Dando continuidade à nossa última análise sobre situações de delações premiadas, no que diz respeito a casos que envolvam atuação de organizações criminosas, a legislação específica brasileira prescreve:
Art. 6° : “Nos crimes praticados por organização criminosa, a pena será reduzida de um a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”.
Trata-se de dispositivo que, pela sua redação, delega grande discricionariedade ao Juiz. Estabelece a redução da pena de um a 2/3 a quem o juiz considere haver colaborado, espontaneamente, ao esclarecimento de infrações penais (quaisquer) e sua autoria. Não basta que o agente aponte fatos criminosos, mas também deverá apontar a sua autoria. Exige-se também, porque no espírito da Lei, que sejam infrações penais praticadas por integrantes de organização criminosa. No momento da fundamentação da sentença e fixação da pena, o juiz incumbirá avaliar o quantum da colaboração e correlacioná-lo com o quantum a ser diminuído da pena, dentro dos parâmetros legais.
A Lei exige que além de espontânea, a colaboração deve ser eficiente, trazendo nomes e condutas criminosas, intuitivamente aquelas ainda desconhecidas pela Polícia e Ministério Público. Para tanto importante o momento processual da colaboração. Quanto antes melhor, ou seja, tanto melhor quanto mais dados e informações forem repassados ainda durante a fase investigatória. Contrariamente, quanto mais próximas da fase final do processo – da sentença, menos útil se revelará. São circunstâncias que devem ser levadas em conta pelo Magistrado.
Entendemos que seja possível até fixar um critério mais objetivo. Ideologicamente, a colaboração deverá ser prestada até o interrogatório judicial. Depois disto tamanha a complicação que poderá causar, que, mesmo sendo útil do ponto de vista de trazer novos autores e crimes praticados, causará transtornos processuais que poderão até inviabilizar a persecução. Aí surge a questão: Como saber a verdadeira eficiência dos dados e nomes referidos se a partir da delação deve-se, em tese, iniciar uma nova investigação, posto que dificilmente – quando já em interrogatório judicial – serão aproveitados nos mesmos autos? Em outras palavras, não seria necessário se aguardar a decisão judicial em relação àqueles fatos e pessoas referidas para que então se viabilize a concessão do benefício ao delator? Em tese essa seria a solução mais justa. Entretanto não poderá o delator aguardar a conclusão da investigação e do processo posterior para ver-se beneficiado. A aferição então deve ser concluída até a fase final do processo, ocasião em que as partes, mas principalmente o Ministério Público se manifestarão, concluindo a respeito do grau de esclarecimento proporcionado pela delação do acusado, concordando ou não com a concessão do benefício e em que proporção. Importante a palavra do Promotor porque, sendo o órgão acusador, melhor que ninguém emitirá juízo de valor das informações e o nível de auxílio que terão proporcionado.
Resta saber o que se considera “organização criminosa” para efeito de admissão da colaboração e conseqüente concessão de redução da pena. Devemos então enfrentar a problemática em torno da definição ou conceito deste termo que, embora aparentemente simples, pressupõe análise pouco mais detalhada.
A delação prevista nesta Lei pode alcançar os acusados que prestarem informações relativamente a crimes apurados em outros Feitos, pois, além de se tratar de Lei de cunho genérico, a literalidade de sua expressão parece afastar eventuais dúvidas: “…quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”. (grifo nosso). Na verdade, antes da edição da Lei n° 9.807/99 (Proteção de vítimas e testemunhas) o dispositivo poderia ser aplicado tanto para as situações relativas ao mesmo Feito, como para os casos externos, aqueles relacionados a outros Feitos, pois mantinha a sua abrangência ilimitada. Entendemos que, com a edição daquela Lei em 1999, pela especialidade de sua incidência, esta Lei n° 9.034/95 passou a ser tacitamente revogada no que diz respeito à aplicação – no mesmo Feito, atingindo tão somente situações de outros Processos, sempre que se refiram a Organização Criminosa. Essa parece ser a única forma de conciliar estes dispositivos referentes à delação premiada.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Batlouni Mendroni
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia