Das teorias da pena no Ordenamento Juridico brasileiro.

Resumo: A doutrina, para conceituar a finalidade da pena, utiliza três grandes grupos de teorias, a teoria absoluta, a teoria relativa, e a teoria mista, sendo que cada qual com seu grau de punição. Para a Teoria Absoluta a pena é um castigo e uma conseqüência pelo crime realizado, não possuindo qualquer outro desiderato, senão ser um fim em si mesma, e por aplicar as sanções previstas na legislação, é considerada como uma forma de fazer justiça. Já a Teoria Relativa possui uma pretensão diversa da anterior, e têm por objetivo a prevenção de novos delitos, ou seja, busca obstruir a realização de novas condutas criminosas; impedir que os condenados voltem a delinqüir. E a Teoria mista, unificadora ou eclética aderiu às outras duas teorias, possuindo dois interesses, o primeiro retribuir ao condenado o mal causado, e o segundo prevenir que o condenado e a sociedade busquem o cometimento de novas condutas criminosas. Portanto, chega-se a conclusão de que a pena objetiva punir o condenado, retribuindo a este o mal causado em decorrência de seu delito, simultaneamente a pena objetiva a prevenção de novas condutas delituosas, fazendo com que o criminoso não realize novas condutas ilícitas, bem como, que a própria sociedade tenha receio em desobedecer a legislação penal, logo, concluir-se-á que mesmo havendo os três grandes grupos de penas indicadas, o ordenamento jurídico brasileiro é adepto da teoria mista, também chamada de unificadora ou eclética.


Palavras chaves: teorias – pena – absoluta – relativa – eclética.


Abstract: The doctrine, to conceptualize the purpose of punishment, uses three main groups of theories, the absolute theory, on the theory, and theory mixed, and each with their degree of punishment. For the Absolute Theory punishment is a punishment and a consequence of the crime carried out, having no other aim, but to be an end in itself, and apply the penalties provided by law, is considered as a way to do justice. Relative Theory already have a claim different from before, and are aimed at the prevention of new crimes, or search obstruct the implementation of new criminal conduct; prevent convicts return to delinquency. And the Joint Theory, unifying or eclectic joined the other two theories, possessing two interests, the first offenders to repay the harm caused, and the second to prevent the offender and society seek the commission of further criminal conduct. Therefore, one comes to the conclusion that the penalty intended to punish the offender, and give to this the damage caused due to his crime, while the penalty objective of preventing further criminal activity, making the criminal does not carry out further illegal conduct, and that society itself be afraid to disobey the criminal laws, so it will conclude that even with the three major groups of feathers indicated the Brazilian legal system is adept in the mixed theory, also called the unifying or eclectic.


Keywords: theories – penalty – absolute – on – eclectic.


Sumário: Introdução. Resumo. 1 – Da Finalidade da Pena. 2 – Das Teorias Absolutas ou Retributivas. 3 – Das Teorias Relativas ou Preventivas. 4 – Das Teorias Mistas, Unificadoras ou Ecléticas. 5 – Conclusão.


INTRODUÇÃO


Este trabalho tem por objetivo tecer breves considerações e analisar a finalidade da pena, levando em consideração os três grandes grupos de teorias que foram se formando ao longo da história, para ao final constatar qual destas teorias foi adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro na aplicação do direito penal. Contudo, não se busca uma pesquisa de campo a respeito deste instituto, mas especificamente, uma análise doutrinaria a respeito das teorias da pena, de forma unicamente jurídica, para ao final chegar à uma conclusão quanto a verdadeira finalidade das penas, no que tange a teoria aplicada no ordenamento jurídico pátrio.


1 – DA FINALIDADE DA PENA


A doutrina, para conceituar a finalidade da pena, utiliza três grandes grupos de teorias, a teoria absoluta, a teoria relativa, e a teoria mista, sendo que cada qual com seu grau de punição.


A pena, na verdade, é oriunda da realização de uma conduta ilícita, antijurídica e culpável, destinada a todo aquele que desrespeitou a legislação penal, sendo assim, uma forma do Estado efetivamente aplicar a norma ao caso concreto.


Ou seja, é o meio do Estado exercer a jurisdição, subsumindo uma conduta abstrata a um caso real, aplicando o preceito secundário da norma à um ato considerado ilícito, conforme leciona Luiz Regis Prado:


“Em síntese: a justificativa da pena envolve a prevenção geral e especial, bem como a reafirmação da ordem jurídica, sem exclusivismos. Não importa exatamente a ordem de sucessão ou de importância. O que se deve ficar patente é que a pena é uma necessidade social – ultima ratio legis, mas também indispensável para a real proteção de bens jurídicos, missão primordial do Direito Penal. De igual modo, deve ser a pena, sobre tudo em um Estado constitucional e democrático, sempre justa, inarredavelmente adstrita à culpabilidade (princípio e categoria dogmática) do autor do fato punível. (…) O que resta claramente evidenciado numa analise sobre a teoria da pena é que sua essência não pode ser reduzida a um único ponto de vista, com exclusão pura e simples dos outros, ou seja, seu fundamento contém realidade altamente complexa”[1].


Segundo o eminente jurista, a pena é uma forma de prevenção, buscando diminuir a realização de condutas criminosas, penitenciar o condenado e uma forma de destacar o poder estatal, punindo todo aquele que não observar seus parâmetros de conduta.


Já Francesco Carnelutti afirma que a pena não é apenas uma punição ao criminoso, como também, uma forma de aviso para aqueles que tenham alguma pretensão criminosa:


“Dizem, facilmente, que a pena não serve somente para a redenção do culpado, mas também para a advertência dos outros, que poderiam ser tentados a delinqüir e por isso deve os assustar; e não é este um discurso que deva se tomar por chacota; pois ao menos deriva dele a conhecida contradição entre função repressiva e a função preventiva da pena: o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros; e não há, entre esses dois aspectos do instituto, possibilidade de conciliação”[2].


Carnelutti diverge dos fins buscados pela aplicação da pena, afirmando que o condenado acaba sendo punido, como forma de exemplificação para os demais, ou seja, mesmo estando recuperado da suposta índole criminosa, o condenado permanece encarcerado, com objetivo de servir como parâmetro para o resto da sociedade, o jurista afirma que:


“O mínimo que se pode concluir dele é que o condenado, o qual, ainda tendo caído redimido antes do término fixado para a condenação, continua em prisão porque deve servir de exemplo aos outros, é submetido a um sacrifício por interesse alheio; este se encontra na mesma linha que o inocente, sujeito a condenação por um daqueles erros judiciais que nenhum esforço humano jamais conseguirá eliminar. Bastaria para não assumir diante da massa dos condenados aquele ar de superioridade que infelizmente, mais ou menos, o orgulho, tão profundamente aninhado ou mais íntimo de nossa alma, inspira a cada um de nós, ninguém verdadeiramente sabe, no meio deles, quem é ou não é culpado e quem continua ou não sendo”[3].


Constata-se que Carnelutti não aderiu às três teorias sobre a pena, especificamente, defendendo a tese de que mesmo estando o preso recuperado, este, ainda teria que cumprir o restante de sua pena, como meio de exemplificação para as demais pessoas, desvirtuando desta forma tanto a teoria absoluta como a teoria relativa da pena.


E conforme dizeres de Haroldo Caetano da Silva “há basicamente três teorias que buscam justificar a cominação e a aplicação da pena: a absoluta ou retributiva, a relativa ou preventiva e a teoria mista ou eclética” [4]. Luiz Regis Prado traz qual o desiderato da pena, e indica as três teorias mencionadas anteriormente:


“A pena é a mais importante das consequências jurídicas do delito. Consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal. São inúmeras as teorias que buscam justificar seus fins e fundamentos, reunidas de modo didático em três grandes grupos: (…)”[5].


Neste prisma, Bitencourt demonstra em seus estudos a necessidade de distinguir as três teorias supramencionadas:


“Interessa-nos destacar, principalmente, alguns aspectos da passagem de uma concepção retributiva da pena a uma formulação preventiva da mesma. Justifica-se, por isso, um exame das diversas teorias que explicam o sentido, função e finalidade das penas, pelo menos das três mais importantes: teorias absolutas, teorias relativas (prevenção geral e prevenção especial) e teorias unificadoras ou ecléticas. Analisaremos também outras modernas teorias da pena, como as da prevenção geral positiva, em seu duplo aspecto, limitadora e fundamentadora”[6].


“Ao abordarmos as correntes doutrinárias do direito penal, tivemos ocasião de dizer que o estudo da pena (fundamentos e fins) é feito por três grupos que compreendem as teorias absolutas, as relativas e as mistas” [7], assim, ensinou Magalhães Noronha.


Entretanto, Franz Von Liszt primeiramente conceitua as teorias da pena, afirmando existir uma corrente que defende a punição pelo crime cometido, e outra que defende a correção do criminoso, todavia, o autor discorda de tais teorias, afirmando em síntese que:


“Não se poderá acrescentar nada de importante a esses efeitos da execução da pena. O fato de que a pena produz toda uma série de efeitos reflexos, como me ocorre chamá-los, é obvio, porém carece de importância suficiente para invalidar nossa classificação. Somente resta mencionar, ademais, a importância da ameaça penal, aquele que, como exortação e intimidação, reforça motivos que devem fazer desistir da perpetração de delitos. Não devemos perder de vista este efeito, mas no momento, teremos de deixá-lo de lado. Pois não se trata para nós dos imperativos estatais, mas de pena estatal, da qual a ameaça da pena somente é um imperativo agravado”[8].


E concluiu seu entendimento afirmando que, na realidade, a pena apenas buscar a correção dos corrigíveis, pois aos demais, não é possível tal pleito:


“As minhas propostas não têm o objetivo de abolir a metade da pena nem de eliminar a determinação judicial da pena. Em duas expressões, seja-me permitido resumir o que, de todo modo e imediatamente, deve-se perseguir: “Inoculização” dos incorrigíveis, correção dos corrigíveis. No mais, o resto virá por acréscimo”[9].


Um ponto que indica claramente a necessidade de haver teorias para a aplicação da pena é o fato de que a pena deve ser aplicada de maneira individualizada, servindo tais teorias como balizadoras da aplicação das mesmas, sendo tal atividade especificamente judicial, como bem afirma Paulo S. Xavier de Souza:


“Por interferir diretamente, como pressuposto inicial, a análise das teorias que pretendem justificar a pena estatal não deve ser dissociada da atividade judicial de individualização da pena, pois, de acordo com a concepção de cada uma das teorias, a individualização judicial poderá seguir caminhos diferentes, segundo as opções escolhidas pelo legislador penal”[10].


Diante das disposições doutrinárias demonstradas, mostra-se essencial para o deslinde do estudo uma análise sobre cada uma das teorias indicadas, que consistem em teorias absolutas ou retributivas, teorias relativas ou preventivas, e as teorias mistas, unificadoras ou ecléticas, indicando as características e peculiaridades de cada uma delas.


Evidenciando desta forma que tais teorias são utilizadas como forma de regramento extralegal para aplicação da pena, pois o Magistrado ao fixar o quanto de pena ao caso concreto, deve primeiramente basear-se na legislação penal, analisando-se o preceito secundário de cada tipo penal, em seguida basear-se no caso concreto, ou seja, em elementos puramente subjetivos.


Por último, o julgador deve observar tais teorias, considerando que a pena deve ter um fim específico além de encarcerar o condenado, por estes motivos, que há tanto tempo, vem-se analisando a finalidade de cada uma das teorias da pena.


E como será pormenorizadamente demonstrado nos tópicos a seguir cada grupo de teorias aponta uma finalidade específica para a pena, indicando aos julgadores e ao resto da sociedade qual o intuito de tal punição, servindo como afirmado anteriormente, como parâmetro para aplicação da mesma.


2 – TEORIA ABSOLUTA OU RETRIBUTIVA


Para as teorias absolutas também denominadas de retributivas a pena é uma forma de retribuição ao criminoso pela conduta ilícita realizada, é a maneira de o Estado lhe contrapesar pelo possível mal causado à uma pessoa específica ou à própria sociedade como um todo (bens jurídicos).


Diante desta teoria, não se vislumbra qualquer outro objeto a não ser o de punir o condenado, lhe causando um prejuízo, oriundo de sua própria conduta, um meio de o condenado entender que está sendo penalizado em razão de seu desrespeito para com as normas jurídicas e para com seus iguais.


Não é uma forma de ressocializar o condenado, muito menos reparar o dano causado pelo delito, não se fala em reeducação, ou imposição de trabalho com objetivo de dignificar o preso, mas sim, de punir, castigar e retribuir ao mesmo a falta de atenção com os parâmetros legais e o desrespeito para com a sociedade.


Haroldo Caetano e Silva, ao lecionar sobre a execução penal, afirma que a teoria absoluta tem por peculiaridade a retribuição, é uma forma de recompensar o mal causado, causando um mal ao criminoso, para esta teoria a pena é um fim em si mesma:


“Pela teoria absoluta ou retributiva, a pena apresenta a característica de retribuição, de ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal. A pena não tem outro propósito que não seja o de recompensar o mal com outro mal. Logo, objetivamente analisada, a pena na verdade não tem finalidade. É um fim em si mesma”[11].


Em sua doutrina Inácio de Carvalho Neto assevera que a teoria absoluta tem por finalidade retribuir, tendo por característica a negação da negação do direito, ressaltando que os demais efeitos secundários da pena em nada influenciam em seu verdadeiro fim, que seria estritamente o de punir o criminoso:


“Pela teoria absoluta, a pena tem uma finalidade retribucionista, visando à restauração da ordem atingida. HEGEL assinalava que a pena era a negação da negação do direito. Já KANT disse que, caso um estado fosse dissolvido voluntariamente, necessário seria antes executar o último assassino, a fim de que sua culpabilidade não recaísse sobre todo o povo. Para esta teoria, todos os demais efeitos da pena (intimidação, correção, supressão do meio social) nada têm a ver com a sua natureza. O importante é retribuir com o mal, o mal praticado. Como afirma FERNANDO FUKUSSANA, a culpabilidade do autor é compensada pela imposição de um mal penal. Conseqüência dessa teoria é que somente dentro dos limites da justa retribuição é que se justifica a sanção penal”[12].


Ao tratar das teorias da pena, Tomaz Shintati ressalta a teoria retributiva e, utilizando-se dos ensinamentos de Nélson Hungria, afirma que a pena é uma recompensa pela conduta delituosa, usando inclusive de uma frase um tanto quanto direta, ao afirmar que cada um deve ter o que merece, assim afirma o autor:


“A pena ainda não perdeu sua finalidade retributiva. Na lição de Nélson Hungria, a pena, como retribuição, traduz primacialmente, um princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece”[13]


Ao tratar da razão de punir do Estado, Paulo José da Costa Jr. leciona que uns entendem tratar-se de uma retribuição, adequando-se desta forma a teoria absoluta: “Para uns, a razão de ser da pena está na retribuição. A pena equivale ao mal praticado. O réu é apenado porque delinqüiu (punitur quia peccatum)” [14].


Conceituando de maneira um pouco diversa dos demais autores, Mirabete afirma que esta teoria tem por fundamento a justiça, e utilizando dos ensinamentos de Kant, o jurista ainda afirma que o castigo compensa o mal:


“As teorias absolutas (de retribuição ou retribucionista) têm como fundamentos da sanção penal a exigência da justiça: pune-se o agente porque cometeu o crime (punitur quia pecatum est). Dizia Kant que a pena é um imperativo categórico, conseqüência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime impôe-se o mal da pena, do que resulta a igualdade e só esta igualdade trás a justiça. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral”[15].


Neste mesmo sentido posicionou-se Magalhães Noronha, afirmando que a teoria absoluta tem por objetivo a busca pela justiça e é a simples conseqüência de um mal cometido pelo delinqüente:


“As absolutas fundam-se numa exigência de justiça: pune-se porque se cometeu crime (punitur quia peccatum est). Negam elas fins utilitários à pena, que se explica plenamente pela retribuição jurídica. È ela simples conseqüência do delito: é o mal justo oposto ao mal injusto do crime”[16].


Da mesma forma, Cezar Roberto Bitencourt ensina que a teoria absoluta da pena além de buscar a justiça, tem por escopo devolver o mal causado pelo delito, e que o homem é livre para agir, e se optou pelo crime, deve receber uma penalidade maldosa como foi sua conduta:


“Segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, é o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto. Isto se entende quando lembramos da substituição do divino homem operada neste momento histórico, dando margem à implantação do positivismo legal”[17].


Segundo Romeu Falconi, a teoria absoluta da pena surgiu com a escola clássica do direito penal, seguindo a mesma idéia de retribuir o mal causado à sociedade, considerando ainda o livre arbítrio de cada um, pois é possível optar pela realização ou não de um delito, e a realização do ilícito autoriza o Estado à causar um mal ao condenado, segundo Falconi:


“Para os clássicos, a pena tem finalidade de “RETRIBUIÇÃO”. È uma forma de corrigir o mal causado mediante a aplicação de outro mal ao criminoso. São chamadas as teorias “absolutas”. Partindo-se da premissa de que o homem é detentor do “livre arbítrio”, sendo por isso moralmente responsável (responsabilidade moral), se ele descumpre ou infringe, terá contra si a pena, que funciona como retribuição ao mal causado”[18].


Basileu Garcia aponta que a pena detem a característica de aflição como meio de punir, o autor afirma que “Para alguns, a pena é meramente aflitiva. Para outros, constituí, exclusiva, precípua ou subsidiariamente, um meio para a obtenção de certos benefícios, quer para o condenado, quer para a coletividade” [19].


Segundo Listz o objetivo punitivo da pena está ligado à um escopo: “A objetivação da pena conduziu-se a isso, que, por premissa necessária da sua utilização, também o conteúdo e a extensão da razão em função da espécie de pena vêm determinados e subordinados à idéia de escopo” [20]. E complementa tal entendimento, especificando qual é o verdadeiro escopo da ciência criminal no que tange a pena, afirmando que a pena vai a sentido oposto á atividade antagônica aos interesses da sociedade:


“Ora, assim podemos reassumir o resultado da nossa indagação: através de um processo de autolimitação, a força punitiva transformou-se em Direito Penal (jus puniendi), e, através de uma recepção da idéia de escopo, a cega e desenfreada razão transformou-se na pena jurídica e a ação dominada do instituto fez-se ação controlada da vontade. A potestade do Estado empunhou a espada da Justiça para tutelado ordenamento jurídico contra o celerado que se rebela contra nós”[21].


Conivente com os demais juristas, Aníbal Bruno diz que para a teoria absoluta a pena é uma retribuição ao criminoso por um mal causado:


“As teorias absolutas partem de uma exigência de justiça e encaminhan-se para a realização do justo na retribuição da pena. Retribuição justa do mal injusto que o criminoso praticou pela qual se processa a reintegração da ordem jurídica violada. Se algum fim prático pode ser com isso alcançado, é considerado secundário que não deve de modo algum sobrepor-se e nem sequer equipar-se àquele fim essencial da justiça”[22].


No estudo direcionado à individualização da pena, Paulo S. Xavier de Souza reafirma os conceitos indicados anteriormente, dizendo que “as teorias retributivas são absolutas, porque não se vinculam a nenhum fim, concebendo a pena como um fundamento em si mesmo”[23].


O autor complementa tal afirmação sobre o fato da pena ser um fim em si mesma, dizendo que a pena “como castigo, compensação, reação ou retribuição pelo delito, justificada por seu valor axiológico intrínseco; portanto, não é um meio, mas um dever ser metajurídico”[24]; e finaliza tais afirmações dizendo que:


“Em síntese, para a teoria retributiva, a pena assume aspecto de castigo talionalmente vinculado com a magnitude do injusto e reprovação da culpabilidade do delinqüente, retribuindo a culpa do homem que atuou livremente (imputáveis), ao contrario das medidas aplicadas contra aqueles que não agiram (inimputáveis), que não podem ser reprovados”[25].


Diante dos fundamentos demonstrados constata-se que a teoria absoluta ou retributiva tem como único intuito punir o condenado, retribuir o mal causado, com um outro mal consistente na aplicação da pena, deixando o mesmo encarcerado, para que este usufrua das conseqüências de seu crime.


É também uma forma de demonstrar o poder do Estado, exercendo o jus puniendi, para que o condenado perceba que sua prisão é uma conseqüência de seu próprio ato, e que este entenda que se não tivesse delinqüido não estaria sendo punido e consequentemente, não estaria encarcerado.


Tais afirmações são fundamentadas no livre arbítrio de cada pessoa, pois, estes sabem da ilegalidade de suas condutas (na maioria das vezes), e seria perfeitamente plausível a exigibilidade de uma conduta diversa, ou seja, poderiam não ter realizado o ilícito, pois possuem discernimento para tal.


Sendo a pena, portanto, um castigo e uma conseqüência pelo crime realizado, não possuindo qualquer outro desiderato senão o de ser um fim em si mesma, e por aplicar as sanções previstas na legislação, é considerada como uma forma de fazer justiça.


Em outras palavras, o fato da pessoa possuir discernimento e livre arbítrio, já são suficiente para á imediata aplicação da pena, em decorrência de um ilícito, pois, o agente teve a faculdade de delinqüir ou não, uma vez lesando um bem jurídico, permite à aplicação da pena, não havendo segundo tal teoria, qualquer outra finalidade senão punir o condenado.


3 – TEORIA RELATIVA OU PREVENTIVA.


Esta teoria possui uma pretensão diversa da anterior, e têm por objetivo a prevenção de novos delitos, ou seja, busca obstruir a realização de novas condutas criminosas; impedir que os condenados voltem a delinqüir.


Observa-se que, para tal teoria, presume-se que o condenado irá cometer novas condutas ilícitas, caso não seja punido imediatamente, por esta razão, a teoria relativa ou preventiva visa a impedir o cometimento de ilícitos.


É uma forma de manter a paz e o equilíbrio social, haja vista que aquelas pessoas que presumidamente são criminosas, ou tenham uma pré-disposição ao crime, já estarão encarcerados, dificultando assim a ocorrência de novas condutas ilegais.


Classicamente Francesco Carnelutti relata que a finalidade do direito penal é a prevenção de novos delitos, evitando a proliferação de condutas criminosas:


“Para tanto serve, em primeiro lugar, o castigo que, provocando o sofrimento de quem cometeu o delito, cria um contra-estimulo ao cometimento de outros; por isso punitur ne peccetur, isto é, a fim de tentar dissuadir o condenado a pôr-se em condições de ter de ser punido novamente. Sob este aspecto, o Direito Penal opera sobre a necessidade, constituindo um vinculum quo necessitate adstringimur alicuius… rei faciendae vel non faciendade; a obrigação penal, da qual se ocupa a ciência do Direito Penal material, é a expressão da finalidade preventiva do Direito Penal”[26]


Para Paulo S. Xavier de Souza a teoria relativa da pena diverge totalmente da teoria absoluta da pena, destacando sua utilidade preventiva, Souza afirma que:


“De acordo com as teorias preventivas da pena, diferentemente da teoria retributiva que visa basicamente, retribuir o fato criminoso e realizar a justiça, a pena serviria como um meio de prevenção da prática do delito, inibindo tanto quanto possível a prática de novos crimes, sentido preventivo (ou utilitarista) que projeta seus efeitos para o futuro (ne peccetur)”[27].


Para A. V. Feuerbach, “a concepção preventiva tomou duas direções distintas e determinadas, ou seja, a prevenção geral e a prevenção especial, a seguir analisadas” [28]; e ainda, utilizando os dizeres de Paulo S. Xavier de Souza tais espécies de prevenção se classificavam na prevenção geral e especial:


“A teoria preventivo-geral pode ser investigada sob o aspecto negativo e positivo. Entre os defensores da teoria preventivo-geral negativa destacam-se: A. Feuerbach, A. Schopenhauer, Filangieri, Carmignani, F. M. pagan G. Romagnosi, C. Beccaria e J. Bentham. Este último afirmava que o castigo em que o réu padece é um painel onde o homem pode ver o retrato do que lhe teria acontecido caso praticasse o mesmo delito. No entanto, em segundo plano, o referido autor mencionava a prevenção especial, para cumprir a exemplaridade da pena e reformar o homem, calculada de maneira a enfraquecer os motivos enganosos e reforçar os motivos tutelares”[29].


Neste quadro, Haroldo Caetano da Silva afirma que, para a teoria relativa à sanção penal tem a finalidade de prevenir, evitando desta forma, a ocorrência de novas infrações, segundo o jurista:


“Para a teoria relativa ou preventiva, a sanção penal tem finalidade preventiva, no sentido de evitar a prática de novas infrações. A prevenção terá então caráter geral, na qual o fim intimidativo da pena dirige-se a todos os destinatários da lei penal, objetivando inibir as pessoas da prática criminosa; e caráter especial, visando o autor do delito, de maneira que, afastado do meio livre, não torne a delinqüir e possa ser corrigido”[30].


Complementando tal entendimento, Inácio Carvalho Neto afirma que, além de prevenir a ocorrência de novos crimes, a teoria relativa tem por escopo a intimidação das demais pessoas para que estas não cometam crimes, corrigir o criminoso esporádico e tornar inofensivo o criminoso incorrigível, o autor assevera que:


“Pela teoria relativa, a pena é uma medida prática que visa impedir o delito. Esta teoria é dividida em duas: a da prevenção geral e a da prevenção especial. Para a primeira, o principal escopo e efeito da pena é a inibição que esta causa sobre a generalidade dos cidadãos, intimidando-os. Para a segunda, a pena visa a intimidação do delinqüente ocasional, à reeducação do criminoso habitual corrigível, ou a tornar inofensivo o que se demonstra incorrigível”[31].


Em relação à teoria relativa ou preventiva, Tomaz M. Shintati indica a função preventiva da mesma, com o desiderato de evitar novas infrações penais, e afirma ainda que, para esta teoria, a pena também possui o intuito de ressocializar o condenado, para que este possa retornar recuperado à sociedade:


“A pena tem ainda uma finalidade de prevenção, que constitui a dimensão social da sanção. Finalidade de prevenção especial: a pena visa à ressocialização do autor da infração penal, procurando corrigi-lo. Finalidade de prevenção geral: o fim intimidativo da pena dirige-se a todos os destinatários da norma penal, visando a impedir que os membros da sociedade pratiquem crimes”[32].


Já Paulo José da Costa Jr. afirma que a teoria relativa ou da prevenção é oriunda dos pensamentos de Platão, que entendia que a pena possuía fins terapêuticos para o criminoso: “Outros adotam a teoria da emenda, correcionalista ou da prevenção especial. Remonta ela a Platão, que concebeu a pena como a medicina da alma”[33].


Conivente com os posicionamentos doutrinários indicados, Julio Fabbrini Mirabete afirma que a teoria relativa da pena atribuía um fim à mesma, e que a pena não era uma conseqüência do delito, mas sim o momento oportuno para sua aplicação, para o autor: “Nas teorias relativas (utilitárias ou utilitaristas), dava-se à pena um fim exclusivamente prático, em especial o de prevenção. O crime não seria causa da pena, mas a ocasião para ser aplicada”[34].


E ainda, para Magalhães Noronha a teoria relativa da pena não dá origem à pena, é uma necessidade da sociedade, não havendo qualquer ligação com a idéia de justiça, pois:


“As teorias relativas procuram um fim utilitário para a punição. O delito não é causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada. Não repousa na idéia de justiça, mas de necessidade social (punitur ne peccetur). Deve ela dirigir-se não só ao que delinqüiu, mas advertir aos delinqüentes em potencial que não cometam crime. Consequentemente, possui um fim que é a prevenção geral e a particular”[35].


Neste diapasão, Cezar Roberto Bitencourt afirma que para a teoria relativa da pena, o objetivo primordial é a prevenção, inibindo novas ocorrências de infrações criminais:


“A formulação mais antiga das teorias relativas costuma ser atribuída a Sêneca, que, se utilizando de Protágoras de Platão, afirmou: “nenhuma pessoa responsável castiga pelo pecado cometido, mas sim para que não volte a pecar. Para as duas teorias a pena é considerada um mal necessário. No entanto, para as teorias preventivas, essa necessidade da pena não se baseia na idéia de realizar justiça, mas na função, já referida, de inibir, tanto quanto possível, a pratica de novos fatos delitivos”[36].


Ao lecionar sobre a teoria relativa da pena, Romeu Falconi relata que esta surgiu com a denominada escola positiva, e como os demais estudiosos, afirma que, para a teoria relativa, a pena possui a característica de prevenção geral e especial, e ainda a ressocialização do condenado, atribuindo assim, uma função à pena, para o Autor:


“Os positivistas raciocinam diferentemente em relação à pena e suas conseqüências praticas. Essa Escola positiva as teorias “relativas”, e entende que a pena deve ter finalidade “UTILITARIA”. Assim, deve ela não-somente ter por escopo a punição, mas também recuperar o delinqüente para o convívio social. (…). A pena deverá servir ademais, como “prevenção”. Essa “prevenção” poderá ser “geral”, que é aquela que reflete sobre os demais elementos da sociedade, servindo de “intimidação” para aqueles que, porventura, pretendam praticar qualquer conduta delituosa. A prevenção “especial”, de sua parte, reflete diretamente sobre a pessoa do criminoso. Trata-se aqui de demonstrar ao criminoso que, se errou, o Estado punirá, visando, assim, à sua “ressocialização”[37].


Entretanto, o autor discorda dos fins intimidativos que a teoria relativa atribui à pena, afirmando que nenhum Estado pode existir baseado no medo: “Não posso concordar com a “intimidação” (que chamam de prevenção geral) como meio de aplicação do Direito Penal. Estado algum poderá sobreviver estruturando-se sob a égide do medo” [38]


Para João José Leal as teorias relativas surgiram com o intuito de restringir a aplicação da teoria absoluta:


“Com a restrição apresentada à teoria absoluta, surgiram as teorias relativas, que buscam fundamentar a existência da pena no seu aspecto utilitário. Admite-se que esta não tem um valor absoluto, mas existe para cumprir determinadas funções que são úteis à preservação da convivência social”[39].


Ao doutrinar sobre a pena, Aníbal Bruno diz que a teoria relativa da pena tem o objetivo de proteger bens jurídicos e a sociedade, e consequentemente prevenir fatos tipicamente previstos como crimes:


“O fim da pena é a defesa social pela proteção de bens jurídicos considerados essenciais à manutenção da convivência. É este o fim mesmo do Direito Penal, e o instrumento de que ele se vale para atingi-lo é a pena. Essa defesa consiste em prevenir em decorrência de fatos definidos como crime, ou por meio de prevenção geral, atuando sobre toda a coletividade, ou por meio da prevenção especial, que agem diretamente sobre o próprio criminoso”[40].


A prevenção geral e especial da pena é praticamente uma unanimidade entre os juristas, Basileu Garcia também é conivente com tal entendimento e afirma que:


“Embora o direito penal não tenha conseguido eximir a pena da eiva de castigo, não inegáveis as suas múltiplas utilidades. Nestas duas formulas – prevenção geral e prevenção especial – cabem as vantagens da pena. Sob o lema da prevenção especial, tem-se em apreço a pessoa do delinqüente, sobre a qual se exerce a medida repressiva. Conquanto destinada à repressão, a pena realiza uma função preventiva, quando afasta o indivíduo do meio social, impedido-o de delinqüir, e quando visa criar estímulos para que não torne a pratica de crimes, infundindo-lhe o temor do castigo, quer procurando corrigi-lo, para que ele, melhorando moralmente, se sinta propenso a uma conduta compatível com a vida em sociedade [41].


Diante dos posicionamentos doutrinários indicados, constata-se que a teoria relativa não tem por objetivo específico a punição do delinqüente, mas sim a prevenção de novos crimes, evitando que novas condutas criminosas sejam cometidas, presumindo-se desta forma que toda pessoa que cometeu um delito, terá grande probabilidade de delinqüir novamente.


É ainda uma forma de aplicar justiça, não sendo uma conseqüência do delito, mas o momento oportuno para aplicação da pena e como afirmado, prevenindo que o condenado cometa novos delitos (prevenção específica), e para que a sociedade como um todo tenha medo de cometer crimes (prevenção geral).


Deste modo, a teoria relativa se desdobra em vários fundamentos, sendo os principais o da prevenção geral e específica. O primeiro é baseado no medo imposto no restante da sociedade pela possibilidade de ser punido pelo cometimento de um delito.


Já o segundo é baseado na prevenção imposta ao próprio criminoso, tendo como escopo o fato de que este poderá ficar constrangido a não cometer novos crimes, em razão de ter sido punido anteriormente.


E ainda, da análise dos ensinamentos doutrinários indicados, constata-se que além das hipóteses de prevenções, concluir-se-á que a teoria relativa não é uma conseqüência do delito, mas o momento apropriado para sua aplicação, possuindo ainda, fins terapêuticos, pois o condenado poderá ser recuperado durante o cumprimento da pena.


E não é só, para alguns se trata de uma necessidade social, considerando que é uma forma de manter o equilíbrio social, sendo, portanto, uma utilidade, e não um fim em si mesma, uma vez que, além de em tese recuperar o preso, protege os respectivos bens jurídicos de serem objetos de novos delitos.


Possuindo desta forma vários objetivos específicos e oriundos da mesma origem, que é o cumprimento de pena pelo condenado, e tendo por premissa a prevenção de novos delitos, e a atribuição de um fim à pena.


4 – TEORIA MISTA, UNIFICADORA OU ECLÉTICA.


O terceiro grupo de teorias à respeito da pena é a denominada teoria mista, unificadora ou eclética, é na verdade uma combinação das teorias absolutas e relativas pois, para esta teoria, a pena possui dois desideratos específicos, diversos e simultâneos, “foi desenvolvida por Adolf Merkel, sendo a doutrina predominante na atualidade” [42].


Para a teoria mista ou eclética a pena é tanto uma retribuição ao condenado pela realização de um delito, como uma forma de prevenir a realização de novos delitos.


Ou seja, é uma mescla entre tais teorias, sendo a pena uma forma de punição ao criminoso, ante o fato do mesmo desrespeitar as determinações legais. E também uma forma de prevenir a ocorrência dos delitos, tanto na forma geral como na forma específica.


Assim afirma Haroldo Caetano e Silva: “Da combinação entre as duas primeiras teorias, surge a terceira: a teoria mista ou eclética. Para esta teoria, a prevenção não exclui a retributividade da pena, mas se completam (…)” [43].


Segundo Inácio Carvalho Neto as teorias mistas tiveram início por ocasião das críticas atribuídas às teorias absolutas e relativas, unificando as duas e aplicando os fins retributivos e preventivos concomitantemente, segundo o autor: “Das críticas opostas a estas teorias surgiram às chamadas teorias mistas ou ecléticas, que tentam fundi-las, mesclando-se os conceitos preventivos com os retributivas” [44].


Para Noronha “As teorias mistas conciliam as precedentes. A pena tem índole retributiva, porém objetiva os fins da reeducação do criminoso e de intimidação geral. Afirma, pois, o caráter de retribuição da pena, mas aceita sua função utilitária” [45].


Já Bitencourt assevera em sua obra que as teorias mistas, também denominadas por ele como unificadoras, buscam um único conceito de pena, retribuição do delito cometido, e a prevenção geral e especial:


“As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta escolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Merkel foi, no começa do século, o iniciador desta teoria eclética na Alemanha, e, desde então, é a opinião mais ou menos dominante. No dizer de Mir Puig, entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e complexo fenômeno que é a pena”[46].


Paulo José da Costa Jr. leciona que contemporaneamente tem-se adotado a teoria eclética da pena, sendo na realidade um misto da teoria absoluta e relativa, e que os fins intimidativo e retributivo mesclaram-se passando a ter um caráter ressocializador, para o jurista:


“Modernamente, adotou-se um posicionamento eclético quanto às funções e natureza da pena. É o que se convencionou chamar de pluridimencionalismo, ou mixtum compositum. Assim, as funções retributiva e intimidativa da pena procuram conciliar-se com a função ressocializante da sanção. Passou-se a aplicar a pena quia pecatum est et ut ne peccetur” [47].


Após explicar que a teoria absoluta visa punir, e que a relativa tem por objetivo prevenir e ressocializar, Mirabete se refere à terceira teoria dizendo que: “Já para as teorias mistas (ecléticas) fundiram-se as duas correntes. Passou-se a entender a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas também um misto de educação e correção” [48].


Conivente com tais entendimentos Romeu Falconi também ensina os fundamentos da teoria mista ou eclética, afirmando, em síntese, que esta teoria possui dupla finalidade, aderindo à retribuição prevista na teoria absoluta, e na reeducação pregada pela teoria relativa:


“Os adeptos das teorias denominadas UNITÁRIAS utilizam-se de alguns dos pressupostos de cada uma das Escolas anteriormente referidas. Para estes, o ideal é a pena de duplo escopo, visando ao reaproveitamento social daquele que um dia delinqüiu. A isso chamamos de “teorias mistas”. Aceitam a pena como “retribuição”, pois o criminoso praticou ato lesivo; não citam a pena apenas como “prevenção”, mas como meio próprio de reeducação do criminoso”[49].


Neste mesmo diapasão posicionou-se João José Leal, afirmando que além da utilidade de prevenir, a pena possui um caráter de ordem moral, caracterizada pela retribuição pelo delito cometido:


“Modernamente, teorias mistas ou ecléticas procuram justificar a aplicação da pena com fundamento de ordem moral (retribuição pelo mal praticado) e de ordem utilitária (ressocialização do condenado e prevenção de novos crimes). A pena guarda inegavelmente seu caráter retributivo: por mais branda que seja, continua sendo um castigo, uma reprimenda aplicável ao infrator da lei positiva. Ao mesmo tempo, busca-se com ela alcançar metas utilitaristas, como a de evitar novos crimes e a de recuperação social do condenado”[50].


E ainda, Paulo S. Xavier de Souza relata que esta teoria atua como uma forma de orientação para os fins da pena, e afirma que:


“A teoria mista permitiria orientar, sucessivamente, os fins da pena estatal para a proteção da sociedade, fidelidade ao direito, retribuição da pena como um mal moral em resposta à violação do preceito normativo, proteção de bens jurídicos, intimidação dos potenciais infratores, bem como a ressocialização do delinqüente. Esta concepção aceita a retribuição e o princípio da culpabilidade como critério limitadores da intervenção penal e da sanção jurídico-penal, onde a punição não deve ultrapassar a responsabilidade pelo fato criminoso, devendo-se também alcançar os fins preventivos especiais e gerais”[51].


Constata-se claramente que a teoria mista ou eclética tem por fundamento a miscigenação das outras duas teorias (absoluta e relativa), passando a ter mais de um único fim, e possuindo dois ou mais objetivos que consistem em punir e prevenir.


A punição deriva unicamente da teoria absoluta, haja vista que seu intuito é devolver ao delinqüente o mal causado à sociedade e ao sujeito passivo do delito, indicando ao mesmo que se cometer algum crime será reciprocamente lesado pelo mal causado e pelo seu desrespeito para com o ordenamento jurídico e a sociedade.


Enquanto que a prevenção deriva da teria relativa da pena, pois é uma forma de evitar a realização de novas condutas tipificadas criminalmente, para alguns autores é também uma forma de ressocializar o condenado, e ainda prevenir que este volte a delinqüir (prevenção especifica), e para que os outros cidadãos tenham receio em cometer algum ilícito (prevenção geral).


Portanto, a teoria mista, unificadora ou eclética aderiu às outras duas teorias, possuindo dois interesses, o primeiro retribuir ao condenado o mal causado, e o segundo prevenir que o condenado e a sociedade busquem o cometimento de novas condutas criminosas.


Sem esquecer, é claro, que, de acordo com a unificação das duas teorias, a pena passa a ter a característica de um castigo, com um fim além de si mesma, fazer justiça em conseqüência de mal causado, prevenindo que o delinqüente volte a realizar condutas criminosas, e a sociedade em geral tenha tal receio e, por conseqüência, recuperar o interno, e protegendo os bens jurídicos, buscando a paz e o equilíbrio social.


5 – CONCLUSÃO


Diante da pesquisa realizada, concluir-se-á que ao longo dos anos a pena foi objeto de vários estudos, o que resultou na especificação dos três grandes grupos de teorias da pena, que como foi pormenorizadamente indicado, uns buscam unicamente punir, outros, prevenir geral, especificamente e recuperar o condenado, e o outro grande grupo apóia os dois objetivos destacados pelas teorias anteriores.


Conseqüentemente, a aplicação e a legislação da pena também foram evoluindo conjuntamente, sendo aos poucos afastada as hipóteses de penas violentas e baseadas unicamente na tortura, para uma pena mais humanizada, destinada geralmente a pena privativa de liberdade, e, em tese, sem qualquer espécie de tortura.


Em outras palavras, com a evolução da humanidade, e da pesquisa em torno dos fins da pena, se formaram os grandes grupos de teorias, a primeira denominada de absoluta ou retributiva, a segunda de relativa ou preventiva, e a ultima de mista, unificadora ou eclética. Consequentemente, tais mudanças foram incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, que taxativamente vedou qualquer espécie de pena com o único objetivo de torturar ou punir (inciso XLVI, do art. 5° da CF), pois indicou que seu objetivo, além de punir, é recuperar o preso e prevenir novos delitos, como pode ser constatado nas disposições dos artigos 1° e 10 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).


Portanto, chega-se a conclusão de que a pena objetiva punir o condenado, retribuindo a este o mal causado em decorrência de seu delito, simultaneamente a pena objetiva a prevenção de novas condutas delituosas, fazendo com que o criminoso não realize novas condutas ilícitas, bem como, que a própria sociedade tenha receio em desobedecer a legislação penal, logo, concluir-se-á que mesmo havendo os três grandes grupos de penas indicadas, o ordenamento jurídico brasileiro é adepto da teoria mista, também chamada de unificadora ou eclética.


 


Referencias Bibliográficas

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Notas:

[1] PRADO, Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1, 5º edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 567.

[2] CARNELUTTI, Francesco, As Misérias do Processo Penal, São Paulo: editora Pillares, 2006, P. 103.

[3] Op Cit. 103.

[4] SILVA, Haroldo Caetano da, Manual de Execução Penal, 2º edição, Ed. Bookseller, Campinas, 2002: P. 35.

[5] PRADO, Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1, 5º edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, P. 553.

[6] BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9º edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 72.

[7] NORONHA, M. Magalhães, Direito Penal, volume 1, 35º edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 223.

[8] LISZT, Franz Von, A Idéia do Fim no Direito Penal, 1º edição, São Paulo: Rideel, 2005, p. 56.

[9] Op. Cit. P. 67.

[10] SOUZA, Paulo S. Xavier, Individualização da Penal: no estado democrático de direito, porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 70.

[11] SILVA, Haroldo Caetano da, Manual de Execução Penal, 2º edição, Ed. Bookseller, Campinas, 2002: P. 35.

[12] CARVALHO NETO, Inacio, Aplicação da Pena, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 15.

[13] SHITANTI, Tomaz M., Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2º edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 184.

[14] COSTA JR, Paulo José da, Direito Penal Curso Completo, 7º edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 117.

[15] MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direto Penal, Parte Geral, 22º edição, São Paulo, editora Atlas, 2005, p. 244.

[16] NORONHA, M. Magalhães, Direito Penal, volume 1, 35º edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 223.

[17] BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9º edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 74.

[18] FALCONI, Romeu, Lineamentos de Direito Penal, 3º edição, São Paulo: editora Ícone, 2002, p. 249.

[19] GARCIA, Basileu, Instituições de Direito Penal, vol. I, Tomo II, 1º edição, São Paulo: Max Lumonad editor de livros de direito, 1952, p. 412.

[20] LISZT, Franz Von, A Teoria Finalista no Direito Penal, tradução de Rolando Maria da Luz, Campinas: Editora LZN, 2005, p. 25.

[21] Op. Cit. P. 25-26.

[22] BRUNO, Anibal, Direito Penal parte Geral, tomo 2º, 3º edição, São Paulo: Editora Forense, 1967, p. 32-33.

[23] SOUZA, Paulo S. Xavier, Individualização da Penal: no estado democrático de direito, porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 70.

[24] Op. Cite. P. 70.

[25] SOUZA, Paulo S. Xavier, Individualização da Penal: no estado democrático de direito, porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 71.

[26] CARNELUTTI, Francesco, Lições Sobre o Processo Penal, volume 1, 1º edição, Campinas: Bookseller, 2004, P. 73.

[27] SOUZA, Paulo S. Xavier, Individualização da Penal: no estado democrático de direito, porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 75.

[28] Op. Cit. P. 75.

[29] Ibidem, p. 76

[30] SILVA, Haroldo Caetano da, Manual de Execução Penal, 2º edição, Ed. Bookseller, Campinas, 2002: P. 35.

[31] CARVALHO NETO, Inacio, Aplicação da Pena, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 15.

[32] SHITANTI, Tomaz M., Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2º edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 184.

[33] COSTA JR, Paulo José da, Direito Penal Curso Completo, 7º edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 118.

[34] MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direto Penal, Parte Geral, 22º edição, São Paulo, editra Atlas, 2005, p. 244.

[35] NORONHA, M. Magalhães, Direito Penal, volume 1, 35º edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 223.

[36] BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9º edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 81.

[37] FALCONI, Romeu, Lineamentos de Direito Penal, 3º edição, São Paulo: editora Ícone, 2002, p. 249.

[38] Op. Cit. P. 249.

[39] LEAL, João José, Direito Penal Parte Geral, 3º edição, Florianópolis: Editora OAB/SC, 2004, p. 380.

[40] BRUNO, Anibal, Direito Penal parte Geral, tomo 2º, 3º edição, São Paulo: Editora Forense, 1967, p. 45.

[41] GARCIA, Basileu, Instituições de Direito Penal, vol. I, Tomo II, 1º edição, São Paulo: Max Lumonad editor de livros de direito, 1952, p. 412.  

[42] SOUZA, Paulo S. Xavier, Individualização da Penal: no estado democrático de direito, porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 85.

[43] SILVA, Haroldo Caetano da, Manual de Execução Penal, 2º edição, Campinas: Ed. Bookseller, 2002: P. 36.

[44] CARVALHO NETO, Inacio, Aplicação da Pena, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 16.

[45] NORONHA, M. Magalhães, Direito Penal, volume 1, 35º edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 223.

[46] BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9º edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 88.

[47] COSTA JR, Paulo José da, Direito Penal Curso Completo, 7º edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 119.

[48] MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direto Penal, Parte Geral, 22º edição, São Paulo, editra Atlas, 2005, p. 245.

[49] FALCONI, Romeu, Lineamentos de Direito Penal, 3º edição, São Paulo: editora Ícone, 2002, p. 250.

[50] LEAL, João José, Direito Penal Parte Geral, 3º edição, Florianópolis: Editora OAB/SC, 2004, p. 383.

[51] SOUZA, Paulo S. Xavier, Individualização da Penal: no estado democrático de direito, porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 85.


Informações Sobre o Autor

Hugo Rogerio Grokskreutz

Advogado graduado em Direito pela Faculdade Integrado de Campo Mourão – PR


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