Resumo: Um dos direitos fundamentais em nosso ordenamento jurídico é o da liberdade de locomoção do indivíduo, sendo admitido o seu cerceamento somente em situações específicas para garantir o harmônico convívio da sociedade. Através deste trabalho, procura-se tecer algumas reflexões sobre o tema, em especial a permissão constitucional de prisão, independentemente de ordem judicial, diante da prática de crimes propriamente militares. Entende-se que o assunto reflete grande importância e necessita um aprofundamento doutrinário, visando a possibilitar que o permissivo constitucional seja aplicado com todas as cautelas necessárias, evitando assim a violação de direitos fundamentais.
Palavras-chave: Crimes Militares. Prisão. Artigo 5º, LXI, CF/88.
Sumário: Introdução. 1. A possibilidade de prisão nos crimes propriamente militares. 1.1. Distinção entre transgressão disciplinar e crime militar. 1.2. Crime propriamente militar. 1.2.1. Crimes propriamente militares em espécie. 2. Fundamento da autorização constitucional. 3. Efetivação do permissivo constitucional. 3.1. Quem pode efetuar a prisão. 3.2. Formalidades a serem respeitadas por quem efetiva a prisão. Conclusão.
Introdução
Levando-se em conta que o direito à liberdade é um direito fundamental de todos, insculpido no art. 5º, caput, da CF[1], pode-se afirmar que a prisão somente é permitida como exceção à regra geral da liberdade. Em nossa ordem legal a liberdade é a regra geral e seu cerceamento é a exceção e somente pode ser decretado em situações específicas.
Para abordar o tema, apresenta-se o presente artigo que tem por objetivo alinhar algumas reflexões sobre o assunto, com breve análise acerca do permissivo constitucional de prisão em caso de crimes militares, independentemente de ordem judicial.
Na continuação, far-se-á, ainda, uma explanação dos crimes propriamente militares e colocação sobre a forma de efetivar a autorização inserta na Constituição Federal.
Para finalizar, passar-se-á a uma conclusão sobre o estudo realizado sobre o tema proposto.
Como o objetivo do artigo é possibilitar uma fácil compreensão por parte do leitor sobre os pontos abordados, procurou-se simplificar a exposição. O estudo do assunto proposto se deu através da pesquisa doutrinária e legislativa.
1. A possibilidade de prisão nos crimes propriamente militares
É de conhecimento geral que o cerceamento da liberdade, através da prisão de um indivíduo, deve ser encarado como exceção dentro do sistema legal pátrio.
Isso acontece em função do Brasil encontrar-se dentro de um Estado Democrático de Direito, regido pelo princípio da presunção de inocência, conforme regras impostas na Constituição Federal:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito… (grifou-se).
Art. 5º. LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;”
Ocorre que, o próprio artigo que prevê a presunção de não-culpabilidade estabelece as exceções onde a pessoa pode ter sua liberdade restringida, ou seja, nos casos de prisão em flagrante, determinação judicial, transgressões disciplinares no meio militar e crimes propriamente militares.
A permissão da prisão em flagrante decorre da necessidade de proteção social, onde qualquer cidadão, no exercício regular de um direito autorizado pelo sistema, pode efetuar a constrição de indivíduo que se encontre cometendo um delito. Isso se dá em razão do Estado não poder estar presente em todas as situações em que esteja ocorrendo um ilícito penal.
Nos casos de determinação judicial, as prisões resultam ou da necessidade preventiva de que o indivíduo permaneça acautelado (para garantir a aplicação da lei, para evitar que subverta as investigações, etc.) ou, ainda, do cumprimento de pena imposta em um processo penal.
Já no meio militar, a imposição de prisão quando ocorre uma transgressão disciplinar se impõe em razão da necessidade de uma resposta rápida à alteração comportamental de subordinado, a fim de manter intactas a hierarquia e a disciplina dentro da tropa, princípios basilares e essenciais à manutenção das Forças Armadas.
Por fim, apresentam-se os casos de crimes propriamente militares, dos quais se fará uma análise mais detida no decorrer do trabalho.
1.1. Distinção entre transgressão disciplinar e crime militar
A distinção entre transgressão disciplinar e crime militar está consubstanciada em sua natureza quantitativa.
As transgressões disciplinares estão adstritas a comportamentos administrativos com reprimendas aplicadas pelo superior hierárquico dentro de sua competência administrativa.
Pode-se dizer que as transgressões comportam descumprimento de deveres militares em uma gradação inferior ao descumprimento abrangido pelos crimes militares.
Nos dizeres de Coimbra Neves (2012, p. 102): “No que se refere especificamente às esferas penal militar e disciplinar, há uma tendência a se compreender, em princípio, que constituem elas círculos concêntricos, o que permite afirmar que nem toda transgressão é crime, mas todo crime é transgressão.” O autor complementa sua colocação afirmando que o indivíduo que comete um crime militar é indisciplinado porque todos os regulamentos disciplinares consagram o respeito à lei como um dever disciplinar.
1.2. Crime propriamente militar
Crime propriamente militar é aquele que só pode ser cometido por militar. A única exceção a essa regra é o crime de insubmissão (indivíduo que, após seleção inicial e indicação da Unidade Militar na qual deverá ser incorporado no serviço militar obrigatório, deixa de comparecer para apresentação ou, mesmo se apresentando na data, ausenta-se antes da incorporação), onde o agente comete o crime sendo, ainda, civil (pois não chegou a incorporar).
Todos os crimes propriamente militares estão previstos no Código Penal Militar em seu artigo 9º (em tempo de paz) e 10 (em tempo de guerra), sendo que o artigo 9º é que traz a definição de como esses crimes podem ser cometidos:
“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996)
III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica. (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011).”
Da leitura do dispositivo, já se percebe que os crimes militares podem ser cometidos tanto por militares quanto por civis, sendo que a diferença ocorre quanto ao processamento destes crimes perante a Justiça.
No caso do civil cometer um crime militar contra as Forças Armadas, ele será processado diante da Justiça Militar da União; já se cometer um crime militar contra uma Instituição Militar Estadual (Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militares) ele será processado perante a Justiça Comum Estadual já que a Constituição Federal prevê que somente militares podem ser processados perante a Justiça Militar Estadual[2].
Outra exceção quanto ao processamento dos crimes militares é o daqueles cometidos de forma dolosa contra a vida de civis que, mesmo que o autor seja militar (federal ou estadual), a competência para processo e julgamento é da Justiça Comum Estadual.
1.2.1. Crimes propriamente militares em espécie
Feitas as colocações acima, cumpre estabelecer quais são, em espécie, os crimes propriamente militares, todos, como dito, previstos no Código Penal Militar:
“Motim
Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados:
I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la;
II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência;
III – assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior;
IV – ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar.
Revolta
Parágrafo único. Se os agentes estavam armados.
Organização de grupo para a prática de violência
Art. 150. Reunirem-se dois ou mais militares ou assemelhados, com armamento ou material bélico, de propriedade militar, praticando violência à pessoa ou à coisa pública ou particular em lugar sujeito ou não à administração militar:
Omissão de lealdade militar
Art. 151. Deixar o militar ou assemelhado de levar ao conhecimento do superior o motim ou revolta de cuja preparação teve notícia, ou, estando presente ao ato criminoso, não usar de todos os meios ao seu alcance para impedi-lo:
Conspiração
Art. 152. Concertarem-se militares ou assemelhados para a prática do crime previsto no artigo 149.
Violência contra superior
Art. 157. Praticar violência contra superior.
Recusa de obediência
Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução.
Reunião ilícita
Art. 165. Promover a reunião de militares, ou nela tomar parte, para discussão de ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar.
Publicação ou crítica indevida
Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo.
Insubmissão
Art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação.
Deserção
Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias.
Casos assimilados
Art. 188. Na mesma pena incorre o militar que:
I – não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias, findo o prazo de trânsito ou férias;
II – deixa de se apresentar a autoridade competente, dentro do prazo de oito dias, contados daquele em que termina ou é cassada a licença ou agregação ou em que é declarado o estado de sítio ou de guerra;
III – tendo cumprido a pena, deixa de se apresentar, dentro do prazo de oito dias;
IV – consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, criando ou simulando incapacidade.
Deserção especial
Art. 190. Deixar o militar de apresentar-se no momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante, ou do deslocamento da unidade ou força em que serve.
Concerto para deserção
Art. 191. Concertarem-se militares para a prática da deserção.
Deserção por evasão ou fuga
Art. 192. Evadir-se o militar do poder da escolta, ou de recinto de detenção ou de prisão, ou fugir em seguida à prática de crime para evitar prisão, permanecendo ausente por mais de oito dias.
Omissão de oficial
Art. 194. Deixar o oficial de proceder contra desertor, sabendo, ou devendo saber encontrar-se entre os seus comandados.
Abandono de posto
Art. 195. Abandonar, sem ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo.
Descumprimento de missão
Art. 196. Deixar o militar de desempenhar a missão que lhe foi confiada.
Retenção indevida
Art. 197. Deixar o oficial de restituir, por ocasião da passagem de função, ou quando lhe é exigido, objeto, plano, carta, cifra, código ou documento que lhe haja sido confiado.
Omissão de eficiência da força
Art. 198. Deixar o comandante de manter a força sob seu comando em estado de eficiência.
Omissão de providências para evitar danos
Art. 199. Deixar o comandante de empregar todos os meios ao seu alcance para evitar perda, destruição ou inutilização de instalações militares, navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado em perigo.
Omissão de providências para salvar comandados
Art. 200. Deixar o comandante, em ocasião de incêndio, naufrágio, encalhe, colisão, ou outro perigo semelhante, de tomar todas as providências adequadas para salvar os seus comandados e minorar as consequências do sinistro, não sendo o último a sair de bordo ou a deixar a aeronave ou o quartel ou sede militar sob seu comando.
Omissão de socorro
Art. 201. Deixar o comandante de socorrer, sem justa causa, navio de guerra ou mercante, nacional ou estrangeiro, ou aeronave, em perigo, ou náufragos que hajam pedido socorro:
Embriaguez em serviço
Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá-lo.
Dormir em serviço
Art. 203. Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente, ou, não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante.
2. Fundamento da autorização constitucional
Depois de enumerados, cabe a resposta à pergunta: por qual razão o legislador constitucional permitiu a prisão dos autores de crimes propriamente militares sem a intervenção de autoridade judiciária?
Pela mesma razão que permite a prisão nos casos de transgressões militares, pronta resposta à alteração dentro do corpo da tropa em situações em que o segregamento visa a manter o binômio hierarquia/disciplina intacto.
Claro que, se o sistema permite a restrição da liberdade do militar que cometeu uma transgressão disciplinar, não faria sentido não autorizar a prisão daquele que tenha cometido um crime propriamente militar, situação muito mais grave que a anterior.
Nestas ocasiões, a intervenção da autoridade militar deriva da necessidade de prevenção, tanto geral como especial, ou seja, inibir que o militar cometa novamente o delito e, ainda, desestimular a ação de outros militares a incorrerem no mesmo erro.
Isso ocorre porque tanto o treinamento quanto a efetiva atuação dos militares são voltados para situações em que o indivíduo deve estar sempre pronto para atuar, não podendo questionar a ordem superior, ocasiões em que o descumprimento das normas poderia custar a vida de muitas pessoas, além da própria.
Imagine-se o caso em que, no meio de um combate, o militar abandonasse suas armas e desertasse, deixando desguarnecidos seus companheiros e permitindo o ataque do inimigo; ou ainda, do policial militar que deixe de obedecer a ordem de superior para intervir em roubo em andamento, vindo a causar a morte das vítimas.
As instituições militares são absolutamente necessárias para garantir a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito e sua eficiência deriva, justamente, do treinamento rigoroso advindo do profundo respeito aos princípios constitucionalmente estabelecidos – hierarquia e disciplina[3].
3. Efetivação do permissivo constitucional
Como já visto, a Constituição Federal estabeleceu exceções ao direito fundamental da liberdade de locomoção. Entre as exceções estabelecidas está a prisão, independentemente de ordem judicial, em caso de crimes propriamente militares.
Entretanto, a forma como se dará a efetivação do permissivo constitucional na prática não vem disciplinada na norma infraconstitucional, como ocorre, por exemplo, com a prisão em flagrante.
Assim, entende-se que se faz necessário analisar com mais profundidade o assunto para encontrar a maneira adequada de viabilizar a referida prisão.
3.1. Quem pode efetuar a prisão
Já foi colocado que a prisão inserta na ressalva do inciso LXI do art. 5º da CF/88 referente aos crimes propriamente militares tem como fundamento a manutenção dos princípios da hierarquia e da disciplina, considerados os “pilares” das Forças Armadas e das Instituições Militares Estaduais.
Diante desta constatação não resta outra conclusão acerca da competência para realizar a prisão do militar que tenha cometido um crime propriamente militar, senão a de que somente um superior hierárquico poderá efetivá-la.
Diferentemente da prisão em flagrante, onde qualquer cidadão poderá efetuar a prisão de quem esteja cometendo um crime, aqui, como a ação visa ao resguardo da disciplina e da hierarquia, somente o superior hierárquico tem a devida competência para a detenção do criminoso.
Ressalte-se que, caso não tenha na Unidade Militar nenhum outro militar superior ao que cometeu o crime, o fato deverá ser comunicado à autoridade militar que detenha tal condição para que esta proceda a prisão.
3.2. Formalidades a serem respeitadas por quem efetiva a prisão
Considerando-se que a legislação infraconstitucional não prevê a forma como se efetivará a prisão em casos de crimes propriamente militares, como o faz no caso da prisão em flagrante, entende-se que a autoridade competente para efetivar a referida prisão deverá respeitar os direitos que a própria Constituição assegura ao preso.
Os direitos garantidos ao preso pela Carta Magna estão previstos em seu art. 5º nos incisos abaixo transcritos:
“LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
LXIV – o preso tem o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.”
Dessa forma, a autoridade competente deverá formalizar a prisão tendo o cuidado de documentar suas ações, assegurando ao preso todos os direitos constitucionais e registrando que tais providências foram tomadas, sob pena de ilegalidade da prisão efetuada.
Tão logo formalizada, a prisão deverá ser imediatamente comunicada à autoridade judiciária, colocando-se o preso a sua disposição. Também cabe a imediata comunicação ao Ministério Público Militar, em atenção ao disposto no art. 10 da LC nº 75/93[4].
Recebendo a comunicação, a autoridade judiciária examinará os registros da prisão para verificar se foram garantidos ao preso todos os direitos a que faz jus; havendo alguma irregularidade a prisão será imediatamente relaxada[5].
Não verificando nenhuma irregularidade, a autoridade judiciária passará a analisar se existe algum motivo que autorize a decretação da prisão preventiva; em caso positivo, homologará a prisão realizada decretando a prisão preventiva, sendo que esta, a partir deste momento, passará a fundamentar a constrição; por outro lado, inexistente causa que autorize a custódia preventiva, homologará a prisão anterior, mas concederá liberdade provisória ao preso[6].
Conclusão
A breve abordagem realizada acerca da autorização constitucional para a prisão em caso de crimes propriamente militares, independentemente de ordem judicial, demonstra que o legislador constituinte entendeu que os princípios basilares das Forças Armadas e das Instituições Militares Estaduais, a hierarquia e a disciplina, não podem restar afrontados sem uma pronta resposta por parte da autoridade militar.
Isto se dá porque a própria soberania do Estado depende da organização de suas Forças Militares. Para tanto, o legislador excepcionou o direito fundamental da liberdade de locomoção.
Não se pode conceber a prática de crimes propriamente militares sem uma resposta imediata para resguardar a disciplina da tropa. Se a prisão do militar infrator tivesse que ser antecedida de autorização judicial – o que demandaria um tempo razoável – iria resultar no não-atendimento de seu principal objetivo, qual seja, a pronta resposta.
Deve-se notar que, embora a Constituição Federal permita que a autoridade militar, de imediato, realize tal prisão, também exige que, no mesmo ato, todos os direitos do preso sejam respeitados, sob pena de ilegalidade.
Entende-se que, em se respeitando os direitos constitucionalmente assegurados ao preso, tem-se a garantia de que a prisão não se prestará para atos de abuso de poder ou perseguições, pois, com a imediata colocação do preso à disposição da autoridade judiciária (um dos direitos que lhe é assegurado), esta poderá analisar se é o caso, ou não, de decretação de sua prisão preventiva.
Verifica-se então, que o próprio legislador constituinte estabeleceu uma proporcionalidade entre o direito fundamental da liberdade e o resguardo dos princípios basilares das Forças Militares, estabelecendo, ainda, direitos ao preso que obrigatoriamente deverão ser respeitados pela autoridade militar que efetuar a prisão.
Para finalizar, ressalta-se que o legislador pátrio, com extrema responsabilidade, garantiu à autoridade militar a possibilidade de restaurar a disciplina e a hierarquia em sua Unidade, não permitindo que o desvio de conduta de um indivíduo desestruture toda uma tropa, o que poderia colocar em risco, em última análise, a própria soberania nacional.
Informações Sobre os Autores
Maria Denise Abeijon Pereira Gonçalves
Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco, RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas, RS. Analista Judiciária da Justiça Militar da União, desde 2000, atualmente lotada em Porto Alegre/RS
Sidnei Carlos Moura
Especialista em Direito na Administração Pública pela Universidade Castelo Branco, RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, PR. Técnico Judiciário da Justiça Militar da União, desde 1994, atualmente Diretor de Secretaria da 1ª Auditoria da 3ª CJM em Porto Alegre/RS