Direito Civil

Dano Moral Coletivo: Limites de Fixação do Quantum Indenizatório

Suélen Lopes Lima [1],

João Santos da Costa [2]

Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA

 

RESUMO

O dano moral coletivo é um instituto do direito civil que está intimamente relacionado com os direitos transindividuais, ou seja, com a integridade de uma coletividade, portanto, a sua violação gera para o agente causador do dano a responsabilidade de repará-lo, de forma que essa reparação poderá ocorrer por meio de uma indenização.

A indenização é munida de dupla função que são conhecidas como compensatória e punitiva- pedagógica que serão observadas no momento de ser arbitrada a decisão do magistrado que deverá ser fundamentada com base em jurisprudências e entendimentos da Corte Superior, tendo em vista não haver norma que regulamenta os critérios de fixação desse quantum indenizatório.

Com o intuito de se arbitrar um valor condizente com cada caso, cabe ao juiz fazer a análise de critérios que são de suma importância para que ocorra um arbitramento de valor que possa punir o agente causador do dano, que proporcione um sentimento de satisfação para a vítima e que também sirva de exemplo para a sociedade.

 

Palavras-chave: Dano moral coletivo, responsabilidade civil, quantum indenizatório e função.

 

ABSTRACT

 

 

Collective moral damage is an institute of civil law that is closely related to transindividual rights, that is, to the integrity of a collective, so its violation creates the responsibility of the agent causing the damage to repair it that such redress may occur through indemnity.

The indemnity is provided with dual functions that are known as compensatory and punitive-pedagogical that will be observed at the moment of the decision of the magistrate that must be based on jurisprudence and understanding of the Superior Court, given that there is no rule regulating the criteria for setting this indemnity quantum.

In order to arbitrate a value that is consistent with each case, it is up to the judge to analyze criteria that are of paramount importance for value arbitration to occur that may punish the agent causing the damage, providing a sense of satisfaction to the judge. victim and also serve as an example for society.

Keywords: Collective moral damage, civil liability, quantum indemnity and function.

 

SUMÁRIO: Introdução. Direitos Transindividuais. 1.1 Direitos Difusos. 1.2 Direitos Coletivos. 1.3 Direitos Individuais Homogêneos. 2 Responsabilidade Civil. 2.1 Aspectos Conceituais: Fundamentos e Espécies, 2.2 Elementos da Responsabilidade Civil. 2.3 Responsabilidade Civil por Dano Moral. 3 Dano Moral Coletivo. 3.1 Aspectos Conceituais: Colocação do Problema. 3.2 Critérios de Fixação do Quantum Indenizatório. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente estudo abordará a fixação do quantum indenizatório por danos morais coletivos, nesse sentido se faz importante destacar que na realidade do direito civil essa indenização por dano moral coletivo foi motivo de muitas discussões e divergências entre os doutrinadores e até mesmo entre os julgadores do Superior Tribunal de Justiça.

Para se chegar a presente questão do quantum indenizatório por dano moral coletivo, o estudo teve início a partir do entendimento sobre os direitos transindividuais, que ao serem lesados geram ao agente o dever de reparar o dano, estando assim configurada a responsabilidade civil, ao mesmo tempo em que ocasiona para as vítimas o direito a tutela desses danos morais coletivos, gerando para o judiciário a obrigatoriedade de estabelecer métodos para a reparação adequada da violação do dano moral coletivo.

O judiciário brasileiro ao estabelecer ou verificar a fixação do quantum indenizatório por danos morais coletivos utiliza-se de um sistema em que o valor das indenizações é arbitrado pelo próprio Magistrado, portanto, a análise dessa tutela é tarefa exclusiva dos tribunais, diante da presente questão o estudo parte do desafio para o Magistrado que é encontrar um valor que seja suficiente para compensar a vítima e punir o agente causador do dano. Sendo ainda de grande relevância para o curso de Direito da UNIFSA, pois abordará um tema que além de exigir cuidado e preparo, também estar presente no dia-a-dia das pessoas, mas, que ainda tem que superar as dificuldade de sua inserção na tutela dos interesses coletivos, assim como, entender que a respeito do dano moral coletivo houve um desenvolvimento significativo, pois as decisões atuais mostram uma grande aceitação das ações coletivas

Por fim, tendo em vista não se tratar de uma violação individualizada e que consequentemente produz efeitos de diversas formas, o trabalho tem como objetivo ainda, analisar os parâmetros utilizados na fixação do quantum indenizatório por danos morais coletivos, revisar bibliografias direcionadas ao quantum indenizatório e identificar o método utilizado atualmente.

 

  1. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS: ABORDAGEM CONCEITUAL

Os direitos transindividuais são assim considerados por se tratar de tutela que não está relacionada somente com o indivíduo de forma individual, mas, por se tratar de questões que envolvem os interesses de um grupo ou de uma coletividade, a referência legal desses direitos encontra-se expressa no Código de Defesa do Consumidor, que divide esses direitos em três espécies: direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos, os quais serão abordados a seguir.

 

1.1 Direitos Difusos

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao trazer o conceito de direitos ou interesses difusos contribui para uma melhor compreensão e proteção da tutela dos direitos da coletividade, pois, a partir daí, há o conhecimento de quem são as pessoas titulares desse direito, da origem desse direito e até mesmo do seu critério de indivisibilidade, tornando assim, possível detectar critérios que diferenciam os direitos difusos dos demais direitos coletivo.

Esse conceito encontra-se plenamente evidenciado no art. 81, parágrafo único, I, CDC, conforme consta abaixo:

Art. 81- A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – os interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeito deste código, os transindividuais, de natureza individual, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

Seguindo o entendimento do que está sedimentado no Código de Defesa do Consumidor, sobre o conceito de direitos difusos entende-se que este possui três critérios que serão de grande relevância para definir de fato quem são os detentores desse direito.

Para que haja o reconhecimento da tutela dos direitos difusos é necessário entender, em primeiro lugar que sua titularidade é indeterminada, pois, não há como se ter o reconhecimento preciso das pessoas que foram lesadas. Ainda dentro deste mesmo cenário, é importante visualizar o critério da indivisibilidade do direito que se justifica pelo fato de que este pertence a toda coletividade, ou seja, a lesão afetará a todos indistintamente. E, por fim, o código menciona também que esses titulares estão ligados por uma circunstância de fato, o que significa dizer que a relação existente entre esses titulares de direito existe somente porque foram lesados pela mesma ofensa.

Assim, conclui-se que o direito difuso sempre vai ter por base o interesse de todos.

Lages (2015, p. 409) afirma que:

A “natureza indivisível” aponta para o fato de ser impossível atribuir ou aferir, a cada sujeito, uma parcela de direito. A lesão atinge a coletividade como um todo, não sendo possível mensurar o dano sofrido por cada consumidor.

Por fim, a expressão “pessoas indeterminadas ligadas por uma circunstância de fato” aponta para os aspectos de serem impossíveis de identificar cada um dos consumidores lesados, os quais estão ligados entre si, pelo fato de estarem expostos a mesma lesão de direitos.

Diante da noção do que são direitos difusos, ou seja, da sua indivisibilidade, da impossibilidade de definição de titularidade e da sua origem, é perceptível sua necessidade de defesa de forma coletiva, pois assim é possível assegurar a garantia do acesso a justiça, um tratamento isonômico, evitar decisões conflitantes, celeridade processual e reparar o dano causado a todos indistintamente. O ordenamento jurídico brasileiro, a fim de garantir essa tutela criou mecanismos processuais para sua defesa, a exemplo, tem-se a Lei de Ação Civil Pública, a qual abrange todo e qualquer interesse difuso, mas, isso não significa que seja o único instrumento de defesa, pois, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LXX e LXXIII prevê também a proteção desses interesses através de ação popular e mandado de segurança coletivo.

Donizetti (2010) diz que “pode-se dizer que a ação civil pública é a demanda de maior importância no ordenamento jurídico brasileiro”. Isso se dá devido a sua atuação ter o poder de abarcar não só uma maior quantidade de objeto de defesa, mas também um maior número de legitimados para a propositura da ação, como prevê o art. 5º, da Lei de Ação Civil Pública.

Para finalizar, também se faz importante esclarecer sobre os efeitos que essa demanda irá obter devendo ser observada sua aplicabilidade no dispositivo que disciplina a coisa julgada nas ações coletivas que é o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, que afirma que os efeitos da coisa julgada será ultra partes ou erga omnes.

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova na hipótese do inciso I do parágrafo único do artigo 81.

Nas ações coletivas de interesses ou direitos difusos, o resultado do julgamento terá eficácia de coisa julgada material para todos os detentores do direito, salvo, se ocorrer a improcedência do pedido por insuficiência de provas, o que não impedirá de qualquer outro legitimado ajuizar nova demanda, sendo esta munida de novas provas.

O ordenamento jurídico brasileiro adota o posicionamento de que é necessário atribuir a determinação das pessoas que serão atingidas ou beneficiadas com o resultado do julgamento, nas ações individuais a coisa julgada será inter partes, contudo, quando se trata de direitos e interesses difusos, diferentemente do que ocorre nas ações individuais, resultado do julgamento poderá estender-se a todos os titulares do direito lesado a depender do resultado da lide.

 

1.2 Direitos Coletivos (Stricto Sensu)

A regra que disciplina os direitos coletivos encontra respaldo no art. 81, II, CDC que afirma:

Art. 81- A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

II interesses ou direitos coletivos, assim entendidos para efeito deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base.

O que se pode absorver do presente inciso, é que apesar de se tratar espécies de direitos coletivos, é perceptível que os direitos difusos apresentam caracteres diferentes dos direitos coletivos (stricto sensu), pois, há a indivisibilidade do direito, ou seja, não é possível mensurar a lesão de cada vítima, razão pela qual só poderá ser considerado como um todo há também o fato de que quando se fala em interesses coletivos, os sujeitos detentores desse direito são determinados por grupo, categoria ou classe de pessoas. Ainda nesse viés, outro ponto que irá diferenciá-los é o fato de que essas pessoas não estão ligadas por uma circunstância de fato, mas sim por algum sistema normativo que atribui direitos e deveres entre as partes envolvidas na demanda.

Lages (2015, p. 410) defende que:

Para interesses ou direitos coletivos, é possível identificar um grupo, categoria ou classe de pessoas, diferente do que ocorre com os interesses ou direitos difusos nos quais as pessoas são indeterminadas. Além disso, as pessoas integrantes do grupo são ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base, enquanto que, no interesse ou direito difuso, a ligação entre os consumidores é decorrente da própria lesão ou ameaça a lesão. Também não é possível quantificar a lesão ou ameaça de lesão que cada consumidor individualizado possa vir a sofrer, daí porque se fala em natureza indivisível.

Da mesma forma como ocorre com os direitos difusos, nos direitos coletivos é de suma importância a necessidade de tutela desse direito, pois, também se busca celeridade processual, isonomia, evitar decisões conflitantes, enfim, se busca a praticidade e principalmente a segurança jurídica para as partes envolvidas, porém, com seu efeitos inter partes, ou seja, os efeitos da decisão irá afetar somente os sujeitos pertencentes ao grupo, categoria ou classe envolvida na demanda.

É o que aduz o art. 103, II CDC.

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

II- Ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo, improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior quando se tratar da hipótese prevista no inciso II, parágrafo único do art. 81.

A autoridade conferida a uma sentença em uma ação na qual a tutela é direcionada aos direitos coletivos stricto sensu onde há uma relação jurídica-base, seus efeitos serão ultra partes, ou seja, assim como ocorre com a ação individual, os efeitos desse julgamento somente irá atingir as partes envolvidas no processo, porém, no direito coletivo esses efeitos ocorrerão limitando-se ao grupo, categoria ou classe envolvidos na demanda.

Havendo a improcedência do pedido por insuficiência de provas o entendimento é o mesmo do caso dos direitos difusos, momento este em que o legitimado poderá propor nova ação utilizando-se de novas provas, é o que defende o ordenamento jurídico brasileiro que prevê no art. 103, §1º, CDC (“os efeitos da coisa julgada previstas nos incisos I e II não prejudicarão interesses ou direitos individuais dos integrantes da coletividade, da categoria, do grupo ou da classe”). Mazzilli (2012) nos ensina que “a improcedência de ação de índole coletiva não impede o ajuizamento de ações individuais fundadas no mesmo fato”. Isso implica em dizer que a improcedência do pedido na ação coletiva de direito coletivo stricto sensu não impedirá ou impossibilitará os integrantes da coletividade de ajuizar ação que versará sobre seu direito individual, ou seja, qualquer integrante poderá buscar seu direito individualmente.

 

1.3 Direitos Individuais Homogêneos

Quanto aos direitos individuais homogêneos que também está dentro da composição dos direitos coletivos, este tem previsão legal no art. 81, parágrafo único, III do Código de Defesa do Consumidor dispõe que:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo:

III- interesses individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Tratando-se de direitos individuais homogêneos, o que se retira do texto do presente artigo é que a tutela desse direito surge a partir do momento em que o dano sofrido pelas vítimas é decorrente de uma mesma situação.

É importante frisar que esses direitos individuais homogêneos são considerados de natureza coletiva somente devido a forma de tratamento que é atribuída à sua defesa, mas, a princípio, um direito de natureza individual que tem como titular individualmente cada membro da coletividade, e homogêneo porque são direitos que surgem de uma origem comum ou de uma mesma causa, gerando assim o direito a uma defesa coletiva.

Garcia (2016, p. 484)

Não importa se há relação jurídica anterior ou vínculo que una os titulares entre si ou com a parte contrária. O que caracteriza um direito individual como homogêneo é a origem comum. A relação que se forma com a parte contrária decorre somente da lesão sofrida. A homogeneidade decorrente da origem comum faz surgir, em princípio, a possibilidade e defesa de forma coletiva.

Os direitos individuais homogêneos apresentam uma caracterização diferente do que já foi abordado com os direitos difusos e coletivos, diante do que foi abordado extrai-se que o bem jurídico é perfeitamente divisível e que seus titulares podem ser determinados, ou cada pessoa lesada pode ser identificada assim como também é possível ter ideia da proporção do dano causado a cada titular do direito, mas é importante ressaltar que sempre deve haver a origem comum, pois caso contrário não há que se falar em tutela coletiva de direitos individuais homogêneos. por isso, se faz importante mencionar que o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 103, III trata dos efeitos das ações referentes aos direitos individuais homogêneos, o qual afirma que:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

III- erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

Com isso, a tutela coletiva desse direito tem gerado discussões entre os estudiosos da área sobre a caracterização da homogeneidade da origem desse dano.

Donizeti (2010, p. 224)

Apenas os indivíduos que não tiverem intervindo como litisconsortes poderão propor ação individual de indenização no caso de improcedência do pedido formulado na ação coletiva pela entidade legitimada, isso porque ao contrário dos direitos difusos e dos coletivos em sentido estrito, o objeto da ação coletiva na hipótese em comento são direitos essencialmente individuai, porém, coletivamente considerados.

Por se tratar de direitos essencialmente individuais, diferentemente do que ocorre com os direitos difusos e direitos coletivos em sentido estrito, a possibilidade de ser ajuizada uma nova ação individualmente, cujo, objetivo é indenização de reparação do dano sofrido está restrita somente aos sujeitos que também tiveram seu direito lesado, porém, não estão atuando como parte no processo coletivo.

 

2. RESPONSABILIDADE CIVIL

Ordenamento jurídico brasileiro ao estabelecer no presente dispositivo, a obrigação de reparar a prática de um ato ilícito, este, tem como objetivo promover a reparação por danos materiais e morais, sendo também importante ressaltar que o mesmo se direciona tanto a ofensa individual, quanto à coletiva, por isso, essa defesa se reporta também à tutela dos direitos coletivos latu sensu já citados anteriormente, cujos interesses são entendidos como indivisíveis.

 

2.1 Aspectos Conceituais: Fundamentos e Espécie

O instituto da responsabilidade civil surge da extrema necessidade de se conter ou reparar os e danos que têm sido causados frequentemente a outrem, isso implica em dizer que aquele que pratica o ato danoso está sujeito a obrigação de responder por sua atividade danosa, assim como preceitua o art. 927 do Código Civil que diz: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Com isso, a responsabilidade está intimamente ligada à situação de obrigação que é reconhecida como um dever jurídico que surge em consequência de algum ato ilícito que viola o direito de outrem.

A obrigação, ou seja, responsabilidade civil que é adquirida em decorrência dos prejuízos causados a terceiro, surge primeiramente como um dever jurídico, cujo propósito é o dever de seguir e cumprir as ordens impostas pelo direito positivo, onde o seu descumprimento acarretará na ilicitude do ato, criando assim o dever de repara ou de restituir alguma perda ou dano ocasionado a outrem e assim, atingir o equilíbrio moral e patrimonial, alcançando dessa forma uma estabilidade na relação social tendo sempre como base o dano causado à vítima.

Sergio Cavalieri conceitua dever jurídico do seguinte modo:

Entende-se, assim, por dever jurídico, a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de um simples conselho, advertência recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido a vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações. (CAVALIERI FILHO, 2014, P. 14)

O instituto da responsabilidade civil tem sofrido grandes avanços quanto aos preceitos observados ou analisados no momento de ser aplicada a obrigação de reparar o dano. De fato, durante muito tempo o ordenamento jurídico tinha como base a culpa do agente para aplicação da sanção, ou seja, a pena aplicada tinha como fundamento, único e exclusivamente punir o agente causador do dano.

Com as alterações legislativas que foram surgindo com o passar do tempo, a responsabilidade civil passou a ser analisada não somente na culpa do agente, mas também passou se buscar essa tutela com base no dano em si. Com isso, hoje essa responsabilidade civil está conservada na obrigação de indenizar tendo como pressuposto a obrigação de ressarcir a vítima pelo dano sofrido.   Assim, celebra Gonçalves (2019) “O fundamento da responsabilidade civil deixou de ser buscado somente na culpa, podendo ser encontrado também no próprio fato da coisa e no exercício das atividades perigosas”. Assim essa responsabilidade pode ser em decorrência de ato lícito ou ilícito.

Dentre as tantas espécies de responsabilidade civil classificada pela doutrina, é de suma importância a abordagem das responsabilidades contratual e extracontratual para uma melhor compreensão dessa tutela jurisdicional.

A responsabilidade civil está relacionada com a obrigatoriedade de reparação de dano causado a terceiro que decorre de um dever jurídico exigido pela lei, surgindo assim, uma responsabilidade extracontratual, com isso, Diniz (2014), defende que essa responsabilidade “é a resultante de violação legal, ou seja, de lesão a um direito subjetivo, ou melhor, da infração a um dever jurídico geral de abstenção atinente aos direitos reais ou de personalidade, sem que haja nenhum vínculo contratual entre lesante e lesado”. Tendo como fundamento a ilicitude que está tipificada no art. 186, do Código Civil “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou imperícia, violar direito a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, o presente artigo deve ser analisado em conjunto com os arts. 927 e 928, CC, isso implica em dizer que seu fundamento se dá em decorrência de culpa ou com base na ideia do risco.

A responsabilidade civil também poderá está instituída em um contrato criado pelas partes, dando ensejo a uma responsabilidade contratual que tem como fundamento a culpa em sentido amplo, isso significa dizer que o descumprimento da obrigação não é apurado somente pala existência de dolo, ou seja, intensão de causar dano, mas também será analisado com base na existência de culpa, (negligência, imprudência e imperícia), sendo assim essa responsabilidade só será exigida quando se tratar de ato imputável ao devedor.

Diniz assevera que:

O inadimplemento da obrigação consiste na falta de prestação devida ou no descumprimento do dever jurídico voluntário ou involuntário por parte do devedor.

A responsabilidade do infrator, havendo liame obrigacional decorrente de contrato ou de declaração unilateral de vontade, será contratual, fundando-se na ocorrência de culpa em sentido amplo, que abrange o dolo e a culpa em sentido estrito. (DINIZ, P.279, 2014)

Sendo assim, quando se fala de responsabilidade civil contratual e extracontratual, o que se depreende é que ambas são oriundas de uma obrigação jurídica preexistente.

 

2.2 Elementos da Responsabilidade Civil

Com a grande a demanda de ações em busca de indenizações exorbitante, o instituto da responsabilidade civil estabeleceu que para a devida configuração da obrigatoriedade de reparar o dano causado a outrem, deverão estar presentes os seguintes requisitos que são pressupostos essenciais para a configuração da obrigatoriedade de reparação do dano: conduta, culpa ou dolo, nexo de causalidade e dano. O art. 186 do Código Civil diz que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, ou seja, todo aquele que causar dano a outrem estará obrigado a repará-lo.

Gonçalves (2019) aduz que: “A análise do artigo supratranscrito evidencia que quatro são os elementos essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima”.

Primeiramente será abordado o requisito da conduta presente na responsabilidade civil, a qual está intimamente relacionada com o comportamento do agente e consequentemente é caracterizada como o fato gerador para a configuração da responsabilidade civil. Essa conduta poderá ocorrer de forma comissiva, também conhecida como positiva, quando o agente pratica o ato que resulta em dano a terceiro, ou omissiva, conhecida como negativa quando o agente deixa de agir quando deveria evitar dano a terceiro. A conduta também poderá ocorrer de forma ilícita, quando o agente pratica o ato culposamente ou lícita, quando o agente pratica o ato permitido por lei, porém, há a obrigatoriedade de o agente assegurar que dela não resulte dano a terceiro.

Diniz (2014, p. 57) assevera que:

No nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral de que o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos decorre da culpa, ou seja, de reprovabilidade ou censuralidade da conduta do agente. O comportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante circunstâncias concretas do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente.

O segundo elemento a ser abordado o dolo ou culpa, sendo que o dolo é o elemento pautado na vontade consciente da agente, ou seja, há intenção deliberada de causar o dano, já a culpa, está pautada na negligência, imprudência e imperícia, ou seja, o agente não tem o desejo de causar o dano, mas, por falta de cuidado, diligência ou inobservância da norma obtêm o resultado dano.

É importante ressaltar ainda que para alcançar a reparação do dano o Código Civil exige que necessariamente a vítima comprove culpa do agente, é o que define a responsabilidade subjetiva perfeitamente consagrada no art. 186 do Código Civil. Diante da obrigatoriedade de comprovação de culpa por parte da vítima, surgiram dificuldades ou impossibilidade de serem realizadas essas comprovações, daí, passou também a serem aceitas em determinados caso a responsabilidade sem a prova de culpa, que é conhecida como responsabilidade objetiva.

Para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem de provar dolo ou culpa stricto sensu do agente, segundo a teoria subjetiva adotada em nosso diploma civil. Entretanto, como essa prova muitas vezes se torna difícil de ser conseguida, o nosso direito positivo admite, em hipóteses específicas, alguns casos de responsabilidade sem culpa: a responsabilidade objetiva, com base especialmente na teoria do risco. (GONÇALVES, 2019 p. 54).

Dentro desse contexto de elementos da responsabilidade civil encontra-se ainda o nexo de causalidade, ou seja, a possibilidade indenização também está sujeita à verificação de existência de ligação da conduta do agente com o dano causado a vítima, pois, através da existência desse liame é possível identificar a quem deve ser atribuído o resultado, quanto deve ser indenizado e a extensão desse dano, assim, Gonçalves (2019) afirma que “é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado”.

Por fim tem-se o dano sofrido pela vítima, uma vez que para que haja a obrigatoriedade do dever de indenizar é necessária a existência do dano, que nada mais é do que o prejuízo ocasionado que poderá atingir a vítima no âmbito material causado diretamente ao patrimônio do lesado ou moral quando este atinge a honra, a liberdade, a imagem, a personalidade de alguém.

O dano material está relacionado com a perda que poderá ocorrer de forma total ou parcial sobre o valor econômico de bens que compõem o patrimônio da vítima. O citado dano está subdividido em danos emergentes também conhecidos como danos positivos, estando este relacionado com a redução do patrimônio, ou que ocorre de maneira mediata. Outra forma de ocasionar dano material é quando se trata de lucros cessantes, conhecido por dano negativo que é quando a vítima deixa de ganhar ou de lucrar. Vale lembrar ainda que o direito a indenização pelos danos sofridos gera a obrigação de comprovação, ou seja, a prova real dessa perda.

Diniz defende que:

Dano patrimonial vem a ser a lesão concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens matérias que lhe pertencem, sendo suscetível a avaliação pecuniária e de indenização reparável. Constituem danos patrimoniais, a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação. (2014, p. 84)

Em relação ao dano moral, este, diferente do dano patrimonial, não tem ligação com o patrimônio da vítima, sendo assim, não poderá ser mensurado em pecúnia. Diante de muitas definições quanto ao dano moral Cavalieri Filho (2014) afirma que “á luz da Constituição, dano moral pode ser conceituado sob a perspectiva de dois aspectos distintos: em sentido estrito e em sentido amplo”. Segundo o autor supracitado, o dano moral existe em decorrência da violação dos direitos fundamental presente na Constituição Federal de 88 e de ofensas a direitos que são próprios da condição humana.

 

2.3 Responsabilidade Civil por dano moral

O instituto da responsabilidade civil é o mecanismo utilizado para assegurar a obrigatoriedade de reparação por danos causados a terceiro e como já citado anteriormente, este, tem como objetivo promover o equilíbrio moral e patrimonial provocada pelo autor do dano.

Diante disso é importante declarar que ordenamento jurídico brasileiro, durante muito tempo não reconhecia dano moral como efeito de responsabilidade civil, existindo somente o dano referente ao patrimônio de terceiro, ou seja, só havia a possibilidade de ressarcimento como forma de compensar o prejuízo em pecúnia, com isso não haveria que falar em lesão a dignidade, do ofendido, pois, o vínculo entre dano moral e pecúnia era motivo de discussões controvertidas nos tribunais.

Com o passa do tempo e consequentemente com a evolução da sociedade, o instituto da responsabilidade também foi sofrendo alterações de forma a atender todas as necessidades referentes aos danos sofridos, pois, a ideia que se tem é que todo dano causado a outrem é passível de reparação, surgindo assim, a responsabilidade por danos morais, que teve sua positivação no ordenamento jurídico, a partir da Constituição Federal de 1988 que trouxe em seu art. 5º, V e X a garantia de indenização por danos morais respaldada no princípio da dignidade da pessoa humana.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material e moral decorrente de sua violação;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Seguindo os ensinamentos da Carta Magna, tem-se o art. 186 do Código Civil Brasileiro, já citado anteriormente e o posicionamento de doutrinadores que asseguram o direito a indenização por dano exclusivamente moral, é que defende, por exemplo, Venosa (2011, p. 332).

Nesse sentido, a indenização por danos exclusivamente moral não possui o acanhado aspecto de reparar unicamente o pretium doloris, mas busca restaurar a dignidade do ofendido. Por isso não quer se dizer que a indenização por dano moral é o preço que se paga pela dor sofrida. É claro que é isso e muito mais. Indeniza-se pela dor da morte, mas também quando a dignidade do ser humano é aviltada com incômodos anormais na vida em sociedade.

Portanto, a indenização por dano moral não tem o objetivo de restabelece a coisa lesada ao seu estado anterior, a sua restituição poderá se dar não só em valor indenizatório, mas também de forma que o lesado possa se satisfazer intimamente, por exemplo, o direito de resposta consagrado no art. 5º, V, CF/88.

Conclui-se que o dano moral surge de um ato ilícito explícito, que é de fácil percepção, mas também é resultado de atos que somente podem ser verificados pelo sujeito vítima da lesão, sendo este, quando atinge o aspecto psíquico, espiritual.

A caracterização do dano moral é matéria de difícil constatação devido a sua subjetividade, pois, há ainda o “mero aborrecimento”, que muitas vezes não é aceito ou reconhecido pela vítima, Maria Celina Bodin de Morais, citada por Schreiber afirma que:

De fato, não será toda e qualquer situação de sofrimento, tristeza, transtorno ou aborrecimento que ensejará a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana em seus diversos substratos materiais, já identificados, quais sejam, a igualdade, integridade psicológica, liberdade, solidariedade familiar ou social, no plano extrapatrimonial. (Morais, apud Schreiber, 2013, p. 109).

Nesse sentido, não há que se falar em reparação a dano moral de forma compensatória, no sentido de restabelecer o dano ao seu estado anterior, porque não tem como compensar uma angústia ou um sofrimento com dinheiro, pois o verdadeiro sentido da indenização por dano moral é respaldado no equilíbrio social, não na pecúnia em si. Daí a dificuldade em conseguir chegar em valores suficientes para amenizar esse dano.

O arbitramento do quantum indenizável é matéria de grande repercussão, pois este ocorre de forma bem diferente do dano material, tendo em vista se tratar de um dano onde não é possível fazer uma mensuração quanto a sua materialidade, ou seja, quanto a sua extensão.

Ao se realizar tal arbitramento a jurisprudência tem se manifestado no sentido de que deve ser analisado o caráter satisfativo e punitivo, daí a necessidade dessa indenização ser arbitrada pelo livre arbítrio do juiz, pois este é detentor de competência e de conhecimento para atribuir reparação de forma que esta possa amenizar a situação danosa e ao mesmo tempo a para atribuir sanção tendo sempre o cuidado de não configurar para a vítima um enriquecimento sem causa.

 

3. DANO MORAL COLETIVO

3.1 Aspectos Conceituais

O dano moral coletivo é uma evolução doutrinária e jurisprudencial do dano moral, pois, durante muito tempo não existia o reconhecimento de tutela por dano moral coletivo, isso ocorria porque partia-se da ideia equivocada de que dano moral é dor, vexame, sofrimento que só uma pessoa pode sentir, ou seja, tinha-se a ideia de que a ofensa é inerente a individualidade pessoal, mas, não se pode deixar de lado que a própria Constituição Federal de 1988 e outras legislações defendem expressamente a proteção de interesses que não recai apenas sobre um indivíduo.

Hoje é reconhecida a pertinência da concessão de dano moral coletivo por se tratar de ofensa a sentimento de coletividade, desgosto coletivo, ofensa a moralidade que resguarda valores da coletividade.

De forma objetiva e sintética pode-se então conceituar dano moral coletivo como sentimento de desapreço que afeta toda a coletividade pela perda de valores excenciais; sentimento coletivo de comoção; de tranquilidade ou insegurança pela lesão a bens de titularidade coletiva, como meio ambiente, paz pública, a confiança coletiva, o patrimônio (ideal) histórico, cultural, paisagístico, etc. (CAVALIERI, 2014, p. 134)

Com isso, entende-se que dano moral coletivo apresenta uma relação com a transindividualidade que está ligada a reparação de violação de interesses difusos e coletivos de uma comunidade, que até então, esses direitos somente eram combatidos por medidas de direito público a partir daí surge a necessidade de estudar a tutela desses danos que estão além da esfera individual e patrimonial, e que exigem posicionamentos doutrinários que reconheçam a tutela do dano moral coletivo.

Diante da dificuldade que o judiciário enfrenta, da insatisfação das vítimas e até mesmo das divergências jurisprudenciais, é que surge o questionamento a respeito do método mais adequado para a fixação desse quantum indenizatório.

Neste sentido, Patrizia Petrelli, apud, Schreiber (2013, p.90) entende que:

Seja qual for o destino da nova figura, a própria discussão em torno do tema revela que os interesses difusos e coletivos, até pouco tempo combatidos apenas por medidas de direito público em sentido estrito (multas administrativas, etc.), ingressam, firmemente, no campo da responsabilidade civil e passam a exigir novos posicionamentos das cortes de todo o mundo, em oposição à dogmática tradicionalmente individualista do instituto.

Por fim, o ordenamento juRídico brasileiro, é bem claro quanto ao reconhecimento das formas de defesa da tutela dos interesses morais de uma coletividade dentro da responsabilidade civil, o que caracteriza um grande avanço dentro do judiciário, o dano moral coletivo estará devidamente configurado quando uma conduta antijurídica atingir injustificadamente valores e interesses fundamentais ocasionando graves lesões a uma coletividade.

 

3.2 Critérios De Fixação Do Quantum Indenizatório

Em se tratando de dano moral coletivo, é importante entender que diante da sua proteção as cortes foram obrigadas a repensar seus posicionamentos e elaborar métodos que melhor se adequassem a sua reparação, tendo em vista não haver a possibilidade de ser criado um tabelamento de valores ressarcitório que se adequassem a cada caso concreto, pois, assim ocorreria a violação de dispositivo constitucional que assegura a igualdade a todos, é o que ensina Tartuce (2013) “não é possível tarifar o dano moral, mesmo por lei, o que traria lesão ao princípio constitucional da isonomia”.

Atualmente, quando se trata de ressarcimento por dano moral coletivo, o ponto de maior discussão é justamente em relação a fixação do quantum indenizatório. No dano moral coletivo é possível identificar uma indenização de natureza punitivo-pedagógica, mas também de natureza compensatória, ou seja, a indenização por dano moral coletivo possui dupla função, cujo objetivo está na promoção de satisfação da coletividade e também na prevenção a ocorrência de novas ações danosas.

A condenação, quando em dinheiro, deve ter dupla função – compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor -, objetivando-se evitar a reiteração de violações aos valores coletivos. A fixação do quantum debeatur deve ser pautada em critérios de razoabilidade, considerando fatores também aplicáveis na seara individual como gravidade da lesão, situação econômica do agente e circunstâncias do fato. . (BITTAR FILHO, apud, AMORMINO, 2018 ).

A função compensatória estabelecida em pecúnia que tem como objetivo amenizar o dano sofrido pela coletividade, minimizando assim, os sentimentos de injustiça e ao mesmo tempo proporcionando a satisfação dos lesados, pois, não se pode esquecer que no dano moral coletivo, assim como ocorre no dano moral não há a possibilidade de o direito violado voltar ao status quo ante, portanto, essa compensação tem um sentido meramente satisfativo de forma que o lesado tenha a sensação de paz de espírito e de justiça.

É o que defende Reis apud Favoreto, (2008, p. 17).

O efeito “analgésico” desse pagamento poderá amenizar ou até mesmo aplacar a dor sentida pela vítima, caso seja adequada e compatível com a extensão da sua dor. Assim, não sendo possível eliminar as causas da dor, senão anestesiar ou aplacar os efeitos dela decorrentes, o quantum compensatório desempenha uma valiosa função de defesa da integridade psíquica das pessoas.

Pode ser identificada ainda a natureza punitivo-pedagógica, na qual o valor da indenização poderá muitas vezes ser considerado alto, mas, não se pode esquecer que o objetivo maior é reduzir as condutas antijurídicas que ocorrem de forma reiteradas, seguindo assim, um viés educacional e preventivo que possibilitará a conscientização tanto do agente causador do dano, quanto da sociedade sobre a importância do dever de não ocasionar danos à coletividade e demonstrar que essas atitudes danosas não ficarão impunes.

Ramos (1998, p. 85-86) diz que:

Um valor considerado excessivamente elevado para o caso concreto deve ser visto como razoável para alertar não só o causador do dano, mas todos os demais causadores potenciais do mesmo dano, de que tais comportamentos são inadmissíveis perante o Direito.

Corroborando com o entendimento do autor supracitado tem-se a presente jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS. DEVER DE QUALIDADE, SEGURANÇA, DURABILIDADE E DESEMPENHO. ART. 4º, II, “D”, DO CDC. FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA. MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO. OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. FUNÇÕES. PUNITIVA, REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA.

  1. O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade, bem de natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais.
  2. No dano moral coletivo, a função punitiva – sancionamento exemplar ao ofensor – é, aliada ao caráter preventivo – de inibição da reiteração da prática ilícita – e ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito do agente, a fim de que o eventual proveito patrimonial obtido com a prática do ato irregular seja revertido em favor da sociedade.
  3. Na hipótese concreta, a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo.
  4. Recurso especial provido.

(REsp 1737412/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019)

Por não haver lei que especifica uma quantidade certa relacionada a valores de acordo com cada caso, o judiciário assume a responsabilidade de arbitrar essa quantificação, sendo assim, esta obrigação de fixação do quantum por dano moral coletivo recai sobre o magistrado que deverá fazer a análise das peculiaridades do caso concreto estando sempre respaldado na equidade, na prudência e na razoabilidade de tal forma que possa chegar a um valor que seja capaz de desestimular a prática da conduta danosa.

Nesse sentido:

Não havendo critérios legais seguros para se aferir o quantum indenizatório do dano extrapatrimonial, deve o julgador, observadas as circunstâncias do caso concreto, utilizar-se do arbitramento para fixar o valor da condenação. LEITE (2000, p. 449-450).

Esse processo de quantificação comporta elementos que deverão ser observados no momento da sua fixação. Esses elementos são: extensão do dano, gravidade da lesão, a situação econômica do agente e as circunstâncias de fato, o grau de culpa para que assim seja possível chegar a uma decisão devidamente motivada e fundamentada.

A autora Maria Celina Bodin de Moraes trás um rol de elementos que podem ser seguidos para avaliação de indenizações causadas por danos morais coletivos:

O grau de culpa e a intensidade do dolo (grau de culpa); a situação econômica do ofensor; a natureza a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); as condições pessoais da vítima (posição social, política, econômica); a intensidade do seu sofrimento (MORAES, 2003, p. 29).

Quando se trata de extensão do dano, esse é um elemento que está vinculado com o período de sofrimento da vítima.

Outro elemento é a intensidade de sofrimento que vem a ser a gravidade da lesão que será utilizada para se chegar a um valor que seja suficiente para reduzir o sofrimento da vítima.

Também há como elemento a ser observado, a situação econômica do agente causador do dano, pois, o valor a ser estabelecido deve ser condizente com sua condição financeira de forma que este não um valor irrisório, mas, que também não seja tão exorbitante de forma que o agente não tenha como cumprir com a decisão do magistrado, assim como também deve ser observada a condição financeira da vítima para que este valor na incorra em enriquecimento ilícito.

A presente jurisprudência evidencia em seu entendimento o reconhecimento de violação a dano moral coletivo, assim como em relação ao valor da indenização por dano moral coletivo, que este somente merecerá análise em sede de recurso especial quando se tratar de valor exorbitante ou desproporcional a título de danos morais.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENERGIA ELÉTRICA. SUSCITADA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS DANOS MORAIS COLETIVOS, DA CONDUTA OU DO NEXO CAUSAL. INVERSÃO DO JULGADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO, FIXADO EM R$ 50.000,00, QUE NÃO SE AFIGURA EXCESSIVO OU DESPROPORCIONAL.

VERIFICAÇÃO DE OFENSA A NORMAS INFRALEGAIS. NÃO CABIMENTO, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO DA AUTARQUIA FEDERAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

  1. O valor da indenização por danos morais somente comporta redução, em sede de Recurso Especial, quando exorbitante ou desproporcional, o que não aconteceu no presente caso, em que o montante de R$ 50.000,00 se mostra adequado diante da lesão aos consumidores indicada pelo acórdão recorrido.
  2. Agravo Interno da Autarquia Federal a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 854.214/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/06/2019, DJe 06/06/2019)

No que diz respeito a dificuldade da fixação do quantum indenizatório por não haver norma regulamentadora, há a possibilidade de ocorrer disparidades entre valores que serão arbitrados para casos idênticos. Diante disso, destaca-se a importância do entendimento das jurisprudências e das Cortes Superiores que servirão de orientação no momento de ser arbitrado um valor indenizatório.

 

CONCLUSÃO

Os objetivos do estudo foram alcançados à medida que se verificou os critérios de fixação do quantum indenizatório por dano moral coletivo com base nas dificuldades que surgiram diante do reconhecimento da necessidade de tutela desse dano.

Como já apresentado no decorrer do presente estudo, o ordenamento jurídico brasileiro e até mesmo os entendimentos jurisprudenciais não reconheciam a existência do instituto do dano moral coletivo. Foi a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que essa modalidade de dano passou a ser reconhecida pela norma jurídica.

A partir de então surge o reconhecimento de necessidade de defesa desse direito que estará configurado no momento em que ocorrer a violação de valores emocionais pertencentes a uma coletividade, são os conhecidos direitos transindividuais, com isso, há a obrigatoriedade de se criar forma de reparação dos danos ocasionados.

Surge então a modalidade de reparação dos danos morais coletivos dentre elas tem a indenizatória, que apesar de não haver norma que a regulamente, a doutrina e os entendimentos jurisprudenciais reconhecem que diante de tal situação cabe ao Magistrado arbitrar um valor que seja suficiente para amenizar um sofrimento e também para punir o agente causador do dano e que ainda tenha um cunho pedagógico tanto para o causador do dano quanto para a sociedade.

Quanto às decisões do Magistrado, esta, deverá estar sempre de acordo com o princípio da razoabilidade e com o grau de culpabilidade do agente, as circunstâncias de fato, a situação econômica do agente, e ainda tendo como referência os entendimentos das Cortes Superiores e jurisprudenciais a fim de se evitar discrepâncias no momento do arbitramento jurisprudencial.

Por fim, o que se pode observar em relação ao critério de fixação do quantum indenizatório por dano moral coletivo é que esse instituto está relacionado as questões bem subjetivas que se encontram intimamente ligadas aos sentimentos das pessoas lesadas, sendo assim, não há um método mais adequado e eficaz para a definição do quantum indenizatório por dano moral coletivo que o judiciário possa utilizar.

 

REFERÊNCIA

AMORMINO, Tatiana Costa de Figueiredo, Dano Moral Coletivo e as Alterações promovidas pela Reforma Trabalhistas, Conteúdo Jurídico, ano 2018, disponível em: http://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51263/dano-moral-coletivo-e-as-alteracoes promovidas-pela-reforma-trabalhista, acesso em: 05 de dezembro de 2019.

 

BRASIL. AgInt no AREsp 854.214/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 03/06/2019, DJe. 06/06/2019, Disponível: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio, Acesso: 21 de out. de 2019;

 

_______. Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4117.htm. Acesso em: 16 de setembro. 2019;

 

_______. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 18 de setembro. 2019;

 

_______.  REsp 1737412/SE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019, Disponível: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio, Acesso: 13 de out. de 2019;

 

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FAVARETTO, Cícero Antônio. A fixação do valor indenizatório do dano extrapatrimonial nas relações de consumo. Disponível em <https://favaretto.files.wordpress.com/2010/06/monografia-cicero-versao-final.p> Acessado em: 27 de novembro 2019, p. 17;

 

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SCHREIBER, Anderson, Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros de Reparação á Diluição dos Danos. 5 ed. São Paulo, 2013, p. 90 e 109;

 

TARTUCE, Flávio, Direito Civil, v. 2, Direito das obrigações e responsabilidades, 8. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013;

 

VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Responsabilidade Civil, 11 ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 332;

 

 

[1] Suélen Lopes Lima, Acadêmica, Direito, Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: llsuelen19@gmail.com.

[2] João Santos da Costa, Mestre, Direito, Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: jscostadireito@gmail.com

 

 

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