Das restrições às liminares em mandado de segurança e a minimização ao postulado constitucional de acesso à jurisdição

Resumo: Visa o presente artigo, de maneira sucinta, demonstrar a evolução histórica do mandado de segurança, sua importância como instrumento hábil para afastar ilegalidades ou abusos praticados por autoridades em detrimento de direitos e garantias fundamentais. Outrossim, abordar-se-á a medida liminar no âmbito do writ of mandamus, trazendo não somente o seu aspecto técnico, mas sim, a verdadeira essência do citado instituto. Por fim, como ponto fulcral do presente artigo, atenta-se para as restrições impostas às concessões de liminares no mandado de segurança, e suas conseqüências, quando da entrega da prestação jurisdicional. 


Palavras-chave: Mandado de segurança – liminar – restrições – acesso à jurisdição.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Sumário: 1. Evolução histórica do mandado de segurança. 2. O status constitucinal da liminar no âmbito do wirt of mandamus. 3. Das restrições às liminares e o acesso à jurisdição.


De início, para que possamos adentrar no mérito do presente estudo, mister tecermos breves considerações acerca da evolução histórica do mandado de segurança e seu status constitucional.


Com efeito, visando limitar a atuação arbitrária e ilegal do Estado para dar maior efetividade à proteção dos direitos e garantias individuais, o constituinte originário de 1934 inovou ao fazer referência ao writ of mandamus, como sendo um remédio “para defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade (…)“, consoante rezava o artigo 133, inciso 33 da Magna Carta/1934. 


Desde a sua previsão no texto constitucional retro mencionado, o mandado de segurança detém status constitucional, estando permanecido nas Constituições posteriores, salvo a de 1937, dada à natureza totalitária do Estado àquela época.


Cônscio da reiterada prática de atos do Poder Público manifestamente abusivos e eivados de flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade, o constituinte de 1988 manteve a previsão constitucional do mandado de segurança.


Assim, é que a Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, LXIX, dispõe:


“Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”


Por definição, utilizamos a clássica doutrina de Hely Lopes Meirelles, que conceitua o mandado de segurança, como o


“meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção do direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e quais forem às funções que exerça (artigo 1º da lei 1.533/51 e Constituição Federal, artigo 5º, LXIX e LXX).”[1]


Curial ressaltar que muito embora esse conceito tenha sido definido ainda sobre a vigência da lei 1.533/51, é perfeitamente compatível com a nova lei do mandado de segurança (Lei 12.016/2009) que apenas acrescentou, em seu artigo 1º, a impossibilidade de se utilizar o mandado de segurança quando for caso de habeas data, apenas se adaptando ao texto constitucional [2].


Feitas essas considerações iniciais e demonstrado o status constitucional desse remédio heróico, passemos a análise da liminar em mandado de segurança.


Conceitualmente, os dicionários traduzem “liminar” como sendo tudo aquilo que se situa no início, na porta, no liminar. Processualmente, a palavra designa o provimento judicial emitido no início da lide, sem a oitiva da parte contrária (inaudita altera pars).


Para conceituar o instituto da liminar, afigura-se salutar as palavras de Adroaldo Furtado Fabrício, in litteris:


“[…] Rigorosamente, liminar é só o provimento que se emite inaudita altera parte, antes de qualquer manifestação do demandado e até mesmo antes de sua citação. Não é outra a constatação que se extrai dos próprios textos legais, que em numerosas passagens autorizam o juiz a decidir liminarmente ou após justificação”.[3]


Como bem mencionado no início desse sucinto artigo, o mandado de segurança obteve status constitucional a partir da Carta Magna de 1934 e, com exceção da Constituição de 1937, sempre esteve previsto nos textos constitucionais brasileiros.


Não obstante a omissão da Carta Maior vigente em prever a concessão expressa de liminar em mandado de segurança, trata-se de elemento umbilicalmente vinculado à dignidade jurídico-constitucional desse remédio, servindo como mecanismo de preservação do direito in natura dos que procuram uma prestação jurisdicional tempestiva e eficaz.


Sobre o tema, colha-se a lição de Luiz Orione Neto, verbis:


“Não obstante essa tradição da Constituição brasileira de não prever a concessão expressa de liminar no âmbito do writ, é incontroverso que a liminar é inerente ao instituto do mandado de segurança. De nada adiantaria ele ser um instrumento de garantia contra atos ilegais de autoridade pública se muitas vezes, ao final, a prestação jurisdicional se apresentasse totalmente ineficaz.”[4]


Ou seja, mesmo sem haver previsão expressa no texto da Carta Republicana de 1988, a liminar em mandado de segurança é um instituto que deve ser interpretado como inerente a esse tipo de remédio constitucional. Isso porque, muitas vezes, a pretensão perseguida pelo impetrante tornar-se-ia inócua, acaso não deferida de plano, inaudita altera pars, haja vista a possibilidade de consumação da ameaça ou a irreparabilidade do dano. 


Verifica-se, portanto, que a liminar no âmbito do mandado de segurança é um instituto constitucional, não obstante sua omissão no texto Magno. É nesse sentido, que Eduardo Alvim assenta, “a liminar tem sede constitucional, no inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna, porque é essencial para a garantia in natura do direito do impetrante”.[5]


Como bem lembrado por Arruda Alvim Neto, in Anotações sobre a medida liminar em mandado de segurança, RP 39/12: “Em quase cem por cento dos casos, quem impetra uma segurança quer uma medida liminar.”


A razão de se interpretar a medida liminar como sendo de natureza constitucional tem fundamento no art. 5º, XXXV da CF/88 que dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.


Ora, se o impetrante está na iminência de sofrer um dano ou o sofreu e quer uma resposta do Judiciário para repará-lo, é evidente que em muitos casos não há como se esperar até o final do processo, sob pena da prestação jurisdicional tornar-se inócua.


Daí porque se chega à conclusão de que a medida liminar é inerente ao mandado de segurança.


Sendo assim, verifica-se que mesmo sem haver expressa previsão na Constituição Federal acerca da liminar, é evidente sua natureza constitucional.


A lei 12.016/2009, que regulamenta o uso do mandado de segurança, prevê em seu art. 7º, inciso III, a possibilidade de o magistrado conceder liminar quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, in verbis:


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Art. 7º  Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: […]


III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.”


Esse dispositivo em nada modificou o que já era previsto na lei 1.533/1951, com exceção da possibilidade do juiz, doravante, exigir garantias como condição de concessão de liminar, tema este que vem ganhando destaque nos atuais debates e que, a nosso ver, restringe a utilização desse remédio constitucional e cria um verdadeiro “apartheid” entre os que possuem condições financeiras para ofertar garantias para obter o provimento liminar em detrimento dos hipossuficientes.


De há muito se vem discutindo acerca da possibilidade de se restringir o uso da medida liminar nas ações de mandado de segurança. No ordenamento jurídico brasileiro, são muitas as normas que restringem ou restringiam a utilização desse instituto no âmbito do writ.


Ocorre que, tais restrições se destoam por completo do modelo constitucional do mandado de segurança, sobretudo porque a própria Carta/88 garante aos cidadãos à adequada prestação jurisdicional, consagrada no art. 5º, inciso XXXV.


Essa garantia, também deve ser aplicada ao instituto das liminares no âmbito do writ of mandamus, porquanto, são inerentes a esse remédio heróico, sob pena da prestação jurisdicional restar ineficaz, acaso seja dada apenas no final do processo. 


Como pontifica Luiz Orione Neto[6]


“No caso específico do mandado de segurança, tido como um remédio constitucional, se examinado através da ótica da efetividade do processo, jamais poderá ser admitido com a supressão do instrumento propício a tutela contra o periculum in mora, sob pena de deixar de ser relevante remédio constitucional posto a serviço do homem, para tornar-se um procedimento contraditório, por pressupor tutela urgente e, ao mesmo tempo, não dispor de instrumento necessário para realizá-la. Se o mandamus requer procedimento célere, a possibilidade da aferição da eventual periclitação, em virtude do periculum in mora, do direito que através dele se visa proteger, evidentemente não pode ser suprimida por norma alguma.”


Como se vê, no caso particular do mandado de segurança, jamais se admite qualquer supressão do instrumento propício à tutela liminar, tendo em vista o procedimento célere que rege esse remédio constitucional.


A partir da Constituição de 1946, fora introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, um princípio fundamental, de essencialidade inquestionável, inerente à própria idéia de Estado Democrático de Direito. 


Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesão de ordem jurídica. Princípio este, criado pela necessidade de se dar à sociedade um acesso irrestrito à atividade jurisdicional do Estado. 


Tal regramento, a partir da Constituição 1946 e com previsão em todas as Cartas promulgadas posteriormente, inclusive a de 1988 (Art. 5º, XXXV), constitui o alicerce normativo do direito de ação que corresponde ao dever-poder do Estado de entregar aos seus subordinados a prestação jurisdicional invocada.


Assim, pode-se concluir que o direito ao processo constitui um direito básico e fundamental do indivíduo que não poderá ser suprimido por ato estatal. Com efeito, a criação de obstáculos que impossibilitem o acesso à jurisdição, torna-se incompatível com o princípio da inafastabilidade do controle judiciário.


Consonante fecundo magistério de José Frederico Marques[7] “o constituinte, ao adotar o princípio da inafastabilidade do judicial controlreconheceu o direito ao processo (e o direito de ação), como um dos direitos básicos e fundamentais do indivíduo, e fez com que a tutela jurisdicional a esses direitos ficasse a salvo de restrições da lei ordinária”.


Na mesma trilha, lecionando sobre o princípio em comento, Arruda Alvim[8] faz as seguintes ponderações, in verbis:


“isto quer dizer que nenhuma lesão ou mera ameaça de lesão de direito individual ou não, pode ser por lei infraconstitucional subtraída do conhecimento do Poder Judiciário; decorre disto necessariamente, que a jurisdição é aquela que é exercida por Juízes de Direito, dos diversos graus de jurisdição existentes e com as garantias tradicionais da magistratura.”


Com isso, percebe-se que qualquer norma infraconstitucional que venha a restringir o uso das liminares no âmbito do mandado de segurança é completamente incompatível com o princípio da inafastabilidade do controle judicial, porquanto, afasta, sobremaneira, a resposta tempestiva e eficaz do Estado aos seus jurisdicionados.


Por oportuno, impende ressaltar o trecho do voto do então Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 223:


“A proteção jurisdicional imediata, dispensável a situações jurídicas expostas a lesão atual ou potencial, não pode ser inviabilizada por ato normativo de caráter infraconstitucional que, vedando o exercício liminar da tutela jurisdicional cautelar pelo Estado, enseje a aniquilação do próprio direito material.”


Conclui-se, portanto, que o acesso à jurisdição, consubstanciado no direito de ação previsto no art. 5º, XXXV da CF/88 é claramente irrestrito no âmbito do mandado de segurança, sobretudo no que toca aos pedidos liminares, não havendo que se falar em qualquer restrição, sob pena de flagrante ofensa a esse postulado constitucional.


 


Notas:

[1] MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de SegurançaAção Popular – Ação Civil Pública – Mandado de Injunção – Hábeas Data. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Página 21.

[2] Isso porque o hábeas data surgiu com a Constituição Federal de 1988 e a Lei 1.533 foi editada anteriormente ao diploma constitucional referido, no ano de 1951. A Lei 12.016/2009, nesse aspecto, apenas adaptou o conceito de mandado de segurança à Constituição Federal de 1988.

[3] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Ensaios de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003., p. 195.

[4] ORIONE NETO, Luiz. Liminares no processo civil e legislação processual civil extravagante. 2ª edição. São Paulo: Método, 2002.

[5] ALVIM, Eduardo. Perfil atual do mandado de segurança, in Direito Processual Público – a Fazenda Pública em Juízo, Malheiros, São Paulo, 2000, p. 123.

[6] ORINE NETO, Luiz. Liminares no processo civil e legislação processual civil extravagante. 2ª Ed. São Paulo: Editora Método, 2002, p. 187.

[7] MARQUES, José Frederico.  A reforma do Poder Judiciário, vol. I/410, item 222, São Paulo, Saraiva, 1979, p. 258.

[8] ALVIM, Arruda. Tratado de Direito Processual Civil, 2ª edição, vol. 1, São Paulo, RT: 1990,  p. 155.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Antonio de Albuquerque Ferreira Lima Filho

Advogado. Pós graduando em Planejamento Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico