Resumo: Esse artigo destina-se a refletir sobre os próximos caminhos da Democracia na América do Sul na Pós-Modernidade. O Direito precisa acompanhar a categoria anteriormente citada a fim de preservar a Dignidade da Pessoa Humana no decorrer do tempo. Essa combinação permite observar se o Populismo pode vir a ser a próxima etapa de amplitude aos espaços democráticos no referido continente.
Palavras-chave: Democracia-Direito-Populismo-América do Sul- Pós-Modernidade
Abstract: This article intends to discuss the next path on South American’s Democracy in Postmodernity. The Law needs to follow the above-mentioned category in order to preserve the Human Dignity over time. This combination allows us to observe whether Populism might be the next step to new democratic spaces in this continent.
Key-words: Democracy-Law-Populism-South America – Postmodernity
Sumário: Introdução; 1. Democracia: momento de recomposição na pós-modernidade. 2. Direito: momento de regeneração na pós-modernidade; 3. Populismo: caminhos democráticos para a américa latina na pós-modernidade. 4. Considerações finais. Referências.
“[…] A democracia será impossível se um ator se identificar com a racionalidade universal e reduzir os outros à defesa da própria identidade particular.” Alain Touraine (1996, p. 188)
INTRODUÇÃO
A Pós-Modernidade sugere tempos de Metamorfose. Democracia e Direito são categorias as quais precisam ser compreendidas como momentos de, respectivamente, recomposição e regeneração no continente latino-americano. Essas duas proposições são necessárias para se resgatar e aperfeiçoar os atores sociais como responsáveis pelas suas decisões cuja convergência é a integração entre os diferentes povos que habitam a América do Sul.
Por esse motivo, o Populismo pode aparecer como proposta na qual permite esse cenário de desenvolvimento no referido continente. Quando se observa a ressemantização da categoria anteriormente mencionada, percebe-se que existem condições – sociais, políticas e culturais – suficientes para que haja essa transfiguração de amplitude democrática entre os povos latino-americanos.
O critério metodológico utilizado para essa investigação e a base lógica do relato dos resultados apresentados, segundo Pasold (2011, p. 87) reside no Método Indutivo[1]. Na fase de Tratamento dos Dados[2], utilizou-se o Método Cartesiano[3] para se propiciar indagações sobre o tema e a necessidade de se refletir se o Populismo será o próximo caminho do Direito e Democracia na América do Sul nesse início de Século XXI.
O problema desta pesquisa pode ser descrito na seguinte indagação: O Populismo é a próxima etapa de aperfeiçoamento da Democracia e Direito na preservação da Dignidade da Pessoa Humana? A hipótese para essa pergunta desvela-se pelos compromissos dessas categorias na tentativa de estabelecer novos significados à participação política dos seres humanos nas tomadas de decisões públicas.
As técnicas utilizadas nesse estudo serão a Pesquisa Bibliográfica[4], a Categoria[5] e o Conceito Operacional[6], quando necessário. Outros instrumentos de Pesquisa, além daqueles anteriormente mencionados, poderão ser acionados para que o aspecto formal desse estudo se torne esclarecedor ao leitor.
Para fins deste artigo, buscaram-se, também, outros autores que apresentam diferentes percepções sobre o tema em estudo para elucidar o(s) significado(s) e contexto(s) de determinadas categorias apresentadas nesta pesquisa.
DEMOCRACIA: MOMENTO DE RECOMPOSIÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE
A Democracia, segundo o pensamento de Touraine, precisa aliar diversidade cultural e utilização da Razão[7]. O regime democrático[8] vive, hoje, momento de degeneração. A clausura proposta ao Cidadão pelos seus direitos de nacionalidade e direitos políticos cria uma condição assimétrica nessa categoria em estudo para se tornar eficaz[9] a pluralidade da participação[10] dos seres humanos nas decisões[11] nacionais ou aquelas que estão além dos limites territoriais do Estado-nação[12].
A Democracia não pode se concentrar nas oligarquias, nos poderes autoritários ou tampouco na Economia[13] desterritorializada. É incompatível com formas de solidariedade vertical – propostas pelas legislações nacionais – como único impulso a garantir coesão entre os cidadãos. O desafio da categoria em estudo é busca pela harmonia entre Liberdade[14] e Igualdade[15]. O equilíbrio entre as duas expressões mencionadas impede os abusos, as ações desmedidas quando se exerce o Poder[16].
Democracia, conforme o pensamento de Touraine (1996, p. 62), é esse Princípio com dupla face: “[…] chama-se liberdade quando insiste sobre a limitação do poder de Estado e igualdade quando define mais diretamente um princípio de resistência à partilha desigual dos recursos econômicos ou políticos.”. Percebe-se, segundo o mencionado autor (1996, p. 62) que não basta se garantir, por meio da legislação, formas de resistência contra o uso desmedido do Poder pelo Estado. Essa ação não é suficiente para caracterizar a citada entidade como democrática. O único limite ao Poder do Estado são os Direitos Fundamentais[17].
A advertência de Touraine (1996, p. 61) precisa ser compreendida nesses tempos de transição histórica: “[…] Só existe democracia quando o Estado está a serviço não somente do país e da nação, mas dos próprios atores sociais e de sua vontade de liberdade e responsabilidade.”. O regime democrático persevera na cooperação que surge entre as diferenças humanas. A ausência da pluralidade de diálogos suscita a força, a violência, as misérias nas quais se originam dos vínculos de Responsabilidade comuns entre Estado e os seres humanos.
Para o citado autor, a categoria em estudo neste item – Democracia – precisa recompor o mundo. Quando se intensificam os meios de comunicação, a proximidade se torna virtual e transfronteiriça, observa-se a passagem de encontro entre o Ego e o Alter, o “Eu” e o “Outro”. O espaço democrático é, por excelência, o lugar do reconhecimento. Essa é a exigência histórica do século XXI: a unidade está na diversidade humana em todo o território terrestre.
Os criadores das repúblicas e economias produzidas na Modernidade, rememora Touraine (1996, p. 188), não conseguiam estabelecer um vínculo antropológico comum, um vetor de integração capaz de convergir esforços para o aperfeiçoamento desse espaço plural e dialogal. Ao contrário, observavam-se dois grupos bem opostos: de um lado, a elite dos machos adultos e educados, geralmente proprietários de fábricas ou terras. De outro, surge a multiplicidade de pequenos grupos, inferiores aos primeiros citados, desprovidos de Educação.
Essa postura criou um cenário de acentuada indiferença. Ninguém se torna responsável pelas suas ações ou decisões porque existe alguém – o Estado ou grupos oligárquicos – que retira essa carga de tensão daqueles que foram desprovidos de Educação[18] quando decide por esses seres humanos.
Verifica-se que a ausência dessa postura responsável em cada Ser humano mostra – para o primeiro grupo do parágrafo anterior – a sua incapacidade de governarem suas vidas por seus próprios meios. Tornam-se, segundo Touraine (1996, p. 188), escravos de suas paixões, de sua comunidade ou das suas necessidades.
A concentração de Poder e a fragmentação dos espaços públicos – leia-se: sua diluição – enfraquece qualquer regime democrático. O citado autor (1996, p. 188) rememora que a Democracia somente se torna possível quando houver o reconhecimento do Outro como a si próprio, ou seja, uma combinação de universalismo com o particularismo.
A abertura às diferentes culturas disseminadas no território terrestre demonstra a fragilidade dos laços humanos e, numa metáfora, age como o sal e liquefaz o orgulho criado pelo sentimento de pertença nutrido pelo Estado-nação. As ameaças comuns para todos evidenciam a necessidade de se consolidar o nosso vínculo antropológico.
Precisa-se, sob o ângulo de nossa Humanidade, aperfeiçoar as Relações Humanas[19] democráticas no planeta e criar novas instâncias mundiais para se preservar, disseminar e ampliar os espaços democráticos. O exemplo – e primeiro passo – para se consolidar esse cenário é a Transnacionalidade[20].
O reconhecimento do Outro como modo de integração humana e democrática pode ser sintetizado na expressão de Morin (2010, p. 180) unitas multiplex. A unidade desejada forma-se na (e pela) diversidade das experiências, culturas e diálogos entre todos no planeta. Os limites territoriais nacionais precisam ser ampliados pelos vínculos antropológicos comuns circunscritos no legado humano presente em cada indivíduo.
Na Pós-Modernidade, busca-se a Democracia Hologramática, ou seja, a partir do Princípio Hologramático no pensamento de Morin (2005, p. 207), a categoria em estudo neste item difunde-se como o topos do diálogo, do re-encontro, da des-coberta da Humanidade que nos aproxima. Unidade e diversidade são, segundo o pensamento de Touraine (1996, p. 193), interdependentes para o aperfeiçoamento do regime democrático.
A recomposição do mundo, a busca pela ação democrática conforme o Princípio Hologramático, precisa associar a Razão à Liberdade e criatividade. Essa combinação dialogal possibilita ir além das identidades forjadas pela postura etnocêntrica dos Estados-nação. A escravidão do mundo pela máquina industrial cria novas formas de resistência democrática contra aquilo que desumaniza. É preciso reencantar[21] esse momento de transição histórica.
A Democracia, para Tourainen (1996, p. 193), é a expressão na qual se torna responsável pelo reencantamento do mundo. O retorno à pluralidade de diálogos, a abertura para as diferenças culturais permite a desejada integração humana em todo o território terrestre. A Democracia Hologramática representa esse movimento no qual a imagem da categoria em estudo neste item está inscrita em todos nas suas diferenças as quais estabelecem o aperfeiçoamento democrático pela complementaridade. Pode-se sintetizar essa condição na frase: “um em todos, todos em um”.
Segundo o mencionado autor (1996, p. 194), essa é a reabilitação, a recomposição do mundo por meio daqueles fenômenos considerados como contingentes, marginais, arcaicos ou irracionais. O re-encontro da certeza com a incerteza, da ambigüidade entre o “Eu” e o “Tu” formam novas cartografias cujo terreno é pantanoso. A perseverança é a força que anima essa recomposição democrática do planeta.
As palavras de Touraine (1996, p. 194) esclarecem:
“Não se trata aqui de um cálculo racional que recomendaria a tolerância e a benevolência para os mais desprovidos de recursos materiais, psicológicos ou culturais, como se fosse preciso procurar criar o menor número possível de desigualdades para evitar determinadas situações verdadeiramente perniciosas, mas de um princípio, ou seja, a busca do sujeito, que se manifesta nas tentativas de ser sujeito nas situações mais desfavoráveis à ação livre responsável. É preferível atenuar a carga que esmaga os mais desprovidos, em vez de proteger ainda os que são e se sentem ameaçados. A democracia é julgada, quase sempre, pela sua capacidade para decidir contra o desejo da maioria.”.
O resgate da Responsabilidade à ação democrática dissemina essa abertura dialogal entre todos na Terra. O reconhecimento do Outro ratifica o vínculo antropológico comum como resistência e indignação contra o exercício desmedido da Razão e Liberdade. Os esforços da Democracia convergem para estabelecer a Paz no planeta, para recompor a unidade a partir da diversidade humana.
O exemplo de Touraine (1996, p. 195) sobre os imigrantes ilustra a dificuldade de se estabelecer a Democracia Hologramática. Segundo o citado autor, a integração dos imigrantes em outras culturas não ocorre de maneira pacífica quando esses se fundem às massas nacionais. Todo imigrante possui, no seu legado cultural, um elemento comum, compatível à identidade cultural do Estado-nação no qual se encontra.
Por esse motivo, esse Ser humano precisa ser reconhecido, dentro dos limites territoriais nacionais, pela sua diferença a fim de aperfeiçoar, enriquecer o território que, agora, habita. Esse é um ambiente democrático fundado no Princípio Hologramático.
Na América Latina, esses argumentos encontram terrenos férteis para consolidarem novos ambientes de recomposição democrática das Relações Humanas no citado continente. Entretanto, a vitória sob recentes regimes ditatoriais não conseguiu superar as dificuldades históricas caudas pelos efeitos da ação modernizadora. Intensificou-se a ação econômica e empreendedora, mas negou-se, muitas vezes, a proteção para aqueles nas quais não conseguem viver sob as regras da modernização.
Países como Brasil[22] e México conheceram, conforme o pensamento de Touraine (1996, p. 245/246), a natureza dos Estados bismarckianos nacionalistas, porém o modelo adotado nesses locais foi mais fraco: trata-se de um Estado redistribuidor de recursos estrangeiros apoiados por uma classe média que vive dessa dependência. Esse Estado não diferencia atores sociais de atores corporativos. A fragilidade dessa diferença e a sua indistinção disseminam o clientelismo e a corrupção.
A tarefa mais difícil na América Latina é criar atores sociais responsáveis pelas suas decisões e capazes de fundar a harmonia democrática para além dos interesses segmentários e econômicos[23]. A unidade social e política nascem pela compreensão de seu vínculo antropológico comum e não das diferenças as quais segregam os esforços para constituir esse cenário humano sustentável. Sob semelhante argumento, adverte Touraine (1996, p. 250):
“É preciso afirmar que a democracia está associada ao desenvolvimento auto-sustentado, mas é preciso também saber reconhecer a presença da ação democrática até mesmo nos lugares onde a pobreza, a dependência e crises políticas internas enfraqueceram, ou provisoriamente destruíram, as instituições democráticas. É preciso procurar as vias de democratização nos países em, desenvolvimento exógeno e, até mesmo, nos que estão envolvidos em um processo de subdesenvolvimento. […] A América Latina está dividida entre os países que estão desenvolvidos pela violência, corrupção e economia clandestina e cujo sistema de representação política é incapazes de administrar as relações entre interesses que se tornaram estranhos uns aos outros e, por outro lado, os países cujo sistema político se reconstruiu e mostrou o seu vigor. Na América Latina, assim como na Europa pós-comunista, o sucesso da reconstrução pós-autoritária dependerá não dos movimentos populares ou da lógica da economia, mas do funcionamento do sistema político.”.
A América Latina precisa recompor seus cenários democráticos ao resgatar atores sociais capazes de, por meio da Educação, convergirem esforços para o aperfeiçoamento das Relações Humanas no sistema político. A orientação não será provida exclusivamente pela Economia, mas pelos vínculos antropológicos comuns de Responsabilidade entre todos, especialmente nas relações entre o Estado e os seres humanos.
Por esse motivo, a Democracia ainda representa essa amplitude hologramática de abertura dialogal às diferenças humanas que habitam todo o território terrestre. Não obstante se observe acentuadas dificuldades educacionais, científicas, econômicas, políticas, jurídicas, sociais, culturais, entre outros nesse período de transição histórica, é necessário compreender o projeto desenhado pela cartografia democrática para a integração de todos, desde a continental à planetária.
A Democracia representa tempo de recomposição, mas precisa de outro complemento: o Direito. Nessa categoria citada e estudada sob o ângulo da Pós-Modernidade, percebe-se um momento de regeneração. A partir desses argumentos, é possível que o Populismo surja como resposta adequada para compor esse cenário social e político desejado no tempo mencionado anteriormente? A resposta parece, ainda, nebulosa.
DIREITO: MOMENTO DE REGENERAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE
A Democracia é o momento de recomposição das Relações Humanas na América Latina. A categoria inicialmente mencionada Refere-se às mudanças educacionais, sociais, políticas, jurídicas, científicas e tecnológicas as quais poderão trazer novas perspectivas de integração entre os diferentes povos que habitam o citado continente. Entretanto, é preciso que as mudanças democráticas ocorram junto com o Direito a fim de se preservar o mínimo existencial nesse período de transição histórica denominada Pós-Modernidade.
O que é a Pós-Modernidade? A Modernidade conseguiu cumprir seus objetivos sociais, políticos e econômicos? E o Direito? Como essa categoria se caracteriza no referido período histórico? Essas indagações são necessárias para se compreender o porquê do Direito sofrer uma Metamorfose no século XXI.
A Pós-Modernidade não pode ser caracterizada como o próximo estágio histórico da humanidade. Sob semelhante argumento, a nomenclatura utilizada é precária. A Modernidade não cumpriu seus objetivos sociais, econômicos, políticos e culturais, tampouco se encerrou como momento da História. O seu projeto está enraizado em todas as nações ocidentais. É difícil predizer o fim da Modernidade, embora autores como Gianni Vattimo, Michel Maffesoli, Edgar Morin, entre outros, já sustentaram esse argumento.
Contudo, observa-se que a integralidade das idéias promovidas pela Modernidade não consegue, no século XXI, criar a unidade humana desejada. As mudanças que habitam todo o território terrestre evidenciam a necessidade de uma Metamorfose[24]. A Democracia precisa mudar. A proteção dessa categoria anteriormente citada precisa, também, do Direito que compreenda esse ir e vir, a ambigüidade dialogal própria da Pós-Modernidade que ocorre nas galerias subterrâneas e silenciosas do cotidiano.
A síntese desse período pode ser descrita nas palavras de Bittar (2009, p. 146):
“[…] A pós-modernidade é, por isso, como movimento intelectual, a crítica da modernidade, a consciência da necessidade de emergência de uma outra visão de mundo, a consciência do fim das filosofias da história e da quebra das grandes metanarrativas, demandando novos arranjos que sejam capazes de ir além dos horizontes fixados pelo discurso da modernidade. Ao mesmo tempo, como contexto histórico, a pós-modernidade é sintoma de um processo de transformações que estão profundamente imersas em uma grande revolução cultural, que desenraiza paradigmas ancestralmente fixados.”.
A partir desses argumentos, pode-se observar a Pós-Modernidade como estado histórico transitivo. Os fenômenos sociais, políticos, jurídicos, econômicos, científicos, educacionais, tecnológicos, entre outros, se tornaram interdependentes e complexos. As respostas simplificadoras, imediatas, não conseguem explicar, de modo razoável, as ameaças comuns no planeta. Os paradoxos deixaram de serem contingenciais, marginais e reivindicam seu lugar num mundo criado pelo domínio calculável, das certezas imutáveis e a deificação da Razão Instrumental[25].
O Direito na Pós-Modernidade surge como força na qual regenera a Democracia. Essa última categoria citada recompõe, nesse estudo, a América Latina e cria cenários favoráveis à integração. Sabe-se dos desafios as quais precisa enfrentar, especialmente sobre o subdesenvolvimento e a formação de atores sociais mais solidários e participativos, ou seja, responsáveis por si e por todos, ao mesmo tempo. Por esse motivo, o Direito regenera a Democracia na medida em que sua estratégia de recomposição indefinida no tempo se torna protegida, preservada dos interesses enunciados pela Razão Instrumental[26].
O Direito, estudado sob o ângulo da Cultura[27] e da Norma Jurídica[28], pode trazer ordem e proteger a desejada integração humana na América Latina? Se a resposta for indicada pela ideologia da Modernidade, a cartografia democrática no citado continente poderá ser mais dificultosa. A incompreensão ou indiferença sobre a efervescência das mudanças historicamente exigidas em todo o território terrestre prejudica qualquer intenção de aperfeiçoamento humano no continente já mencionada nesse parágrafo.
O Direito, sob o ângulo da ordem na Modernidade, revela domesticação, ou seja, uma projeção de estabilizar as Relações Humanas conforme seus interesses. Novamente, observa-se a ação desmedida (e insistente) da Razão Instrumental. Segundo Bittar (2009, p. 53/54), essa é arquitetura do mundo. A dominação, o cálculo, a configuração, a organização e o planejamento tornam-se atitudes nas quais imperam sobre o mundo da incerteza, da ambigüidade, da falibilidade humana.
A projeção da Razão Instrumental ordena o mundo para controlá-lo, submetê-lo às necessidades humanas conforme seus interesses. Utilidade, precisão métrica e interesse são os eixos gravitacionais da Modernidade que inspiram a criação de instituições as quais funcionam para trazerem ordem às nebulosas Relações Humanas[29]. Os exemplos dessas instituições aparecem sob os nomes de burocracia, planejamento urbano, ordenamento jurídico, ciência empírica, censos demográficos, entre outros, segundo as palavras de Bittar (2009, p. 54).
Quando o fundamento da ordem revela-se pelo ideário da utilidade para promover o bem-comum de todos, a Razão Instrumental manifesta-se por meio da ação estatal burocratizada, a qual impõe os limites não apenas de organização do espaço, do tempo (trabalho), da Economia, da Cultura, do comportamento social, mas de como (con)viver.
O Direito constituído sob o ângulo da Razão Instrumental, da Utilidade, cria ordem, torna homogêneas as Relações Humanas, em outras palavras, se transforma na antítese da Democracia – cujo desejo é recompor a unidade pelo reconhecimento da diferença. Num mundo constituído por equações, o Direito se torna ineficaz. Se essa última categoria citada se torna força regeneradora da Democracia significa que existe a necessidade do diálogo perene entre certeza e incerteza, plenitude e falibilidade.
As palavras de Bittar (2009, p. 55/56) esclarecem esse cenário de acentuada quantificação e objetificação dos seres humanos nessa transição da Modernidade para outro período histórico no qual começa a desenhar sua cartografia:
“A ordem é somente a expressão da racionalidade, projetada para as diversas dimensões da economia, da cultura, do comportamento social, do saber médico, etc. Medir o mundo é dispô-lo numa ordem que convém aos olhos do espírito moderno. Não se afugentar diante dos destinos pré-atribuídos às coisas (pela natureza ou por Deus), mas determinar as coisas pelo seu próprio destino, reconstruindo o mundo numa malha profunda de interesses humanos. Em suma, a ordem é a escravidão das coisas às vontades humanas, ma medida em que estas convêm, e enquanto convêm. Onde não há ordem, há ambivalência, ou mesmo o caos, e o caos é o descontrole incompreendido pela razão, que tudo ordena e tudo calcula.”.
O Direito na Pós-Modernidade projeta a ordem pela compreensão da Alteridade[30], da diferença que habita em todos os povos latino-americanos. A eliminação da ambivalência, segundo Bittar (2009, p. 57), desestabilizou a crença das verdades atemporais que a Modernidade disseminou no seu projeto civilizacional[31]. Sem a função transformadora das utopias[32] nesses tempos de profundo vazio axiológico, é improvável que o Direito na Pós-Modernidade possa ser conjugado à Democracia como espaço de regeneração e recomposição das Relações Humanas na América Latina.
Por esse motivo, o Direito não pode ser considerado sinônimo de Norma Jurídica a fim de propor a ordem democrática. A Democracia exige ambivalência, diferença, pluralidade e não a homogeneização das relações intersubjetivas. Se o Direito é incapaz de compreender essa premissa, não conseguirá visualizar, e tampouco proteger, os novos fenômenos humanos capazes de promove e disseminar a Dignidade[33].
A ordem proposta pelo Direito na Pós-Modernidade não pode incitar à eliminação do “lado feio da vida”. Eliminar o erro, a ambivalência, significa extirpar àquilo que confere significado à práxis do existir sob o ângulo de nosso sentimento de Humanidade. A homogeneização proposta pelo Direito como forma de ordenar o caos precisa reconhecer os limites de sua própria ação sob pena de não se reconhecer como manifestação humana na qual promove a Paz, mitiga os conflitos e preserva o mínimo existencial para todos.
Os desafios históricos para se empreender a integração humana democrática na América Latina são muitos. Precisa-se, como já afirmou, num primeiro momento, resgatar a Responsabilidade, o vínculo antropológico comum a fim de se ter, continuamente, atores sociais conscientes de sua participação para se estimular uma geografia continental dialogal,cujos esforços convergem para o aperfeiçoamento de todos e do sentimento de Humanidade inscrito na projeção hologramática “um em todos, todos em um”.
A partir desses argumentos, e ao conjugar a Democracia com o Direito, é possível observar que o Populismo apareça como espaço dialogal democrático no qual a Consciência Jurídica[34] atinge grau acentuado de maturidade para orientar, na América Latina, a unidade presente na diversidade cultural de seus povos? A primeira tarefa para se responder essa indagação inclina-se na desconstrução da categoria Populismo.
POPULISMO: CAMINHOS DEMOCRÁTICOS PARA A AMÉRICA LATINA NA PÓS-MODERNIDADE?
A categoria Populismo será estuda nesse item a partir do pensamento de Dussel, conforme sua Tese n. 3[35]. A terceira Tese do referido autor demonstra que é necessário ressemantizar a categoria Povo. O “popular”, na concepção de Dussel (2007, p. 5), não é o “populista”, nem ontem, nem hoje. Essa diferença é necessária para se compor uma Filosofia Política latino-americana, ou seja, ser “popular” é diferente de “populista”. Sob semelhante argumento, Povo é distinto de Populismo.
Desde a década de 1960, o citado autor evidencia suas tentativas em diferenciar as categorias Povo e Populismo por serem ambíguas e possuírem um duplo sentido. A primeira expressão mencionada na linha anterior – Povo – não se exaure pelos limites territoriais desenhados pelo Estado-nação.
Povo não se confunde com a comunidade política nacional porque essa, geralmente, é dirigida por classes dominantes as quais, muitas vezes, escolhem os destinos políticos da primeira categoria citada nesse parágrafo[36]. Quando o consenso se torna ausente, a classe social, inicialmente dirigente, se torna dominante. Nesse momento, surgem as repressões, as proibições, as ameaças e desestabilizações contra todos e o Direito no qual assegura proteção mínima existencial. Inicia-se a crise de legitimidade decorrente dessa hegemonia proposta pela dominação do Poder.
Dussel (2007, p. 7) destaca que a categoria política Povo não pode ser confundida com o aspecto econômico de classe:
[…] La clase obrera es el conjunto de los sujetos del “campo económico” que son subsumidos por el capital transformándolos en trabajadores asalariados que producen realmente (formal y materialmente) el plusvalor de las mercancías. El “campo político” debe distinguírselo formalmente del “campo económico” –la confusión de ambos campos es una de las falencias de una cierta extrema izquierda economicista-. Las categorías de un “campo” no deben atribuirse ni usarse ligera ni superficialmente en el otro, aunque siempre determinan (a su manera, material económicamente o formal políticamente) a las del otro campo. La “clase obrera” es una categoría económica esencial del capital, que cuando entra en el campo político puede o no jugar una función con mayor o menor importancia, según sea el desarrollo económico o político del caso coyunturalmente analizado.
Confundiu-se na América Latina, segundo o pensamento de Dussel (2007, p. 7), o Populismo periférico incitado pelo Capitalismo[37] ao fascismo europeu do século XX. Esse foi um erro teórico que ocorreu pela falta de definição da categoria Populismo[38] compreendida no período do Capitalismo periférico pós-colonial na América Latina.
A ausência de um ambiente democrático, constituído pelo Direito a fim de se preservar condições mínimas para que haja a integração desejada no continente latino-americano, reforça a insistência histórica das classes dirigentes tornarem-se dominantes. A categoria política Povo, segundo o pensamento de Dussel, aparece como novo objeto teórico da Filosofia Política da América Latina já que representa vetor de participação e Responsabilidade, de modo semelhante à proposição da classe obreira.
Historicamente, pode-se observar que o Povo pode se sujeitar aos interesses de uma comunidade política, inserida num Estado de Direito[39], cuja legitimidade de suas decisões caracteriza-se pela ausência de consenso. Trata-se de uma obediência passiva. A leitura da obra de Dussel (2007, p. 8) evidencia que quando esse Povo abandona essa passividade, ou seja, torna-se “Povo para-si”, inicia-se a rebelião contra essa hegemonia (im)posta. Surgem os movimentos sociais nos quais buscam alternativas de promover a Dignidade para todos, inclusive sob a forma de Direitos Fundamentais[40].
A partir desses argumentos, Dussel rememora essa necessidade de se reivindicar a participação de todos, o resgate de sua Responsabilidade, por meio dos diversos movimentos sociais para abandonar o significado de Povo como “bloco de oprimidos”. Para o autor (2007, p. 9):
Todos los movimientos sociales, la Di-ferencia, no suman toda la población que constituye el “pueblo”. El pueblo es mucho más, pero esos movimientos son el “pueblo para-sí”, son la “conciencia del pueblo” en acción política transformadora (en ciertos casos excepciones, revolucionaria). De todas maneras son el tejido activo intersticial que une y permite hacerse presente como actor colectivo en el campo político al “bloque social de los oprimidos y excluidos”, que siempre son la mayoría de la población.
Aos poucos, a comunidade política – ou a Nação – cede espaço ao Povo. A participação cada vez mais solidária e responsável começa a modificar a geografia política, jurídica, econômica, educacional, ambiental da América Latina. Essa postura se intensifica na medida em que o poder hegemônico[41] estabelecido pelas comunidades políticas nacionais promove condições de vida insuportáveis para todos, conforme esclarece Dussel (2007, p. 10).
O pensamento do autor anteriormente citado (2007, p. 10) mostra como o abandono da postura hegemônica criada pela comunidade política estimula à participação democrática para se conquistar as utopias carregadas de esperança do conviver:
“Pueblo” sería así el acto colectivo que se manifiesta en la historia en los procesos de crisis de hegemonía (y por ello de legitimidad), donde las condiciones materiales de la población llegan a límites insoportables, lo que exige la emergencia de movimientos sociales que sirven de catalizador a la unidad de toda la población oprimida, la plebs, cuya unidad se va construyendo en torno a un proyecto analógico-hegemónico, que incluye progresivamente todas las reivindicaciones política, articuladas desde necesidades materiales económicas.
A concepção de Povo, segundo o citado autor, precisa ser compreendida como projeto que assume as semelhanças – históricas, culturais, ambientais, axiológica – antropológicas entre os seres humanos, mas não crie uma identidade universal unívoca. A leitura da obra de Dussel denota que a participação democrática própria do Povo não exaure seus significados numa postura etnocêntrica solipsista.
Sob semelhante argumento, a mencionada definição reconhece, também, as distinções analógicas, as particularidades de cada movimento social no qual contribuem para a práxis democrática habitual do Povo contra poderes hegemônicos os quais não foram legitimados para exercer o Poder para todos. Existe, nessa definição, um ir e vir dialogal entre universalismo e particularismo.
Por esse motivo, a expressão “populista” é incompatível com a categoria política Povo. Aquela se refere ao Populismo histórico, cuja disseminação é proveniente do sentimento cultural forjado pelas comunidades políticas nacionais. Tratam-se dos interesses de pequenos grupos os quais não representam a vontade daqueles que são “dominados” pela sua atuação[42].
Se a expressão “Populista” é compatível com o “Populismo” histórico após a década de 1930, de modo contrário, pode-se observar que a expressão “Popular” é compatível com “Povo”. Essas duas últimas categorias não representam, segundo Dussel (2007, p. 11/12), a totalidade da comunidade política, mas são denominados como “o resto”. Percebe-se que os “marginais” desse cenário antidemocrático, por meio da participação e Responsabilidade, reivindicam – e irão redimir – toda a comunidade na qual os seres humanos estão inseridos.
A América Latina possui, por meio de se desenvolvimento histórico, fortes tendências ao Populismo incentivado pela comunidade política nacional. Entretanto, as exigências culturais da Pós-Modernidade exigem que os diferentes povos desse continente ampliem seus horizontes democráticos por meio de seus projetos populares, orientados pelo consenso do Povo. A unidade humana continental desejada constitui-se, insiste-se, pela diferença – cultural, educacional, econômica, política, jurídica – a qual habita cara território.
Quando o Direito é produzido pela Consciência Jurídica desses povos, proveniente da Responsabilidade de suas decisões, do aperfeiçoamento social de sua participação em cada local (incremento dos atores sociais), a legitimidade do Poder passa a ser compartilhada para se constituir o momento presente e futuro desejados. A Utopia democrática recompõe o Populismo como espaço dialogal da unidade latino-americana presente na diferença humana e o Direito regenera, indefinidamente no tempo, as condições de exercício e exigência de um mínimo existencial razoável capaz de assegurar Dignidade para todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Populismo surge como vertente que, teoricamente, pode assegurar novos cenários de amplitude democrática, desde que saiba promover os diálogos de resgate à solidariedade, Responsabilidade e proximidade entre as diferentes culturas que habitam todo o continente latino-americano. Trata-se de uma sinfonia inacabada. A Alteridade reivindica, por meio da Democracia, os espaços de re-encontro com o Outro no silêncio das galerias subterrâneas do cotidiano.
Direito e Democracia podem ser caracterizadas como, respectivamente, momentos de recomposição e regeneração na América Latina. Trata-se de promover a Paz entre os povos na medida em que suas diferenças se tornam o vetor de integração para compreender as ameaças comuns as quais dificultam a superação de obstáculos históricos ao desenvolvimento entre todos.
A Pós-Modernidade sugere às duas categorias anteriormente citadas que reivindiquem possibilidades de vida para todos, desde que haja o aperfeiçoamento das relações intersubjetivas em todo o território continental. Percebe-se que não é suficiente a busca de uma Democracia e Direito as quais preservem significados etnocêntricos incapazes de reconhecer o Outro pelo vínculo antropológico comum. Esse “Rosto” alheio não é um inimigo, tampouco aparece para desestabilizar a ordem proposta nos limites territoriais nacionais. A sua presença torna-se indispensável à Educação democrática.
Por esse motivo, a categoria Povo, segundo a proposição de Dussel, é incompatível com o “Populismo” que se funda a partir dos sentimentos nacionais fechados e hegemônicos da comunidade política. Como se torna possível ampliar o horizonte democrático protegido pelo Direito quando os interesses não são comuns? A Razão Instrumental, novamente, triunfaria para tornar desmedido o diálogo axiológico entre meios e fins para se buscar uma resposta razoável aos seres humanos? Existiria Dignidade fora desses interesses os quais gravitam em torno de poucos, de pequenos grupos sociais? Que espécie de ordem criada pelo Direito pode mitigar os conflitos quando se indispõe a vivenciar, democraticamente, as dificuldades humanas históricas?
A resposta para todas essas indagações somente se des-velam quando se compreender que a busca pela Democracia e Direito – por meio de um Populismo aberto, plural e dialogal – ocorre pela transfiguração histórica de pertença ao sentimento de Humanidade. Essa é a Utopia na qual renova, recompõe e regenera a aplicação da Democracia Hologramática inscrita na frase “um em todos, todos em um”.
Informações Sobre o Autor
Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino
Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.. Especialista em Administração pela Universidade Independente de Lisboa – UNI. Integrante do Grupo de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado – da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI: Fundamentos Axiológicos da Produção do Direito e do Grupo Interdisciplinar em Desenvolvimento Regional, Contingência e Técnica da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Professor do Instituto de Ensino Superior da Grande Florianópolis – IES, da Associação de Ensino Superior de Santa Catarina – ASSESC, da Faculdade Santa Catarina – FASC e do Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE.