Da inaplicabilidade da regra de transição do fator previdenciário se prejudicial ao segurado

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Resumo: O presente artigo científico visa uma avaliação da aplicação da regra de transição prevista no artigo 5º da Lei 9.876/99, que almeja resguardar os segurados das alterações abruptas promovidas pela instituição do fator previdenciário. Primeiramente haverá apresentação da fórmula matemática do fator previdenciário e posteriormente da regra de transição supracitada. Por fim se analisará se o segurado pode optar pela regra definitiva, caso a regra de transição seja maléfica na apuração do salário de benefício e consequentemente em sua renda mensal inicial.

Palavras-chaves: Direito Previdenciário. Fator Previdenciário. Cálculo do Salário de Benefício. Inaplicabilidade do Fator previdenciário.

Abstract: This scientific paper is aimed at evaluating the transition rule of the application provided for in Article 5 of Law 9,876 / 99, which aims to protect the policyholders of abrupt changes introduced by the Social Security factor institution. First there will be presentation of the mathematical formula of the Social Security factor and then the above transition rule. Finally it will examine whether the insured can opt for the final rule, if the transition rule is evil in the calculation of benefit salary and consequently in its initial monthly income.

Key words: Pension Rights. Social Security Factor. The Benefit Salary Calculating. Inapplicability of Social Security Factor.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da regra de transição prevista no artigo 5º da lei 9.876/99. 3. Regras de transição em direito previdenciário. 4. Conclusão. 5. Referências.

1 Introdução

O artigo 29 da Lei 8.213/91, em sua redação original, estabelecia que o Salário de Benefício seria o resultado da média aritmética simples dos últimos 36 salários de contribuição, apurados em período não superior a 48 meses. Depois de localizado, o  salário de benefício deveria ser multiplicado pela alíquota correspondente ao benefício requerido, para enfim estabelecer a renda mensal inicial.

Ocorre que em 29 de novembro de 1999 entrou em vigor a Lei 9.876/99, que promoveu grande alteração na sistemática de cálculos de benefícios previdenciários, alterando o artigo 29 da Lei de Benefícios, e inserindo no mesmo o inciso I e os parágrafos 7º a 9º.

A modificação supracitada alterou o cálculo para a obtenção do salário de benefício, prevendo que este seria encontrado com a média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição de todo o período contributivo e nos casos de aposentadorias por tempo de contribuição, conforme dicção do inciso I do dispositivo legal em apreço[1], haveria aplicação obrigatória do fator previdenciário, e em caso de aposentadoria por idade, teria sua aplicação facultativa.

Ou seja, além da média aritmética simples nos moldes explanados, haveria a aplicação da fórmula matemática chamada fator previdenciário. Dada equação é calculada considerando a conjugação dos fatores idade, tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida do segurado ao se aposentar.

A fórmula do fator previdenciário é apresentada no Anexo da Lei 9876/99, sendo a seguinte:

Se observarmos atentamente a fórmula do fator previdenciário, verifica-se que a vontade do legislador, apesar de questionável[2] constitucionalidade, é dissolver o benefício em determinado lapso de tempo, ou seja, quanto maior expectativa de vida menor será o valor do benefício[3], sendo o inverso também verdadeiro.

Portanto, em decorrência da lei 9.876/99, o fator previdenciário passou a influenciar diretamente no cálculo do salário de benefício, e consequentemente na renda mensal inicial, tendo aplicação obrigatória nas aposentadorias por tempo de contribuição; e facultativa na aposentadoria por idade e na aposentadoria diferenciada da pessoa com deficiência[4].

2 Da regra de transição prevista no artigo 5º da Lei 9.876/99

Visando reduzir os efeitos de uma mudança abrupta da sistemática de cálculo, com a aplicação do fator previdenciário, o legislador previu uma regra de transição na Lei 9.876/99, mais especificamente em seu artigo 5º[5], mitigando a aplicação da regra definitiva.

O dispositivo legal visava a redução dos efeitos maléficos decorrentes da aplicação integral e imediata do fator. Sendo assim, o artigo 5º, como regra transitória, teve seu período de vigor durante os sessenta meses posteriores à edição da Lei 9.876/99, sendo que a cada competência posterior teria seu efeito aumentado um sessenta avos, até o máximo de sessenta sessenta avos.

Portanto, a norma transitória, teve sua aplicabilidade no período de 11/1999 até 11/2004, momento em que o fator previdenciário passou a ter sua aplicação integral em casos em que o implemento de todas as condições exigidas para aposentadoria fossem cumpridas em data posterior a competência de novembro de 2014.

Durante tal lapso de tempo, para o cálculo do salário de benefício, deve-se apurar a média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição de julho de 1994 até a data de entrada do requerimento. Posteriormente deve-se aplicar o fator previdenciário, de forma gradual[6].

A gradualidade da aplicação do fator, exteriorizada pela redação do artigo 5º da lei 9.876/99, se faz posteriormente ao cálculo do fator previdenciário pela equação já exposta, utilizando o resultado descoberto e incluindo este e os demais dados na seguinte fórmula[7]:

Em casos que o fator previdenciário é inferior a um, a aplicação desta fórmula é inegavelmente benéfica, visto que mitiga os efeitos maléficos do referido fator; porém em casos que o fator é superior a um, se demonstra prejudicial, pois sempre agirá como um redutor da alíquota do fator previdenciário, na regra definitiva, a ser aplicado no salário de benefício do como demonstra o exemplo hipotético a seguir:

O requerente satisfez os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com 35 anos de contribuição, em 10 de dezembro de 1999, ou seja, um mês após a entrada em vigor do fator previdenciário. Dado segurado hipotético é um homem de 59 anos, que conta com 39 anos de tempo de contribuição, 180 meses de carência e  expectativa de sobrevida de 18,3 anos[8] segundo tabela de expectativa de sobrevida do IBGE, e com média aritmética simples de R$ 1000,00.

Caso tivesse seu cálculo confeccionado conforme a regra definitiva ficaria da seguinte forma:

Posteriormente, encontra-se o salário de benefício:

SB=Média Aritmética Simples (M.A.S.) x Fator Previdenciário (FP)

Sendo:

M.A.S. = 1000

FP = 1,130314

SB = 1000,00 X 1,130314

SB = 1130,31

Finalmente se aplica a alíquota do benefício, no caso 100% por se tratar de aposentadoria por tempo de contribuição integral:

RMI = SB x Alíquota do benefício (no caso 100%)

RMI = R$ 1130,31

Caso se efetuasse o cálculo conforme a regra de transição, utilizando os mesmos dados do caso hipotético, deve se proceder da seguinte forma:

Sendo:

FP =1,130314

n= 1 mês transcorrido da competência de 11/99

M= 1000,00

SB = 1002,16

RMI = SB x Alíquota do benefício (no caso 100%)

RMI = R$ 1002,16

Portanto, em tal exemplo hipotético, demonstra-se que a aplicação da regra de transição é maléfica em casos em que o fator previdenciário é maior que 1, tendo o segurado do caso uma perda de R$ 128,14 já na renda mensal inicial.

3 Regras de transição em direito previdenciário

Historicamente, no direito previdenciário, as regras de transição visam à diminuição dos impactos produzidos pela mudança abrupta de regras de concessão de benefícios, bem como na sistemática de cálculo para segurados antigos, ou seja, que eram filiados em data anterior a entrada em vigor da nova legislação prejudicial a seus interesses.

O legislador sempre visa resguardar, mesmo que não em sua totalidade, a expectativa de direito. Pode-se citar a regra de transição do artigo 142 da lei 8213/91, onde prevê uma carência progressiva para segurados inscritos anteriormente a vigência da lei; e mais atualmente a regra de transição 85/95[9], imposta pela Lei 13.183/15, onde inegavelmente a regra definitiva é 90/100, visando dar direitos aos segurados mais próximos do implemento das novas previsões legais.

Tal assertiva, além de vários dispositivos legais que a exteriorizam, encontra escopo constitucional, visto que quando da edição da Emenda Constitucional 20/98, o legislador tomou o cuidado de prever, em seu artigo 9º[10], que o segurado que já era filiado na data de publicação da referida emenda, tem o direito de escolher por qual regra quer se aposentar, ou seja, pela regra de transição ou pela regra definitiva, podendo sempre optar pela mais benéfica.

Ademais, tem mesmo entendimento a melhor doutrina de Hermes Arrais de Alencar[11]:

“Na seara previdenciária muito típica, e louvável, a adoção da regra de regras de transição justamente para amenizar, em prol dos antigos filiados, o impacto de novas leis editadas com a frequente tônica restritiva de direitos. Exemplo é a quantidade de meses exigíveis para carência de uma aposentadoria por idade, que, segundo a regra permanente contida no art. 25, I, da Lei 8.213/91, é de 180 contribuições, quantidade essa muito mais elevada em comparação às existentes antes da vigência da Lei de Benefícios, porém, para todos aqueles que se filiaram antes da Lei nº 8.213,(sic) o artigo 142 prevê uma regra transitória fixando gradual elevação, iniciando pela a carência antes exigível (que era apenas de 60 contribuições) até o número máximo gravoso fixado desde 1991.” (grifo do autor)

Tal posicionamento, de que a regra de transição deve ser aplicada somente se mais benéfica, encontra respaldo em diversas decisões dos tribunais em casos análogos, e no caso em estudo cita-se a decisão proferida no Recurso Cível nº 5007881-39.2011.404.7200/SC PA 1ª Turma Recursal de Santa Catarina.

4 Conclusão

Portanto, são estes os motivos determinantes que entendemos inaplicável a regra de transição prevista no artigo 5º da Lei 9.876/99 em casos que a apuração do salário de benefício pela regra definitiva do artigo 29, da Lei 8.213/91, com redação dada pelo artigo 2º da Lei 9.876/99, se demonstre mais benéfica. Enfim, os segurados que tenham o fator previdenciário maior ou igual a 1, no período entre 11/1999 e 11/2004, têm direito ao recálculo do salário de benefício pela regra definitiva, ou seja, a aplicação total dos efeitos do fator previdenciário.

Caso o fator previdenciário seja inferior a 1, se faz mister a aplicação da regra de transição tratada neste trabalho, como medida para resguardar o direito de segurados antigos.

Anexo

 
 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, n. 191-A, 5 out. 1988.
Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 de julho de 1991.
ALENCAR, Hermes Arrais, Cálculo de benefícios previdenciários: regime geral de previdência social, teses revisionais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio o dicionário da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010.
SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 5. ed. Curitiba: Alteridade, 2014
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
VICTÓRIO, Rodrigo Moreira Sodero. Fev/Mar 2013. A Inconstitucionalidade da Aplicação do Fator Previdenciário no Cálculo da Renda Mensal Inicial da Aposentadoria Constitucional do Professor. Revistas Magister de Direito Previdenciário, [S.L.], nº 13, Abril/2013.

Notas:
[1] Art. 29. O salário de benefício consiste:
 I – para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
[2] Até a data de 24/02/2016 o STF não analisou o mérito das ADI’s 2110 e 2111
[3] Cálculo de Benefícios Previdenciários: Regime Geral de Previdência Social, 7ª edição, publicado pela Editora Atlas, fls 342.
[4] Lei complementar 142, de 08 de maio de 2013.
[5]  Art. 5o Para a obtenção do salário-de-benefício, o fator previdenciário de que trata o art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com redação desta Lei, será aplicado de forma progressiva, incidindo sobre um sessenta avos da média aritmética de que trata o art. 3o desta Lei, por mês que se seguir a sua publicação, cumulativa e sucessivamente, até completar sessenta sessenta avos da referida média.
[6] Manual de Direito Previdenciário, 16ª Edição, publicado pela Editora Forense, fls. 556.
[7] Cálculo de Benefícios Previdenciários: Regime Geral de Previdência Social, 7ª edição, publicado pela Editora Atlas, fls 350.
[8] Vide Anexo A
[9] Lei 13.183/15, Art. 2º A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 29-C. O segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for:
I – igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos; ou
II – igual ou superior a oitenta e cinco pontos, se mulher, observado o tempo mínimo de contribuição de trinta anos.
§ 1º Para os fins do disposto no caput, serão somadas as frações em meses completos de tempo de contribuição e idade.
§ 2º As somas de idade e de tempo de contribuição previstas no caput serão majoradas em um ponto em:
I – 31 de dezembro de 2018;
II – 31 de dezembro de 2020;
III – 31 de dezembro de 2022;
IV – 31 de dezembro de 2024; e
V – 31 de dezembro de 2026.
[10] Art. 9º – Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
[11] Cálculo de Benefícios Previdenciários: Regime Geral de Previdência Social, 7ª edição, publicado pela Editora Atlas, fls 319.

Informações Sobre o Autor

Antonio Carlos Rabelo Júnior

Advogado. Pós-graduando em Direito da Seguridade Social