Resumo: O presente trabalho tem como objetivo estudar a intervenção do Estado na regulação dos contratos de câmbio em importação e exportação, como instrumento para atingir as metas de política econômica estabelecidas pela “ideologia constitucionalmente adotada” nos princípios da ordem econômica constitucional. Para ao final concluir que a intervenção do Estado na regulação do contrato de câmbio extrapola a mera intervenção na liberdade e autonomia do contratante, contida no “dever ser” do mundo jurídico, para operar então na esfera “ser” macroeconômico. –
Palavras chave: Contrato de Câmbio – Intervenção – Política Econômica
Abstract: The present work aims to study the state intervention in the regulation of foreign exchange contracts in import and export as a tool to achieve the goals of economic policy laid down by the “ideology constitutionally adopted” the principles of constitutional economic order. To conclude at the end state intervention in the regulation of the exchange agreement goes beyond the mere intervention in the freedom and autonomy of the Contractor contained in the “sein” of the legal world, then to operate on the “sollen” of macroeconomics.
Keywords: Foreign Exchange Contract – State Intervention – Economic Policy
Sumário: 1. Introdução 2. Intervenção do estado na ordem econômica. 3. Aspectos gerais do mercado de câmbio. 4. A regulamentação do mercado de câmbio. 4.1. A regulamentação do contrato de câmbio. 5. Tipos de contratos de câmbio. 5.1. Exportação. 5.2. Importação. 5.3. Contratos de câmbio nas transferências financeiras. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.
1 – INTRODUÇÃO
Durante os séculos seguintes, as relações comerciais entre povos não foram necessariamente sinônimo de boas relações políticas entre seus respectivos Estados ou Cidades-Estado. Foi somente a partir da formação dos Estados Nacionais e do subseqüente abandono dos princípios da moralidade católica, que reinaram durante a Idade Média[1], e a partir do surgimento na esfera política do conceito da raison d’etat, que veio a servir de base ideológica para a expansão político-econômico dos Estados Absolutistas[2], que o Estado começou a ter maior participação nos negócios da vida privada.
“O Estado nacional moderno e a economia internacional moderna surgiram simultaneamente. O processo de integração de regiões e cidades semi-autonômas em um Estado Nacional foi um processo ao mesmo tempo político e econômico. Em sua dimensão política este processo deu origem ao Estado Absolutista, e em sua dimensão econômica levou ao surgimento do sistema que ficou conhecido como mercantilismo. Foi a expansão comercial dos Estados nacionais modernos que criou as condições institucionais para a criação de uma economia mundial e a base econômica para o capitalismo industrial[3].” (Gonçalves; 1998:3) (grifos nossos)
Dessa evolução histórica, chegando por fim à internacionalização do comércio na era moderna, surgiu a necessidade de se desenvolver um sistema de pagamentos que atendesse às necessidades dos agentes participantes, uma vez que, na maioria dos países, e o Brasil não é diferente, as suas respectivas moedas nacionais têm curso forçado, o que inibe o pagamento de transações comerciais internacionais com estas moedas, pois, como nos explica Bruno Ratti:[4].
“No mercado interno, portanto, não existe o problema do poder liberatório da moeda nacional, pois ninguém poderá recusar-se a recebê-la em pagamento. Alias, no caso do Brasil, a nossa legislação proíbe o uso de moedas estrangeiras nas transações internas, bem como – com algumas poucas exceções – o seu depósito em conta corrente, junto a bancos ou firmas existentes no país. Estabelece, também a nulidade de qualquer cláusula contratual especificando pagamento em ouro ou por qualquer meio tendente a recusar ou restringir, nos seus efeitos, o curso forçado da moeda nacional.” (Ratti; 2001:67) – (grifos nossos)
Daí a necessidade de se cambiar a moeda nacional pela moeda do país com o qual se comercializa, ou, como é mais comum, por uma moeda de aceitação internacional, a exemplo do dólar.
Em períodos anteriores da história, quando essas transações eram pagas com ouro em espécie, ou moedas cunhadas em ouro[5] ou prata, a solução era simples: bastava recunhar a moeda. Atualmente, com a virtualização do dinheiro, principalmente em transações internacionais onde toda ela, ou pelo menos sua maioria, é feita por meios eletrônicos, faz-se necessário um complexo sistema de pagamentos, estruturado para garantir não somente a segurança do comerciante, mas também a dos Bancos que se fazem de intermediários nessas negociações. A complexidade desse mercado está na necessidade de se igualarem unidades monetárias distintas e se equalizarem diferentes sistemas financeiros e normativos.
No caso do modelo brasileiro, existe um sistema de controle cambial, formado por farta e intricada regulamentação, emanada principalmente dos órgãos de controle ligados ao sistema financeiro nacional – Banco Central e Conselho Monetário Nacional. Essa legislação, composta em sua maioria de normas legais e infralegais exaradas pelo BACEN e CMN – aglutinadas no RMCCI – Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais[6], que foi concebida de maneira a impor regras de controle rígidas do poder público sobre as transações de pagamentos internacionais, com uma simples finalidade: estimular o ingresso e dificultar a saída de capitais, assim como facilitar o controle e a intervenção do Estado no Sistema Financeiro.
2- INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
A atividade estatal, por sua própria natureza, sempre resulta em alguma forma de intervenção na ordem econômica, e diferente não poderia ser, pois o Estado, como entidade constitucionalmente responsável pela manutenção da ordem pública, não poderia deixar de zelar pelas relações produtivas responsáveis pelo desenvolvimento e riqueza da nação, até mesmo por uma imposição de princípios constitucionais insculpidos no art. 3o da Carta da República quais sejam:
“Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Na valiosa lição do magistral Washington Albino, o termo intervenção é assim tratado:
“a) Etimologicamente, intervenção provém do latim interventus, us, significando ação ou efeito de intervir, que por sua vez, significa meter-se de permeio, sobrevir etc…
É comum também o sentido de intromissão.
b) Politicamente, traduz de certo modo uma ação excepcional, isto é, tomada quando se faça necessária a presença da autoridade para restabelecer a ordem estatuída, tal como se dá no federalismo, quando o governo central se vê levado a intervir no Estado-membro, ou, de modo geral, quando o governo age no sentido de restabelecer a harmonia em qualquer entidade.
c) Juridicamente, a intervenção é considerada em face dos instrumentos legais que a autorizem; das doutrinas que a consagrem; identificando princípios de direito sobre os quais se firma e dos quais se retira a sua legitimidade.” (Souza, 1980:398) – (grifos do autor)
Sobre o mesmo tema temos o entendimento do Professor e Ministro do STF, Eros Roberto Grau:
“Assim, inicialmente, quanto à referência a intervenção e não, meramente, a atuação estatal, desejo insistir em que o vocábulo e expressão aparentam ser, à primeira vista, absolutamente intercambiáveis. Toda atuação estatal é expressiva de um ato de intervenção; (…) Aludimos então, a atuação do Estado além da esfera do público, ou seja, na esfera do privado (área de titularidade do setor privado). A intervenção, pois, na medida em que o vocábulo expressa, na sua conotação mais vigorosa, precisamente atuação em área de outrem.” (Grau, 1997: 122)
Historicamente, formou-se um preconceito liberal em relação à intervenção do Estado na ordem econômica, tanto que a política do lassie-faire perdurou como ideologia inconteste até fins do século XIX, quando então o Estado passou a atuar de forma direta na economia. Nessa fase, intervenção estatal era sinônimo de economia dirigida, planificação estatal, estatismo e corporativismo. O surgimento das economias de guerra e dos Estados Socialistas somente fez acirrar esta visão acerca da intervenção estatal na economia.
“O principal sentido de seu emprego para o Direito é o da intervenção do Estado no domínio econômico. Apresenta-se-nos portador de um preconceito liberal, quando era vedado ao Estado intervir em qualquer atividade econômica. Tem caráter excepcional pela tolerância de Adam Smith, permitindo que a ação econômica do Estado seria aceita quando a iniciativa particular se mostrasse omissa, desinteressada ou incapaz. Neste particular, usa-se a expressão ação supletiva do Estado que realmente, se apresenta mais correta do que intervenção, visto se tratar de atuar em espaços vazios espontaneamente deixados pela iniciativa particular e não de se intrometer no campo a esta reservado.” (Souza: 1980:380) – (grifos do autor)
Foi somente após a Crise de 1929, com a publicação da Teoria Geral do Emprego, Moeda e Juros, por Keynes que a visão sobre a intervenção vai se alterar, passando, desta forma, o Estado a atuar de forma mais incisiva na ordem econômica.
“Por isso, a formulação econômica que JOHN MAYNARD KEYNES elaborou para o combate às grandes depressões representa, como já foi acentuado ‘a racionalização e os fundamentos da doutrina de que um Estado organizado – eventualmente um grupo de Estados – pode estabilizar, estimular e dirigir o rumo de sua economia sem apelar para a ditadura e sem substituir um sistema baseado na propriedade por um sistema de poder ostensivo‘. Assim KEYNES recriou a concepção de que a economia e a política estão indissoluvelmente ligadas”. (Venâncio Filho, 1998, 11) (grifos nossos)
Na mesma linha, apresentamos o texto do Prof. Eros Grau que assim leciona:
O Estado do nosso tempo – o Estado contemporâneo – é, fundamentalmente, o Estado implementador de políticas públicas.
Penso, aqui, originariamente, a noção de Estado moderno, produzida a partir da Revolução Francesa. O Estado moderno nasce e se afirma como produto do capitalismo, ainda que se possa encontrar os primeiros traços do esboço de seu perfil em momentos históricos anteriores. Cumpre as funções de instalação das condições indispensáveis à produção capitalista e de produção de normas jurídicas necessárias à fluência das relações econômicas ( segurança e certeza jurídicas) e de arbitragem dos conflitos individuais e sociais (ordem e segurança).” (Grau, 1995:59) (grifos nossos)
Ou ainda, nas palavras de Modesto Carvalhosa:
“O Estado, a partir da adoção do dirigismo racional, de origem keynesiana, propõe-se, cada vez mais, a influenciar o processo econômico externamente,ou seja, através do ordenamento jurídico.
Para tanto, produz leis que, pela sua originalidade, merecem conceituação própria, como vimos tentando verificar neste trabalho.
Colocando a iniciativa privada como destinatária principal desse dirigismo racional (arts. 16º, I e 170 da Carta[7]), estabelece o poder público uma série de regras de caráter corretivo, integrativo, e diretivo que compõem o conjunto de normas de Direito Econômico, promovendo através dele, a implantação de sua política econômica.” (Carvalhosa, 1973:310)
Estas “condições indispensáveis à produção capitalista”, citadas por Eros Grau, bem como a “produção de normas jurídicas necessárias à fluência das relações econômicas”, apontadas pelo autor, como função fundamental do Estado[8], se materializam no universo político-jurídico de um país nas mais variadas formas e conteúdos normativos, modificando-se e adaptando-se de acordo com as necessidades nacionais.
“Entre esse mínimo de intervenção e esse mínimo de liberdade, o regime estatal comporta, em matéria econômica, as modalidades de ação as mais diversas: do simples exercício de poderes gerais de legislação e de polícia necessários para estabelecer o quadro jurídico das atividades privadas e manter a ordem pública, até o grau de intervenção que implica em que o Estado assuma a responsabilidade de organizar e dirigir o conjunto da economia do país” (Venâncio, 1998:5)
De maneira que, “o simples poder de legislação” se manifesta nas várias normas de controle cambial impostas pelo Estado aos agentes do mercado que de uma forma ou de outra atuam na área do comércio internacional. O poder de polícia vai se manifestar entre outras formas por intermédio do poder de fiscalização e regulamentação das entidades estatais autorizadas por lei a atuar sobre a atividade privada. No caso do Sistema Financeiro temos o Banco Central[9] e o Conselho Monetário Nacional, conforme se apreende da leitura dos dispositivos da Lei 4.595/64, que dispõem:
“Art. 9º Compete ao Banco Central da República do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil:(…)
VII – Efetuar o controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei;(…)
IX – Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas;(…)” (grifos nossos)
Assim, os dispositivos citados, dão ao Estado a função de regulamentar, entre outros aspectos irrelevantes a este trabalho, as operações de câmbio, pois:
“Os negócios de câmbio implicam a cessão de moeda estrangeira tendo por contra partida o recebimento de moeda nacional. Trata-se portanto de negócio de alta relevância para as transações e fluxos de pagamentos internacionais. Assim atraiu intensa regulamentação estatal, que se interessou pela matéria como forma de controle da economia e da balança de pagamentos do Brasil.” (Salomão Neto, 1999:65) – (grifos nossos)
Apresentada a questão da Intervenção do Estado na Ordem Econômica, aqui entendida como a necessidade de o Estado regulamentar certas atividades privadas para garantir um bom funcionamento da ordem pública econômica[10], passaremos a apresentar alguns aspectos do Mercado de Câmbio.
3- ASPECTOS GERAIS DO MERCADO DE CÂMBIO
O termo “câmbio”, que originalmente estava restrito a designar a troca de mercadorias realizada entre comerciantes, nas feiras da Idade Média e antes, passou, com o tempo, a representar a troca de moedas entre esses mesmos comerciantes, geralmente de povoados e regiões diversas. Posteriormente, o termo passou a representar o valor de troca atribuído a uma determinada moeda em relação à moeda de outro país, sendo definido por Paulo Sandroni da seguinte maneira:
“CÂMBIO: Operação financeira que consiste em vender, trocar ou comprar valores em moedas de outros países ou papéis que representem moedas de outros países. (…) O câmbio não possui apenas o valor teórico de determinar preços comparativos entre moedas, mas a função básica de exprimir a relação efetiva de troca entre diferentes países – a troca de moedas é conseqüência das transações comerciais entre países. (…) Essas transações são reguladas pelo governo, que fixa os preços de compra e venda das moedas estrangeiras.” (Sandroni, 2003:74/75)
Ou ainda, segundo Nelson Abraão em sua obra – Direito Bancário temos que:
“O Termo “câmbio” pode ser tomado em duas acepções: uma genérica e outra específica. Genericamente, câmbio significa a troca de duas ou mais moedas entre si, sentido este ligado às origens medievais da operação: “Esse (negócio de câmbio) toma seu nome, como negócio de câmbio da antiguidade, da permuta de somas de dinheiro, o qual, naturalmente, sendo na Idade Média de valores diversos as moedas nos vários lugares, é ao mesmo tempo, uma permuta de espécies de dinheiro (moeda)”. Já num sentido específico, câmbio vem a ser a troca de moeda estrangeira como se mercadoria fosse, dando-se à estrangeira a denominação de “divisa”, seja ela representada por bilhetes, peças metálicas, ou mesmo escritural. (Abrão, 2001:180)”
Atualmente:
“Os bancos centralizam essas compras e vendas de divisas através dos contratos de câmbio, no verdadeiro mercado cambial.
Além das operações cambiais com objetivos cambiais, fundadas em importações e exportações, existe o mercado financeiro, não apoiado em mercadorias, traduzindo apenas movimentação de capital do exterior para o exterior (sic), viagens, royalties, remessa de lucros, de juros, dividendos, empréstimos e outros.
Daí se conclui que o contrato de câmbio, objetivando tais operações, vai, na verdade, caracterizar dois negócios jurídicos: o contrato de câmbio, visando a troca de moedas, é celebrado em cima de outro negócio subjacente, que é a operação comercial de venda de mercadorias, pagamentos em viagens, de empréstimos e outros.“ (Guimarães e Silva; 1996:23) – (grifos nossos)
Quanto às operações de câmbio,[11] essas se resumem basicamente a três tipos: compra, venda e arbitragem, podendo ser analisadas em relação ao operador, ou em relação à forma de troca, sendo classificadas como câmbio manual ou sacado, e decorrem, principalmente, das transações de comércio exterior (importação e exportação) e transferências.
Segundo o magistério de Eduardo Fortuna, o mercado de câmbio no Brasil está atualmente estruturado em:
“Mercado de Câmbio de Taxas Livres (Dólar Comercial). Instituído pela Resolução no 1.690, de 18/03/90, do CMN e destinando às operações de câmbio em geral, enquadrando-se neste segmento as operações comercias de exportação/importação e as operações financeiras de empréstimos e investimentos externos bom como o retorno de remuneração destas operações;
Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes (Dólar Flutuante). Instituído pela Resolução 1.552, de 22/12/88, do CMN, legitimando um segmento de mercado que era até então considerado ilegal, enquadrando neste segmento as operações de compra e venda de câmbio a clientes, gastos com cartão de crédito no exterior, transferências unilaterais e movimentações na CC-5 e outras operações entre instituições financeiras como definidas pelo BC.” (Fortuna; 2004:306) – (grifos do autor)
Do mesmo autor temos ainda que:
“Em relação ao estabelecimento operador, elas se classificam como:
Compra: recebimento de moeda estrangeira contra entrega de moeda nacional;
Venda: entrega de moeda estrangeira contra recebimento de moeda nacional; e,
Arbitragem: entrega de moeda estrangeira contra o recebimento de outra moeda estrangeira.
A necessidade destas conversões pode surgir em função de:
Exportação: venda ao exterior de mercadorias e serviços com preço ajustado para pagamento em moeda estrangeira;
Importação: compra de mercadorias e serviços com preço ajustado para pagamento em moeda estrangeira;
Transferências: movimentação financeira de capitais de entrada ou saída do País.
Assim, em função das características das operações, elas se dividem, basicamente, em operações comerciais e operações financeiras.
No que concerne à forma como as trocas são feitas, podemos classificá-las em:
Câmbio Manual – refere-se às operações que envolvem a compra e venda de moedas estrangeiras em espécie, isto é, quando a troca se efetua com moedas metálicas ou cédulas de outros países.É o caso de turista que troca uma nota de cem dólares pelo seu equivalente em reais;
Câmbio Sacado – ocorre quando, na troca, existem documentos ou títulos representativos da moeda. Neste tipo de operações, as trocas se processam pela movimentação de uma conta bancária em moeda estrangeira. Portanto, o câmbio sacado pode ser entendido como as operações que se processam através de saque, ou seja, as letras de câmbio ou cambiais, as cartas de crédito ou créditos documentários, as ordens de pagamento e os cheques.” (Fortuna; 2004:306/307) – (grifos do autor)
Em adição ao exposto, buscamos na obra de Bruno Ratti[12], quanto às formas que se apresentam o mercado de câmbio, a seguinte divisão:
“Mercado Paralelo de Câmbio: “compreende todas as operações conduzidas por meio de pessoas físicas ou jurídicas não autorizadas a operar no mercado de câmbio. Trata-se, pois de operações ilegítimas no mercado de câmbio”;
Mercado de Câmbio Primário: “É o mercado onde são realizados operações entre bancos e seus clientes não bancários.
Quando o banco por exemplo, adquire divisas de um exportador ou as vende a um importador, essas operações são concretizadas no mercado primário”;
Mercado Interbancário: Como o próprio nome indica, trata-se do mercado onde são realizadas apenas operações entre bancos”;
Mercado de Câmbio à vista: “Neste mercado são efetuados as operações “prontas” de câmbio (spot exchange).
As operações “prontas” são operações de compra ou de venda de divisas para entrega imediata. Essa “entrega imediata” refere-se a prazo de até dois dias úteis (business days), contando da data da operação.
Mercado de Câmbio Futuro: “Compreende as operações futuras de câmbio (forward Exchange).
Essas operações vêm a ser a compra ou a venda de divisas estrangeiras – a uma taxa cambial determinada por ocasião da contratação – e que serão entregues em data futura. São realizadas por exportadores, importadores, investidores em moeda estrangeira etc., os quais procuram, assim evitar os riscos de flutuações cambiais.”
Feito esse pequeno resumo acerca dos aspectos gerais do mercado de câmbio, sem a intenção ou a pretensão de tratar o tema de forma profunda ou pormenorizada, o que não é o objeto deste estudo, passaremos a analisar a seguir a atuação do Estado na regulamentação das operações de câmbio.
4 – A REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE CÂMBIO
No Brasil, a regulamentação do mercado cambial é monitorada principalmente pelo Banco Central do Brasil, que, criado em 1964 pela Lei 4.595/64, em substituição à SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito), tem, entre suas atribuições
“a) efetuar o controle dos capitais estrangeiros;(art. 10, VII)
b) conceder autorização às instituições financeiras a fim de estas possam praticar operações de câmbio;(art. 10, X)
c) atuar no sentido do funcionamento regular do mercado cambial, da estabilidade relativa das taxas de câmbio e do equilíbrio no balanço de pagamentos, podendo, para esse fim, comprar e vender ouro e moeda estrangeira, bem como realizar operações de crédito no exterior, inclusive as referentes aos Direitos Especiais de Saque e separar os mercados de câmbio financeiro e comercial”. (art. 11, III)
As operações de câmbio, conforme exposto supra, envolvem o comércio de moeda estrangeira como “coisa”, um objeto a ser comercializado como outro qualquer. Este é o entendimento da doutrina, qual seja, o negócio cambial é uma compra e venda de moeda, um contrato pura e simplesmente (venditio pecuniae pro pecunia abenti). Entretanto, o que difere esse negócio jurídico de tantos outros é sua importância estratégica para o desenvolvimento econômico de um país[13], pois envolve a emissão de divisas[14]. E um dos principais medidores do bom desempenho econômico de uma nação é sua balança de pagamentos[15]. Assim, uma remessa excessiva de moedas, ou evasão de divisas não é algo, nem de longe, desejado pelos gestores de política-econômica. Daí a necessidade de o Estado intervir ou regulamentar essas operações.
“Finalisticamente, a política do câmbio atende à realidade do mercado e às circunstâncias da estabilidade da moeda, sendo que compete ao Banco Central monitorar o setor e impor as regras que geram maior segurança e condição para a funcionalidade do sistema.” (Abrão, 2001:184)
No Brasil, onde a escassez de divisas é um problema crônico e histórico, as operações de câmbio são monopólio do Estado, que delega a determinadas instituições denominadas “dealers“, em geral um estabelecimento bancário, a devida autorização para transacionar com câmbio. Conforme determina dispositivo legal insculpido na Lei 4.131/1962[16]
“Art. 23. As operações cambiais no mercado de taxa livre serão efetuadas através de estabelecimentos autorizados a operar em câmbio, com a intervenção de corretor oficial quando previsto em lei ou regulamento, respondendo ambos pela identidade do cliente, assim como pela correta classificação das informações por este prestadas, segundo normas fixadas pela Superintendência da Moeda[17] e do Crédito.” (grifos nossos)
No entanto, por questões de política-econômica, essa autorização pode ser revogada a qualquer instante, segundo o art. 28° da referida lei.
“Art. 28. Sempre que ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamento ou houver sérias razões para prever a eminência de tal situação, poderá o Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito impor restrições, por prazo limitado à importação e às remessas de rendimentos dos capitais estrangeiros e para este fim outorgar ao Banco do Brasil monopólio total ou parcial das operações de câmbio.” (grifos nossos)
Lembrando que o Brasil é um país com uma estrutura sócio-econômica de certa forma deficiente[18], possuímos altos índices de concentração de renda, o que gera inclusive gritantes discrepâncias regionais e um baixo índice de qualificação da mão de obra; um setor produtivo nacional que, embora competitivo em algumas áreas, em outras nem tanto, luta contra constante falta de suporte governamental; aliado à já mencionada escassez de divisas, fruto da instabilidade de uma moeda nacional com pouca ou nenhuma expressão internacional. De maneira que, caso não houvesse uma restrição à aquisição e à emissão de divisas, correria-se o risco de uma perda substancial na já reduzida e insuficiente poupança interna, o que reduziria ainda mais a já combalida capacidade de investimento interno do país.
Não estamos considerando aqui o fato de que os capitais estrangeiros, conforme definidos no art. 1o da Lei 4.131/62[19], têm maior liberdade de entrada e saída no território nacional, devido a sua própria natureza. Uma pessoa jurídica ou física, domiciliada no exterior, quer ter a liberdade e a garantia de que seu dinheiro não ficará retido em território estranho.
Lado outro, vale ressaltar que, por tradição, o Estado brasileiro tem uma tendência ao paradoxismo legiferante, o que leva a criação de normas conflitantes e, por vezes, totalmente antagônicas. Na seara da regulamentação das operações de câmbio, não haveria de ser diferente, principalmente porque, em um setor marcado pelo dinamismo e velocidade de sua evolução, algumas das normas vigentes engessam desnecessariamente a atividade privada, principalmente do importador.
“O regime ora vigente previsto na vetusta Lei 4.131/64 se baseia na filosofia de que somente pode sair livremente do País o capital que, na entrada, tiver sido devidamente registrado no BC. Desse regime resultou não apenas a embaraçosa realidade da existência de duas qualidades de capital estrangeiro no Brasil – o registrado e o não-registrado – mas também e principalmente a percepção entre os investidores externos da existência de risco de revogação ou limitação do direito de remessa pelo BC em circunstâncias ditadas por exigências da conjuntura econômica. Desse modo, seria melhor que os capitais estrangeiros se sujeitassem apenas a um regime declaratório, para fins meramente estatísticos.” (Loyola, 2004) (grifos nossos)
De maneira que repetimos aqui a afirmação feita à introdução deste trabalho de que toda a estrutura da regulamentação cambial, seja em países desenvolvidos, ou principalmente em países como o Brasil, tem uma única e simples finalidade: estimular o ingresso e dificultar a saída de capitais, assim como facilitar o controle e a intervenção do Estado no Sistema Financeiro.
“No Brasil, divisas sempre foram uma mercadoria rara. Daí a construção de uma legislação cujo objetivo maior sempre foi o de racionar a utilização da moeda estrangeira, canalizando-a para usos tidos como prioritários, como a importação de gêneros de primeira necessidade. Em sintonia com a política de substituição de importações que começou a ser praticada nos anos 1950, consolidou-se um regime tarifário e cambial discriminatório contra as exportações e contra as importações “supérfluas” ou “com similar nacional”.
O princípio incrustado na legislação cambial é o chamado “monopólio de câmbio” da SUMOC e, posteriormente, do Banco Central. O exportador deve compulsoriamente vender as divisas resultantes de suas exportações para a Autoridade Monetária e os importadores somente podem adquirir câmbio para liquidar suas compras externas quando autorizados pelo BC. Na conta de capitais, por esse princípio, prevalece o sistema de assegurar o direito de saída, apenas aos capitais cuja entrada foi registrada no BC. (…)
O conceito de monopólio de câmbio arraigou-se tanto no Brasil que alguns de seus conceitos vazaram para o imaginário da sociedade em geral e dos políticos em particular. Embora sem nenhum sentido econômico, o conceito de “evasão de divisas” popularizou-se como tipo de crime hediondo, mais importante até que as infrações penais que eventualmente geram os recursos em moeda nacional que viabilizaram a remessa para o exterior. (…)
Na lógica do monopólio cambial, o acesso dos brasileiros à moeda estrangeira depende da vontade do príncipe. Nos anos recentes, esse direito raramente foi contestado no caso de despesas relacionadas ao comércio de bens e serviços não-fatores, se bem que a regulação continua cheia de exigências burocráticas que objetivam “carimbar” a compra do câmbio para utilização em determinados fins. Os prazos para liquidação do contrato de câmbio, em função da data de embarque da mercadoria, exemplificam esse tipo de regulamentação.” (Loyola. 2003) – (grifos nossos)
Do exposto até o presente momento, chega-se a conclusão de que o sistema de regulamentação cambial no Brasil opera “com dois pesos e duas medidas”. No caso das instituições financeiras e empresas estrangeiras, o rigor fiscalizatório é muito menor do que aquele praticado contra o comerciante ou empresário nacional que, por necessidade ou área de atuação, tenha que transacionar com moeda estrangeira.
Parte desse rigor se justifica pela necessidade de fiscalizar a emissão e entrada de capitais no país, conforme supra apresentado; parte se justifica pela fiscalização tributária. Embora nenhuma das duas hipóteses seja de todo convincente, pois, pelo exposto acima, vimos que existem lacunas na legislação que permitem a evasão de divisas de formas muito mais “lícitas” do que, por exemplo, fraudar notas fiscais ou contratos internacionais de compra e venda de mercadoria ou câmbio.
4.1 – A Regulamentação do Contrato de Câmbio
Pois bem, delimitada a questão e determinado que as operações de câmbio são simples negócios jurídicos regulamentados pelo poder público por sua importância estratégica para a economia do país, passaremos então a estudar a regulamentação do contrato de câmbio, que:
“Segundo Fábio Konder Comparato: ‘A opinião mais acatada e difundida entre os doutrinadores, desde o fim da Idade Média, é a de que o contrato de câmbio se assemelha à compra e venda. (…)
Em nosso Código Comercial, essa opinião tradicional foi consagrada, incluindo-se a moeda metálica e o papel moeda como objetos de compra e venda mercantil (art. 191, segunda alínea)[20] Assim, a moeda estrangeira seria comprada ou vendida mediante pagamento em moeda nacional. Nos atuais contratos de câmbio, alias, as partes são designadas ‘comprador’ e ‘vendedor’, demonstrando a persistência da mesma análise jurídica da operação. (parecer ‘Inadimplemento de Contrato de Câmbio’, in ‘Direito Empresarial’, cit., pp. 384 e 385).” (Salomão, 1999:73) – (grifos nossos)
Na mesma direção, encontramos a seguinte jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça:
“O contrato de câmbio in casu, nada mais é do que um contrato mercantil a termo ou, como queira, a prazo. Como todo contrato, à sua perfectabilidade, concorrem três elementos ou pressupostos: res (divisas ou moedas estrangeiras); pretius (equivalência em moeda nacional) e consensus (convergência de vontades).(…)
Portanto, ainda, como contrato mercantil, o de câmbio é bilateral ou sinalagmático, consensual, oneroso e comutativo.” (Resp no 1.888/SC – Relator: Min. Waldemar Zveiter da 4a Turma do STJ – publicado DJ 04/06/1990 (grifos nossos)
Na doutrina, podemos buscar ainda as lições de Aramy Dornelles da Luz que, em sua obra “Negócios jurídicos bancários”, nos ensina que:
“Como contrato de compra e venda mercantil[21], forma-se o contrato de câmbio pela ocorrência da vontade de contratar e a inequívoca manifestação de consentimento com relação aos elementos constituídos por coisa e preço. Daqui se podendo concluir pela sua consensualidade tanto estará perfeito independente do pagamento do preço da entrega da coisa.
A existência de obrigações recíprocas torna-o bilateral e a interdependência dessas obrigações assinala o sinalagma. Uma parte responde pelo preço e a outra pela entrega e a transferência da propriedade da coisa vendida.[22]
A equivalência entre vantagens e sacrifícios qualifica-o como oneroso e comutativo.” (Luz, 1999:166)
Para regulamentar tais operações de câmbio e sua contratação, o Banco Central edita uma série de normas infralegais, com a finalidade de instrumentalizar os atos dos agentes envolvidos – o importador/exportador, o dealer (banco autorizado a negociar com câmbio) e o próprio Banco Central, enquanto agente regulador – e que se encontram aglutinadas no RMCCI – Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais e que assim se apresentam em seu Título Primeiro, Capítulo Primeiro, assim dispõe sobre o Mercado de Câmbio:
“1. O presente título trata das disposições normativas e dos procedimentos relativos ao mercado de câmbio, de acordo com a Resolução n° 3.568, de 29.05.2008.
2. As disposições deste título aplicam-se às operações realizadas no mercado de câmbio, que engloba as operações:
a) de compra e de venda de moeda estrangeira e as operações com ouro-instrumento cambial, realizadas com instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil a operar no mercado de câmbio, bem como as operações em moeda nacional entre residentes, domiciliados ou com sede no País e residentes, domiciliados ou com sede no exterior;
b) relativas aos recebimentos, pagamentos e transferências do e para o exterior mediante a utilização de cartões de uso internacional, bem como as operações referentes às transferências financeiras postais internacionais, inclusive vales postais e reembolsos postais internacionais.
O mesmo Regulamento em seu Título Primeiro, Capítulo Terceiro assim dispõe sobre o Contrato de Câmbio, objeto deste trabalho:
“1. Contrato de câmbio é o instrumento específico firmado entre o vendedor e o comprador de moeda estrangeira, no qual são estabelecidas as características e as condições sob as quais se realiza a operação de câmbio.
2. As operações de câmbio são registradas no Sisbacen, de acordo com o disposto na seção 2 deste capítulo.(…)
8. Na celebração de operações de câmbio, as partes intervenientes declaram ter pleno conhecimento das normas cambiais vigentes, notadamente da Lei n° 4.131, de 03.09.1962, e alterações subseqüentes, em especial do artigo 23 do citado diploma legal, cujo texto constará in verbis do contrato de câmbio, sendo que do boleto constará o texto relativo aos parágrafos 2º e 3º daquele artigo.
9. A liquidação, o cancelamento e a baixa de contrato de câmbio não elidem responsabilidades que possam ser imputadas às partes e ao corretor interveniente, nos termos da legislação e regulamentação vigentes, em função de apurações que venham a ser efetuadas pelo Banco Central do Brasil.
10. São os seguintes os tipos de contratos de câmbio e suas aplicações:
a) tipo 1: destinado à contratação de câmbio de exportação de mercadorias ou de serviços;
b) tipo 2: destinado à contratação de câmbio de importação de mercadorias com:
I – prazo de pagamento até 360 dias, não sujeito a registro no Banco Central do Brasil, ou ;
II – parcelas à vista ou pagas antecipadamente, mesmo quando sujeitas a registro no Banco Central do Brasil;
c) tipos 3 e 4: transferências financeiras, sendo as compras tipo 3 e as vendas tipo 4, destinados à contratação de câmbio referente a operações de natureza financeira, importações financiadas sujeitas a registro no Banco Central do Brasil e as de câmbio manual;
d) tipos 5 e 6: destinados a contratação de câmbio entre instituições integrantes do sistema financeiro nacional autorizadas a operar no mercado de câmbio, inclusive arbitragens e entre estas e banqueiros no exterior a título de arbitragem, sendo as compras tipo 5 e as vendas tipo 6;
e) tipos 7 e 8: alteração de contrato de câmbio, sendo as compras tipo 7 e as vendas tipo 8;
f) tipos 9 e 10: cancelamento de contrato de câmbio, sendo as compras tipo 9 e as vendas tipo 10, usados, também, por adaptação, para a realização das baixas da posição cambial;
g) contrato de câmbio simplificado, com uso de boleto: restrito às situações específicas previstas neste título.”
Essas normas foram por apresentadas como instrumentalizadoras do contrato de câmbio, uma vez que são elas que delimitam seu objeto, limites de valor, funcionamento, forma de celebração, prazos de liquidação e qualificação, isenções e multas, entre outros. Ressaltando que essas normas administrativas não criam direitos e obrigações para os agentes, nem tão pouco “visam conduzir o seu destinatário a um determinado comportamento econômico, mas simplesmente o leva obrigatoriamente a percorrer um iter júris necessário para a legitimação da atividade[23]” (Carvalhosa, 1973:289).
Tal limitação imposta pela consolidação das normas cambiais não elimina a liberdade dos contratantes, apenas impõe restrições à forma como ela se exerce.
“Longe de destruir a liberdade de contratar, ela irá figurar como um dos elementos que definirão as grandes linhas da política econômica e que legitimarão estímulos às decisões das partes contratantes, quando puserem em prática aquela mesma liberdade. O sentido único de repressão ou de limitação à liberdade contratual predominante nos modelos e nas concepções jurídicas do liberalismo puro, quando afirmavam a liberdade, em contraposição, punham a lei a limitá-la, foi substituído modernamente pelo intuito de levar o indivíduo a entrosar-se na vida social e a livremente decidir-se pela participação nos planos e nas iniciativas de interesse coletivo, na política econômica do desenvolvimento, enfim que o Estado leva a efeito.” (Souza 1995:191 e 192)
Superadas as explanações acerca da regulamentação do mercado e do contrato de câmbio, passaremos a apresentar o entendemos ser três os principais tipos de contrato de câmbio, sua normatização e estrutura básica.
5 – TIPOS DE CONTRATOS DE CÂMBIO
Pois bem, uma vez delineado que contrato de câmbio é o instrumento pelo qual comprador e vendedor de moedas firmam as condições e as características sobre as quais deverão realizar a operação de câmbio e que, por definição, esse é um contrato de compra e venda mercantil, que devido à importância estratégica de seu objeto (entrada e saída de divisas do país) para as políticas macroeconômicas, passa, assim, a sofrer pesada regulamentação e fiscalização por parte do Estado.
Dito isso, doravante passaremos a apresentar os tipos de contratos de câmbio e suas principais particularidades.
5.1 – Exportação
A exportação é por definição a venda no exterior de bens e serviços de um país, fruto da divisão internacional do trabalho, onde um país, lançando mão de suas vantagens competitivas, joga no mercado internacional o excedente daqueles bens para os quais possui maior facilidade na utilização dos fatores produtivos[24]. No caso do Brasil, podemos citar a exportação de produtos agro-pecuários como a soja, por exemplo, que hoje talvez seja nossa maior geradora de divisas.
Pois bem, suponhamos então que uma empresa que transacione com produtos agrícolas e que adquiriu uma certa quantidade de soja de um produtor nacional deseja vender esse produto no exterior, por exemplo, para a China. Feitos os contatos comerciais com um comprador chinês, e após o contrato de compra e venda do produto ter sido celebrado, o vendedor aqui no Brasil vai, após o devido comunicado e pedido de registro no SISCOMEX, a uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central (os chamados dealers) e então celebra um contrato de compra e venda de câmbio, pois ele não pode dispor, em território nacional, da moeda estrangeira que receberá em pagamento, sendo por isso obrigado a convertê-la em moeda nacional[25]. Nesse caso, a instituição financeira escolhida também se torna a responsável pela cobrança do crédito no exterior.
A necessidade do contrato de câmbio com uma instituição autorizada pelo BACEN se dá, pois, por determinação de norma legal regulamentada pelo BACEN, uma vez que as exportações brasileiras de mercadorias e serviços sujeitam-se à contratação de câmbio correspondente, pois, conforme exposto acima, o comércio de divisas no Brasil é monopólio do Estado.
Assim, celebrado então o contrato de câmbio, impõe-se ao exportador a obrigação de efetuar entrega dos documentos referentes à exportação, dentro do prazo estipulado contratualmente ou em até quinze dias úteis após o embarque da mercadoria, sob pena de ser o contrato cancelado ou baixado salvo tenha ocorrido prorrogação nos prazos contratados.
Lembrando que o prazo contratado para a entrega dos referidos documentos ou para liquidação do contrato pode este ser prorrogado por consenso das partes, desde que o tempo acrescido ao já decorrido não ultrapasse o prazo máximo admitido para esse efeito. Conforme determina o Regulamento em seu Título 1, Capítulo 11 que trata das Exportações:
“1. O contrato de câmbio de exportação pode ser celebrado para liquidação pronta ou futura, prévia ou posteriormente ao embarque da mercadoria ou da prestação do serviço, observado o prazo máximo de 750 dias entre a contratação e a liquidação, bem como o seguinte:
a) no caso de contratação prévia, o prazo máximo entre a contratação de câmbio e o embarque da mercadoria ou da prestação do serviço é de 360 dias;
b) o prazo máximo para liquidação do contrato de câmbio é o último dia útil do 12º mês subseqüente ao do embarque da mercadoria ou da prestação do serviço.
2. O prazo para o embarque de mercadorias ou para a prestação de serviços, com entrega de documentos pactuada em contrato de câmbio de exportação celebrado até 18.12.2009, pode ser prorrogado até 30.12.2010, mediante consenso entre o banco comprador da moeda estrangeira e o exportador, permanecendo o último dia útil do 12º mês subsequente ao do embarque da mercadoria ou da prestação do serviço como o prazo máximo para a liquidação do referido contrato de câmbio.” (NR)
Quanto ao prazo da liquidação ensina Aramy Dornelles da Luz que existem duas modalidades: pronta e a futura:
“A liquidação pronta é dos contratos de execução instantânea, de que são exemplos todas as operações de câmbio manual e as de câmbio sacado com pagamento antecipado, mediante cheques, remessas e cartas de crédito red clause[26], vide crédito documentário. O prazo normalmente é de 2 dias úteis após o fechamento do câmbio.
A liquidação futura ocorre nos contratos de execução diferida, de câmbio sacado. O prazo é previsto no contrato, havendo tolerância máxima de 30 dias.” (Luz, 1999:169) (grifos nossos)
Na norma temos que:
“1. A liquidação de contrato de câmbio ocorre quando da entrega de ambas as moedas, nacional e estrangeira, objeto da contratação ou de títulos que as representem.
2. A liquidação pronta é obrigatória nos seguintes casos:
a) operações de câmbio simplificado de exportação ou de importação;
b) compras ou vendas de moeda estrangeira em espécie ou em cheques de viagem;
c) compra ou venda de ouro – instrumento cambial.
3. As operações de câmbio contratadas para liquidação pronta devem ser liquidadas:
a) no mesmo dia, quando se tratar:
I – de compras e de vendas de moeda estrangeira em espécie ou em cheques de viagem; ou
II – de operações ao amparo da sistemática de câmbio simplificado de exportação;
b) em até dois dias úteis da data da contratação, nos demais casos, excluídos os dias nãoúteis nas praças das moedas envolvidas (dias não úteis na praça de uma moeda e/ou napraça da outra moeda).
Dito isso, passaremos a analisar as modalidades de pagamento do contrato de câmbio, para o que buscamos mais uma vez a valiosa lição de Bruno Ratti:
“REMESSA ANTECIPADA – O importador remete previamente o valor parcial ou total da transação, após o que, o exportador providência a exportação da mercadoria e o envio da respectiva documentação.” (Ratti, 2001:84)
Este tipo de pagamento deixa o importador a mercê da boa-fé do exportador, uma vez que somente terá certeza do devido cumprimento da obrigação do exportador quando efetivamente receber a mercadoria. Por isso não é um processo muito utilizado.
“REMESSA SEM SAQUE – O importador recebe diretamente do exportador os documentos de embarque (sem saque), promove o desembaraço da mercadoria na alfândega e, posteriormente, providencia a remessa da quantia respectiva.” (Ratti, 2001:85)
Aqui ocorre uma inversão: é o exportador que fica a mercê da boa-fé do importador, uma vez que fica sem nenhuma garantia do recebimento da quantia devida, motivo pelo qual essa forma de transação somente é utilizada com freqüência por filiais de empresas sediadas em países diferentes.
“COBRANÇA – As cobranças internacionais são regulamentadas pelas Uniform Rules for Collections (Regras Uniformes para Cobranças), elaboradas pela Câmara de Comércio Internacional, com sede em Paris.
Cobrança à vista – Após a expedição da mercadoria, o exportador (cedente) entrega a um banco de sua preferência (banco remetente) os documentos de embarque, juntamente com um saque contra o importador (sacado). O banco por sua vez, remete os documentos, acompanhados de uma carta-cobrança, a um seu correspondente (banco cobrador) na praça do importador, para cobrar o sacado.
Uma vez recebidos os documentos e o saque pelo correspondente, este registra-os para cobrança, em conformidade instruções emanadas do banco remetente e dá aviso ao importador para que liquide a transação. O saque recebido subordina-se às mesmas normas de cobrança dos títulos emitidos no país, no tocante à apresentação, ao aceite e ao protesto.
Efetuado o pagamento, o banco cobrador promove a transferência da moeda estrangeira para o exterior e entrega ao importador a documentação, a fim de que ele possa providenciar a liberação da mercadoria na alfândega.
Cobrança a prazo – Os documentos são acompanhados de uma saque com vencimento futuro (saque a prazo). Neste caso, o banco remetente instrui o banco cobrador para entregar esses documentos contra aceite. Com isso, o credor (exportador) estará financiando o importador que entrará na posse da mercadoria imediatamente (documento contra aceite), mas pagará somente no vencimento do saque.
RED CLAUSE – Muito usual no comércio internacional, permite que o beneficiário receba antecipadamente o valor total ou parcial do crédito. Posteriormente, quando o exportador entrega os documentos de embarque ao banqueiro, acertará definitivamente as contas. Dada a sua natureza de adiantamento sem garantia, essa cláusula somente poderá existir quando o importador confiar plenamente no exportador. Geralmente, ela é instituída com o fim de fornecer meios ao beneficiário para adquirir ou fabricar o produto a ser exportado.”
A chamada red clause é tratada pelo Regulamento em seu Título Primeiro, Capítulo 11, seção 4 que trata do Recebimento antecipado, e assim se apresenta o seu texto:
“1. (Revogado)
2. Para obtenção do Registro de Operação Financeira – ROF referente ao recebimentoantecipado de exportação de longo prazo, assim entendido o recebimento de receitas de exportação com anterioridade superior a 360 dias em relação à data do embarque da mercadoria ou da prestação do serviço, é necessário o efetivo ingresso no País de tais recursos, observados os procedimentos constantes do título 3, capítulo 2, seção 1, deste Regulamento.
3. As antecipações de recursos a exportadores brasileiros para a finalidade prevista nesta seção podem ser efetuadas pelo importador ou por qualquer pessoa jurídica no exterior, inclusive instituições financeiras.
4. O pagamento de juros sobre o valor do recebimento antecipado de exportação deve observar as seguintes condições:
a) a contagem de prazo para pagamento de juros e principal tem como menor data de início a data de desembolso ou do ingresso dos recursos no País;
b) os juros são apurados sobre o saldo devedor;
c) a taxa de juros é livremente pactuada pelas partes, observada, quando houver, limitação legal;
d) o beneficiário dos juros é aquele que efetuou o pagamento antecipado da exportação;
e) alternativamente, o valor devido a título de juros pode ser quitado mediante o embarque de mercadorias ao exterior.
5. Para os valores ingressados no País a título de recebimento antecipado de exportação, deve ocorrer no prazo de até 360 dias:
a) o embarque da mercadoria ou a prestação do serviço; ou
b) a conversão pelo exportador, mediante anuência prévia do pagador no exterior, em investimento direto de capital ou em empréstimo em moeda e registrado no Banco Central do Brasil, nos termos da Lei n° 4.131, de 03.09.1962, modificada pela Lei n° 4.390, de 29.08.1964, e regulamentação pertinente. (NR)
5.A O ingresso de que trata o item anterior pode se dar por transferência internacional em reais, aí incluídas as ordens de pagamento oriundas do exterior em moeda nacional, ou por contratação de câmbio para liquidação pronta ou de câmbio contratado para liquidação futura, liquidado anteriormente ao embarque da mercadoria ou da prestação do serviço.
6. É facultado, também, o retorno ao exterior dos valores ingressados no País a título de recebimento antecipado de exportação, observada a regulamentação tributária aplicável a recursos não destinados à exportação.
7. A adoção das prerrogativas previstas na alínea “b” do item 5 e no item 6 implica, para o exportador, a comprovação do pagamento do imposto de renda incidente sobre os juros eventualmente remetidos ao exterior e relativos à parcela ingressada cujas mercadorias não tenham sido embarcadas ou cujo serviço não tenha sido prestado.”
Nessa forma de transação é admitido, desde que pactuado entre as partes, o pagamento de juros sobre o valor antecipado.
A norma autoriza, ainda, que em casos de o embarque da mercadoria deixar de ocorrer, pode-se, a pedido do exportador e com “anuência prévia do pagador”, converter o adiantamento em investimento direto de capital ou em empréstimo de moeda.
Não se deve, todavia, confundir o pagamento antecipado com o Adiantamento sobre Contratos de Câmbio, que, permite aos bancos autorizados a operar com câmbio, oferecendo adiantamentos sobre os contratos de câmbio, onde este antecipa em o valor em reais (parcial ou total), equivalente à quantia em moeda estrangeira adquirida a termo pelos exportadores. O ACC, assim como os pagamentos antecipados, vão ter por função financiar o capital de giro das empresas exportadoras, para que possam produzir, comercializar os produtos objetos de exportação. A diferenciação básica entre eles é que, no ACC, o banco financia a atividade do exportador, contratando um câmbio a termo e entregando o valor em moeda nacional ao exportador; no pagamento antecipado, quem proporciona esse “financiamento” é o importador, que paga antecipadamente uma compra para entrega futura.
No caso de haver o inadimplemento do contrato, deve ser feita a baixa do mesmo junto ao Banco Central. O procedimento é meramente burocrático: trata-se de realizar o estorno do crédito conhecido na linguagem bancária por “saneamento da posição de câmbio
O contrato de câmbio pode ainda ser extinto pelo mútuo consenso das partes, o que tecnicamente se chama de cancelamento do contrato de câmbio, e ocorre nos casos de suspensão do negócio antes do embarque da mercadoria ou nos casos de inadimplemento do importador, sendo necessário, neste último, que tenha sido formalizado o protesto da letra de câmbio ou cobrança judicial. Na ausência desses requisitos a autorização do cancelamento requer autorização do BACEN.
“1. Observada a incidência do encargo financeiro de que trata a Lei n° 7.738, de 09.03.1989, o contrato de câmbio de exportação sem mercadoria embarcada ou sem a correspondente prestação do serviço:
a) é livremente cancelado, por acordo entre as partes; ou
b) pode ser baixado da posição cambial da instituição financeira autorizada a operar no mercado de câmbio. (NR)
2. Na regularização de contratos de câmbio por cancelamento ou baixa relativos a mercadorias não embarcadas ou a serviço que não tenha sido prestado devem ser observados, nos casos de falência do exportador ou de intervenção ou de liquidação extrajudicial do banco comprador da moeda estrangeira, os procedimentos indicados na seção 7 do capítulo 3 deste título. (NR)
3. (Revogado)
4. No caso de já ter ocorrido o embarque da mercadoria ou a prestação do serviço, o cancelamento ou a baixa do contrato de câmbio de exportação deve ser efetuado em até 360 dias da data do embarque da mercadoria ou da prestação do serviço. (NR)
5. (Revogado) Circular nº 3.454/2009.
6. Ocorrendo o recebimento da exportação, o contrato de câmbio baixado deve ser restabelecido e imediatamente liquidado.” (NR)
Feita essa breve apresentação de algumas das características básicas da Contratação de câmbio em Exportação, passaremos adiante a expor acerca dos contratos de câmbio em importação, lembrando que não iremos repetir certas colocações anteriormente feitas, por se aplicarem igualmente a todos os contratos de câmbio, nos restringindo apenas a certas peculiaridades típicas dos contratos de importação, e o mesmo será feito nos itens subseqüentes.
5.2 – Importação
A importação, ao contrario da exportação, é a compra de mercadorias e serviços estrangeiros por empresas nacionais. Então, enquanto no contrato de câmbio de exportação a empresa nacional está vendendo às instituições financeiras nacionais a moeda estrangeira fruto de suas transações comerciais, no contrato de importação[27] ocorre a compra destas divisas para remessa ao exterior.
Em regra, aplicar-se-ão a esses casos os mesmos princípios utilizados para a contratação de câmbio para exportação no que diz respeito aos modos de pagamento, remessa de documentos, etc, ou seja, em relação às instituições bancárias contratadas como intermediárias somente se inverte o sentido da transação. Além do que, os critérios para prorrogação, cancelamento, liquidação e baixa dos referidos contratos também não apresentam diferenças substanciais entre os dois tipos, motivo pelo qual não iremos abordá-los novamente, para evitar a repetição enfadonha do tema.
Iremos nos ater, a partir deste ponto, somente à apresentação da multa aplicada às transações de câmbio em atraso, instituída pela MP 1.836-30/99, convertida na Lei n° 9.817/99, que, revogada pela Lei 10.755, de 03 de novembro de 2003, traz expresso em seu artigo primeiro o seguinte texto:
“Art. 1o Fica o importador sujeito ao pagamento de multa a ser recolhida ao Banco Central do Brasil nas importações com Declaração de Importação – DI, registrada no Sistema Integrado de Comércio Exterior – Siscomex, quando:
I – contratar operação de câmbio ou efetuar pagamento em reais sem observância dos prazos e das demais condições estabelecidas pelo Banco Central do Brasil;
II – não efetuar o pagamento de importação até cento e oitenta dias a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao previsto para pagamento da importação, conforme consignado na DI ou no Registro de Operações Financeiras – ROF, quando financiadas.” (Lei 10.755/03) (grifos nossos)
As condições e o trâmite para cobrança da referida multa são regulamentados pelo Banco Central no Título 1 do Capítulo 12 do RMCCI que traz como pontos-chave de seu texto o que se segue:
“1. Este capítulo dispõe sobre:
a) o pagamento de importações brasileiras a prazo de até 360 dias;
b) a multa de que trata a Lei n° 10.755, de 03.11.2003, tratada na seção 5.
2. As importações pagáveis em prazos superiores a 360 dias estão sujeitas a registro no Banco Central do Brasil, na forma de regulamentação específica.
3. O pagamento das importações brasileiras deve ser processado em consonância com os dados constantes:
a) na Declaração de Importação ou de documento equivalente registrado no Siscomex; ou
b) na documentação da operação comercial, no caso de ainda não estar disponível a DI ou documento equivalente registrado no Siscomex.
4. Para fins deste regulamento:
a) Declaração de Importação – DI com previsão de pagamento ampara transferência para o exterior em pagamento da importação em moeda nacional ou estrangeira;
b) DI sem previsão de pagamento não ampara transferência para o exterior em pagamento da importação. (NR)(…)
12. É facultada a antecipação do pagamento de importação registrada para pagamento a prazo de até 360 dias, observada a regulamentação de competência de outros órgãos, em especial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC.(…)
20. As operações de câmbio destinadas ao pagamento de importações brasileiras, inclusive as relativas a parcelas de principal de importações financiadas até trezentos e sessenta dias, podem ser celebradas para liquidação pronta ou futura, sendo de trezentos e sessenta dias o prazo máximo entre a contratação e a liquidação da operação de câmbio.”
Logo abaixo na Seção 5 que trata especificamente da Multa sobre Operação de Importação temos que:
“1. A multa de que trata a Lei n° 10.755, de 3 de novembro de 2003, não se aplica às importações:
a) cujo vencimento ocorra a partir de 4 de agosto de 2006; ou
b) cujo termo final para a liquidação do contrato de câmbio de importação, na forma do inciso II do art. 1º da Lei n° 10.755, de 2003, não tenha transcorrido até 4 de agosto de 2006.
2. Excetuado o disposto no item 1, o importador está sujeito ao pagamento de multa a ser recolhida ao Banco Central do Brasil, no caso de:
a) contratação de operação de câmbio fora dos prazos estabelecidos nos itens 5 e 7;
b) pagamento em reais de importação cuja DI registrada no Siscomex até 10.12.2004 tenha sido licenciada para pagamento em moeda estrangeira;
c) pagamento com atraso de importação licenciada para pagamento em reais;
d) não efetuar o pagamento da importação em até 180 dias a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao previsto para o pagamento da importação, especificado na DI ou, para DIs registradas a partir de 04.11.2003, no Registro de Operações Financeiras – ROF, conforme o caso.
3. O pagamento de importação tratada no item 2 deve ocorrer por meio de liquidação de contrato de câmbio com vínculo à DI ou ao ROF, conforme o caso, ou crédito à conta em moeda nacional titulada pelo legítimo credor domiciliado no exterior e mantida no Brasil em banco autorizado a operar no mercado de câmbio, sendo que o registro da movimentação da referida conta no Sisbacen deve estar vinculado à DI ou ao ROF, conforme o caso.
4. A multa de que trata esta seção é:
a) de 0,5% do equivalente em reais do valor da importação objeto de atraso, não pagamento ou pagamento fora dos prazos e condições estabelecidos nesta seção;
b) calculada utilizando-se a taxa de câmbio de fechamento divulgada pela transação PTAX800 do dia da apuração da multa;
c) apurada:
i) na data da contratação de câmbio ou do pagamento em reais, conforme o caso, para as irregularidades contidas nas alíneas “a”, “b” e “c” do item 2;
ii) no 181° dia a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao previsto para pagamento da importação, no caso da irregularidade constante da alínea “d” do item 2.” (NR)
Destarte, constatado o atraso no fechamento do contrato, determina a lei, com regulamentação dada pelo BACEN, seja cobrada multa, no montante de 05% do valor equivalente em reais da transação, que passa a ser cobrada no 181° dia, a contar do primeiro dia do mês subseqüente ao previsto para pagamento,
Por exemplo: um contrato com fechamento programado para o dia 15 de julho de 2004, não ocorrendo o fechamento do contrato, ou seja, não houve a entrega das divisas conforme avençado pelas partes, caso não tenha ocorrido, ou não seja possível a prorrogação do prazo de fechamento, contam-se 180 dias a partir de 1° de agosto (primeiro dia do mês subseqüente) para que o importador efetue o adimplemento do contrato. Não o efetuando, começará a contar o prazo diário para pagamento da multa a partir do dia 30 de dezembro de 2004 (181° dia).
Sendo que, fica normalmente o banco interveniente responsável pelo recolhimento e cobrança da multa nos termos estabelecidos pelo BACEN.
“10. O responsável pelo recolhimento da multa de que trata esta seção é:
a) o banco vendedor da moeda estrangeira, nas importações pagas em moeda estrangeira;
b) o banco onde a moeda nacional tenha sido creditada para o pagamento da importação, nas importações pagas em moeda nacional;
c) o importador, nas demais situações, observado que se a importação for realizada por conta e ordem de terceiro, o adquirente da mercadoria indicado na Declaração de Importação (DI) registrada no Siscomex a partir de 04.11.2003, é responsável solidário pelo pagamento da multa.
11. Nas hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do item anterior, o banco é notificado do valor da multa por intermédio do Sistema de Lançamentos do Banco Central (SLB) ou por outro meio que assegure o recebimento, sendo-lhe garantido o prazo de cinco dias úteis, que se inicia na data do recebimento da notificação, para o recolhimento da multa.
12. No caso de não ocorrer o pagamento da importação na forma regulamentar, a multa é cobrada do importador, e se houver, do adquirente da mercadoria de que trata a alínea “c” do item 10, por meio de processo administrativo na forma da legislação e regulamentação em vigor, podendo alternativamente ser recolhida por iniciativa própria, sem necessidade de aviso ou notificação, até o segundo dia útil subseqüente à data em que se tornar exigível, observadas as instruções para o recebimento de multas e de outros valores devidos ao Banco Central do Brasil por pessoas físicas e jurídicas não detentoras de conta Reservas Bancárias.” (NR)
Informamos a título de curiosidade que: na regra anterior, as multas eram cobradas pelo BACEN, diretamente e de forma arbitrária pela autoridade monetária na conta do importador, e na ausência de numerário suficiente para cobrir o valor devido, este era inscrito na dívida ativa da União, ferindo de morte o seu direito constitucional ao devido processo e ampla defesa, sendo por óbvio, que tal procedimento gerou uma torrente de mandados de segurança contra o BACEN, que acabou por publicar da Circular BACEN n° 3.231/2004, hoje revogada, que alterou a forma de cobrança e recolhimento da multa.
Observando que segundo a norma regulamentadora traz em seu texto, principalmente por motivos de política-econômica, os casos isentos de cobrança de multa, conforme se lê abaixo:
“13. A multa não será aplicada nas seguintes situações:
a) pagamentos de mercadorias embarcadas no exterior até o dia 31.03.1997, inclusive;
b) pagamentos de importações de petróleo e derivados, classificadas nos seguintes itens da
Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM:
2709.00 – Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos
2710.11.4 – Naftas
2710.11.5 – Gasolinas
2710.19.1 – Querosenes
2710.19.21 – Gasóleo (Óleo diesel)
2710.19.22 – Fuel-oil
2710.19.31 – Óleos lubrificantes sem aditivos
2711.11.00 – Gás natural
2711.12 – Propano
2711.13.00 – Butanos
2711.19.10 – Gás liquefeito de petróleo (GLP)
2711.21.00 – Gás natural
2711.29.10 – Butanos
c) pagamentos de importações efetuadas sob o regime de drawback e outros estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda;
d) importações cujo saldo para pagamento seja inferior a US$ 10.000,00 (dez mil dólares dos Estados Unidos) ou seu equivalente em outras moedas;
e) pagamentos de importações de produtos de consumo alimentar básico, visando ao atendimento de aspectos conjunturais do abastecimento, conforme dispuser ato do Ministro de Estado da Fazenda;
f) às importações, financiadas ou não, cujo pagamento seja de responsabilidade da União, dos Estados, dos Municípios, e do Distrito Federal, suas fundações e autarquias, inclusive aquelas importações efetuadas em data anterior à publicação da Lei 10.755, de 03.11.2003;
g) valores de multa apurados na forma desta seção inferiores a R$ 1.000,00 (um mil reais).”
Conclui-se que o caráter de política econômica da regra apresentada é claro, ante as isenções apresentadas nas alíneas “b”, “c” e “g”, e também nas importações cujos valores não excedam US$ 10.000,00 (dez mil dólares americanos), em claro benefício ao pequeno importador.
Apresentadas as principais características dos contratos de importação e exportação, passaremos à diante.
5.3 – Contratos de Câmbio nas Transferências Financeiras
Apresentados os dois principais tipos de contratos de câmbio, o de exportação e o de importação, faremos uma pequena apresentação, somente a título de curiosidade, dos contratos de câmbio vinculados a transações financeiras, lembrando que em regra se aplicam os mesmos princípios dos contratos já expostos.
As particularidades dos contratos de transferência financeira e mercado de taxas flutuantes são tratadas no Título 1 Capítulo 9 do RMCCI, que optamos por fazer mera menção para não extrapolar o espaço normalmente atribuído a este tipo de trabalho, dado à vastidão da matéria, sendo cada um desses capítulos passiveis de monografia própria.
Os contratos de transferências financeiras são aquelas destinados à contratação de câmbio referente a operações de natureza financeira, importações financiadas sujeitas a registro no Banco Central do Brasil, simbólicas e as de câmbio manual, previstas no Mercado de Câmbio de Taxas Livres”. São por exemplo:
a) Transferências unilaterais;
b) Pagamento de cartão de crédito internacional;
c) Remessa de lucros;
d) Remessa de royalties;
e) Pagamento de juros;
f) Amortização da dívida externa, etc.
Os contratos de arbitragem são referentes à compra e venda de moedas entre bancos centrais e instituições financeiras onde, verbi gratia: uma instituição brasileira vende dólares a uma instituição Argentina em troca de Euros.
A operação de arbitragem pode, desta feita, ser definida como:
“Denomina-se arbitragem de câmbio a operação que consiste em remeter moedas de uma praça para outra, no sentido de se obter vantagens de temporárias diferenças de preço”.(Ratti, 2001:178)[28] (grifos nossos)
A operação de arbitragem pode ainda ser de dois tipos:
“Arbitragem Direta: É aquela onde instituições localizadas em países distintos arbitram suas respectivas moedas;
Arbitragem Indireta: É aquela em que instituições de países distintos operam com a moeda de um terceiro país. “É a chamada arbitragem de três praças também denominada arbitragem de três pontos” (Ratti, 2001:179). É o caso do exemplo dado acima onde Brasil e Argentina transacionam com o Euro e/ou Dólar.”
Os contratos de compra e venda vinculados a essas operações de câmbio se limitam à contratação de câmbio:
“– entre bancos e operadores do Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes
‑ entre bancos;
– entre operadores credenciados a operar no Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes;
‑ entre bancos e operadores credenciados a operar em câmbio no País;
‑ entre departamentos de um mesmo banco no País;
‑ de operações de arbitragens no País e com banqueiros no exterior.
– entre departamentos de um mesmo banco no País e operações de arbitragens”[29].
Assim, apresentados os principais modelos de contratação de câmbio e seus desdobramentos básicos, passaremos agora a apresentar a conclusão do presente trabalho.
6 – CONCLUSÃO
Feitas essas pequenas digressões acerca das operações de câmbio e seu respectivo contrato de compra de divisas e sem a intenção ou pretensão de esgotar o tema – pois é nosso entendimento que isso extrapolaria os limites deste trabalho – apresentamos nossas conclusões sobre a regulamentação da contratação de câmbio enquanto ferramenta estatal de política econômica.
Assim, definida a natureza jurídica do contrato de câmbio enquanto contrato mercantil, poder-se-ia entender a princípio que sua regulamentação, pelos dispositivos legais e infralegais acima apresentados, bastaria para compreender o seu papel no sistema econômico nacional.
Entretanto, conforme exposto, o contrato de câmbio é parte integrante de um conjunto de atividades econômicas inserida em um contexto de Ordem Pública Econômica[30], que extrapola os limites das relações privadas que aqueles dispositivos vêm regulamentar.
Atingem tais relações uma área fundamental: o planejamento das políticas-econômicas, que é o saldo da Balança de Pagamentos, onde a capacidade estatal de controlar o fluxo de entrada e saída de capitais do país, seja por questões fiscais, seja por questões monetárias, influencia na habilidade do Estado de financiar seus saldos em conta corrente. Assim, por exemplo, um superávit nas exportações geraria uma entrada de divisas no país que reduziria – grosso modo – a dependência do país em relação aos movimentos de capitais especulativos.
Destarte, reconhecemos então que, dentro desse contexto econômico, a percepção dos contratos, assim como a maneira como serão estes regulados pelo ordenamento pátrio, é fruto de uma inevitável integração entre o fato econômico e o ato jurídico. Isso deslocaria em nosso entendimento, devido ao papel deste como instrumento de política econômica, o campo de seu estudo do Direito Civil ou Comercial para a seara do Direito Econômico, pois como nos ensina Modesto Carvalhosa:
“Objetivando o Direito Econômico organizar racionalmente a economia, no interesse da coletividade, produz regras jurídicas que impõem, coercitivamente ao seu destinatário, uma determinada conduta. Tais regras constrangem as entidades econômicas públicas e privadas ao cumprimento ou a omissão de determinados atos, submetendo-as para tanto à observância das fórmulas de economicidade que constituem o núcleo desses comandos jurídicos.
São atos que se devem cumprir ou deixar de praticar, sob pena de submeter-se o destinatário às sanções previstas, especialmente, na própria norma ou no seu instituto, ou então no complexo do sistema normativo.
A autonomia da vontade do ser econômico estará, no caso, circunscrita aos limites do legalmente determinado, enquanto imposição ou proibição do Estado.” (Carvalhosa, 1973:288)
E mais:
“Tais normas não têm, como finalidade em si as mesmas, a pura e simples regulamentação das relações indivíduo – indíviduo, tampouco indivíduo – Estado. O fim dessas normas vem regido por um interesse público superior (“ordre public”), que ultrapassa mesmo o do Estado enquanto mero Administrador Público, alcançando a questão da condução da política econômica (esta regida pelos princípios constituconais – art. 170 e ss., bem como art. 192, caput da Carta Magna), bem como a própria sobrevivência da economia nacional.” (Wildmann, 1997, 31)
Finalizando, concluímos que a intervenção do Estado na Contratação de Câmbio tem como principal finalidade não a restrição da liberdade contratual ou a redução da autonomia da vontade do contratante. Tal intervenção se dá, sim, pela necessidade de o Estado cumprir as metas de política-econômica definidas, a priori, pelos critérios da ordem jurídica, os quais devem seguir a orientação hermenêutica da “ideologia constitucionalmente adotada” nos princípios da ordem econômica constitucional. Trata-se, portanto, de interferência estatal nos contratos, de forma a utilizá-los como instrumental de política econômica, com o objetivo de atingir fins econômicos constitucionalmente determinados.
Se conseguirmos efetuar uma panorâmica desses contratos, bem como ter demonstrado a sua importância para a esfera da política econômica, demos por cumprido nosso dever.
Informações Sobre o Autor
Daniel da Silva Araujo Cerqueira
Advogado, Especialista em Direito Tributário pela Faculdades Milton Campos (2006).