Das funções da pena

Resumo: O autor analisa as funções da pena no sistema penal brasileiro.

Palavras chave: Teorias Absolutas, Teoria Relativa, Teoria Mista, A pena como prevenção da violência

No decorrer da evolução da pena, surgiram teorias que buscaram explicar ou apenas entender a utilidade da pena diante dos comportamentos sociais de cada época e da organização do Estado, suas finalidades e características, e, acima de tudo, a figura do condenado como sujeito passivo da atuação dela, como se vê a seguir.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Num primeiro momento, a pena foi vista como um meio de retribuir ao condenado o mal por ele causado, em virtude da infração cometida. Posteriormente, o caráter preventivo da sanção penal foi enfatizado e, em determinado momento, surgiram as teorias mistas que buscavam conciliar as teorias absolutas e as relativas.

Luiz Flávio Gomes, sobre o papel desempenhado pela pena, expõe:

“A pena ou qualquer outra resposta estatal ao delito, destarte, acaba assumindo um determinado papel. No modelo clássico, a pena (ou castigo) ou é vista com finalidade preventiva puramente dissuasória (que está presente, em maior ou menor intensidade, na teoria preventiva geral negativa ou positiva, assim como na teoria preventiva especial negativa). Já no modelo oposto (Criminologia Moderna), à pena se assinala um papel muito mais dinâmico, que é o ressocializador, visando a não reincidência, seja pela via da intervenção excepcional no criminoso (tratamento com respeito aos direitos humanos), seja pelas vias alternativas à direta intervenção penal.[1]

TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUTIVAS DA PENA

Esta Teoria foi desenvolvida na Idade Média, uma época em que a teologia e a política eram estritamente ligadas pelo eixo do Direito Divino, no qual a identidade de soberano era confundida com o Estado, já que concedidos por Deus. Neste período, era imposto um castigo às condutas imorais ou a algum pecado cometido, que afrontasse a Igreja ou o Estado na figura do soberano; a este castigo foi dado o termo poena, que em latim significa castigo, expiação ou suplício.

Com o avanço da sociedade e o nascimento do Mercantilismo, o Estado Absolutista começa a se desgastar e, junto com ele, a idéia vinculada de Deus-Soberano-Estado, surgindo o Estado Burguês com novas idéias de governo com a participação do povo e distinção dos poderes. O castigo, neste período, passa a ser a retribuição a uma ordem jurídica interrompida; e a lei humana passa a substituir a lei de Deus.

Sendo o Estado uma expressão do querer do povo, ele passa a organizar a ordem político-jurídica como um ‘contrato social’, onde o indivíduo se vê obrigado a manter o consenso coletivo e sujeito a um castigo que fosse capaz de retribuir o mal cometido à sociedade, caso descumprida esta obrigação.

Explica Cezar Roberto Bittencourt que, “segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar Justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais”.[2] Deste modo, a pena seria a imposição de um mal necessário diante de seus atos negativos que prejudicavam a sociedade e a integridade do Estado.

Neste caráter retributivo, Gilberto Ferreira esclarece que “a pena é justa em si e sua aplicação se dá sem qualquer preocupação quanto a sua utilidade. Ocorrendo o crime, ocorrerá a pena, inexoravelmente. O importante é retribuir com o mal, o mal praticado”.[3]

A pena justificar-se-ia não pela finalidade a que se presta, mas sim pela realização de um ideal de justiça.

Antônio Henrique Graciano Suxberger sobre o tema afirma:

“A pena consubstancia retribuição da culpabilidade do sujeito, considerada a culpabilidade como decorrente da idéia kantiana de livre arbítrio. Esse é seu único fundamento e, com amparo nesse argumento, é que se diz que, se o Estado não mais se ocupasse em retribuir, materializar numa pena a censurabilidade social de uma conduta, o próprio povo que o justifica também se tornaria cúmplice ou conivente com tal prática e a censura também sobre o povo recairia.”[4]

Maria Lúcia Karam, afirma que “as teorias absolutas surgiram sustentando que a pena encontra sua justificação em si mesma, baseando-se na idéia de retribuição, do castigo, da compensação do mal, representado pela infração, com o mal, representado pelo sofrimento da pena” [5].

Os principais defensores desta idéia foram Immanuel Kant e G. F. Hegel, segundo os quais, tal teoria carregava em seus moldes uma influência filosófica de base ética e moral.

Assim, cabia ao soberano punir rigorosamente os transgressores das ordens jurídicas impostas a sociedade, pois a lei era um imperativo categórico que descrevia uma ação ou omissão ao indivíduo, como um mandamento, para buscar o bem e a satisfação da coletividade em geral e o seu não cumprimento tem como conseqüência a imposição de uma sanção capaz de retribuir o mal feito.

Não bastava a legalidade das ações; era necessário, ainda, que o respeito à lei geral ou universal de moralidade fosse o motivo concreto impulsionador da vontade. A pena nunca poderia ter uma finalidade voltada ao social, pois não seria ético tê-la, uma vez que o homem não é objeto passível de instrumentalização visto que ele “nunca deve ser analisado como meio, mas sim como um fim para si mesmo”,[6] logo a pena só é aplicada pela infringência da lei visando realizar Justiça.

Sobre esta teoria, Gilberto Ferreira, resumidamente, diz que:

“Para se ter uma idéia do que pregam os integrantes destas teorias basta tomar por base a hipótese de Kant, para quem se a sociedade se dissolvesse, ainda assim o último assassino deveria ser punido a fim de pagar pelo mal cometido.”[7]

Kant, em suas teses de definições da pena, sempre valorou a importância da espécie e medida da pena, explicando que cada um tem o castigo segundo a conduta ilegal que cometeu e na medida do mau que causou à coletividade. Vale dizer, ainda que a sociedade fosse dissolvida, era preciso executar o último assassino, para que cada um sofresse as conseqüências dos seus atos.

Na mesma linha, Hegel afirmava que o delito caracteriza a desordem e o desrespeito a vontade geral da sociedade que simboliza a ordem jurídica do Estado. Assim, a pena vem para retribuir a má conduta do agente e para confirmar o querer geral, sendo estabelecida conforme a espécie do delito e na medida do mal causado à coletividade.

Antônio Henrique Graciano Suxberger, explicando o pensamento de Hegel, afirma:

“O crime, pois, seria aniquilado, negado, expiado pelo sofrimento da pena que, desse modo, restabeleceria o direito lesado. A pena substanciaria a negação da negação do direito, segundo a referida fórmula clássica de Hegel, razão pela qual cumpriria um papel restaurador ou retributivo. Quanto mais intensa a negação do direito, mais intensa será a pena, sendo certo que, para essa abordagem, nenhum outro fator influi em sua mensuração.”[8]

O delito representaria a vontade irracional e particular do agente, uma vez que o Direito é composto da vontade racional e geral da sociedade, sendo aquela uma contradição a esta, exigindo-se desta forma uma punição compensatória, um castigo que restabelecesse a ordem jurídica afetada ou desrespeitada.

Na opinião de Hegel, em sua obra Filosofía del Derecho:

“Somente através da aplicação da pena trata-se o delinqüente como um ser ‘racional’ e ‘livre’. Só assim ele será honrado dando-lhe não apenas algo justo em si, mas lhe dando o seu Direito: contrariamente ao inadmissível modo de proceder dos que defendem princípios preventivos, segundo os quais se ameaça o homem como quando se mostra um pau a um cachorro, e o homem, por sua honra e liberdade, não deve ser tratado como um cachorro”.[9]

Assim, as teorias retribucionistas consideravam tão-somente a expressão retribucionista da pena. Vale dizer, a pena traduzia um mal que recai sobre um sujeito que cometeu um mal do ponto de vista do direito. Essa concepção de pena estava ligada, sem quaisquer dúvidas, a uma visão de Estado guardião e não a um Estado intervencionista.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Embora Kant e Hegel tenham sido os principais defensores desta teoria absolutista da pena, é preciso destacar também Francesco Carrara, Edmund Mezger, Hans Welzel, H. H. Jescheck entre outros que seguiram a mesma linha.

A grande crítica formulada à teoria absoluta, defendida por Kant e Hegel, assenta na idéia de que a pena, para esta teoria, é apenas uma punição, servindo para retribuir o delito do delinqüente com um castigo; pagar o mal feito pelo “mal” (a pena), o que não mostra nenhuma utilidade à sociedade. Tal teoria, ao invés de justificar a pena, pressupõe a sua necessidade.

Maria Lúcia Karam, demonstrando os equívocos das teorias absolutas, expõe que:

“A privação da liberdade, o isolamento, a separação, a distância do meio familiar e social, a perda de contato com as experiências da vida normal de um ser humano, tudo isto constitui um sofrimento considerável. Mas, a este sofrimento logo se somam as dores físicas: a privação de ar, de sol, de espaço, os alojamentos superpovoados e promíscuos, as condições sanitárias precárias e humilhantes, a falta de higiene, a alimentação muitas vezes deteriorada, a violência das torturas, dos espancamentos e enclausuramentos em “celas de castigo”, das agressões, atentados sexuais, homicídios brutais”[10].

Assim, a visão de retribuição trazida pela teoria absoluta, sob o ponto de vista clássico, é inapta à ressocializar o condenado, mesmo porque, para os defensores desta teoria, o indivíduo era visto como mero instrumento.

Luiz Regis Prado aponta, com peculiar maestria, que a visão acerca de retribuição, veiculada pela teoria absoluta, nos dias atuais, já não encontra terreno fértil, isto porque:

“Na atualidade, a idéia de retribuição jurídica significa que a pena deve ser proporcional ao injusto culpável, de acordo com o princípio de justiça distributiva. Logo, essa concepção moderna não corresponde a um sentimento de vingança social, mas antes equivale a um princípio limitativo, segundo o qual o delito perpetrado deve operar como fundamento e limite da pena, que deve ser proporcional à magnitude do injusto e da culpabilidade”[11]

TEORIA RELATIVA OU PREVENTIVA DA PENA

Em outro extremo, as teorias relativas fundamentavam a pena na necessidade de evitar a prática de delitos. Assim, a pena era vista como instrumento apto à prevenção de possíveis delitos, tinha, pois, um nítido caráter utilitário de prevenção.

Gamil Föppel El Hireche, em obra indispensável à análise do tema, aduz que:

“Superadas as teorias absolutas, compete, agora, fazer o estudo das chamadas teorias relativas, que buscam uma finalidade para a pena, razão pela qual esta deixa de ser um fim em si mesma, passando a ser vista como algo instrumental: passa a ser um meio de combate à ocorrência e reincidência de crimes, É notadamente uma perspectiva utilitarista.”[12]

A teoria relativa ou preventiva não trata a pena como forma de retribuir ao delinqüente o mal por ele praticado contra a sociedade, mas atribui à pena um caráter preventivo à prática do delito.

A tese preventiva tem por base a função de inibir o máximo possível a realização de novos atos ilícitos. A punição era encarada como meio de segurança e defesa da sociedade.

Deste modo, a pena seria aplicada para impor o medo. Todavia, muitas vezes, tal medo era incapaz de coagir a prática do delito, já que o condenado agia com confiança de que não seria descoberto.

Esta teoria pode ser dividida em preventiva geral, a qual tem por característica a intimidação da sociedade para a não prática do ilícito, e preventiva especial, que possui como objeto o próprio delinqüente.

Prevenção Geral

Na Preventiva Geral a pena tem o caráter ameaçador, pois, segundo Cezar Roberto Bittencourt, “com a ameaça de pena, avisando os membros da sociedade quais as ações injustas contra as quais se reagirá; e, por outro lado, com a aplicação da pena cominada, deixa-se patente a disposição de cumprir a ameaça realizada”.[13]

A pena é tratada como uma coação psicológica, pois é forma de ameaça aos cidadãos que se recusam a observar e obedecer as ordens jurídicas da sociedade, motivando os indivíduos à não prática de novos delitos.

Antônio Henrique Graciano Suxberger, sobre o tema afirma:

“A teoria da prevenção geral ou cai na utilização do medo como forma de controle social, com o qual se chega num Estado de terror e na transformação dos indivíduos em animais, ou na suposição de uma racionalidade absoluta do homem no juízo de ponderação entre as condutas que poderá eleger, na sua capacidade de motivação, tão ficcional como a idéia de livre arbítrio, ou, por último, cai na teoria do bem social ou da utilidade pública, que tão-somente acoberta os interesses em jogo: uma determinada socialização das contradições e dos conflitos de uma democracia imperfeita”.[14]

Demonstram-se assim duas bases fundamentais da Prevenção Geral, sendo elas a coação, por intermédio do medo, gerando a intimidação da lei face o indivíduo; e o raciocínio ponderado do homem face à lei e à conduta adequada perante a ordem jurídica da sociedade.

Diante disto, esta teoria geral é subdividida em negativa, que busca a intimidação daqueles que não praticaram a conduta ilícita, para que estes não se sintam motivados ou instigados à prática do crime e também em positiva, na qual a pena nada mais é do que um novo meio de se produzir novos valores morais e éticos diante da sociedade e do indivíduo que não praticou a conduta ilegal.

Prevenção Geral Negativa

O caráter negativo da prevenção geral foi, historicamente, o primeiro a ser conhecido.

Consiste na intimidação genérica da coletividade por meio da ameaça de aplicação de sanções contida nas normas incriminadoras.

A intimidação começa no momento da cominação das sanções penais e é reforçada com a aplicação e a execução das mesmas. A efetividade da prevenção geral, sob o aspecto da intimidação da coletividade, decorre da eficácia do funcionamento do sistema penal em seu conjunto: a aplicação e a execução das penas tornam mais visível a ameaça penal, certificando-a.

Nesta teoria geral negativa, Eugênio Rául Zaffaroni e Nilo Batista explicam que “a criminalização assumiria uma função utilitária, livre de toda consideração ética e, por conseguinte, sua medida deveria ser a necessária para intimidar aqueles que possam sentir tentação de cometer delitos”.[15]

Há de se mencionar, no entanto, que em algumas formas criminosas de condutas, tal forma de inibir a delinqüência é praticamente inexistente, seja em razão de agentes não vulneráveis, seja em razão de alguns não levarem em conta a pena e suas conseqüências, seja porque recebem quantias significativas de dinheiro para a prática de delitos, seja, ainda, pela conduta ilícita não proporcionar reflexão quanto as conseqüências penais ou quando o agente criminoso pratica sua conduta ilegal motivado por situações ou circunstâncias semi-imputáveis.

Contribuindo para cristalizar esta teoria, Eugênio Rául Zaffaroni e Nilo Batista esclarecem que:

“O êxito da teoria advém de sua pretensa comprovação por introspecção não poder afirmar, a partir de seu status social e ético, se o efeito dissuasivo está na pena ou na estigmatização social devida ao fato em si. Isso se deve a que tal discurso parte da ilusão de um pan-penalismo jurídico e ético, que confunde o efeito do direito em geral e de toda a ética social com o do poder punitivo: em suma, tal discurso identifica o poder punitivo com a totalidade da cultura. A imensa maioria das pessoas evita as condutas aberrantes e lesivas por uma enorme e diversificada quantidade de motivações éticas, jurídicas e afetivas que nada têm a ver com o temor à criminalização secundária. […] No plano político e teórico essa teoria permite legitimar a imposição de penas sempre mais grave, por que não se consegue nunca a dissuasão total, como demonstra a circunstância de que os crimes continuam sendo praticados. Assim, o destino final desse caminho é a pena de morte para todos os delitos, mas não por que com ela obtenha a dissuasão, mas sim por que esgota o catálogo de males crescentes com os quais se pode ameaçar uma pessoa”.[16]

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Assim, nesta vertente doutrinária, a pena se impõe pelo medo, ou seja, ela deve ter a capacidade de atemorizar as pessoas da sociedade, independente do sofrimento da pessoa que a suporta, para que aquele delito não seja praticado novamente. Portanto, as penas teriam de ser proporcionais aos fatos pelos quais são impostos, devendo ser mais rígidas a medida que os crimes prescritos por elas fossem praticados.

Não haveria qualquer ligação entre a pena e os delitos praticados, porque a medida dela seria dependente de fatos externos, por exemplo, nos crimes contra o patrimônio, a pena deveria aumentar, pois tais delitos tendem também a aumentar, ficando a sociedade mais frágil e vulnerável e a perda de bens ou coisas de valores seria algo irreversível e de difícil reposição.

Esta espécie de intimidação pressupõe a necessidade da utilização de uma pessoa como meio de realização do Estado, para concretização de seus serviços e funções perante a sociedade.

Ainda sobre o assunto, Zaffaroni e Batista destacam que, “dar por demonstrado que o ser humano empreende um frio cálculo de rentabilidade perante cada impulso infracional é arrimar-se numa ficção. Mesmo um discurso penal legitimante não pode fundar-se numa óbvia falsidade, e o uso desse argumento equivale a uma confissão de que não existe base válida para ocultar a natureza policial do poder punitivo”.[17]

Vê-se, portanto, que, se tal caráter retributivo não cumpre sua intimidação na sociedade, a pena também não cumprirá esta função. Para que se realize tal função, é indispensável diferençar as pessoas da sociedade que se intimidam com a pena e os delinqüentes que exigem uma forma especial de prevenção, devendo esta ser ilimitada; criando, dessa forma, penas limitadas à sociedade e penas ilimitadas aos delinqüentes, o que formaria um sistema pluralista.

Analisando o contexto social do agente criminoso, é possível descobrir se seu grau de culpabilidade é menor, pois sua origem está ligada a uma sociedade ‘acultural’, desprovida economicamente e com baixo nível de escolaridade, o que diminui seu espaço, enquanto cidadão, dentro da sociedade, sendo marcado e corrompido pela criminalidade, que o reduz mais ainda.

O sentido de intimidação do delito perde sua característica de lesão jurídica para transformar-se em um começo de contradição com a cultura que o estado quer tornar única entre todos os membros da coletividade, ou com a moral que se procura estabelecer. Demonstra-se, desta forma, segundo os dizeres de Zaffaroni e Batista, “seu caráter verticalista, hierarquizante, homogeneizador, corporativo e, por conseguinte, contrário ao pluralismo próprio do estado de direito e à ética baseada no respeito pelo ser humano como pessoa”.[18]

Prevenção Geral Positiva

O aspecto positivo da prevenção geral relaciona-se com a manutenção da fidelidade jurídica dos cidadãos e opera de diversas formas.

A primeira consiste no estabelecimento de diretrizes de conduta para a sociedade, através da demonstração do especial valor de determinados bens jurídicos, que se faz por meio da criação dos tipos penais, da cominação das penas correspondentes e do estabelecimento dos critérios de persecução penal. A segunda forma pela qual opera a prevenção geral positiva decorre da confiança que surge na sociedade a partir da constatação de que o Direito efetivamente se aplica. E, ao final, a prevenção geral positiva opera também através do efeito de pacificação que se produz quando, em virtude da aplicação e execução da sanção penal, a consciência jurídica da sociedade se tranqüiliza e considera solucionado o conflito com o autor da infração.

A Teoria da Prevenção Geral Positiva busca, pois, gerar efeitos sobre os indivíduos não-criminalizados da sociedade, não intimidando-os para se omitirem da prática do ilícito, mas para produzir um acordo para reafirmar a confiança no sistema coletivo, impondo um mal ao agente delinqüente. Demonstra desta forma que a pena é maior que o incômodo produzido, como reflexo do fato ilícito, que é o único que importa, exprimindo-se na desconformidade da vigência da norma, indispensável para uma coletividade existir.

Acerca do tema Zaffaroni e Batista registram a seguinte posição:

“A partir da realidade social, essa teoria se sustenta em mais dados reais que a anterior. Segundo ela, uma pessoa seria criminalizada porque com isso a opinião pública é normalizada ou renormalizada, dado ser importante o consenso que sustenta o sistema social. Como os crimes de “Colarinho Branco” não alteram o consenso enquanto não forem percebidos como conflitos delituosos, sua criminalização não teria sentido. Na prática, tratar-se-ia de uma ilusão que se mantém porque a opinião pública a sustenta, e convém continuar sustentando-a e reforçando-a porque com ela o sistema penal se mantém: ou seja, o poder a alimenta para ser por ela alimentado.”[19]

Em síntese, essa tese se desenvolve pela intimidação causada pela aprovação dos que acreditam que somente serão punidos os que delinqüem.

A pena, para esta concepção, deveria possuir uma medida capaz de reestruturar o sistema, formando uma concordância geral da sociedade, que depende da sua crença na pena e nas suas conseqüências severas, para estabelecer seu equilíbrio, independente do delinqüente ou de seu delito.

Sobre o assunto, aduz Zaffaroni e Batista:

“A diante do imenso poder de vigilância (e corrupção) que as agências que o exercem acumulam, a defesa dos valores éticos fundamentais não pode ser levada a cabo mediante a legitimação desse poder, mas precisamente através de sua contenção e limitação; aliás, a respeito de tal versão é válido, também, o que se disse acerca do pretenso valor simbólico: os valores éticos não se fortalecem, mas se fomenta a certeza de que aqueles que são invulneráveis continuaram assim; tal versão pressupõe algo que é falso: nem todo delito afeta valores éticos-sociais básicos, nas complexas sociedades modernas não há um único sistema de valores e, além do mais, a posição contrária está consagrando o estado como gerador de valores éticos, o que implica uma ditadura ética.”[20]

A busca incessante por uma melhor teoria que satisfizesse o interesse jurídico e que fosse capaz de solucionar os conflitos jurídico-sociológicos, produziram a divisão da teoria da prevenção geral positiva em Limitadora e Fundamentadora.[21]

Na Prevenção Geral Positiva Fundamentadora o Direito Penal possui uma finalidade mais importante que resguardar os bens jurídicos, qual seja, garantir os valores éticos-sociais de uma coletividade através de previsões legais e sanções a condutas que impliquem o desrespeito a valores fundamentais.

Entretanto, nos ensinamentos de Bitencourt, esta vertente da teoria geral positiva:

“Não constitui uma alternativa real que satisfaça as atuais necessidades da teoria da pena. É criticável também sua pretensão de impor ao indivíduo, de forma coativa, determinados padrões éticos, algo inconcebível em um Estado social e democrático de Direito. É igualmente questionável a eliminação dos limites do ius puniendi, tanto formal como materialmente, fato que conduz à legitimação e desenvolvimento de uma política criminal carente de legitimidade democrática.”[22]

Na Prevenção Geral Positiva Limitadora, o Direito Penal é visto como mais um instrumento para controle, organização e ordem da coletividade, sendo diferenciado dos demais por seu caráter formal.

O poder de punir, exercido pelo Direito Penal e pelo Estado, está subordinado a alguns requisitos limítrofes, aos quais as demais formas de punir não se vinculam. Tal punição deve obedecer certos procedimentos legais, jurídicos, constitucionais e até administrativos, respeitando princípios e fundamentos importantes e essenciais para a sua validade e eficiência, tais como o princípio da proporcionalidade.

Sobre esta vertente da teoria da prevenção geral positiva, Cezar Roberto Bitencourt afirma que:

“A formalização do Direito Penal tem lugar através da vinculação com as normas e objetiva limitar a intervenção jurídico-penal do Estado em atenção aos direitos individuais do cidadão. O Estado não pode – a não ser que se trate de um Estado totalitário – invadir a esfera dos direitos individuais do cidadão, ainda e quando haja praticado algum delito. Ao contrário, os limites em que o Estado deve atuar punitivamente deve ser uma realidade concreta. Esses limites referidos materializam-se através dos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, da ressocialização, da culpabilidade etc. […] A principal finalidade, pois, a que deve dirigir-se a pena é a prevenção geral – em seus sentidos intimidatórios e limitadores –, sem deixar de lado as necessidades de prevenção especial, no tocante à ressocialização do delinqüente. Entende-se que o conteúdo da ressocialização não será o tradicionalmente concebido, isto é, com a imposição de forma coativa (arbitrária). A ressocialização do delinqüente implica um processo comunicacional e interativo entre indivíduo e sociedade. Não se pode ressocializar o delinqüente sem colocar em dúvida, ao mesmo tempo, o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo. Caso contrário, estaríamos admitindo, equivocadamente, que a ordem social é perfeita, o que, no mínimo, é discutível.”[23]

Assim, tal como a prevenção negativa, também a prevenção positiva se realiza através da cominação, aplicação e execução das sanções penais, dependendo sua efetividade do funcionamento eficaz do sistema penal em seu conjunto e, além disso, da medida em que os tipos penais retratem os valores mais importantes na sociedade e cuja defesa, aos olhos da sociedade, necessite da intervenção penal.

Quando os parâmetros definidos para a incriminação afastam-se dos valores que, aos olhos da maioria do corpo social, justificariam a tutela penal, não apenas o efeito de prevenção positiva, em todas as suas formas, se enfraquece, como também a democracia se debilita.

Há que se ressaltar, por fim, que, muitas vezes, a distinção da prevenção geral em positiva e negativa parece artificial.

A forma mais fácil de fazer uma distinção segura entre um e outro aspecto talvez seja aludir ao fato de que a prevenção geral negativa atua principalmente sobre aqueles membros da comunidade que, seja lá por quais motivos for, apresentam uma especial propensão ao cometimento de delitos (no sentido de cogitarem, freqüentemente, perpetrar delitos); enquanto que a prevenção positiva refere-se principalmente àqueles que, não apresentando propensão especial à prática de fatos delituosos, não se impressionam propriamente com a ameaça penal, pois não a percebem subjetivamente como a eles dirigida, mas se tranqüilizam e se sentem seguros com a percepção de que o sistema penal está operando satisfatoriamente, ou seja, está protegendo com eficiência os valores escolhidos pela coletividade para gozarem de tutela penal.

Prevenção Especial:

No que se refere à Prevenção Especial, esta é direcionada ao próprio indivíduo, na busca de um convencimento subjetivo para que o mesmo não volte à prática do ilícito, medindo-se a pena por meios preventivos especiais, os quais visam ressocializar e reeducar o infrator da ordem jurídica intimidando os demais integrantes da coletividade a não praticar o ilícito, demonstrando as conseqüências e sanções legais pela prática.

Nos ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt sobre esta visão, “a pena deveria concretizar-se em outro sentido: o da defesa da nova ordem, a defesa da sociedade. O delito não é apenas a violação à ordem jurídica, mas, antes de tudo, um dano social; e o delinqüente é um perigo social (um anormal) que põe em risco a nova ordem”.[24]

Para Gilberto Ferreira:

“Esta teoria se baseia nas Teorias do Melhoramento e da Emenda; e do Ressarcimento, onde na primeira a principal finalidade é impedir a pratica de novos delitos, e esta finalidade só seria atingida através do melhoramento do agente do ilícito, o qual não voltaria a prática do delito; já na segunda a pena serviria para castigar o indivíduo marginalizado e, conseqüentemente o ressarcimento dos danos e prejuízos causados por sua conduta ilegal”[25].

Antônio Henrique Graciano Suxberger sobre o tema afirma:

“Os defensores da abordagem preventivo-especial preferem a idéia de “medidas”, em lugar de penas. A pena pressupõe a liberdade ou a capacidade racional do delinqüente, de modo a considerar um critério de igualdade geral; já a medida, ao contrário, parte da idéia de que o criminoso é um sujeito perigoso, diferente do normal, e que há de ser tratado consoante suas peculiares características perigosas. O castigo e a intimidação perdem, assim, sentido, porquanto a incidência da sanção penal volta-se a corrigir ou reabilitar o delinqüente, sempre que seja possível, ou então a afastá-lo para torná-lo inofensivo.”[26]

Deste modo, a prevenção especial refere-se à atuação sobre o indivíduo que já delinqüiu, a fim de que ele não volte a delinqüir, e teoricamente opera três diferentes formas: através da intimidação pessoal do condenado, da sua  neutralização, decorrente da segregação compulsória e, afinal, da sua ressocialização ou reintegração social.

A intimidação pessoal do condenado relaciona-se com a aplicação e execução das diversas penas, inclusive as não privativas de liberdade.

A neutralização do condenado refere-se apenas à execução das sanções penais privativas de liberdade (e, no caso dos países que adotam a pena de morte, também à execução dessa pena). Consiste em impedir fisicamente o condenado à pena privativa de liberdade de voltar a delinqüir, em virtude do seu encarceramento. Assegura-se, assim, a sociedade contra novas violações do ordenamento jurídico por parte do recluso. É claro, contudo, que essa neutralização somente opera com eficácia relativamente à comunidade extra-muros e durante o período de tempo em que atua a segregação compulsória do indivíduo.

A função de reintegração social refere-se à aplicação e execução das penas restritivas de direitos e privativas de liberdade e consiste, basicamente, no efeito que se deseja obter, através da intervenção estatal, no sentido de criar estímulos, no condenado, para que ele não volte a delinqüir após o cumprimento da pena imposta.

A função de reintegração social ou ressocialização, como hoje é atribuída à pena privativa de liberdade, incorporou-se gradativamente à pena principalmente como decorrência das pregações do Positivismo Criminológico, que, retomando a idéia da pena com caráter utilitário, como instrumento de defesa social, acentuada à época do Iluminismo, condenava a concepção retributiva ou absoluta da pena, enfatizando que a ressocialização dos criminosos deveria ser o objetivo essencial da execução penal.

Esta teoria também pode ser divida em Prevenção Especial Positiva e Prevenção Especial Negativa.

Prevenção Especial Positiva

A prevenção especial positiva tem por objetivo buscar o melhoramento do infrator, pois está provado que a criminalidade desvirtua o seu agente, tornando-o cada vez mais dependente do delito.

O discurso desta vertente parte da premissa que a pena é benéfica àquele que se submete a ela.  Deste modo, o delito seria um sintoma de inferioridade apto à demonstrar ao Estado a necessidade de aplicar o remédio social da pena.

Todavia, os adeptos de tal pensamento, parecem esquecer que a criminalidade não tem feito isto sozinha, já que cada vez mais o sistema prisional, ou carcerário, tem participado desse processo de desvirtuamento do delinqüente, construindo um quadro irreversível. É inadmissível acreditar na possibilidade de melhorar o agente do delito com a imposição de penas ou castigos aliados a um meio, que ao invés de recuperá-lo, ajuda a denegri-lo.

Prevenção Especial Negativa

Esta vertente, por seu turno, também analisa o indivíduo como agente do ilícito, porém não busca melhorá-lo, com a reeducação ou ressocialização, mas sim castigá-lo com a imposição de uma pena severa, que, concomitantemente, age como solução e como busca pela satisfação social, com a finalidade de neutralizar as conseqüências da inferioridade do delinqüente.

Na verdade, esta teoria não tem atuação exclusiva, pois ela se manifesta em conformidade com a Teoria Especial Positiva, uma vez que esta não consegue atingir sua finalidade de ressocialização, aquela assume o papel de buscar a eliminação e o controle sobre o agente do ilícito e a conduta deste.

Já que as idéias de recuperar e reintegrar o delinqüente à sociedade têm fracassado ultimamente, como as demais intenções de melhorá-lo, esse controle não passa de um castigo imposto de forma arbitral pelo Estado legítimo.

Esta tendência acredita que há êxito em sua essência ideológica, pois o controle seria satisfeito à medida que o castigo e a penalização produzissem limitações físicas ao agente do delito, causando-lhe impossibilidade de praticar crimes posteriores.

Tratando sobre este assunto Zaffaroni e Batista expõe que:

“Ao nível teórico, a idéia de uma sanção jurídica é incompatível com a criação de um mero obstáculo mecânico ou físico, porque este não motiva o comportamento, mas apenas o impede, o que fere o conceito de pessoa (art. 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 1.º da Convenção Americana dos Direitos Humanos), cuja autonomia ética lhe permite orientar-se conforme o sentido. Por isso, a mera neutralização física está fora do conceito de direito, pelo menos em nosso atual horizonte cultural. Como no discurso anterior – do qual é complemento originário – o importante é o corpo social, ou seja, o correspondente a uma visão corporativa e organicista da sociedade, que é o verdadeiro objeto de atenção, pois as pessoas não passam de meras células que, quando defeituosas ou incorrigíveis, devem ser eliminadas. A característica do poder punitivo dentro desta corrente é sua redução à coerção direta administrativa: não há diferença entre esta e a pena, pois as duas procuram neutralizar um perigo atual.”[27]

Esta teoria da função da pena tem sofrido severas críticas, pois há quem afirme que tal forma de prevenção não é tão eficaz diante do agente que não precisa ser ressocializado ou ter sua personalidade restabelecida para o bom convívio em sociedade.

Claus Roxin, discorrendo acerca dos equívocos da teoria da prevenção especial aduz:

“A teoria da prevenção especial não é idônea para fundamentar o direito penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e conseqüências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição e porque a idéia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações.”[28]

TEORIA MISTA DA PENA

Esta teoria busca a unificação dos pontos mais importantes e fundamentais das teorias anteriormente expostas, porque qualquer uma destas, atuando em sentido próprio, são insuficientes para atingir e solucionar os problemas sociais, garantindo a proteção e os direitos dos cidadãos.

Na lição precisa de Gamil Föppel El Hireche sobre as teorias mistas, “não obstante novas idéias que se propunham mistas ou ecléticas, estas representaram, como ordinariamente ocorre com as teorias desta natureza, um acúmulo não só de acertos como ordinariamente de erros”.[29]

Para tal teoria a prevenção é tratada como fim do Direito Penal, no qual o papel atuante da retribuição é apenas de limitar a aplicação daquela.

Nesta visão teórica, Gilberto Ferreira defende que, “a pena tem duas razões: a retribuição, manifestada através do castigo; e a prevenção, como instrumento de defesa da sociedade”[30], e ela deve ser baseada simples e unicamente no delito e nada mais.

Proposta por Claus Roxin, a teoria dialética buscou, claramente, sintetizar as teorias anteriores, enfatizando os acertos verificados e buscando fugir dos erros encontrados nas outras teorias.

A teoria unificadora de Claus Roxin vê o sentido da pena não apenas na compensação da culpa do delinqüente, mas também no sentido geral de fazer prevalecer a ordem jurídica e também determinados fins político-criminais, com o fim de prevenir futuros crimes.

Para esta teoria, o direito penal devia ser analisado sob o ponto de vista dos princípios constitucionais, notadamente aquele princípio constitucional considerado o norteador de toda e qualquer atuação num Estado democrático de direito, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Segundo Claus Roxin:

“No Estado moderno, junto a esta proteção de bens jurídicos previamente dados, surge a necessidade de assegurar, se necessário, através dos meios do direito penal, o cumprimento das prestações de caráter público de que depende o indivíduo no quadro da assistência social por parte do Estado. Com esta dupla função, o direito penal realiza uma das mais importantes das numerosas tarefas do Estado, na medida em que apenas a proteção dos bens jurídicos constitutivos da sociedade e a garantia das prestações públicas necessárias para a assistência possibilitam ao cidadão o livre desenvolvimento da sua personalidade, que a nossa Constituição considera como pressuposto digno.”[31]

Claus Roxin, assim, defende o caráter subsidiário do direito penal, o qual poderá incidir como medida última. Partindo de uma síntese dialética, ele admite que a aplicação da pena esteja inserida na idéia de prevenção geral e prevenção especial. A prevenção geral, seja positiva ou negativa, sempre com a devida observância das garantias da dignidade humana e o respeito aos ditames constitucionais e a prevenção especial limitada pela culpabilidade do infrator.

Claus Roxin, ainda sobre o tema, afirma:

Não é lícito ressocializar com a ajuda de sanções jurídico-penais que não são culpadas das agressões insuportáveis contra a ordem dos bens jurídicos, por mais degeneradas e inadaptadas que sejam essas pessoas. Caso este ponto de vista seja ignorado, estaremos sob a ameaça do perigo de uma associação coletivista que oprime o livre desenvolvimento da personalidade. As conseqüências da garantia constitucional da autonomia da pessoa devem, pois, respeitar-se igualmente na execução da pena. É proibindo um tratamento coativo que interfira com a estrutura da personalidade, mesmo que possua eficácia ressocializante.

Se quiséssemos consagrar numa só frase o sentido e limites do direito penal, poderíamos caracterizar a sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos e prestações de serviços estatais, mediante prevenção geral e especial, que, salvaguarda a personalidade no quadro traçado pela medida da culpa individual.[32]

A teoria dialética unificadora, deste modo, sustenta a existência de um processo dialético, em que o momento de retribuição não aparece de modo abstrato, para cumprir um ideal absoluto de Justiça, mas limitando e condicionando à realidade imposta pelos momentos de prevenção geral e especial. Tal teoria busca evitar os exageros unilaterais e dirigir os diversos fins da pena para vias socialmente construtivas, de modo a obter o equilíbrio de todos os princípios mediante restrições recíprocas. Valendo-se, claramente, de uma concepção de Estado que reúne os princípios do Estado social e do Estado liberal.

A teoria proposta por Claus Roxin sofreu inúmeras críticas, isto porque o critério desenvolvido por ele, para alguns, poderia ceder à arbitrariedade, o que somente seria impedido pelo condicionamento que lhe impõem outros momentos e porque a pena não pode superar a gravidade do fato e o grau de censurabilidade que recai sobre o delinqüente.

A abordagem de Roxin é essencialmente preventiva, uma vez que o momento retributivo resta totalmente esvaziado de seu conteúdo clássico e somente se evidencia como manifestação de Justiça no sentido de limite imposto pela culpabilidade e pela prevenção, dentro desta, com preponderância à idéia de ressocialização.

A PENA COMO PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA

Fundando no Direito Penal Mínimo, esta função defende que a penalização ou o castigo seria necessário somente em situações de grave ameaça ou de altos riscos que possam atingir e afetar os interesses da coletividade.

Então se associaria o poder punitivo ao mais vulnerável, seja como vítima, por ocasião do delito, seja como autor, pelo motivo da pena. Isso demonstra um duplo caráter estatal de garantia a segurança social, um como potencialidade e legitimidade para punir; outro como protetor dos interesses da coletividade contra o delito do criminoso. Para que este segundo caráter funcione, essencialmente seria necessária uma mudança da política criminal, sendo mais direcionada a proteção e guarda dos direitos.

Concluindo o estudo acerca desta função da pena, vale registrar a seguinte posição de Eugênio Rául Zaffaroni e Nilo Batista:

“A atual criminalização não cumpre essa função, salvo em casos excepcionais. A teoria o direito penal mínimo reconhece isso e, portanto, propõe uma radical redução do poder punitivo. […] Contudo, deve-se observar que essa proposta é totalmente contrária ao que acontece e implica a realização de um modelo de sociedade bem diverso. […] Como, porém, nos modelos atuais de sociedade a pena só por exceção assume a função que o minimalismo penal imagina em uma sociedade futura, é inútil centrar a discussão em torno de um remanescente hipotético. Na verdade, centrar a discussão nesse tema conduz a um debate sem conseqüências práticas imediatas, voltado para as alternativas de supressão total ou radical redução do poder punitivo, quando as tendências atuais caminham na direção exatamente oposta. […] O poder punitivo não é legitimado pela tese do minimalismo penal,de vez que ela não pode ser tratada como uma nova teoria da pena, mas sim como uma proposta política digna de ser discutida, voltada para o futuro. Por outro lado, torna-se duvidoso que uma coerção limitada à evitação de conflitos (vingança) ou a sua interrupção (defender a vítima) seja realmente uma pena: quando esses riscos existem, de modo efetivo e iminente, convém pensar em coerção direta atual ou diferida. […] Apesar da existência do poder punitivo amplo, sabe-se que existem fatos cruéis de vingança, como também conhecem-se casos gravíssimos de impunidade, que não deram lugar a estas reações (a impunidade dos torturadores da ditadura militar, por exemplo).”[33]

Assim, diante desta exposição teórica sobre a função e finalidade da pena, conclui-se que o caráter utilitário da pena faz-se necessário, não apenas como retribuição ao criminoso pelo mal praticado, mas também para ensinar à sociedade as conseqüências de uma conduta reprovável, bem como propiciar ao delinqüente a reeducação e reabilitação ao convívio em sociedade, como forma de redução da violência e criminalidade, gerando, conseqüentemente, segurança social e eficácia na atividade estatal de executar a pena e recuperar o criminoso.

 

Referências
ALBERGARIA, Jason. Criminologia (Teórica e Prática). Rio de Janeiro: AIDE Ed., 1998.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Vicente Sabino Júnior. São Paulo: CD, 2002, pg 137.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002.
COUTINHO, Aldacy Rachid. Trabalho e Pena. Publicada na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 32 – 1999.
Dell'Orto, Claudio. Assim Caminha o Direito Penal.  Publicada na Revista da Faculdade de Direito da UCP Vol. 1 – 1999.
D’URSO, Luiz Flávio Borges. Proposta de uma nova Política Criminal e Penitenciária para o Brasil. – Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 05 – Dez-Jan/2001.
D’URSO, Luiz Flávio Borges. A Privatização dos Presídios. Publicada no Jornal Síntese nº 17 – Julho/1998.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Por uma Função Social para a Pena. Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 08 – Jun-Jul/2001.
FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
GOMES, Luiz Flávio. Fernandinho Beira-Mar e os Presídios. Publicada no Juris Síntese nº 42 – Jul-Ago/2003.
GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão: doutrina e jurisprudência. 2. Ed. Vol.1. Ver., Atual e Ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
HAMILTON, Sergio Demoro. O Custo Social de uma Legislação Penal Excessivamente Liberal – Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 10 – Out-Nov/2001.
JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002.
KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Niterói, Rio de Janeiro: Luam, 1993.
MESTIERI, João. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. Parte Geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. Parte Geral. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
ROLIM, Marcos, Desafios da Reforma da Execução Penal. Publicada no Jornal Síntese nº 62 – Abril/2002.
Rosa, Paulo Tadeu Rodrigues, MACEROU, Eliane Ferreira. Pena de Morte ou Prisão Perpétua – Uma solução justa? Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 13 – Abr-Mai/2002.
ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Vega, 1986.
SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano. Legitimidade da intervenção penal. Rio de Janeiro: Editora lúmen Júris, 2006.
ZAFFARONI, Eugênio Rául e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A perda da legitimidade do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan. 5 ed. 2001.
_____, Código Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 2003, 35 ed.
_____, Execução Penal: Comentários à Lei nº 7.210, de 11-07-1984, São Paulo: Atlas, 2000, 9 ed.
 
Notas:
[1] GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão: doutrina e jurisprudência. 2. Ed. vol. 1. Ver., Atual. e Ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 40.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 68.

[3] FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 2000; p.25.

[4] SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano, Legitimidade da Intervenção Penal.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006; pg 110

[5]  KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Niterói, Rio de Janeiro: Luam, 1993, p. 173.

[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 71.

[7] FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 2000; p.25.

[8] SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano, Legitimidade da Intervenção Penal.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006; pg 109.

[9] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 73

[10] KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Niterói, Rio de Janeiro: Luam, 1993, p. 173.

[11] PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileito, volume 1: parte geral, arts. 1.° a 120. 6  ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pgs 526 e 527.

[12] HIRECHE, Gamil Föppel El. A  função da pena na visão de Claus Roxin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 22

[13] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 76.

[14] SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano, Legitimidade da Intervenção Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006; pg 116.

[15] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p. 117.

[16] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p. 118-119.

[17] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p. 120.

[18] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p. 121.

[19] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p. 122.

[20] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p. 125.

[21] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 84.

[22] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 88.

[23] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 89-90.

[24] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 81

[25] FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 2000; p.28.

[26]  SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano, Legitimidade da Intervenção Penal.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006; pg 112.

[27] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p. 128.

[28] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. Traduçãoi de Ana Paula dos Santos Luís Natscheradet, Maria Fernanda Palma, Ana Isabel de Figueiredo. 3. Ed. Lisboa: Veja, 1998, p. 22.

[29] HIRECHE, Gamil Föppel El. A  função da pena na visão de Claus Roxin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 51

[30] FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 2000; p.29.

[31] ROXIN, 19–, p. 32 apud HIRECHE, 2004, P.76

[32] ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal. Buenos Aires: Delpalma, 1979, p. 83.

[33] ZAFFARONI, E. Rául  e BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003; p.129-130.


Informações Sobre o Autor

Henrique Viana Bandeira Moraes

Servidor público federal especialista em Ciências Criminais


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico