Prolegômenos
Discorrer sobre o tema em questão é bastante plausível e interessante, tendo em vista que é latente a demora na prestação da tutela jurisdicional por parte do Estado-juiz. No momento hodierno, em virtude das atuais reformas havidas no Legislativo, o debate em questão também é interessante, na medida em que desperta discussões há muito necessárias. Afinal de contas, é preciso transmudar a triste realidade de as partes esperarem décadas para verem seus direitos realmente efetivados.
A mais recente reforma, a que nos baseamos para as presentes linhas, adveio da Emenda Constitucional nº 45/2004, conhecida como a Reforma do Judiciário. Esta Reforma mudou algumas concepções, no condizente a algumas matérias e, também, aos metidos utilizados para dados procedimentos.
Fruto desta Emenda é o inciso LXXVIII do artigo 5º da Carta Maior, responsável por possibilitar que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Tomando este dispositivo como base central, aliado ao artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988, que responsabiliza o Estado pelos danos causados pelos agentes, é que teceremos os fios deste estudo, constituindo, ao final, uma teia de relações e entendimentos jurídicos.
A questão de mormência ao qual estamos imersos atualmente deve ser transmudada. Infelizmente, como sabemos, o processo caminha a passos de tartaruga. Por essa razão, é preciso o esforço da comunidade jurídica para que as modificações advindas da Emenda Constitucional supra-referida, no que tange à celeridade da tramitação e a duração razoável do processo sejam realmente concretizadas, e não perdurem apenas como “letra morta” na dialética do Direito.
Convidamos, portanto, a percorrer conosco, nestas breves linhas, alguns aspectos condizentes à possibilidade de indenização pela morosidade da prestação da tutela jurisdicional por parte do Estado.
O Direito é como uma orquestra filarmônica, que pulsa e vibra com cada instrumento musical. As influências do passado e do presente, além das perspectivas do futuro, estão sempre em evidência. Além disso, outras áreas do conhecimento também são responsáveis pela “construção do saber jurídico”. Assim, a História, a Filosofia, a Moral, a Cultura. A interdisciplinariedade, portanto, é latente e facilmente observável. Temos que estar preparados para nos ajustar da melhor forma possível às inovações, que podem ser tecnológicas ou médicas, ou mesmo comportamentais.
O processo lento, que traz apenas desconforto para a população, deve ser extirpado pela raiz, pois é responsável por uma insatisfação voraz e incessante descrédito de que “a justiça pode ser feita”. É sobre isso que passaremos a expor a seguir.
A duração do processo como dificuldade para o processo efetivo e a “crise do processo”
Luiz Guilherme Marinoni[1], de forma exemplar, indica:
Problema não menos significativo para o estudo do acesso à justiça é o da duração dos processos. A lentidão da justiça civil deve exigir cada vez mais atenção dos estudiosos do processo civil […] É óbvio que a morosidade processual estrangula os direitos fundamentais do cidadão. E o pior é que, algumas vezes, a morosidade da justiça é opção dos próprios detentores do poder […]. O uso arbitrário do poder, sem dúvida, caminha na razão proporcional inversa da efetividade da tutela jurisdicional.
Concordamos com o mestre. A lentidão na solução dos processos faz com que as pessoas que necessitam da proteção do Estado, e que o procuram na intenção de verem suas lides satisfeitas fiquem apenas desacreditadas, e culminem na não procura do aparelhamento judiciário, ou restando frustrados, ou, o que é pior, buscando solucionar cada qual do seu jeito, o que pode traduzir numa situação de insegurança coletiva.
Têmis[2], como sabemos, é personificada com vendas nos olhos. Aproveitamos aqui para referendar que as vendas não servem apenas para possibilitarem um julgamento imparcial, que é um dos maiores objetivos a serem alcançados no “dizer o direito”. Infelizmente, Têmis encontra-se também vendada para que não se depare com a lentidão do processo. Afinal de contas, são inúmeros os processos engavetados, à espera, muitas vezes, de meros despachos, ou de diligências, mas que, na contra-mão da certeza, esperam empoeirados à mercê da sorte dos acontecimentos. As partes, assim, além de esperarem infinitamente pela solução dos conflitos, ainda têm de escolher seus procuradores de forma por demais habilidosa, posto que estes é que serão “seus olhos e seus ouvidos” no bom andamento do processo.
Tudo isso, como já dito aqui mais de uma vez, leva ao descrédito da população, o que vem levando parte da doutrina moderna a denominar este cenário como “crise do processo”.
Sobre este aspecto, Pantin[3] observa:
A respeito da “crise” que se instalou no processo de execução, a doutrina nos traz três conotações: a primeira, de ordem mais restrita e específica, qual seja, a marcha processual que é impregnada de lentidão, seja pela paralisação temporária ou definitiva do processo, ou ainda, pelos manejos protelatórios que estendem a execução pelo máximo de tempo possível; a segunda, de ordem mais ampla, relativa à ineficácia desse tipo de procedimento, dada a satisfação não imediata do crédito, somada à “cartorialização” de interesses daqueles a quem o Estado confere poderes de comando e a quem falta fiscalização; e, por último, em decorrência da segunda, a dicotomia cognição-execução, que não permite a auto-execução por comandos decisórios e setoriais, de natureza condenatória.
Corroborando com este pensamento, Roesler[4] indica:
A chamada “crise” do processo de execução, longe de ser um problema exclusivamente brasileiro, é uma realidade mundial e não se refere apenas à execução forçada, mas ao processo como um todo. Essa problemática está diretamente ligada ao que chamamos de “crise de efetividade”, já que após um longo tempo de espera, as decisões judiciais não são cumpridas a contento. O grande desafio atual é buscar um processo modelo de “eficácia”, isto é, que pacifique com celeridade sem perder de vista o necessário respeito às garantias constitucionais.
[…]
Na realidade, a crise da execução tem origem na própria cognição que a precede. Se esta não for efetiva, rápida e adequada, invariavelmente teremos sérios problemas no momento de executar os provimentos jurisdicionais. Como já se apontou, mesmo após inúmeras reformas, o processo tradicional não tem sido capaz de solucionar tempestivamente os impasses e pacificar os conflitos a contento das partes. Esse problema se tornaria ainda mais grave na execução forçada, pois esta opera muito mais no plano fático do que jurídico, destinada que está a operar mudanças palpáveis na realidade das partes litigantes. O cidadão comum não consegue compreender por que a sentença não é cumprida logo após o término do processo, especialmente nas pequenas causas, onde o prejuízo do credor tem conseqüências ainda mais devastadoras.
Dessa feita, podemos, então, denotar que todas as informações explicitadas nos excertos dos autores supra-citados levam a crer que o processo civil necessita, urgentemente, passar por mais uma “repaginação”, no sentido de verificar os pontos negativos e tomar providências para extirpá-los da sistemática hodierna.
A “crise do processo”, como também restou claro no posicionamento de Roesler, tem íntima ligação com a idéia de efetividade processual. E a busca pela efetividade leva ao posicionamento de minoração do formalismo processual, principal agrura que pode ser destacada. Neste sentido, Cabral[5] facilmente observa:
A morosidade do Estado em assegurar ao cidadão que busca a tutela jurisdicional para a solução do conflito, bem como a demora dos ritos processuais associados a uma tramitação intrincada dos feitos leva às partes à renúncia ou à desistência de sua pretensão, gerando um descrédito no Poder Judiciário por não cumprir sua missão que é a pacificação social.
Dessa forma, podemos denotar que o descrédito no Poder Judiciário leva a uma “fuga” da população. Assim sendo, os particulares ficam cada vez mais ariscos em defender seus interesses jurídicos frente ao Judiciário, ou pelo fato de que “o mais poderoso sempre vence”, aliado à concepção de que “o pobre nada consegue, o rico pode tudo”, ou ainda pelo fato de que, tamanha é a demora que uma lide processual pode ter que é até normal o pensamento de que “o direito ficará para meus netos”. Essas concepções devem ser extirpadas.
E, para que isso seja possível, é necessário que o processo tenha duração razoável, e não mais perpetue-se no tempo, como vem acontecendo muitas vezes. Mas, afinal, o que vem a ser um processo com duração razoável? É o que passaremos a discutir a seguir.
Da duração razoável do processo
Já sabemos que a Emenda Constitucional nº 45/2004 possibilitou a criação de mais um inciso ao artigo 5º da Carta Maior, que garante “a razoável duração do processo”, bem como a “celeridade de sua tramitação”. Pois bem. O texto pecou apenas em uma questão, que foi a de não definir o que vem a ser razoável duração do processo. A fixação é em anos? Em meses? Em décadas?
Este silêncio legal abre, então, muitas discussões em torno da questão. Talvez pelo fato de a Emenda datar de 2004, não há ainda jurisprudência assentada em torno da questão. Isso torna a questão ainda mais difícil, pois que fica então à mercê do entendimento de cada magistrado. E é questão de lógica e plausibilidade chegar-se à conclusão de que não há juiz que admita que referido processo, por estar tramitando em morosidade, possibilite à parte ofendida uma indenização, responsabilizando o Estado, por meio da máquina judiciária.
Qual a possibilidade que podemos recorrer? Bom, de acordo com nosso entendimento, não é pelo fato de que ainda não existem decisões dos Tribunais a respeito que façam permitir o prejuízo advindo da morosidade na condução do processo. Pois, como sabemos, é preciso recorrer ao Judiciário sempre que necessário para expurgar as dificuldades.
A dificuldade em se quantificar a noção de razoável leva alguns a explicitar que “a duração razoável do processo é sonho do legislador”[6]. É latente que o dispositivo é lacônico. Por isso, buscamos entender a extensão da expressão “duração razoável”.
Luís Carlos Moro[7], sobre este aspecto, leciona:
[…] o que é razoável duração do processo? No que tange aos termos duração e processo, substantivos, há pouca margem para dúvidas. Mas o adjetivo “razoável” deixa, na verdade, a razão de lado. O adjetivo, na realidade, prestigia uma discricionariedade do próprio constrangido pela norma: em outras palavras, é o juiz que dirá o que é “razoável duração do processo” que lhe incumbe conduzir à satisfação final […]. Na prática, porém, caberá ao Judiciário estabelecer o que é razoável para si. Mas esse parâmetro, sem dúvida, pressupõe a atuação dos advogados, os quais devem exigir, como um explícito direito constitucional, líquido e certo, a aplicação dos princípios da celeridade e da duração razoável do processo.
Do que podemos denotar, da leitura simples do excerto acima, é de que o pensamento do autor é bastante semelhante com o nosso. A atuação dos advogados, neste aspecto, é sem sombra de dúvidas ímpar, pois atuarão com força para fazer efetivar que o processo seja, diante de cada caso concreto, razoável, bem como célere. Pois, como assevera José Maria Tesheiner[8]:
Toda norma constitucional tem alguma eficácia e o princípio da “duração razoável do processo” servirá, pelo menos, como fundamento para ações de indenização contra o Poder Público, numa lógica de ferro: se o Estado veda a defesa privada, obrigando-se a prestar a jurisdição em tempo razoável, deve indenizar quem a obteve, mas tardiamente. Teremos, portanto, mais ações, que exigirão mais juízes para julgá-las, e mais fundamentos, para extrair dinheiro do Tesouro do Estado.
Concordamos em termos com o entendimento acima. Primeiramente, com a inserção do inciso pela Emenda Constitucional nº 45/2004, é lógico que a partir de agora haverá maior possibilidade para se impetrar ação de indenização pela demora no julgamento por parte do Judiciário. Todavia, e é aqui que não concordamos com o autor em destaque, não entendemos que será necessária a existência de mais juízes e fundamentos concretos e plausíveis para “extrair dinheiro do Tesouro do Estado”. Não se trata simplesmente de ganhar dinheiro do Estado. A preocupação é bem maior do que esta. O que se garante com a redação do inciso LXXVIII, ao nosso ver, é de que aquele que se sentir prejudicado tem, sim, direito a indenização pela demora. Não serve apenas como compensação patrimonial, pois isso seria uma atitude por demais mesquinha e abominável. O que deve ser exarado é que não se pode deixar que um litigante espere cinco anos para ter uma sentença num processo de conhecimento, mais três para executar aquela decisão, e isso sem contar na infinidade de recursos que podem ser impetrados e que podem possibilitar décadas de discussões, com intuito, portanto, apenas protelatório. Ao final, quando o pleito for realmente concretizado, ou o litigante não é mais o mesmo[9], ou nem acredita que realmente viu seu direito garantido.
Esta última possibilidade, a de que o litigante nem sequer acredita que seu direito seja realmente atingido, às vezes apenas decepciona a parte. Afinal, pode dar a sensação de que “ganhou mas não levou”. Pois, de que adianta ver garantido em sentença que a parte ré é condenada a pagar R$1.000,00 à parte autora, se nada na verdade está garantido?! Apesar de o direito seu estar ali destacado, o autor tem que lançar mão à impetração de uma nova ação, desta vez de execução, para garantir aquilo que já estava de certa forma garantida no processo cognitivo.
Paulo Hoffman[10], ainda sobre o tema do princípio da duração razoável do processo, indica:
Sem se esquecer da importância e relevância dos demais princípios, a duração do processo tem se caracterizado como ponto de grande preocupação e atenção dos operadores e estudiosos do direito, porquanto uma Justiça que tarda é sempre falha. Independentemente da razão ao final ser atribuída ao autor ou ao réu, a demora na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas desconforto, ansiedade e, na maioria das vezes, prejuízos de ordem material a exigir a justa e adequada solução em tempo aceitável.
Ainda sobre a razoabilidade, indicamos o posicionamento de Francisco Fernandes de Araújo[11], que aduz, com bastante propriedade:
A razoabilidade do prazo deve estar vinculada com a emergência que toda pessoa tem de uma imediata ou breve certeza sobre a sua situação jurídica. Já se disse que um juiz que não tem tempo substantivo para resolver a legalidade de uma detenção imediatamente, por exemplo, é porque não tem tempo para ser juiz. O ideal seria obedecer aos prazos previstos pela própria lei, pois se o legislador os adotou já foi de caso pensado e não aleatoriamente. Contudo, considerando determinados fatores surgidos posteriormente à edição da lei, é possível que venham a dificultar um pouco mais a entrega da prestação jurisdicional nos prazos fixados, nascendo, então, uma certa dificuldade para fixar o que seria um prazo razoável para cada caso concreto.
São também interessantes as indagações de Thiago Caversan Antunes[12], sobre o assunto:
Afinal, o que pode ser considerado razoável, no que se refere ao prazo de duração do processo (art. 5º, LXXVIII)? A garantia de um processo com duração razoável não seria decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, expressamente coroado no art. 1º, III, da Constituição Federal? Quais medidas devem ser tomadas para efetivar a possibilidade de duração razoável do processo? E, por fim, quais efeito decorrerão da não observância da nova garantia constitucional?
De fato, também achamos que o princípio da duração razoável do processo é decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana. Este princípio tem muita importância na matéria civilística pátria. Todavia, não é nossa intenção, pelo menos no momento, de discorrer sobre ele.
Volvendo às questões apresentadas pelo Antunes acima, entendemos ser melhor discorrer sobre elas no tópico a seguir.
Da possibilidade de indenização pela morosidade da prestação jurisdicional
Chegamos agora ao ponto central do presente artigo, qual seja, da possibilidade de indenização pela demora na prestação. Afinal de contas, como possibilitar que a nova sistemática jurídica, trazida pelo inciso LXXVIII do art.5º seja realmente efetivado?!
Bom, como bem sabemos, infelizmente é preciso lançar mão da coerção, para se evitar que algumas disposições protegidas pelas legislações não acabem por tornar-se letra morta. E isto por uma razão simples… devido a grande lentidão no andamento dos processos, as partes, por meio dos seus procuradores, têm que lançar mão de estratégias jurídicas, a fim de verem seus direitos plenamente garantidos.
Atrelado ao tema da possibilidade de indenização acima proposto, vejamos também a redação do art. 37, §6º da Constituição Federal, que dispõe:
Art. 37. […]
§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Tal dispositivo é relativo à responsabilidade civil do Estado. No que tange a este tema, vejamos a indicação de Danielle Alheiros Diniz[13]:
A Constituição Brasileira de 1988, em seu §6º do artigo 37, ao prever que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, adotou a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, com fundamento no risco que é inerente à atividade estatal, seja comissiva ou omissiva.
O que se questiona é se esse dispositivo enquadra as atividades jurisdicionais, haja vista sua omissão. No entanto, melhor seria considerar que o dispositivo acima não é discriminativo quanto às atividades do Estado, e não omisso. Isso se deve, por serem notórias as funções exercidas pelo Poder Público: administrar, fiscalizar, legislar e julgar.
Não se justifica excluir a atividade jurisdicional do artigo 37, §6º, se assim tivesse intenção, o legislador complementaria o dispositivo constitucional excluindo expressamente este tipo de atividade à responsabilidade do Estado.
Assim, a menos que exista legislação específica em sentido contrário, quando um Estado adota a regra da responsabilidade objetiva pelos seus atos, é inegável que o faz para todas as suas atividades, inclusive aquela jurisdicional.
Também se discute se o juiz está incluído na acepção de agente usado no texto constitucional supracitado. Ora, o juiz age em nome do Estado com a função de prestar a atividade jurisdicional que foi confiada ao Estado-Juiz.
Do que pode ser observado da leitura mais acurada do excerto acima destacado, ratificamos e entendemos que o magistrado, bem como os funcionários a ele vinculados também podem ser responsabilizados por atos ou omissões por eles causados. Haja vista não haver uma proibição expressa no texto legal, não há por que razão não se incluírem tais pessoas como sujeitos passivos, a depender de cada situação trazida no caso concreto.
Ainda sobre a teoria objetiva de responsabilização do Estado, destacamos José dos Santos Carvalho Filho[14]:
Foi com lastro em fundamentos de ordem política e jurídica que os Estados passaram a adotar a teoria da responsabilidade objetiva no direito público. Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos.
Sabemos que a morosidade no andamento dos processos existe. E, no intuito de deixar esta afirmação bem delimitada, vejamos[15]:
No Brasil, a demora entre o início da ação e o seu término tem várias causas: seja ela burocrática – que consome 70% do tempo de tramitação do processo, seja pelo número excessivo de recursos cabíveis – há processos com até 120 recursos, seja pela insuficiência do número de juízes – há um juiz para cada 14.000 habitantes, seja pela quantidade de ações – 12 milhões por ano ou por tantas outras desculpas que não justificam a eternização dos processos.
Talvez também no intuito de minorar esta agrura de acúmulo de processos, o que conseqüentemente traz a demora no julgamento das ações, a própria Emenda Constitucional nº 45/2004 indica, no artigo 93, XIII, que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”.
Isto, certamente, auxiliará – e muito – na extirpação dos entraves atualmente existentes. É preciso, agora que a norma já traz todas essas proteções, que sejam realmente efetivadas, postas e exercício, concretizadas, enfim. Pois, apenas assim a efetividade e a noção de “ordem jurídica justa” estará plenamente reinando no ordenamento jurídico do país. A população é sedenta de justiça. O aparelhamento judiciário tem ferramentas para que esta justiça seja verificada na análise de cada caso sub judice. É preciso haver até mesmo vontade política, para que o que está garantido constitucionalmente realmente saia do papel e tome voz no meio jurisprudencial e judiciário como um todo. José Augusto Delgado[16] indica, com propriedade:
O final do século XX tem revelado uma constante preocupação da comunidade jurídica com direito do cidadão de buscar, no âmbito do Poder Judiciário, a solução para entrega rápida da prestação jurisdicional, hoje erigida, em nosso ordenamento legal, como direito substancial de natureza individual ou coletivo. A eficácia da prestação jurisdicional, ao lado da rapidez, tem sido, também, uma garantia do cidadão que se consagra como de natureza elevada no corpo de qualquer Carta Magna.
Mas afinal de contas, qual seria a forma mais adequada para se exigir do Judiciário uma prestação razoável e célere? Como o direito a receber a tutela jurisdicional é líquido e certo, nosso entendimento é de que pode ser cabível mandado de segurança para garantir a efetivação. Vejamos a indicação a seguir, ao qual também nos filiamos[17]:
Acertado, outrossim, condenar o retardamento ocasionado pela injustificada conduta das autoridades competentes, na direção do processo. Mas, de qualquer modo, a desgastada e já surrada alegação de excesso de processos não deve ser considerada como justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional, conforme reconhecido pela Corte Européia dos Direitos do Homem, que, em junho de 1987, condenou o Estado italiano a indenizar uma litigante nos tribunais daquele país pelo dano moral “derivante do estado de prolongada ansiedade pelo êxito da demanda”. Por esta decisão […], verifica-se que, em caso de morosidade processual indevida, cabe indenização por danos materiais e também morais.
Chegamos à conclusão, a partir do texto em destaque, que pode sim caber ação de danos morais contra o Estado (pautada, portanto, na responsabilidade objetiva do mesmo), bem como também é possível ingressar com mandado de segurança, nos casos em que o magistrado é o responsável pela lentidão no andamento do processo.
Deve ser considerada, ainda, a possibilidade de a causa da morosidade no andamento do processo ser causada por uma das partes. Neste caso, vejamos a redação do art. 14 do Código de Processo Civil:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
[…]
V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais de natureza antecipatória ou final
Dessa feita, é latente o fato de que as partes devem participar no processo com lealdade e respeito. Se assim não proceder, o magistrado pode lançar mão da aplicação, desde que a parte prejudicada faça pedido neste sentido, da litigância de má-fé, condenando a parte ao pagamento de multa, multa esta que, ao nosso ver, pode chegar ao montante de 40% do valor da causa, em sendo aplicadas conjuntamente as disposições do parágrafo único do art. 14 e do art. 20.
Bom, ressalvados os casos de litigância de má-fé, volvamos à questão da ação de indenização. Assim, por tudo o que indicamos até o momento, somos do posicionamento de que é plausível a ação de danos morais. Afinal de contas, há proteção constitucional e da própria sistemática processual pátrio.
Também indicamos a possibilidade de se impetrar com o mandado de segurança diante da concretude do direito líquido e certo em questão. Corroboramos o pensamento de Maurício Lindenmeyer Barbieri[18]:
O problema da morosidade do processo está ligada, fundamentalmente, à estrutura do Poder Judiciário – uma adequada relação entre o número de juízes e o número de processos – mas também a um adequado sistema de tutela dos direitos. Um procedimento que desconsidera o que se passa nos planos do direito material e da realidade social, obviamente, não poderia propiciar uma tutela jurisdicional depende da predisposição de procedimentos adequados à tutela dos direitos e somente é possível a construção de tutelas jurisdicionais adequadas olhando-se de fora para dentro, ou seja, a partir do plano do direito material. A neutralidade do procedimento ordinário não permitiu ao operador do direito, por muito tempo, sequer perceber que o ônus do tempo do processo não pode ser jogado nas costas do autor, como se este fosse o culpado pela má estrutura do Poder Judiciário e pela falta de efetividade do procedimento comum.
Assim, podemos considerar que é preciso haver uma reformulação na sistemática processual, no sentido de se concretizar efetivamente a “ordem jurídica justa”, através da efetividade do processo.
Os instrumentos para que a morosidade processual acabem já foram garantidos com a Emenda Constitucional nº 45/2004. Resta apenas agora aos operadores dar sentido a essas disposições, fazendo com que ações possam ser feitas e executadas contra o Estado-Juiz, a fim de garantir a prestação jurisdicional de forma célere, justa e razoável.
Afinal de contas, ninguém almeja esperar eternamente por uma prestação, que a cada dia parece ser ainda mais demorada. É preciso arregaçar as mangas e transmudar a situação. O clamor de justiça é ouvido em toda parte. E justiça tardia é justiça falha.
Algumas considerações finais
Este artigo não pretende de modo algum encerrar com a discussão em torno da possibilidade de indenização pela morosidade da prestação jurisdicional. Pelo contrário, tem por escopo possibilitar o início de um debate que ainda tem muito a ser dito. Do que expusemos até o momento, podemos chegar às seguintes conclusões:
1) A Reforma do Judiciário tomou corpo e existência plena a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, o que vem possibilitando algumas alterações na sistemática do Direito. Merece destaque a criação do inciso LXXVIII ao artigo 5º da Carta Maior, trazendo à baila mais dois princípios constitucionais: o da duração razoável do processo e o da celeridade processual;
2) Também mereceu destaque nestas linhas a discussão em torno da chamada “crise do processo”, juntamente com a também crise em busca da efetividade judicial, com a celeridade e a justiça do caso concreto. É a necessidade de se extirpar com certos formalismos burocráticos, que apenas incitam para que o processo, que já é lento, quase não caminhe. Deve-se buscar, enfim, a concretude dos direitos, num ideal de “justiça justa”;
3) A partir das disposições legais que entraram no ordenamento jurídico há pouco, cumpre ressaltar que aos operadores do direito é dado agora fazer efetivar tudo o que está assegurado na Constituição de 1988, através de ações de indenização no intuito de forçar o Estado-juiz a garantir a solução do caso concreto no menor tempo possível, e de forma mais justa;
4) A lentidão do processo precisa ser extirpada, do modo mais urgente possível. E a forma que parece mais plausível é através da impetração de mandados de segurança (em virtude do direito líquido e certo de ter “direito a uma prestação jurisdicional”) ou mesmo da ação de danos morais, em virtude da demora incansável de anos e mais anos;
5) A falta de respeito para com as partes deve ser extirpada de vez. Talvez seja apenas um sonho idílico. Mas, como bem indica a canção: “sonho que se sonha junto é realidade”. Façamos contribuir para uma ordem jurídica mais preocupada com a realidade societária, na qual Têmis use apenas vendas nos olhos para garantir a imparcialidade dos julgamentos. Nada mais além disso.
Notas
Informações Sobre o Autor
Bárbara Martins Lopes
Advogada, Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco