Das fases metodológicas processuais: instrumentalismo processual e formalismo valorativo

Resumo: O presente artigo jurídico tem por escopo apresentar as principais fases metodológicas pelas quais o direito processual civil transcorreu, estabelecendo as principais diferenças entre as duas teorias que disputam estar em plena atualidade, a saber, teoria do instrumentalismo processual e teoria do formalismo valorativo.

Palavras-Chave: Direito processual civil. Fases metodológicas. Teoria do instrumentalismo processual. Teoria do formalismo valorativo. Diferenças.

Abstract: This legal article is scope to present the main methodological phases through which the civil procedural law passed, establishing the main differences between the two theories vying to be in full today, namely, the theory of instrumentalism procedural and evaluative theory of formalism.

Keywords: Civil procedural law. Methodological Phases. Theory of procedural instrumentalism. Theory of value formalism. Differences.

Sumário: Introdução. 1. Das primeiras fases metodológicas processuais. 2. Do Instrumentalismo Processual. 3. Do Formalismo Valorativo. Conclusão.

Introdução

Inicialmente, cumpre frisar que ambas as teorias que disputam estar em plena atualidade (instrumentalismo processual e formalismo valorativo) podem ser consideradas como fases metodológicas processuais que abarcam a história do direito processual, ao menos para uma corrente, tendo em vista que, como será visto adiante, um dos principais idealizadores do instrumentalismo processual no Brasil (CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO) nega a existência de uma fase metodológica que seria posterior ao instrumentalismo.

Para uma melhor compreensão dessas fases processuais metodológicas, mister fazer um breve apanhado histórico sobre as primeiras etapas metodológicas que regeram o entendimento do direito processual no ocidente.

1. Das primeiras fases metodológicas processuais

A primeira fase, conhecida como praxista, sincretista ou imanentista, não diferenciava o direito processual do direito material, sendo aquele um mero subproduto deste. A ação processual era vista como direito material lesado, o que acabou ocasionando problemas estruturais e procedimentais à atividade jurisdicional de efetivação de direitos, pois o processo era visto e entendido apenas do ponto de vista empírico, sem qualquer conceptualização de institutos próprios que garantissem direitos aos jurisdicionados. A tutela inibitória, por exemplo, não encontrava espaço durante esta fase processual, eis que a efetiva lesão ao direito material era conditio sine qua non para o desenvolvimento do processo. Assim, muitos direitos materiais não tinham guarida nesse sistema, o que acabava por inviabilizar o direito de cada um e a efetivação da própria justiça. Não podia prosperar.

A segunda fase, qual seja, processualismo, veio trazer autonomia ao direito processual, conferindo a este objeto de estudo próprio, criação de institutos privativos da ciência do processo e o desprendendo do direito material. Enfim, o processo passa a ser estudado por si mesmo. Ocorre que, ao desmembrar o direito processual do direito material e no afã de enfatizar a autonomia processual, acabou-se por distanciar desmedidamente o processo do direito substantivo, gerando um culto demasiado às formas processuais, o que gerou a inviabilização de tutelas jurisdicionais adequadas à efetivação do direito material pleiteado. Nesse contexto, o processo jurisdicional, visto como um procedimento consubstanciado em atos sequência e cronologicamente ordenados tendentes a um fim, qual seja, a tutela do direito material, dificultava a sua própria finalidade de proteção ao bem jurídico ameaçado/lesado, eis que o apego às formas processuais era tamanha que acabava por sacrificar as possibilidades decorrentes da cláusula geral do devido processo legal de desenvolvimento do processo justo, efetivo, adequado e com durabilidade razoável, sempre tendo em vista o caso concreto submetido à apreciação judicial. Era preciso uma nova ótica.

2. Do Instrumentalismo Processual

O instrumentalismo processual, então, como terceira (e, para alguns) atual fase histórico metodológica do processo, vem corrigir essa profunda separação entre o direito material e o direito processual executada pelo processualismo, entendendo o direito processual como o instrumento de realização do direito material, devendo, pois, o processo conferir instrumentos processuais aptos ao proferimento de tutelas jurisdicionais adequadas, tempestivas e efetivas. O direito processual, então, serve e tem por fim a efetivação do direito material, ao tempo em que este é realizado jurisdicionalmente através daquele. Há, então, uma necessária relação circular entre eles, na qual o processo serve ao direito material, ao mesmo tempo em que é servido por ele. Nesse diapasão, deve sempre haver meios processuais adequados e tempestivos à efetivação de todo e qualquer direito material que se queira efetivar, ainda que de forma cautelar, antecipatória ou inibitória. Para corrente capitaneada pelo seu principal expositor brasileiro, a saber, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, é a fase metodológica atual por qual passa a ciência do direito processual. Este mesmo autor aborda os três escopos que tal fase impõe ao processo, quais sejam, social, político e jurídico. Na perspectiva social, o processo deve atender a sua função social, isto é, a perseguição da paz social e da educação ao povo a partir dos valores sociais embutidos na sociedade. Na esteira política, o processo vem afirmar a autoridade do Estado na resolução de conflitos e efetivação de direitos. Já na concepção jurídica, o processo tem por objetivo precípuo buscar e efetivar a vontade concreta do direito ao caso submetido à apreciação jurisdicional (sub judice) ou mesmo administrativamente. Apesar da relevância de tal fase à ciência do processo, a mesma não esteve imune às críticas, caindo em semelhante defeito da fase antecedente, na medida em que o processo continuaria preso à técnica instrumental, onde o juiz estaria refém dos valores sociais elencados pela sociedade, ao mesmo passo dos valores políticos, conferindo-lhe um grau de discricionariedade demasiadamente amplo ao exercício da jurisdição, sem um norte de prevalência de determinado valor à atividade judicante. É com essa perspectiva crítica que vem nascer uma quarta fase.

3. Do Formalismo Valorativo.

O formalismo valorativo, em verdade, decorre do chamado neoconstitucionalismo, movimento que traz algumas características presentes em todas os ordenamentos jurídicos ocidentais democráticos, onde a dignidade da pessoa humana é o vetor da criação da legislação, do exercício da jurisdição, da atividade e organização do Estado e, pois, da condução de um processo judicial ou mesmo administrativo. Ei-las as principais características:

“1. Força direta e normativa da Constituição – Pode até parecer um truísmo (mormente para os estudantes de direito que iniciaram os estudos na égide da atual Carta Brasileira), mas a Constituição principal Lei de um Estado, outrora percebida como uma mera carta de intenções e promessas grandiloquentes nas quais a sua efetivação dependeria da boa vontade do legislador infraconstitucional e da discricionariedade do administrador, passa a ostentar natureza normativa e, pois, a vincular obrigatoriamente a atuação do legislador, do administrador e de todo destinatário de qualquer norma inserta em seu texto. Para sua efetivação, inclusive, é criada a jurisdição constitucional;

2. Reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais – Presente como conteúdo mínimo em toda Constituição que se intitule democrática, os direitos e garantias fundamentais constituem um forte âmbito de proteção dos indivíduos em face dos abusos cometidos pelo Estado ou mesmo pelos grandes detentores dos poderes econômicos. Assim, é ofertado um extenso leque de direitos e garantias que garantem a liberdade, a propriedade e os direitos sociais de todo e qualquer indivíduo, bem como se reconhece direitos fundamentais de cunho eminentemente processual, proporcionando aos jurisdicionados garantias que venham a efetivar os seus direitos materiais;

3. Força normativa dos princípios – Outrora visto com funções meramente inspiradoras, integrativas e interpretativas, os princípios passam a galrar força normativa suficiente para serem aplicados em casos concretos, independentemente da incidência de normas-regras aparentemente solucionadoras do fato jurídico, porquanto o julgador deve sempre realizar a atividade de interpretação das normas à luz dos princípios irradiados no ordenamento jurídico para a sua concretização;

4. Papel criativo da atividade jurisdicional – O Poder Judiciário finalmente deixa de ser a “boca da lei”, numa mera atividade de subsunção, para, fielmente aos princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição, concretizá-la de modo a criar a norma jurídica sempre à luz da interpretação do caso concreto a partir de uma perspectiva constitucional de garantia dos direitos fundamentais. Não basta, pois, a existência de uma regra jurídica que aparentemente solucione o caso, porquanto é preciso que tal regra esteja no caso concreto sub judice condizente, formal e materialmente, com o espírito da Constituição e respeito aos direitos e garantias fundamentais.”

É daí, pois, que surge o formalismo valorativo, metodologia aplicada à ciência processual, que enaltece em demasia a Constituição Federal aplicada ao processo, bem como os valores que dela se irradiam. Tem como principal expositor o professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA, o qual a define como sendo aquela que aloca o processo para o centro da teoria geral, equacionando de maneira adequada direito e processo e processo e Constituição.

O processo, então, passa a ser visto e entendido como instrumento de realização e efetivação in concreto da Constituição e dos valores que dela se originam. É ponderada a reflexão crítica de dois princípios que, embora pareçam estar em aparente conflito, devem sempre coexistir no processo, quais sejam, os princípios da segurança jurídica e da efetividade processual. Se, de um lado, o processo deve garantir segurança jurídica aos seus partícipes, aniquilando a possibilidade de abusos por parte de qualquer sujeito processual; de outro, deve possibilitar que os direitos materiais afirmados em Juízo sejam respeitados e efetivados de modo adequado e tempestivo. Assim, muita segurança pode gerar inefetividade, ao passo que muita efetividade pode atropelar garantias processuais e gerar profunda insegurança jurídica. É justamente esse balanço que a teoria do formalismo processual tenta estudar e equilibrar de maneira satisfatória, sempre à luz da Constituição.

Tal teoria, outrossim, tenta combater o formalismo exacerbado, muitas vezes utilizados como argumento judicial ao apego de regras processuais que extirpam direitos constitucionalmente assegurados, estimulando o órgão julgador a sopesar os valores que estão em jogo para poder sempre fazer valer a preponderância da vontade constitucional sobre determinadas regras processuais rígidas e aparentemente inflexíveis.

Com base nessa nova perspectiva metodológica, se possibilita de maneira clara o exercício da atividade de controle material difuso de constitucionalidade sobre regras processuais incidentes em casos concretos submetidos à apreciação jurisdicional. Em tempos remotos, jamais se pensaria no afastamento ou na aplicação diferenciada de normas processuais que determinam de maneira evidente a forma e o modo de agir de determinado sujeito processual em certo momento do processo, porquanto estaria violado a segurança jurídica processual. Nessa nova maneira de pensar, poderia o juiz, baseado em argumentos constitucionais, afastar certa regra processual ou determinar uma outra forma de realização de um ato processual, entendendo que, no caso concreto, determinada regra ou forma processual se mostrara irrazoável, desproporcional ou atentatória à dignidade da pessoa humana.

Assim, a teoria do formalismo valorativo impõe uma visão processual de efetiva concretização da Constituição, principalmente dos direitos e garantias fundamentais, para que, enfim, o processo seja um efetivo instrumento a serviço da cidadania, democracia e dignidade do homem.

CONCLUSÃO

Do exposto, percebe-se que a principal diferença entre a teoria da instrumentalidade processual e a teoria do formalismo valorativo está na bem-vinda supervalorização que este oferece à Constituição, donde então nasce a perspectiva de um processo que é instrumento de efetivação da Lei Maior e de seus direitos fundamentais, baseado no sopesamento entre os princípios da segurança jurídica e da efetividade processual. Para esta última, então, processo efetivo é processo que dá vazão às normas constitucionais, garantindo o direito à previsibilidade e confiança das partes, efetivando de modo tempestivo e adequado os direitos pleiteados.

 

Referências:
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. rev. atual. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 2010.
DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 18ª Edição. Salvador: JusPodivm, 2016, v. 1.

Informações Sobre o Autor

Pedro Machado Tavares

Servidor público concursado analista jurídico do Ministério Público do Estado da Bahia.


Equipe Âmbito Jurídico

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