Da responsabilidade internacional da Venezuela:como o rompimento da ordem democrática implicou em violação do Direito Internacional

Resumo: A responsabilidade internacional do Estado Venezuelano é recorrente em termos regionais, na América do Sul, mas vem tomando relevância mundial frente a crise humanitária que o país enfrenta. Da exposição do que é responsabilidade internacional às medidas cabíveis, tudo passa pela atuação dos Estados, como principais atores de Direito Internacional.

Palavras-chave: Responsabilidade Internacional. Venezuela. Direito Internacional. Tratado sobre Responsabilidade Internacional.

Abstract: The international responsability of Venezuela is a trend topic, in South America, but it is going to a worldwide level because of the humanitarian crisis the country faces. From the exposition of what is international responsability to the available weapons, all goes by the States acting, as International Law main actors.

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Key words: International Responsability. Venezuela. International Law. United Nations Treathy on International Responsability.

Sumário: Introdução; Da responsabilidade internacional; Do fato e ato; Dos requisitos para a responsabilidade internacional; Da responsabilidade internacional civil; Da responsabilidade da Venezuela; Conclusão; Referências

1. Introdução:

Todo ano, no mês de setembro, as Nações Unidas – ONU realizam as sessões de sua Assembleia Geral, nas quais o Brasil, por questões histórico diplomáticas, tem a prerrogativa de inaugurar. No ano de 2017, o atual presidente Michel Temer resolveu centralizar o tema de seu pronunciamento na questão venezuelana. A partir do emprego de alertas acerca da crise humanitária que se instaurou naquele país em virtude do rompimento da ordem democrática em face do movimento ditatorial que pretende o presidente Nicolas Maduro, o mandatário brasileiro – até pelo fato de que o Brasil é o atual presidente no sistema de rodízios no Mercosul – enfatizou que não haveria mais tolerância com o caso da Venezuela.

A partir do discurso e pela postura adotados em relação ao que se arrasta na Venezuela, este trabalho propõe-se a expor a atual situação de crise política e humanitária vivida naquele Estado, bem como a intentar apresentar quais seriam os caminhos que o próprio Direito Internacional tem disponíveis para solucionar a questão da República Bolivariana da Venezuela. Para tanto, buscará, primeiro, destrinchar o que é responsabilidade internacional para que, assim, se possa ilustrar e estudar o caso venezuelano.

2. Da Responsabilidade Internacional

2.1 Fato e Ato Ilícitos – diferenciação

Primeiramente, cumpre ressaltar que o atual Direito Internacional utiliza-se do termo fato e não ato para definir o que é um ilícito internacional. Dessa forma, a responsabilidade internacional pode decorrer tanto de uma ação quanto de uma omissão.

2.2 Sujeitos ativo e passivo; tipos de responsabilidade

Em toda responsabilidade há o agente que comete, bem como aquele que sofre (vítima); são os sujeitos ativo e passivo. No Direito Internacional, a responsabilidade não se verifica somente entre Estados, mas sim também entre outros sujeitos de Direito Internacional, como as Organizações Internacionais e o indivíduo.

Sobre os tipos de responsabilidade internacional, surgem dois: civil e penal. A responsabilidade como regra é a dos Estados, na esfera civil, muito embora haja, com exceções, a responsabilidade penal no caso de indivíduos, como quando ocorrem genocídios, por exemplo.

Para o indivíduo, o fato ilícito acarreta a chamada responsabilidade penal internacional, caso em que exigiria a atuação do Tribunal Penal Internacional, pela competência descrita no Estatuto de Roma.

Ainda sobre os tipos, temos que a responsabilidade pode ser subjetiva – regra – mas também objetiva, em caráter de exceção.

No que concerne a subjetiva, a presença do ato ilícito não é obrigatória, porque pela teoria dos riscos, pode haver violação de normas de Direito Internacional simplesmente pela nocividade do ato. É o caso de materiais nucleares, espaciais ou ambientais. No entanto, aqui a prova da culpa é essencial.

Já quando se fala em responsabilidade objetiva, a teoria objetivista exige tão somente o nexo causal, a imputabilidade, entre o ato ilícito e a lesão causada. Dispensada dessa teoria a prova da culpa.

Assim, o Direito Internacional consagra ambas as responsabilidades internacionais de acordo com as teorias subjetivista (regra) e objetivista (exceção). Na contramão dessas duas teorias, REZEK afirma que só há responsabilidade internacional em seu caráter objetivo, ao dizer que “a responsabilidade não é por culpa subjetiva, bastando que ocorra um ato ilícito que tenha gerado dano a outro Estado”.

Por fim, quanto as teorias subjetiva e objetiva da responsabilidade internacional, é preciso dizer que agentes estatais, quando no cometimento de qualquer fato ilícito, seja em órgãos ou agindo como um dos poderes do Estado e, assim, o faz por incompetência (no sentido de exercer uma função estranha àquela que deveria fazer), neste caso aplica-se a teoria objetiva na apuração de responsabilidade internacional.

Falemos agora, portanto, mais detalhadamente sobre a responsabilidade internacional civil estatal.

2.2.1 Da responsabilidade internacional civil estatal

A base jurídica no que se refere a este tipo de responsabilidade internacional é praticamente costumeira; não existe um tratado que contemple os costumes internacionais na matéria, entretanto coube à Comissão de Direito Internacional da ONU, em 2001, a tarefa de apresentar um Projeto de Tratado sobre Responsabilidade dos Estados por Fatos Ilícitos. Para fins acadêmicos, ficaremos com o corpo do projeto, no intuito de melhor entendermos acerca da responsabilidade internacional civil por Estados.

Em primeiro lugar, a comissão procurou apresentar os três elementos que ensejam a responsabilização de um Estado: fato ilícito internacional, imputabilidade ou atribuição e dano. Desses três elementos, somente reputa-se como obrigatório, no projeto do tratado, a presença da imputabilidade, para que se possa ter a responsabilidade internacional.

Quanto ao fato ilícito, temos que sua obrigatoriedade é dispensada pela possibilidade de ocorrer responsabilidade internacional ainda que não haja ato ou omissão ilícitos, como explicado acima no caso de atividades nocivas (e pela teoria do risco). Contudo, essas atividades ultra nocivas exigem que haja, para tanto, tratados específicos que dispõem, dentre outras coisas, que a responsabilidade internacional possa se dar independente da ocorrência de um fato ilícito.

Seguindo este entendimento, consagrado pelo Direito Internacional, são três os tratados específicos, a saber:

a) Convenção de Responsabilidade Internacional em Situações de Exploração Pacífica de Energia Nuclear (1960 e 1963);

b) Convenção de Responsabilidade Internacional por poluição marinha por óleo (1969);

c) Convenção sobre Responsabilidade Internacional por lançamento de objetos espaciais (em vigor desde 1973).

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Entretanto, as atividades ultranocivas para fins de configurarem responsabilidade internacional não nos importa neste trabalho. O que é relevante, porém, no que tange ao fato ilícito, é sobre o direito interno.

Obviamente, explicaremos em momento oportuno sobre o impacto que o direito interno tem, quando invocado, sobre o sistema internacional. No entanto, apenas em caráter de antecipação, é preciso tecer algumas considerações a respeito do direito interno e sua relação com o fato ilícito para a responsabilidade internacional.

É princípio básico em Direito Internacional que a invocação de normas de direito interno de um Estado não pode ser uma escusa ao cumprimento de normas internacionais. De acordo com o art. 3º do projeto de tratado sobre a responsabilidade internacional, as obrigações internas não permitem a violação do direito internacional. Dessa forma, é inadmissível que um Estado invoque o seu direito interno para esquivar-se de cumprir quaisquer obrigações decorrentes do Direito Internacional contidas em quaisquer de suas fontes.

Superada a questão do fato ilícito, agora no que concerne ao dano, está ele dispensado de obrigatoriedade sob a justificativa de que pode haver responsabilidade sem que haja, necessariamente, um dano causado. Mais uma vez indo contra, REZEK diz que não há falar em responsabilidade internacional sem que do ato ilícito tenha resultado um dano para a personalidade de direito das gentes. No entanto, e, com a devida vênia, discordamos da posição do renomado Professor, porquanto não se pode tolerar que determinado Estado fique impune por simples violação do Direito Internacional só porque não houve dano.

Por fim, temos que a ilicitude é afastada em, pelo menos, seis hipóteses. São elas o consentimento, a legítima defesa, as contramedidas, o estado de necessidade e o perigo extremo. Essas hipóteses estão contempladas nos artigos 20 a 25 do projeto do tratado apresentado em 2001, ainda não em vigor.

Cuidaremos, a seguir, de dizer algumas considerações a respeito do único elemento obrigatório segundo a prática internacional e o tratado que deve estar presente para que haja a configuração de uma responsabilidade internacional: a imputabilidade.

2.2.1.1 Da imputabilidade (obrigatório)

Único requisito considerado como obrigatório, a imputabilidade significa que as ações ou omissões capazes de gerarem responsabilidade internacional são praticadas por agentes ou órgãos de um Estado; afinal, são estes os responsáveis por fatos ilícitos cometidos por quem, em face deste se submete.

Esses atos podem vir de entes, que são os entes federados de um Estado, como um município, estado-membro ou província, por exemplo, bem como também por um de seus poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.

É igualmente importante, também, dizer que os atos ultra vires, ou seja, aqueles praticados por excesso ou abuso de poder, assim como os atos de terceiros autorizados por lei são passíveis de acarretarem responsabilidade internacional.

Os atos de particulares, capazes de acarretarem em responsabilidade internacional do Estado, ocorre quando o Estado os assume por haver controle ou direção do próprio Estado; quando o particular os comete assumindo funções tipicamente estatais ou, ainda; quando há ausência ou omissão do Estado.

2.2.1.2 Da legitimidade Ativa

Já sabemos que os sujeitos de Direito Internacional estão presentes tanto nos polos ativo quanto passivo da responsabilidade internacional. Agora, para que haja o acionamento do infrator, não necessariamente se exige a legitimidade ativa do Estado violado.

Segundo o projeto de 2001, mais especificamente em seu art. 42, Estado violado é aquele que por excelência pode invocar a responsabilidade internacional do infrator. No entanto, existem duas hipóteses, de acordo com a norma do art. 48, que estendem a terceiros a possibilidade dessa invocação. São os casos de interesse coletivo, justificadamente para permissão de um interesse em proteger determinado grupo, como um bloco econômico e, também, os casos de interesse mundial, ou seja, quando interessa a toda comunidade internacional.

Falta-nos, agora, entender quais são as consequências da imputação de responsabilidade internacional de um Estado.

2.2.1.3 Das consequências da responsabilidade internacional

Quando um Estado no cometimento de um ilícito internacional, gerando uma responsabilidade internacional para ele, inexoravelmente surgem duas grandes consequências: interrupção com garantias ou reparação completa. Atentaremos somente para os casos de reparação para os fins deste artigo.

A reparação, cujo objetivo é claramente o retorno do status quo ante, consiste em restituição, compensação ou satisfação.

Dizemos que a restituição é o retorno da situação original. Já a compensação é um pagamento que se faz para cobrir os danos, os lucros cessantes e os emergentes do fato ilícito. Por fim, a satisfação é o pagamento de algo simbólico, em virtude da impossibilidade de não quantificar o dano material financeiramente; é uma reparação de dano moral.

Por fim, temos que quando um Estado, voluntariamente, não repara – sentido amplo – os danos causados, nasce para os demais a possibilidade de fazerem cumprir o direito internacional: é a implementação, que se traduz em retaliação (feita somente por Estados), além da legítima defesa e as contramedidas (que são represálias).

Estes são, portanto, os meios que dispõem o sistema internacional para garantirem a eficácia da responsabilidade internacional. Com esse arcabouço de informações já podemos prosseguir para o caso da Venezuela e é o que faremos a seguir.

3 Da responsabilidade internacional da Venezuela: uma violação de normas de Direito Internacional

A ordem democrática na Venezuela ruiu há cerca de uns anos. As manobras políticas do substituto de Hugo Chávez não só romperam com a forma republicana e o Estado Democrático de Direito, mas também dotam de uma violação a normas internacionais de jus cogens, inadmissíveis nos tempos atuais.

Nicolás Maduro suprime os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e os submete às vontades do partido comunista bolivariano da Venezuela e também às suas próprias. Não há governo na Venezuela, mas ainda há Estado!

Até que ponto pode um Estado eximir-se de ser responsabilizado por atos de seus particulares, ou mesmo atos de seus órgãos, poderes e agentes? Buscando romper a barreira da inimputabilidade, este artigo tem o condão de ilustrar o quão responsável é o Estado da Venezuela pelas violações do Direito Internacional.

Se já sabemos que é perfeitamente possível a imputação de responsabilidade internacional pela prática de ilícitos por seus agentes, logo o caso da Venezuela se encaixa perfeitamente nesse quesito. Ainda que se possa advogar em favor dos infratores, ao argumento de que as normas constitucionais venezuelanas estão respeitadas, lembramos mais uma vez que a invocação de normas de direito internas não fazem com que um Estado se esquive do cumprimento de obrigações internacionais. À medida em que o tempo passa e, as atitudes do governo de Maduro se prolongam sem vermos um fim, vem com elas a enorme responsabilidade internacional que está neste momento sendo imputada à Venezuela.

Ademais, o governo central venezuelano assumiu funções que suprimem a independência harmônica dos outros poderes, retirando da nação a liberdade, a livre circulação, a dignidade humana e direitos fundamentais. Vê-se uma enorme violação de normas imperativas internacionais erga omnes, ou seja, normas de jus cogens.

No sentido de evitar que daqui um tempo não haja mais o que fazer, o Mercosul promoveu a implementação de sanções à República Bolivariana da Venezuela. Primeiro, são realmente sanções, na medida em que organizações internacionais somente aplicam punições. E, nesse diapasão, o Mercado Comum do Sul aplicou a suspensão da Venezuela do bloco, em votação pelos membros fundadores, nesse ano de 2017. Porém, sabemos que, a despeito das reclamações vindas de Caracas, pouca coisa mudou para melhor.

É nesse ponto que os Estados devem assumir protagonismo, afinal de contas os Estados foram, são, e continuarão sendo os grandes sujeitos de Direito Internacional. Assim é que, conforme explicado em tópico próprio, tem os Estados os mecanismos ideais para fazerem com que a responsabilidade internacional da Venezuela seja, enfim sanada. Citamos aqui, agora, algumas medidas.

No tópico concernente a Represália, destaque para o rompimento de relações diplomáticas que, apesar do caráter extremamente radical, nos parece mais chamativo e vergonhoso para aquele que é o Estado infrator. Em seguida está o corte de relações econômicas que, no caso da Venezuela, significaria muito, já que o país atravessa uma enorme depressão principalmente no setor de alimentos. No entanto, surgem sempre aqueles que defendem que a população seria amplamente afetada por essa medida, e de fato seriam, daí porque a preferência pelo rompimento de laços diplomáticos.

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Contudo, tais medidas se mostram ineficazes se feitas de maneira isolada ou por um pequeno número de Estados. Para que haja efetividade, é preciso comprometimento, daí a importância da Assembleia Geral das Nações Unidas, que constitui importante mesa para a exposição de motivos visando, dentre outros assuntos, o combate à crise política e humanitária na Venezuela.

A responsabilidade internacional existe; as medidas para fazer cumprir o direito internacional também estão disponíveis. Engajamento, esta é a palavra que precisa ser dita mais vezes em reuniões diplomáticas, para que haja a erradicação de crises tão acentuadas como a da Venezuela.

4 Conclusão

A República Bolivariana da Venezuela cometeu atos que ensejam em sua responsabilidade internacional. No entanto, pouco se produziu acerca de medidas tomadas para obrigarem o cumprimento de normas do Direito Internacional.

O sistema internacional, embora ainda ausente um tratado sobre a responsabilidade internacional, já detém, através do costume, de um arcabouço jurídico interessante capaz de cumprir as normas de Direito Internacional. À espera do tratado que ainda está em confecção, falta aos Estados, na qualidade de principais atores de Direito Internacional, se empenharem mais na tarefa de garantir a eficácia do jus cogens.

 

Referências
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Renovar, ( 2 volumes ), 2002.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. Saraiva, 2013.

Informações Sobre o Autor

Rodrigo Lobato Hilário

Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC. Pós graduando em Direito Internacional


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