivo sobre o tema, situando-se fora do espectro das possibilidades que poderiam ser validamente antecipados pelos contribuintes.

Com efeito, fato de o valor das taxas ter se mantido o mesmo durante um longo período de tempo autoriza a concluir que, dentre as possibilidades normativas previsíveis então existentes, situava-se: a) a de que o valor da tributação não seria alterado; b) de que poderia ser majorado, num percentual razoável; c) que poderia ser aumentado sensivelmente, garantindo-se nessa última hipótese um período de adaptação.

As circunstâncias então existentes não autorizavam a suposição de que, de uma hora para outra, com base em uma medida provisória, o poder executivo elevaria o valor das exações em até 300% e exigiria imediatamente as novas quantias. Essa postura representou uma inovação brusca na política fiscal vigente, fugindo do campo de possibilidades que se tinha à época.

Portanto, em casos assim, em que ocorre uma mudança drástica e brusca  na carga tributária, independentemente de previsão constitucional ou legal específica, há a necessidade, por força do princípio da segurança jurídica, de que essa mudança venha acompanhada de mecanismos de temperança da modificação. Um dos mecanismos possíveis, ao lado das regras de transição, é a fixação de um prazo razoável entre a data da publicação da norma modificativa e o início da sua eficácia.[14]Isso porque, embora o princípio da segurança jurídica não impeça o Estado de proceder à atualização monetária das exações, mesmo na hipótese de longo período inflacionário acumulado, não há dúvidas de que ele impõe a existência de regras de transição ou técnicas de amortização do impacto tributário, a fim de que seja compatibilizada a necessidade de obtenção de receitas com o estado ideal de calculabilidade exigido por esse princípio constitucional.

No caso da redação originária da Medida Provisória de nº 685/2015, nenhum desses mecanismos foi utilizado. A efetivação da atualização monetária ocorreu um ou dois meses depois da sua edição, mediante a publicação das portarias pelo Poder Executivo, sendo igualmente certo que o texto original não previa qualquer limitação quanto ao valor a ser atualizado. Desse modo, apenas para repetir o exemplo dado anteriormente, de um mês para o outro o contribuinte que procedeu a renovação de registro de medicamento teve de despender R$ 234.836,12 ao invés do valor de R$ 80.000,00 até então vigente.

Portanto, o presente artigo defende a inconstitucionalidade do artigo 14 da Medida Provisória 685/2015, posteriormente convertido no artigo 8º da Lei 13.202/2015, por ofensa ao princípio da segurança jurídica.

A Lei 13.202/2015, resultado da conversão da referida Medida Provisória, melhorou a redação originária, tendo incluído os parágrafos primeiro e segundo ao artigo 8º, nos seguintes termos: “Art. 8o  Fica o Poder Executivo autorizado a atualizar monetariamente, desde que o valor da atualização não exceda a variação do índice oficial de inflação apurado no período desde a última correção, em periodicidade não inferior a um ano, na forma do regulamento, o valor das taxas instituídas: […] § 1o  A primeira atualização monetária relativa às taxas previstas no caput fica limitada ao montante de 50% (cinquenta por cento) do valor total de recomposição referente à aplicação do índice oficial desde a instituição da taxa. § 2o  Caso o Poder Executivo tenha determinado a atualização monetária em montante superior ao previsto no § 1o do caput, poderá o contribuinte requerer a restituição do valor pago em excesso”.

Contudo, ainda assim, entende-se que o dispositivo se afigura inconstitucional, porque o mecanismo previsto no parágrafo primeiro, de limitar ao montante de cinquenta por cento o valor total da recomposição, não foi suficiente para salvaguardar o fim estabelecido pela norma-princípio da segurança jurídica.

Com efeito, em alguns casos, mesmo com a limitação referida, constatou-se uma modificação brusca no valor da tributação, como nos exemplos dados anteriormente, de incremento de 241,82% na Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários e de 193,55% na taxa prevista no art. 23 da Lei nº 9.782/99.

Desse modo, a ressalva não foi suficiente para atender, ainda que minimamente, a exigência de segurança jurídica prevista constitucionalmente, o que teria ocorrido se a legislação, ao invés de estipular um teto sobre a própria recomposição, tivesse utilizado outras técnicas legislativas, como a postergação da vigência da norma do artigo 8º ou o escalonamento da majoração, mediante a estipulação de um percentual máximo de aumento no primeiro ano.

Portanto, por todas essas circunstâncias, reputa-se inconstitucional, por ofensa ao princípio da segurança jurídica, o disposto no artigo 8º da Lei 13.202/2015.

CONCLUSÃO

O objetivo do artigo foi analisar a compatibilidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015, que autorizou o Poder Executivo a atualizar monetariamente o valor de diversas taxas, com os princípios da legalidade, anterioridade e segurança jurídica.

Iniciou-se a análise pelo princípio da legalidade, ocasião em que foram definidos os termos tributo, aumentar e lei.

Constatou-se que as taxas referidas pela Lei 13.202/2015 se enquadram no conceito de tributo, razão pela qual o seu aumento se encontra regulado pelos princípios e regras constitucionais constantes do artigo 150 da Constituição Federal.

Quanto ao termo lei, assentou-se que, após a Emenda Constitucional de número 32/2001, a Constituição Federal autorizou expressamente a edição de Medidas Provisórias em direito tributário, não se vislumbrando na edição dessa emenda qualquer ofensa às cláusulas pétreas previstas no artigo 60 da CF.

No que tange ao termo aumentar, foi exposta a controvérsia acerca da sua interpretação, tendo o presente artigo entendido que o termo deve ser interpretado como aumento real da tributação, e não como aumento meramente nominal.

Ao final, defendeu-se que a Lei 13.202/2015 não contrariou o princípio da legalidade.

Após a análise do princípio da legalidade, enfrentou-se a alegação de que existiria ofensa ao princípio da anterioridade.

Em razão de o dispositivo a partir do qual o princípio da anterioridade é construído ter utilizado os mesmos vocábulos analisados anteriormente – aumento, tributo e lei – defendeu-se que, pelas razões outrora expostas, não existiu qualquer ofensa ao princípio da anterioridade.

Por fim, passou-se a analisar a compatibilidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015 com o princípio da segurança jurídica.

Com base na teoria de Humberto Ávila, defendeu-se que o princípio da segurança jurídica determina a promoção dos estados de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade, tendo-se acolhido a definição deste último elemento como a capacidade de previsão das consequências alternativas atribuíveis a fatos ou atos, de forma que a consequência efetivamente aplicada no futuro se situe dentro daquelas alternativas que foram antecipadas no presente.

Nesse sentido, argumentou-se que o fato de o valor das taxas ter se mantido o mesmo durante um longo período de tempo excluía a suposição de que, de uma hora para outra, com base em uma Medida Provisória, o poder executivo elevaria o valor das exações em até 300% e exigiria imediatamente as novas quantias. Defendeu–se, assim, que essa postura representou uma inovação brusca na política fiscal vigente, fugindo do campo de possibilidades que se tinha à época.

Ademais, consignou-se que a modificação brusca da legislação ou do valor de um tributo exige a edição de regras de transição ou de mecanismos de amortização. No caso da redação originária da Medida Provisória de nº 685/2015, concluiu-se que nenhum desses mecanismos foi utilizado. A efetivação da atualização monetária ocorreu um ou dois meses depois da sua edição, mediante a publicação das portarias pelo Poder Executivo, não tendo o texto original previsto qualquer limitação quanto ao valor a ser atualizado.

No que tange a Lei 13.202/2015, resultado da conversão da referida Medida Provisória, mencionou-se a inovação representada pela inserção do parágrafo primeiro ao artigo 8º, o qual determinou que a primeira atualização monetária ficasse limitada a cinquenta por cento do valor total da recomposição.

Embora se tenha reconhecido no dispositivo um avanço, concluiu-se que ele não foi suficiente para atender a exigência de segurança jurídica prevista constitucionalmente, em razão da constatação de que, mesmo com a sua inserção, ocorreu majorações bruscas, como nos casos da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários e da Taxa prevista no art. 23 da Lei nº 9.782/99, cujos reajustes alcançaram 241,82% e 193,55%, respectivamente.

Consignou-se, ainda, que se a legislação, ao invés de ter estipulado um teto sobre a própria recomposição, tivesse utilizado outras técnicas legislativas, como a postergação da vigência da norma do artigo 8º ou o escalonamento da majoração, o estado preconizado pelo princípio da segurança jurídica teria sido atendido.

No entanto, da forma como foi redigido, defendeu-se que o artigo 8º da Lei 13.202/2015 é inconstitucional, por ofensa ao princípio da segurança jurídica.

 

Referências
ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: [s.n.], 2015.
CARRAZZA, Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2011.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Curso Direito Tributário Completo. São Paulo: Saraiva, 2014.
 
Notas
[1] SCHOUERI, Luiz Eduardo. Curso Direito Tributário Completo. São Paulo: Saraiva, 2014. ebook.l.915

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p.51.
 

[3] CARRAZZA, Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.p.282

[4] Vide AI­-AgR 236.976/MG e ADI­-MC 1.417/DF

[5] BALEEIRO, A. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.17

[6] Ibid., p.18

[7] BALEEIRO, A. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.17

[8] CARRAZZA, Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.p.408

[9] Vide as seguintes portarias:
Portaria do Ministro de Estado da Fazenda – MF nº 42, de 27.01.2017; Portaria MF Nº 43 de 27/01/2017; Portaria interministerial nº 44, de 27 de Janeiro de 2017; Portaria interministerial nº 45, de 27 de Janeiro de 2017; Portaria Interministerial nº 46, de 27 de janeiro de 2017, Portaria Interministerial nº 47, de 27 de janeiro de 2017; Portaria interministerial nº 48, de 27 de Janeiro de 2017;

[10] Vide Portaria interministerial nº 45 e Portaria MF Nº 43, ambas do dia 27 de janeiro de 2017.

[11] ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.p. 86

[12] Ibid.p.87

[13] Ibid.p. 609

[14] ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.p. 617


Informações Sobre o Autor

Mateus Benato Pontalti

Juiz Federal Substituto do TRF da 1 Região. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET


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