“O mundo é para quem nasce para
conquistar,e não para quem sonha que pode conquistá-lo,ainda que tenha razão.”
(Fernando Pessoa).
Sumário: 1. Introdução; 2. Da Resposta do Réu; 3.
Inatividade Processual do Réu; 4. Críticas ao Instituto da Revelia; 5. Conclusões.
1. Introdução
Este trabalho monográfico foi realizado para ser entregue como forma
de avaliação da disciplina Processo de Conhecimento I, ministrada pelo
Professor Alexandre Pimentel, no Curso de Especialização latu sensu em Direito Processual Civil pela Universidade
Federal de Pernambuco.
Foi escolhido este tema (embora consagrado e aceito em nosso sistema
jurídico), ainda apresentar controvérsias e polêmicas, principalmente no que
diz respeito a sua aplicabilidade prática, efeitos na sua decretação e até
mesmo questiona-se a justiça na sua aplicação, o que deveria ser o maior
objetivo perseguido pelo sistema judiciário brasileiro.
O instituto da revelia está inserido no Livro I – Do Processo de
Conhecimento, Título VIII – Do Procedimento Ordinário, Capítulo III – Da
Revelia, nos artigo 319 a
322.
Este breve estudo tem como objetivo abordar a revelia através da norma
jurídica e sua eficácia prática, sem com isso deixar de vislumbrar o conteúdo
doutrinário sobre a matéria. Bem como, fazer críticas as coisas que se acham
obsoletas, fazendo deste pequeno trabalho um grão de areia para a mudança das
leis e sua interpretação.
O presente trabalho dividiu-se em Introdução; Da Resposta do Réu;
Inatividade Processual do Réu; Críticas ao Instituto da Revelia; Conclusões;
e por fim, Bibliografia utilizada no
trabalho.
2. Da
resposta do réu
Ao propor uma ação, via
de regra, faz-se a petição inicial. Estando a petição de acordo com o artigo
282, o Juiz a despachará ou mandará emendá-la e depois de emendada a
despachará, assim o réu será citado para que se defenda da acusação contida na
petição inicial.
A citação, então é o
chamamento do réu a juízo para defender-se ante o princípio constitucional
amplamente consagrado do contraditório. Assim, o juiz antes de decidir tem que
dar oportunidade para o réu, querendo, se defender. Com a citação completa-se a
relação jurídico-processual. Com a citação o réu é chamado a tomar conhecimento
da petição inicial. A citação é ato do Juiz, conforme disposto no artigo 285 do
Código de Processo Civil. Pelo fato da citação ser indispensável para a
formação da relação processual e atuação do princípio do contraditório, caso
ela não seja feita ou seja feita de forma ineficaz, isso pode acarretar a
nulidade do processo, artigo 214 e 485, inciso V do Código de Processo Civil.
Assim, mesmo que haja
sentença de mérito, esta pode ser desconstituída por meio de ação rescisória.
Então mesmo depois da sentença transitada em julgado é possível atacar a
sentença por falta ou vício na citação por meio da ação rescisória.
Proposta a ação, o réu,
tem o prazo de 15 dias para responder fazendo sua defesa. Esta defesa pode ser
contra o processo ou contra o mérito.[1] A
defesa contra o processo pode ser direta ou indireta. A defesa direta refere-se
diretamente ao processo tentando
declarar a nulidade ou a carência de ação (falta de pressupostos processuais e
condições da ação). E a defesa processual indireta é a que se faz por meio das
exceções processuais.
A defesa contra o mérito
tem como objetivo desfazer a pretensão do autor para que a providência
jurisdicional não atenda ao seu pedido. Como a defesa contra o processo, a
defesa contra o mérito também pode ser direta ou indireta. A direta se dirige
contra o pedido formulado pelo autor, nos seus fundamentos de fato e de
direito, desta forma pode ser a negação dos fatos jurídicos afirmados pelo
autor como fundamento do seu pedido ou a admissão dos fatos alegados pelo
autor, mas também a negação das conseqüências jurídicas que lhes são
atribuídas. E a defesa de mérito indireta será quando o réu admitir os fatos
constitutivos , alegados pelo autor, mas, ao mesmo tempo afirma fatos
impeditivos, extintivos ou modificativos. E ainda pode consistir na alegação de
outros fatos que, contém um direito do réu, obstam aos efeitos jurídicos
afirmados pelo autor.
3. Inatividade processual do réu
Uma vez provocada a
jurisdição, o processo segue sob direção do juiz mas precisa da ajuda das
partes. A inatividade seja do réu, seja do autor chama-se contumácia.
Este trabalho destina-se
a estudar apenas a contumácia do réu quando aplica-se a revelia e a pena de
confesso.
O Código verificou o que
havia de mais rigoroso com relação ao
revel, somou tudo e disciplinou o instituto da revelia. Ficou com a imposição
da verdade dos fatos do autor dos sistemas austríaco e alemão, mas teve cuidado
de dar ao revel um recurso especial em decorrência da revelia. Conta com o
julgamento imediato do mérito por não precisar da instrução probatória, mas não
deixa que o réu seja intimado pessoalmente da sentença.
A revelia consiste, latu sensu, no não comparecimento do réu
a juízo, e, strictu sensu, é o
descumprimento da ordem contida na citação pelo réu, deixando assim, de
apresentar a sua defesa no prazo legal.[2]
Não apresentada a
contestação no prazo legal, como conseqüência de sua inatividade, todos os atos
processuais passam a ser praticados sem intimação ou ciência do réu e o
processo vai correr a revelia, indo de encontro ao princípio do contraditório,
constitucionalmente consagrado.[3]
Por conseguinte a esta
quebra do princípio do contraditório, todos os prazos correrão contra o revel,
sem intimação, inclusive prazo para recursos. Apesar de não apresentar defesa,
o artigo 322 do Código de Processo Civil, assegura ao réu o direito de intervir
no processo em qualquer fase sem prejuízo dos atos já praticados na sua
ausência.
A conseqüência mais
importante da decretação da revelia é, indubitavelmente, a reputação como
verdadeiros os fatos afirmados pelo autor,[4]
portanto é desnecessária prova dos fatos em que se baseou o pedido, permitindo
assim o julgamento antecipado da lide.[5]
Apesar da legalidade e
justiça da aplicação da revelia, o artigo 320 prevê algumas hipóteses em que
não se presumem verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, quais sejam: havendo
pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; o litígio versar sobre
direitos indisponíveis;[6] e,
quando a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a
lei considere indispensável à prova do ato.
4.
Críticas ao instituto da revelia
Desde o início, o
objetivo deste breve estudo é fazer críticas ao instituto da revelia, e com
isso verificar suas deficiência e propor soluções que se enquadrem em nosso
ordenamento.
Talvez a mais importante
crítica que se deva fazer a revelia seja mesmo no que tange a sua justiça. Será
que pode ser chamada de justa esta presunção de veracidade dos fatos alegados
pelo autor, no caso de inatividade do réu?
A decretação da revelia
visa, antes de mais nada fazer com que o réu se apresente a justiça, ou
apresente sua defesa para contestar o que o autor disse a seu respeito, ou a
respeito de seu direito.
O direito pátrio tomou o
caminho de fingir presente o ausente, presumir
sua confissão com fundamento na sua ausência, e assim o autor, sempre
que oferecesse reais e suficientes elementos de convicção ao juiz vencia a lide
força dessa presunção de confissão.[7]
Isto, às vezes, é uma incoerência, data
venia. O Brasil, tão extenso, possui estados maiores que a Áustria,
Portugal e Alemanha. Estados pobres e atrasados, onde pessoas sem instrução
vivem com precários meios de comunicação. O país tem lugares onde as pessoas
sabem sequer o significado da palavra citação nem tampouco o que significa na
prática. Um país cheio de João Ninguém da Silva que deveriam ser levados em considerção
quando da elaboração destas leis. Os bem nascidos e instruídos dificilmente
serão atingidos pelo instituto da revelia. Mas o estão fora destes parâmetros
não chegam a ser revéis de fato e de direito, só estão esquecidos do outro lado
da cerca.
Neste caso, volta-se a
questão supra mencionada. Será que é justa a aplicação do instituto da revelia
quanto a estes cidadãos? E, atente-se que sequer menciona-se casos como citação
por edital ou por hora certa.
Talvez a explicação mais
plausível para esta seja a proteção que o Estado-juiz tem que dar a quem busca
sua prestação jurisdicional. O Judiciário não poderia ficar esperando ad eternum, que o réu se dignifique a
vir a juízo prestar esclarecimentos quanto a verdade fática da lide. Por outro
lado, não se pode esquecer aqueles excluídos do sistema.
A outra explicação
estaria na má-fé do réu, caso não se aplicasse o instituto da revelia, em
protelar, até que o autor desistisse da ação. Ora, a Justiça, como perseguidora
do justo e do bem comum, não poderia beneficiar este réu que está cheio de má
intenções quanto a lide.
Outra questão relevante é
no que diz respeito a suposta confissão ficta, que nem é confissão nem é ficta.
Ora, se há uma lide é porque há uma pretensão resistida, isso significa que
houve uma controvérsia e que sobre ela não foi possível nenhuma composição fora
do processo. Assim, da propositura da ação decorre um contraditório formal,
porquanto a propositura da ação já denuncia uma pretensão resistida
preexistentes.
Como conseqüência, da
leitura do artigo 319 do Código de Processo Civil, não presume nenhuma
manifestação ou declaração de conhecimento de sua parte, nem busca retirar ou
inferir intenções de seu comportamento omissivo, apenas dá ao juiz a
autorização de decidir conforme os fatos alegados elo autor.[8]
Daí resulta que o
intérprete e aplicador da lei deve restringir, e não ampliar, o campo de
incidência das normas que sacrificam a busca da verdade real.[9] E
onde estaria a verdade real no caso da revelia? Não se pode afirmar com certeza
absoluta que os fatos alegados pelo autor são indiscutivelmente verdadeiros só
pelo fato do réu não contestá-los. No que se refere a confissão ficta, a
doutrina e a jurisprudência deve sempre abrandar a letra da lei elaborada pelo
legislador.
5.
Conclusões
Deste breve estudo acerca da revelia
deve concluir que a revelia é instituto que se aplica a inatividade do réu
quando da oportunidade para resposta aos fatos alegados pelo autor em sua
petição inicial.
As conseqüências mais importantes da
aplicação da revelia são: presunção de veracidade dos fatos alegados pelo
autor; desnecessidade de haver instrução probatória vez que o réu não contestou
o que o autor afirmou como fundamento fático para o seu direito, isso leva o
processo a um julgamento antecipado da lide; o processo corre independente de
intimação do réu de todos os atos do processo, inclusive dispensando a
intimação da sentença; os prazos correm também independente de intimação do
revel; inclusive prazo para recorrer.
A revelia não se aplica nas hipóteses
previstas no artigo 320 do Código de Processo Civil: I – se, havendo
pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – se o litígio versar
sobre direitos indisponíveis; e, III – se a petição inicial não estiver
acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova
do ato. Não obstante tenha havido revelia, a norma enumera casos em que os
efeitos da revelia não ocorrem, nestes casos não há presunção de veracidade dos
fatos não contestados, sobre eles há que fazer prova, não incidindo o artigo
334, IV do Código de Processo Civil.[10]
Outra conclusão que se observa do
estudo da revelia é da sua conotação social, aqueles excluídos que não tem
acesso a educação, cultura e até mesmo aos meios de comunicação não poderiam
ser atingidos pelo instituto. Como uma pessoa não sabe nem ler via vislumbrar
as conseqüências praticas de sua inatividade? Saberá aquele João Ninguém da
Silva o que é “contestar a ação sob pena de revelia” contido no mandado de
citação. Ou seja, ao juiz caberá esmaecer os tons vibrantes da revelia para que
esta nunca deixe de ser justa na sua aplicação e efeitos.
Bibliografia:
CORTES, Hélio Armond Werneck. Revelia, confissão e
transigência (relativamente aos direitos indisponíveis no Código de Processo
Civil vigente) In: Revista Forense, vol. 251, 1975.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário
Jurídico, vol. 4, Saraiva, 1998.
FERNANDES, Raimundo Nonato. Revelia e outros problemas de processo civil In: Revista Forense,
vol. 276, 1981.
LEITE, Eduardo de Oliveira. A Monografia Jurídica, 3ª
ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 3ª
ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
PASSOS, J. J. Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, Forense, Rio de
Janeiro, 1994.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras
Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, 17ª ed., São Paulo, 1995.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, col. I, 19ª ed., Rido
de Janeiro, Forense, 1997.
VALLE, Ribeiro do. Revelia
– Verdade dos Fatos In: Jurisprudência Brasileira, vol. 74, 1983.
Notas:
[1] SANTOS,
Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de
Direito Processual Civil, vol. II, 17ª ed., São Paulo, 1995, p. 188.
[2] DINIZ,
Maria Helena. Dicionário Jurídico,
vol. 4, Saraiva, 1998, p. 204.
[3] THEODORO
JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito
Processual Civil, col. I, 19ª ed., Rido de Janeiro, Forense,
1997, p. 393.
[4] VALLE,
Ribeiro do. Revelia – Verdade dos Fatos
In: Jurisprudência Brasileira, vol. 74, 1983, p. 20.
[5]
FERNANDES, Raimundo Nonato. Revelia e
outros problemas de processo civil In: Revista Forense, vol. 276, 1981, p.
47.
[6] CORTES,
Hélio Armond Werneck. Revelia, confissão e transigência (relativamente aos
direitos indisponíveis no Código de Processo Civil vigente) In: Revista
Forense, vol. 251, 1975, p. 148.
[7] PASSOS,
J. J. Calmon de. Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. III, Forense, Rio de Janeiro, 1994, p. 398.
[8] PASSOS,
J. J. Calmon de. op. cit., p. 412.
[9] PASSOS,
J. J. Calmon de. op. cit., p. 417.
[10] NERY
JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 601.
Informações Sobre o Autor
Ana Flavia Melo Torres
Advogada em Pernambuco