Resumo: O presente artigo versa sobre a possibilidade de controle dos atos das agências reguladoras pelo Poder Executivo.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Agências Reguladoras. Controle dos atos administrativos. Poder Executivo.
Abstract: This article deals with the possibility of control of the acts of regulatory agencies by the Executive Branch.
Keywords: Administrative law. Regulatory agencies. Control of the administrative acts. Executive Branch.
Sumário: Introdução. 1. Da organização administrativa / Da Administração Pública Direta e Indireta. 1.1. Das autarquias. 1.2. Das agências reguladoras. 2. Conceito, natureza jurídica e características das agências reguladoras. 3. Do controle ou tutela exercido pelo Poder Central em face das autarquias. 4. Do controle ou tutela exercido pelo Poder Central em face das agências reguladoras. 5. Da possibilidade de interposição de recurso hierárquico impróprio em face das decisões proferidas pelas agências reguladoras. 6. Do Parecer AGU nº AC-51/2006/ Das hipóteses de cabimento de recurso hierárquico impróprio em face das decisões das agências reguladoras. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
O presente trabalho tem por escopo avaliar os limites do controle das decisões das agências reguladoras pelo Poder Executivo central, mais especificamente, através do mecanismo do recurso hierárquico impróprio.
Em que pese a referida possibilidade carecer de previsão legal expressa, ela foi admitida no direito brasileiro através do Parecer AGU nº AC-51, de 12 de junho de 2006, aprovado pelo Presidente da República e, consequentemente, assumindo caráter normativo e vinculante perante toda a Administração Pública Federal.
Também será tratada a questão da autonomia das agências reguladoras, realizando-se um esboço histórico do seu surgimento, bem como o poder de controle sobre as autarquias em geral.
Ao final, será apresentada a conclusão do referido estudo, sem a pretensão de esgotar a análise do assunto, de forma a contribuir com o debate acadêmico visando ao aprimoramento das instituições.
1. Da organização administrativa / da administração pública direta e indireta
É cediço que o Estado goza de autonomia política para executar as suas atividades da melhor forma que lhe aprouver, desde que respeitados os ditames constitucionais, ou seja, quando a Constituição Federal determina o exercício de uma função administrativa ao Estado, incumbe a ele prestá-la diretamente ou indiretamente através de interpostas pessoas.
Isso inclui a possibilidade do Estado transferir aos particulares a execução de certas atividades que lhe são próprias ou criar pessoas jurídicas com personalidade jurídica própria (seja de direito público ou privado) para executá-las.
Assim, em linhas gerais, quando o Estado[1] desempenha diretamente uma atividade, fala-se em centralização. E o Estado o faz mediante a estruturação da Administração em órgãos públicos, que são centros de competência administrativa despersonalizados.
Nas palavras de Dirley da Cunha Júnior:[2]
“A Administração Direta ou Centralizada é aquela constituída a partir de um conjunto de órgãos públicos, através do qual o Estado desempenha diretamente a atividade administrativa. Aqui, é a própria pessoa estatal (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) que executa diretamente a atividade administrativa. Para tanto, vale-se dos órgãos públicos.”
Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello,[3] “órgãos são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado.”
Ao contrário, quando o Estado realiza determinada atividade através de interposta pessoa, isto é, indiretamente, fala-se em descentralização administrativa.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[4] esclarece que “a descentralização administrativa ocorre quando as atribuições que os entes descentralizados exercem só têm o valor jurídico que lhe empresta o ente central; suas atribuições não decorrem, com força própria, da Constituição, mas do poder central.”
Para o Decreto-Lei nº 200/67, a Administração Direta se constitui dos serviços integrados da estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios (art. 4º, inciso I), ao passo que a Administração Indireta compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações (art. 4º, inciso II).[5]
Uma das principais vantagens da descentralização reside na especialização da prestação da atividade administrativa. É inegável que, com uma sociedade cada vez mais complexa, seria extremamente dificultoso que o Estado prestasse diretamente todas as atividades que lhe incumbe, sem a especialização necessária.
Ademais, parece que desde o advento do Decreto-Lei 200/67, a descentralização se tornou a regra, ao menos no âmbito federal, afinal, o art. 10 do mencionado diploma legal estabelece que a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. Vê-se, pois, que a descentralização se tornou regra imperativa há quase 50 anos no direito brasileiro.
Convém esclarecer que descentralização não se confunde com desconcentração. Isto porque, enquanto a descentralização é a distribuição de competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica, a desconcentração é uma distribuição interna de competências, realizada dentro da mesma pessoa jurídica. Logo, desconcentrar nada mais é do que tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu mais adequado e racional desempenho.[6]
São características das entidades da Administração Indireta a criação por lei específica, personalidade jurídica e patrimônio próprios, sujeição a controle pelo poder central, além de responsabilidade pelos atos que pratica.
Firmadas as premissas acerca da Administração Pública Direta e Indireta, faz-se necessária a análise pormenorizada das autarquias e das agências reguladoras, uma vez que constituem o cerne deste trabalho.
1.1. Das autarquias
A palavra autarquia, etimologicamente, provém da junção dos elementos autós (próprio) e arquia (comando, governo, direção), significando “comando próprio, direção própria, auto-governo”.[7]
Pela definição legal, considera-se autarquia o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada (art. 5º, inciso I do Decreto-Lei 200/67).
Para Dirley da Cunha Júnior,[8]
[…] “as autarquias devem ser compreendidas como pessoas jurídicas de direito público, com capacidade exclusivamente administrativa, criadas por lei específica para exercer, em caráter especializado e com prerrogativas públicas, atividades típicas referentes à prestação de certos serviços públicos. Para tanto, possuem autonomia administrativa, financeira e técnica e são dotadas de amplas prerrogativas” […].
Na Administração Indireta, as entidades de direito público possuem praticamente as mesmas prerrogativas próprias do Estado, enquanto as entidades de direito privado somente possuem aquelas que forem expressamente previstas na Constituição Federal ou em lei derrogatória do direito comum.
Desta maneira, a autarquia, como pessoa jurídica de direito público, goza do processo especial de execução (art. 100, CF e arts. 730 e 731 do CPC), impenhorabilidade de bens, juízo privativo (art. 109, CF), prazos processuais diferenciados (art. 188, CPC), reexame necessário das decisões judiciais que lhe forem desfavoráveis, além da imunidade tributária dos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços (art. 150, VI, “a” e parágrafo 2º da CF).
Interessante questão se revela na relação que possui a autarquia com a pessoa que a criou, donde se extraem duas problemáticas: (a) como são criadas e extintas as autarquias e (b) o controle a que se submetem frente ao Poder Central.
Quanto à criação e extinção, saliente-se que as autarquias somente podem ser criadas e extintas por lei (art. 37, inciso XIX da Constituição Federal).
No tocante ao controle a que se submetem frente ao Poder Central, cabe frisar que, normalmente, a doutrina denomina de tutela o poder que assiste à Administração Central de influir sobre as autarquias com o propósito de conformá-las ao cumprimento dos objetivos públicos em vista dos quais foram criadas, harmonizando-as com a atuação administrativa global do Estado.[9]
Dada a relevância da questão para o presente trabalho, o tema será melhor explicitado em tópico próprio.
1.2. Das agências reguladoras
De início, convém tecer um breve esboço histórico sobre o surgimento e proliferação das agências reguladoras.
É cediço que o modelo econômico influencia o modelo de Estado adotado, além de influenciar o ordenamento jurídico de um país.
Nesse sentido, há basicamente três formas de intervenção estatal no domínio econômico: (1) pela disciplina, (2) pelo fomento e (3) pela atuação direta.
A importância das agências reguladoras reside prioritariamente[10] na hipótese do Estado não prestar diretamente uma atividade de interesse público, quando então a agência será responsável pela regulação daquela atividade.
As agências reguladoras tiveram origem no direito norte-americano, com o Interstate Commerce Comission (ICC), em 1887, visando à regulação do transporte ferroviário. Contudo, tais entidades somente ganharam projeção após o New Deal, na década de 1930.[11]
Naquela época, os Estados Unidos passavam por grande recessão, ao mesmo tempo em que predominava o forte liberalismo econômico, calcado na propriedade privada e no cumprimento irrestrito dos contratos.
Para amenizar tal situação e não exacerbar a situação caótica da maioria da população, proliferaram-se as agências reguladoras, com uma proposta de melhor capacitação técnica e melhor posicionamento da Administração para reagir de forma rápida e flexível no sentido de estabilizar a economia, além de proteger os menos favorecidos contra as oscilações dos mercados desregulados. Visavam, também, a driblar os entraves à regulação opostos por um Poder Judiciário predominantemente conservador, o que, na época, significava um Judiciário mantenedor do absoluto liberalismo econômico.[12]
A proliferação das agências reguladoras no direito norte-americano tinha por objetivo formar centros de excelência e especialização, imunes ao poder político advindo dos poderes estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário) e com autonomia para tomarem decisões técnicas.
Com o passar dos anos, as agências nos Estados Unidos foram perdendo parcela da sua autonomia, através da sucessiva edição de leis e atos administrativos, até atingir a sua conformação atual. Assim, hodiernamente, nos Estados Unidos, a discussão há muito deixou de ser a autonomia das agências, para se tornar (1) o seu controle político (gerado pela crescente intrusividade das agências nas atividades privadas), (2) a sua responsividade social (questionável eficiência das agências na gestão dos mercados regulados) e (3) a legitimidade democrática (ou seja, a não sujeição dos dirigentes das agências aos mecanismos tradicionais de accountability eleitoral).[13]
No Brasil, o surgimento das agências reguladoras se deu em um contexto oposto à situação vivida nos Estados Unidos.
No início da década de 1990, o Brasil vivia intensa crise fiscal e econômica, sofrendo severas críticas por não ter recursos para investir na prestação de certas atividades de interesse público, além de ser um péssimo administrador.
Ensina Dinorá Adelaide Musetti Grotti[14] que o papel do Estado começou a mudar na quadra final do século passado, mediante a eleição da descentralização como estratégia, a imposição da redução do Estado através das privatizações, terceirizações e publicizações, a recuperação da sua capacidade financeira e administrativa, a necessidade de fortalecimento de sua função reguladora, fiscalizadora e fomentadora e o desmonte do Estado prestador, produtor, interventor e protecionista.
A regulação no Brasil também objetivou (i) separar o provedor de utilidades públicas dos agentes encarregados da regulação e (ii) regular setores antes não regulados, a exemplo do setor de planos de saúde.
Vale salientar que, no Brasil, as agências reguladoras foram criadas praticamente como uma exigência do capital estrangeiro para aqui realizar investimentos, clamando por uma segurança jurídica de que os contratos fossem cumpridos pelo governo brasileiro, ainda que houvesse mudanças ideológicas e políticas nas eleições vindouras.
Destarte, em 1995, através das Emendas Constitucionais nº 8 e 9, passou-se a ter previsão expressa na Carta Magna a existência de “órgãos” reguladores para os setores de telecomunicações e de petróleo, conhecidas na doutrina como as agências reguladoras constitucionais, pois são as únicas duas agências com previsão direta na Carta Política (ANP e ANATEL).
Várias leis ordinárias foram sucessivamente editadas com o objetivo de criar diversas agências reguladoras, a exemplo da ANS (Lei Federal nº 9961/00), ANVISA (Lei Federal nº 9782/99), ANTAQ (Lei Federal nº 10233/01), ANTT (Lei Federal nº 10233/01), ANCINE (Lei Federal nº 10454/02) etc.
Assim, as agências reguladoras podem ser criadas mediante previsão constitucional ou infraconstitucional, sendo que, pelo princípio do paralelismo das formas, somente podem ser extintas pelo veículo normativo de mesma intensidade daquele que as criou.
2. Conceito, natureza jurídica e características das agências reguladoras
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello,[15] as agências reguladoras são autarquias sob regime especial, criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades, dentre as quais (a) serviços públicos propriamente ditos, (b) atividades de fomento e fiscalização de atividade privada, (c) atividades exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, (d) atividades que o Estado também protagoniza, mas que, paralelamente, são facultadas aos particulares e (e) o uso de bem público.
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro,[16] dentro da função regulatória, pode-se considerar a existência de dois tipos de agências reguladoras no direito brasileiro: (a) as que exercem, com base em lei, típico poder de polícia, com a imposição de limitações administrativas, previstas em lei, fiscalização e repressão (ex. ANVISA, ANS, ANA) e (b) as que regulam e controlam as atividades que constituem objeto de concessão, permissão ou autorização de serviço público ou de concessão para exploração de bem público.
Prossegue a referida doutrinadora esclarecendo que as primeiras não são muito diferentes de outras entidades já existentes (ex. Banco Central, Cade etc), sendo que as segundas é que constituem novidade no direito brasileiro, ao assumirem poderes que antes só eram exercidos pela Administração Central.[17]
É de se ver que, em relação à natureza jurídica, as agências reguladoras também são consideradas autarquias, porém sob um “regime especial”.
Para parcela da doutrina, este “regime especial” consiste na possibilidade das agências reguladoras gozarem de independência/autonomia administrativa, financeira, funcional, patrimonial e de recursos humanos, autonomia nas suas decisões técnicas e ausência de subordinação hierárquica, além de investidura dos seus dirigentes mediante prévia aprovação do Senado e com mandato fixo.[18]
Nesse sentido, a título exemplificativo, convém mencionar o artigo 4º da Lei Federal nº 11.182/05, criadora da ANAC, o qual preconiza que
“a natureza de autarquia especial conferida à ANAC é caracterizada por independência administrativa, autonomia financeira, ausência de subordinação hierárquica e mandato fixo de seus dirigentes. “
A Lei Federal nº 9.472/97 possui dispositivo semelhante em relação à ANATEL (art. 8º, par. 2º):
“a natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.”
Para Celso Antônio Bandeira de Mello,[19] o único ponto realmente peculiar das agências reguladoras em relação à generalidade das autarquias está nas disposições atinentes à investidura e fixidez do mandado dos dirigentes das agências, afinal, as demais características estão presentes em qualquer autarquia.
Assim, os dirigentes das agências reguladoras somente poderiam deixar o exercício da função mediante hipóteses taxativamente expressas em lei, normalmente decorrentes da renúncia do titular, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.
Saliente-se que as agências são dirigidas em regime de colegiado, através de um Conselho Diretor ou Diretoria, conforme preleciona o artigo 4º da Lei Federal nº 9986/00.[20]
O artigo 8º da Lei Federal nº 9.986/00 estabeleceu uma “quarentena”, período no qual “o ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato.”
Deve ser destacado que são conferidos às agências reguladoras os poderes normativo, fiscalizador, regulador e sancionatório. É comum encontrar na doutrina administrativista quem defenda que as agências reguladoras possuam poderes quase-judiciais, quase-legislativos e quase-regulamentares.[21]
As agências também são responsáveis por atenuar os efeitos da formação de eventual monopólio, controlar preços e qualidade do serviço prestado, criar condições para a existência e manutenção da concorrência e buscar a universalização dos serviços.[22]
Por fim, deve ser salientado que as agências estão sujeitas ao controle por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário, além da tutela exercida pelo Poder Executivo, conforme será analisado no tópico seguinte.
3. Do controle ou tutela exercido pelo poder central em face das autarquias.
As autarquias, para a realização do seu mister, gozam de autonomia administrativa, financeira[23] e técnica em relação ao Poder Central, visando à consecução das finalidades para as quais foram concebidas.
Todavia, esta autonomia não é absoluta, ao ponto de se constituir em uma entidade imune ao controle administrativo exercido pela Administração Direta.
Conforme dito alhures, fica fácil visualizar que, em âmbito federal, as autarquias estão submetidas ao controle dos Ministérios vinculados às atividades que executam ou à Presidência da República, no caso de autarquia vinculada diretamente a esta última.
Isso porque, nos termos do art. 19 do Decreto-Lei 200/67, “todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da República.”
Ademais, não se olvide que a Constituição Federal estabelece, no artigo 84, inciso II, que compete ao Presidente da República “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”, sendo que, no artigo 87, parágrafo único, inciso I da Carta Magna, está preconizado que compete ao Ministro de Estado “exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência […]”.
Referido poder de controle ou tutela tem por objetivo supervisionar a eficiência administrativa da autarquia, além de conformá-la com a competência e os objetivos fixados em sua lei criadora, harmonizando-a com as políticas públicas firmadas pelo Governo Central.
O controle das autarquias pode ser exercido de diversas maneiras: designação ou exoneração dos seus dirigentes; recebimento de relatórios sobre as funções realizadas pelas autarquias; aprovação da programação financeira; realização de auditoria e avaliação periódica de desempenho, além da intervenção na autarquia, caso ela esteja se desviando da sua finalidade precípua.[24]
Importa esclarecer que este controle ou tutela do Poder Central não se confunde com o poder hierárquico.
Conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro,[25] há sensíveis diferenças entre tutela e hierarquia: (a) a tutela não se presume, pois só existe quando a lei a prevê, ao passo em que a hierarquia existe independentemente de previsão legal, porque é inerente à organização administrativa; (b) a tutela supõe a existência de duas pessoas jurídicas, uma das quais exercendo controle sobre a outra, existindo onde haja descentralização administrativa, enquanto a hierarquia existe dentro de uma mesma pessoa jurídica, relacionando-se com a ideia de desconcentração; (c) a tutela é condicionada por lei, ou seja, só admite os atos de controle expressamente previstos, sendo que a hierarquia é incondicionada e implica uma série de poderes que lhe são inerentes, como o de dar ordens, o de rever os atos dos subordinados (ex officio ou mediante provocação), o de avocar e delegar atribuições.
Logo, não é admissível a interposição de recurso hierárquico próprio de decisão proferida pela autarquia para o respectivo Ministério, uma vez que a autarquia é dotada de personalidade jurídica própria, não sendo hierarquicamente subalterna ao Poder Central.
Todavia, conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello,[26] “[…] só poderia caber o chamado recurso hierárquico impróprio, isto é, quando previsto na lei própria da autarquia (ou em alguma outra lei).” E, mais à frente, esclarece o mencionado professor que tal recurso teria como base a Constituição Federal, mais especificamente o direito de petição ao Poder Público (art. 5º, XXXIV, “a”).
Frise-se que Celso Antônio Bandeira de Mello aduziu expressamente à necessidade da previsão legal para o cabimento do recurso hierárquico impróprio, sendo que este dado será relevante para a discussão acerca do cabimento deste recurso em face das decisões proferidas pelas agências reguladoras. No mesmo sentido, Dinorá Adelaide Musetti Grotti entende que os atos das agências reguladoras não podem ser revistos ou alterados pelo Poder Executivo, salvo se houver expressa previsão legal para a admissão do recurso hierárquico impróprio.[27]
Quanto à classificação do controle,[28] este pode ser de legitimidade, quando diga respeito ao exame da conformidade do comportamento autárquico com os ditames legais, ou será de mérito quando, por força de lei, o controlador possa apreciar a conveniência e oportunidade das decisões das autarquias. O controle também pode ser preventivo, quando a autarquia necessita da prévia manifestação do controlador para que o seu ato tenha eficácia ou repressivo, quando o controle é realizado após a produção do ato.
4. Do controle ou tutela exercido pelo poder central em face das agências reguladoras
Conforme já afirmado, o Poder Central não detém poder hierárquico[29] em face das autarquias, principalmente em face das agências reguladoras, que foram concebidas justamente para serem entidades especializadas e autônomas, alheias à eventual ingerência política. O que existe é o poder de controle ou tutela, como forma de garantir a observância da legalidade e o cumprimento de suas finalidades institucionais.
Na medida cautelar proferida na ADI nº 1668/DF, o Relator Ministro Marco Aurélio,[30] em julgamento específico sobre as agências reguladoras, assentou que
“A citada independência não afasta, em si, o controle por parte da Administração Pública Federal, exercido, de forma direta, pelo Ministro de Estado da área e, de maneira indireta, pelo Chefe do Poder Executivo, o Presidente da República. Na verdade, o que encerra a alusão à citada independência é a autonomia, em si, do serviço […]. Destarte, o enquadramento ocorrido, considerado o que se apontou como regime autárquico especial, longe está de revelar a existência de uma entidade soberana, afastada do controle pertinente”
Logo, em não havendo hierarquia, revela-se incorreto se falar em recurso hierárquico próprio interposto para o Ministério respectivo em face de uma decisão proferida pela agência reguladora.
Acerca do cabimento do recurso hierárquico impróprio, o tema será tratado especificamente no tópico seguinte.
De qualquer maneira, é importante salientar que a autonomia/independência[31] que as agências reguladoras possuem não se caracteriza como prerrogativa absoluta, imune a eventual controle do Executivo, Legislativo e Judiciário. Se assim o fosse, as agências reguladoras constituiriam verdadeiros “Estados soberanos” dentro do Estado brasileiro, fato este não admitido pela Carta Magna.
Assim, entende-se não existir nenhum óbice ao controle da legalidade e do cumprimento das finalidades das agências por parte do Poder Central, através do denominado poder de controle. O controle deve ser exercido até mesmo como forma das agências reguladoras evitarem o abuso no exercício das suas funções normativas e fiscalizatórias.
O que não pode haver é o controle sobre as decisões técnicas tomadas pelas agências, para as quais elas gozam de maior autonomia. Do contrário, seria desnecessária a criação de novas entidades (agências reguladoras) se todas as suas decisões estivessem sujeitas à análise do Poder Central, inclusive as suas decisões técnicas.
Logo, a política regulatória é incumbência privativa das agências reguladoras, ao passo que as políticas públicas são de incumbência do Poder Central, a serem concretizadas pelos diversos Ministérios.
Assim, cabendo a cada qual uma atribuição diferente, mas que se aproximam em certos aspectos, não é de se estranhar que existam conflitos entre as agências reguladoras e os respectivos Ministérios.
5. Da possibilidade de interposição de recurso hierárquico impróprio em face das decisões proferidas pelas agências reguladoras
Recursos administrativos são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do ato pela Administração Pública.[32]
Nesse sentido, o recurso hierárquico próprio é aquele dirigido ao agente público superior da autoridade prolatora do ato questionado, no mesmo órgão em que o ato foi praticado ou em órgão diverso mas com autoridade hierárquica sobre o órgão prolator da decisão.
Já recurso hierárquico impróprio é aquele dirigido à autoridade de outro órgão, não inserido na mesma relação hierárquica daquele que praticou o ato questionado, necessitando de expressa previsão legal.
Como afirmado acima, as decisões técnicas das agências, como regra, não estão sujeitas à revisão pelo Poder Central. Se estivessem, não haveria a necessidade de serem criadas as agências reguladoras com autonomia técnica para a tomada de decisões na sua respectiva área.
Obviamente, as decisões das agências reguladoras podem ser questionadas junto ao Poder Judiciário, em obediência ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF).
Outro fator que, em um primeiro momento, impediria a interposição de recurso hierárquico impróprio reside no fato de que nenhuma lei criadora de agência reguladora admite expressamente a sua previsão. Pelo contrário: em algumas leis está expressamente previsto que a decisão tomada pela agência reguladora encerra a instância administrativa.[33]
Todavia, poder-se-ia argumentar que, com exceção das leis que preveem expressamente que determinadas agências encerram a instância administrativa (a exemplo das leis criadoras da ANATEL e da ANVISA – onde a polêmica seria maior), as demais leis instituidoras das agências reguladoras não vedam a utilização do recurso hierárquico impróprio dirigido ao Poder Central.
Ademais, seria o recurso hierárquico impróprio mero instrumento para o exercício do chamado controle ou tutela a ser manejado pelo Poder Central, o qual poderia, até mesmo, exercê-lo de ofício, quando a agência desborde do limite legal para o qual foi criada. Nesse sentido, parte da doutrina administrativista entende desnecessária a exigência de expressa previsão legal para o cabimento do recurso hierárquico impróprio, afinal, a agência reguladora deve conformar suas decisões aos limites legais, sem desbordar da sua competência legal, sob pena do Poder Central poder exercer o controle ou tutela sobre os atos inválidos praticados pelas agências.
Há ainda quem entenda que o art. 19 do Decreto-Lei 200/67 confere o fundamento legal para o cabimento do recurso hierárquico impróprio interposto em face das decisões das agências reguladoras para o respectivo Ministério. Confira-se o teor do aludido preceito legal:
“Art . 19. Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da República.”
Desta maneira, tal ponto deve ser esclarecido nesta ocasião, para possibilitar a análise do cabimento ou não do recurso hierárquico impróprio.
6. Do parecer agu nº ac-51/2006 / das hipóteses de cabimento de recurso hierárquico impróprio em face das decisões das agências reguladoras
O parecer AGU nº AC-51/2006 é relativamente conhecido na área jurídica pois, a despeito da inexistência de previsão legal, fixou expressamente a possibilidade do cabimento de recurso hierárquico impróprio em face das decisões proferidas pelas agências reguladoras para o respectivo Ministério.
Referido parecer foi aprovado pelo Presidente da República, passando a ostentar força vinculante na Administração Pública Federal, nos termos do art. 40, parágrafo 1º da Lei Complementar nº 73/93.[34]
Observe-se a ementa do mencionado parecer:
“PORTO DE SALVADOR. THC2. DECISÃO DA ANTAQ. AGÊNCIA REGULADORA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DE RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO PELO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. SUPERVISÃO MINISTERIAL. INSTRUMENTOS. REVISÃO ADMINISTRATIVA. LIMITAÇÕES. I – -O Presidente da República, por motivo relevante de interesse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal- (DL nº 200/67, art. 170). II – Estão sujeitas à revisão ministerial, de ofício ou por provocação dos interessados, inclusive pela apresentação de recurso hierárquico impróprio, as decisões das agências reguladoras referentes às suas atividades administrativas ou que ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei ou regulamento, ou, ainda, violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração direta. III – Excepcionalmente, por ausente o instrumento da revisão administrativa ministerial, não pode ser provido recurso hierárquico impróprio dirigido aos Ministérios supervisores contra as decisões das agências reguladoras adotadas finalisticamente no estrito âmbito de suas competências regulatórias previstas em lei e que estejam adequadas às políticas públicas definidas para o setor. IV – No caso em análise, a decisão adotada pela ANTAQ deve ser mantida, porque afeta à sua área de competência finalística, sendo incabível, no presente caso, o provimento de recurso hierárquico impróprio para a revisão da decisão da Agência pelo Ministério dos Transportes, restando sem efeito a aprovação ministerial do Parecer CONJUR/MT nº 244/2005. V – A coordenação das Procuradorias Federais junto às agências reguladoras pelas Consultorias Jurídicas dos Ministérios não se estende às decisões adotadas por essas entidades da Administração indireta quando referentes às competências regulatórias desses entes especificadas em lei, porque, para tanto, decorreria do poder de revisão ministerial, o qual, se excepcionalmente ausente nas circunstâncias esclarecidas precedentemente, afasta também as competências das Consultorias Jurídicas. O mesmo ocorre em relação à vinculação das agências reguladoras aos pareceres ministeriais, não estando elas obrigadas a rever suas decisões para lhes dar cumprimento, de forma também excepcional, desde que nesse mesmo âmbito de sua atuação regulatória. VI – Havendo disputa entre os Ministérios e as agências reguladoras quanto à fixação de suas competências, ou mesmo divergência de atribuições entre uma agência reguladora e outra entidade da Administração indireta, a questão deve ser submetida à Advocacia-Geral da União. VII – As orientações normativas da AGU vinculam as agências reguladoras. VIII – As agências reguladoras devem adotar todas as providências para que, à exceção dos casos previstos em lei, nenhum agente que não integre a carreira de Procurador Federal exerça quaisquer das atribuições previstas no artigo 37 da MP nº 2.229-43/2001.”
Em linhas gerais, o mencionado parecer fixou o entendimento de que (a) cabe recurso hierárquico impróprio das decisões proferidas pelas agências caso estas desbordem os limites de competência definidos em lei ou violem as políticas públicas definidas pela Administração Direta; (b) as agências devem obediências às políticas públicas definidas pelos respectivos Ministérios; (c) se a decisão da agência envolver matéria finalística desta autarquia (isto é, competência regulatória) e estiver em consonância com a política pública do setor, não caberá recurso hierárquico impróprio para o Ministério respectivo.
Convém detalhar as conclusões obtidas da análise do parecer AGU nº AC-51/2006.
Em primeiro lugar, frise-se que o próprio parecer ressalva que as decisões tomadas pelas agências reguladoras em matérias finalísticas não estão sujeitas a controle a cargos dos respectivos Ministérios, ou seja, em relação àquelas decisões proferidas “no estrito âmbito de suas competências regulatórias previstas em lei e que estejam adequadas às políticas públicas definidas para o setor”. É que, em relação às matérias finalísticas, seria um contrassenso o Poder Central criar as agências reguladoras, dotadas de autonomia técnica para, em seguida, reformar toda decisão finalística que a agência viesse a tomar.
Em segundo lugar, também deve ser esclarecido que o mencionado parecer conferiu a possibilidade da existência de recurso hierárquico impróprio em face das decisões das agências para o respectivo Ministério sem previsão legal expressa que regulamentasse a questão. Aqui, cabe frisar que parte da doutrina administrativista sempre se manifestou no sentido da necessidade da existência de previsão legal para a admissão do recurso hierárquico impróprio.[35] Por outro lado, alguns doutrinadores entendem desnecessária a expressa previsão legal para o cabimento do recurso hierárquico impróprio, uma vez que ele não passaria de uma maneira de concretizar o poder de controle ou tutela que o Poder Central exerce sobre suas autarquias. Em linguagem bem simples, ainda que não houvesse previsão legal, a autarquia não poderia ficar imune ao controle do Poder Central.
Em terceiro lugar, frise-se que o parecer em análise identificou três hipóteses nas quais é cabível o recurso hierárquico impróprio: (1) decisões das agências referentes às suas atividades administrativas ou (2) que ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei ou regulamento, ou, ainda, (3) que violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração Direta.
Em relação às duas primeiras hipóteses, quais sejam, decisões referentes às atividades administrativas e decisões que ultrapassam os limites de competência das agências, não se vislumbram tantos óbices ao controle por parte do Poder Central. É que as atividades-meio (administrativas) das agências podem ser definidas em conjunto com o Poder Central sem que isso possa significar ingerência na matéria técnica-finalística. Quanto à exacerbação de competência por parte da agência, é de se salientar que configura prerrogativa do Poder Central impedir que as agências e demais autarquias desbordem dos limites definidos em suas leis criadoras.
É de se crer, portanto, que o maior problema reside na terceira hipótese, qual seja, a possibilidade do manejo do recurso hierárquico impróprio quando as agências reguladoras violarem as políticas públicas definidas pela Administração Direta para o setor regulado. A grande dificuldade reside na delimitação exata do que é política pública, visto este ser um conceito aberto que, eventualmente, poderia ser indevidamente utilizado para representar uma ingerência política irregular nas agências reguladoras.
É cediço que política pública é o conjunto de ações, programas e atividades desenvolvidas pelo Estado, seja direta ou indiretamente, como forma de concretizar um direito previsto constitucionalmente, com vistas ao bem estar social.[36]
Para Maria das Graças Rua:[37]
“As políticas públicas (policies), por sua vez, são outputs, resultantes da atividade política (politics): compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores. Nesse sentido é necessário distinguir entre política pública e decisão política. Uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. Já uma decisão política corresponde a uma escolha dentre um leque de alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando – em maior ou menor grau ‑ uma certa adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis. Assim, embora uma política pública implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir uma política pública. Um exemplo encontra‑se na emenda constitucional para reeleição presidencial. Trata‑se de uma decisão, mas não de uma política pública. Já a privatização de estatais ou a reforma agrária são políticas públicas. – grifos no original.”
Obviamente, a definição da política pública a ser seguida deve ficar a cargo da Administração Direta, por uma razão bem simples: o chefe do Poder Executivo foi democraticamente eleito justamente com a incumbência de definir as políticas públicas que o corpo administrativo irá concretizar, seguindo os ditames constitucionais.
Em sendo definida a política pública pelo chefe do Poder Executivo, não cabe às agências, por mais autonomia que tenham, contrariar ou ignorar as diretrizes formuladas. Não haveria desenvolvimento social se o Poder Central se orientasse a partir da política pública “x” enquanto as autarquias entendessem que deveria ser seguida a política pública “y”. Ademais, repita-se que não cabe às agências reguladoras formularem política pública, mas tão somente política regulatória.
Ocorre que o cumprimento da política pública não pode se transformar em indevido instrumento de ingerência política nas autarquias, em especial nas agências reguladoras.
Não se deve esquecer que as agências foram criadas exatamente com o objetivo de serem centros especializados e autônomos imunes à ingerência política, com certa independência para a tomada de decisões técnicas, mormente em relação à política regulatória de determinado setor.
Assim, o conceito de política pública não pode ser deturpado com a intenção de que o poder de controle/tutela seja transmudado para verdadeiro poder hierárquico a ser exercido pelo Poder Central em face da agência.
Repita-se: não há hierarquia entre o Poder Central e as agências reguladoras. Há, tão-somente, poder de controle ou tutela.
Destarte, afigura-se aparentemente lícito que as agências reguladoras tenham o dever de seguir as políticas públicas definidas pelo Poder Central, uma vez que os dirigentes das agências reguladoras não possuem a prerrogativa de definir as políticas públicas do país, sequer sendo democraticamente eleitos para tanto. Contudo, deve-se evitar o abuso por parte do Poder Central, no sentido de transformar o poder de tutela em verdadeiro poder hierárquico a ser exercido sobre a agência reguladora, inadmissível no ordenamento jurídico brasileiro.
Conclusão
A Administração Pública Indireta consiste no conjunto de entes que prestam um serviço público ou de interesse público, possuidores de certa autonomia na concretização das finalidades legais para as quais foram criados.
Como regra, a Administração Direta não exerce poder hierárquico em face da Administração Indireta, possuindo apenas a prerrogativa do poder de controle ou tutela.
Nesse sentido, as agências reguladoras são consideradas autarquias sob regime especial, possuindo uma maior autonomia técnica na tomada das decisões administrativas que lhe incumbem. Logo, a Administração Direta não possui hierarquia sobre as agências reguladoras, apenas exercendo o poder de controle. Assim, percebe-se que não é cabível o chamado recurso hierárquico próprio interposto para o Poder Central em face das decisões proferidas pelas agências reguladoras, justamente pela falta de relação hierárquica entre ambos.
Ocorre que, conforme o Parecer AGU AC-51/2006, houve a explicitação de três hipóteses nas quais se admitiram o cabimento do recurso hierárquico impróprio interposto em face das decisões das agências reguladoras para o respectivo Ministério, quais sejam, (1) decisões das agências referentes às suas atividades administrativas ou (2) que ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei ou regulamento, ou, ainda, (3) que violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração Direta.
Insta salientar que não há previsão legal expressa para o cabimento do referido recurso. Todavia, o artigo 19 do Decreto-Lei nº 200/67 estabelece que todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro do Estado competente. Segundo parte da doutrina, neste dispositivo legal reside a possibilidade genérica do poder de controle ou tutela exercido pelos Ministérios em face das agências reguladoras.
A hipótese mais polêmica do cabimento do recurso hierárquico impróprio reside na possibilidade do Ministério admitir o cabimento do mencionado recurso quando a decisão da agência reguladora contrariar a política pública definida pelo Poder Central.
Obviamente, compete ao Poder Central a definição da política pública, uma vez que o chefe do Poder Executivo foi democraticamente eleito para tanto, sendo que as agências devem harmonizar a política regulatória com a política pública traçada. Nesse sentido, as agências não possuem autonomia absoluta para contrariar, até mesmo, a política pública definida pelo Governo.
Contudo, deve-se ter cautela para que tal hipótese não seja deturpada ao ponto do Poder Central passar a controlar e rever as decisões técnicas das agências reguladoras, afinal, elas foram criadas justamente para serem centros especializados, dotados de autonomia técnica para a matéria regulatória, imunes à eventual ingerência política. Não haveria sentido na criação das agências reguladoras se as decisões técnicas tomadas por esta pudessem ser constantemente modificadas pelo Poder Central.
Assim, não se confundem o exercício do poder hierárquico e o exercício do poder de controle ou tutela da Administração Direta em relação às agências reguladoras, em que pese o fato de que, no mundo fenomênico, muitas vezes seja difícil diferenciar com clareza os institutos.
Procurador Federal. Mestrando em Direito pela PUC-SP
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