Democracia: Um resumo

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Resumo: O presente estudo objetiva expor de maneira sucinta e objetiva o conteúdo cultura abrangido pela idéia de democracia, criando um ‘panorama conceitual geral’ que contribua na melhor compreensão do elemento democrático inserido no chamado Estado Democrático de Direito. Para tanto, aborda-se a democracia sob diferentes vetores, adentrando, inclusive, na questão da existência de pressupostos à democracia e seus eixos de desenvolvimento, pontos essenciais à sua contextualização pós-moderna.


Palavras-chave:democracia; resumo; idéia; vetores; direito.


Abstract: The present study aim to expose in a fast and objetive way the cultural content in the democracy idea, creating a ‘general conceptual landscape’ that could contributes in the best understanding of the democratic element inserted in the called Right Democratic State. For this, democracy is analyzed under different vectors, investigating, also, the question of existence of prerequisites to democracy and its axles of development, essential points to its current contextualization.


Keywords: democracy; summary; idea; vectors; law.


Sumário: 1. Introdução; 2. Uma forma de governo; 3. Um regime de governo; 4. Um sistema de governo; 5. Uma ideologia; 6. Um complexo de valores; 6.1. Democracia e liberdade; 6.2. Democracia e igualdade; 6.3. Democracia e fraternidade; 7. Um direito fundamental; 8. Pressupostos?; 9. Dicotomias da democracia; 10. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO


Diz-se que as palavras transportam experiência. E, de fato, são as palavras o meio mais comum de expressar uma idéia, um sentimento, uma emoção, enfim, uma experiência humana, seja ela uma realidade vivida empiricamente ou um exercício transcendental da razão (ou emoção) humana. Portanto, são as palavras portadoras de um conteúdo indispensável ao conhecimento do próprio homem e suas obras.


Assim, não é de hoje que se fala em ‘demokratia’. Poucos, no entanto, procuram conhecer ou compreender melhor o seu significado. Talvez muitos ‘sintam-na’, numa espécie de juízo a priori, terminando por declamar instintivamente o célebre conceito de Lincoln: ‘o governo do povo, pelo povo e para o povo’ – uma colocação muito corrente, mas que parece redundar em um misticismo nada elucidativo.


Outrossim, sabe-se que a denominada Constituição Cidadã teve como grande missão, sob o ponto de vista político, jurídico e histórico, qualificar a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito. O qual, aliás, segundo a lição de José Afonso da Silva, não decorre da mera colação formal do Estado de Direito com o Estado Democrático, mas “consiste, na verdade, na criação de um conceito novo”, superior[1]. Daí porque toda e qualquer análise sobre o Estado Democrático de Direito ou a Constituição de 1988 implica necessariamente em compreender o elemento democrático neles contido.


Tendo isso em mente, há que se considerar ainda que a democracia não é conceito unívoco, podendo ser analisada sob diversos vetores – o que pode criar confusão entre os interlocutores menos atentos. Par tal motivo, é de se deixar claro que o presente trabalho versará resumidamente sobre a idéia de democracia enquanto: forma de governo, regime de governo, método, sistema de governo, valor e, finalmente, direito fundamental.


No que toca o tratamento quanto a forma, regime e sistema de governo, a bem do rigor científico, desde já opta-se pela distinção gnosiológica trazida por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, segundo qual: “o regime fica no plano do ser, espelha uma realidade, ou, quando o estudo é comparativo, um padrão de realidade. Já o sistema se situa no campo do dever-ser, constitui um modelo normativo. Por fim, a forma está no nível da essência”[2].


2. UMA FORMA DE GOVERNO


As formas de governo são basicamente objeto da filosofia política já que cuidam de modelos ideais, absolutos, essenciais. Neste plano, portanto, a democracia é vista segundo seu tipo ideal, de modo a fixar os traços irredutíveis que a caracterizam dentro de um sistema[3].


Dentre as mais clássicas e utilizadas tipologias das formas de governo tem-se as concebidas por Platão, Aristóteles, Maquiavel, Monesquieu e Rousseau. O primeiro[4], atrelou sua tipologia ao número de governantes (monarquia, aristocracia e democracia). Aristóteles[5], a essa acrescentou a classificação quanto aos modos de governar – para o bem comum ou para o próprio bem do governante – tirando daí as formas boas (monarquia, aristocracia e politéia) e as más ou degeneradas (tirania, oligarquia e democracia).


Séculos após, o renascentista Maquiavel[6], com base no critério de número, distingue o governo de um só governante (principado) do de assembléia (república), criando um gênero para o qual a trilogia platônica estabelecia as espécies.


Montesquieu[7], no intuito de distinguir uma monarquia boa (a inglesa) e uma má (a francesa), somente no que toca ao principado maquiavélico, acrescenta a distinção aristotélica quanto ao modo de governar. O francês ainda especifica a ‘mola’ (ou princípio), pelo qual faz agir as diferentes formas de governo: no despotismo o terror, na monarquia a honra, na aristocracia a moderação e na democracia a virtude. Por sua vez, Rousseau[8], retornando à tipologia de Platão, subdivide, quanto à justificação/legitimação, a aristocracia em natural, eletiva e hereditária, e a monarquia em eletiva e hereditária.


Entretanto, a tipologia de formas de governo que se mostra mais proveitosa sob o ponto de vista jurídico e democrático é aquela desenvolvida por Kelsen[9], baseada no modo pelo qual se opera a produção do ordenamento jurídico no Estado de Direito (normogênese). Assim, utilizando-se da distinção kantiana entre normas autônomas e normas heterônomas e da observação (tal qual Gaetano Mosca[10]) de que o poder pode ser ascendente ou descendente, Kelsen concluiu que o ordenamento jurídico pode ser criado e modificado de dois modos, revelando um critério de maior ou menor liberdade política:


De baixo para cima: quando as normas são feitas por aqueles aos quais elas se aplicam. São, portanto, normas autônomas e que caracterizam uma democracia (forma democrática de governo). Nesta, a liberdade política é plena, pois o povo somente se submete às leis que ele mesmo prescreve. O poder político é ascendente, legitimador.


De cima para baixo: quando as normas são feitas por sujeitos diferentes daqueles a quem são destinadas. São, assim, normas heterônomas e que caracterizam o que se chamou de autocracia (forma autocrática de governo). Nesta, a liberdade política é nula, pois os destinatários das leis sobre elas não têm qualquer poder. Aqui, o poder político é descendente, impositor de uma ordem legal não legitimada pelo povo.


O grande trunfo da tipologia de Kelsen é que ela, realizando um exercício lógico, neutro e baseado num critério intrínseco à produção do ordenamento jurídico (instrumento máximo de governo num Estado de Direito), isola a democracia de todas as demais formas de governo e cria uma dicotomia (democracia-autocracia) na qual ela aparece como termo forte.


As formas de governo, todavia, são incapazes de conciliar a perfeição da essência com a realidade prática, motivo pelo qual o estudo dos regimes de governo ganhou cada vez mais relevância. Hoje, costuma-se analisar as formas de governos a partir dos seus modelos mais genéricos: monarquia e república – podendo também lhes acrescentar a forma anárquica.


3. UM REGIME DE GOVERNO


O regime de governo trata da determinação dos elementos referentes a um governo efetivamente praticado, sendo objeto de estudo do sociólogo e do cientista político. Ou seja, a realidade posta e as relações de poder faticamente operadas em dada sociedade. Assim, pode-se dizer que tantos são os regimes quanto são os governos, restando apenas um exercício de aproximação destes a um ou outro tipo ideal (forma de governo); ou mesmo a espécies, como é o caso das democracias direta, indireta, semi-direta, etc. além de formas mistas e derivadas.


Dentre os vários critérios utilizados para classificar os diversos governos existentes, aquele que se mostra mais proveitoso é o que tange ao método de governo, ou melhor, o modo pelo qual se dá a tomada de decisões políticas no Estado. A partir da prática efetiva de um método que se mostre afeto a esta ou àquela forma de governo idealizada, obtém-se um importante indicativo da natureza do regime de governo praticado.


Nesta linha, Bobbio chama de ‘uma definição mínima de democracia’ ou rules of game o conjunto de regras para a formação de decisões coletivas em um regime democrático, regulando preliminarmente o desenrolar da práxis democracia ou ‘jogo democrático’[11]:


“(…) por ‘democracia’ se entende um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) que consentem a mais ampla e segura participação da maior parte dos cidadãos, em forma direta ou indireta, nas decisões que interessam à toda a coletividade. As regras são, de cima para baixo, as seguintes: a) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, religião, condições econômicas, sexo etc., deve gozar dos direitos políticos, isto é, do direito de exprimir com voto a própria opinião e/ou eleger quem a exprima por ele; b) o voto de todos os cidadãos deve ter peso idêntico isto é, deve valer por um; c) todos os cidadãos que gozam dos direitos políticos devem ser livres de votar segundo a própria opinião, formando o mais livremente possível, isto é, em uma livre concorrência entre grupos políticos organizados, que competem entre si para reunir reivindicações e transformá-las em deliberações coletivas; d) devem ser livres ainda no sentido em que devem ser colocados em condição de terem reais alternativas, isto é, de escolher entre soluções diversas; e) para as deliberações coletivas como para as eleições dos representantes deve valer o princípio da maioria numérica, ainda que se possa estabelecer diversas formas de maioria (relativa, absoluta, qualificada), em determinadas circunstâncias previamente estabelecidas; f) nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, em modo particular o direito de tornar-se, em condições de igualdade, maioria.”


Bobbio[12] ainda esclarece que “a democracia como método está sim aberta a todos os possíveis conteúdos, mas é ao mesmo tempo muito exigente ao solicitar o respeito às instituições”. Ou seja, que estas diretrizes de procedimento (‘one man, one vote’, princípio majoritário, etc.) tendem a abarcar qualquer ideologia (conteúdo), desde que respeite o cerne da estrutura política sobre a qual se eleva – as próprias regras do ‘jogo’ democrático.


Portanto, não é só na comparação da realidade posta com o modelo ideal escolhido que se verifica a existência de uma democracia, havendo também um método posto em prática, demonstrando que a democracia pode ser vista numa relação dinâmica e aberta a diferentes conteúdos culturais, interagindo, assim, com a realidade humana e social de dada sociedade. Tal posição leva ao estudo da democracia como sistema de governo.


4. UM SISTEMA DE GOVERNO


O sistema de governo corresponde ao conjunto de normas (princípios e regras) cuja aplicação tende à implantação, transformação ou conservação, em uma dada sociedade, de um regime de governo com vistas a uma forma de governo idealizada. Cuida-se, portanto, de uma seara propriamente jurídica, pois tem por objeto o modelo normativo adequado à consecução prática de um ideal lançado, ou seja, corresponde a um dever-ser.


Diga-se, de início, que sistema democrático e método democrático não se confundem, embora as referências se cruzem: toda prática sistemática exige um método, todavia o método não esgota em si todo o sistema; ou seja, o método traz em si as diretrizes básicas do ‘jogo’, mas cabe ao sistema organizá-las e positivá-las convenientemente com vistas à sua efetiva adaptação e aplicação ao mundo cultural e fenomênico de uma dada sociedade[13].


É através do sistema que as diretrizes trazidas pelo método convertem-se em normas jurídicas dotadas da validade e eficácia necessárias para a fomentação, garantia e proteção do status político almejado. Processo que, de regra, tem índole principiológica e constitucional e que também serve, após, à interpretação e integração da ordem jurídica constituída.


Sob esta linha de raciocínio, o sistema de governo democrático pode ser visto ou sob o viés estático e abstrato (democracia política formal), idealmente concebido; ou sob ponto de vista dinâmico e concreto (democracia política substancial), qual seja, esse mesmo sistema político, já positivado, visto a partir da produção de seus efeitos no plano fenomênico.


 Sabe-se, no entanto, que esta abordagem não é mais suficiente para vislumbrar toda a problemática que a questão democrática encerra enquanto sistema. Nesta seara, Michel Foucault concebeu uma nova visão acerca das relações de poder em sociedade, concebendo-o em ebulição, em constante movimento, abstraindo, com isso, importantes conceitos ao aperfeiçoamento da teoria democrática. Parte ele da seguinte constatação[14]:


“[…] o personagem central de todo edifício jurídico ocidental é o rei. É essencialmente do rei, dos seus direitos, do seu poder e de seus limites eventuais, que se trata na organização geral do sistema jurídico ocidental. […] é sempre do poder real que se fala nesses grandes edifícios do pensamento e do saber jurídico”.


Disto, o autor acusa as teorias da soberania de serem, no fundo, esforços teóricos para ‘dissolver o fato da dominação’ criando de um lado direitos legítimos de soberania e de outro o dever legal de obediência. Sua proposta é inverter a direção da análise do discurso, fazendo sobressair o fato da dominação e o Direito (entendido não só como lei, mas como conjunto de aparelhos, instituições e regulamentos que aplicam o Direito) como seu instrumento.


Neste exercício, será categórico em concluir que “o poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação”[15]. Ou seja, o poder não se encontra latente no interior do Estado, mas está sim capilarmente distribuído por todo o tecido social através das múltiplas formas de sujeição praticadas cotidianamente, sempre em constante movimento, em eterna ebulição, indo e vindo dentro dos diversos canais de relação estabelecidas entre os sujeitos e aparelhos da sociedade:


“Por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre o outro, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade. Portanto, não o rei em sua posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas: não a soberania em seu edifício jurídico único, mas as múltiplas sujeições que existem e funcionam no interior do corpo social”.[16]


Com base nisso o autor[17] sentenciou: “nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e ao lado dos aparelhos do Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano, não forem modificados”. Assim, as soluções para os problemas da sociedade não devem ser buscadas só através do Estado ou de seu aperfeiçoamento, mas devem partir principalmente da evolução da sociedade civil, pois é nela que se estabelecem as relações de poder que dão sustentação ao edifício jurídico-político-institucional vigente.


Bobbio[18] expressa a magnitude deste novo posicionamento:


“Hoje, se se deseja apontar um indicador do desenvolvimento democrático, este não pode ser o número de pessoas que têm o direito de votar, mas o número de locais, diferentes locais políticos, nos quais se exerce o direito de voto; sintética mas eficazmente: para dar um juízo sobre o estado de democratização num país, o critério não deve ser mais o de ‘quem’ vota, mas o do ‘onde’ se vota (e fique bem claro que aqui entendo o ‘votar’ como o ato típico e mais comum de participar, mas não pretendo de forma alguma limitar a participação ao voto).”


Nestes termos, um sistema democrático tende a ser tão eficiente quanto mais aperfeiçoadas a prática e a participação democráticas na sociedade civil. Esta nova postura tomada frente às relações de poder se mostra essencial na origem da democracia participativa, destaque na Constituição de 1988, não por acaso apelidada de Constituição Cidadã:


“Deste ponto de vista, creio que se deve falar justamente de uma verdadeira reviravolta no desenvolvimento das instituições democrática, reviravolta esta que pode ser sinteticamente resumida na fórmula seguinte: da democratização do Estado à democratização da sociedade”.[19]


Assim, resta claro que não é mais suficiente falar-se apenas em ‘democracia política’, seja formal ou substancial, sendo imperioso tratar-se também de uma ‘democracia social’, acerca da qual é possível encontrar duas referências distintas.


A primeira é esta trazida por Bobbio, no sentido de promover a politização da sociedade civil implantando nela e em suas instituições (família, escola, bairro, empresa, associações etc) a cultura, os aparelhos e as estruturas democráticas para tomada de decisões coletivas, cabendo ao Estado incentivar, amparar e assegurar o mínimo de garantias legais à sua promoção, fomentando a democracia participativa no seu nível mais elementar[20].


A segunda acepção é a que se confunde com a idéia de justiça social, ou seja, com a promoção de ações positivas, inclusivas, em prol da maior igualdade de oportunidades sociais, étnicas, culturais etc. É a aplicação material da regra de justiça calcada sobre o compromisso firmado pelo Estado e pela sociedade de reduzir as desigualdades sociais e regionais, de erradicar a pobreza e a marginalização, e de construir uma sociedade livre, justa e solidária[21].


5. UMA IDEOLOGIA


De início, há que se saber que, embora na sua origem, ideologia significasse ‘ciência das idéias’, tal termo teve seu significado alterado quando Napoleão acusou os ideólogos (intelectuais) de deformadores da realidade. Posteriormente, Karl Marx também utilizou a expressão como referência a uma forma falsa de consciência. Este é o primeiro momento em que a democracia era encarada pelo viés ideológico, posto que, para Marx, a ‘democracia da burguesia’ deveria ser substituída pela ‘ditadura do proletariado’.


Quanto a isso, ensina Marilena Chauí[22] que ideologia “é a lógica da dominação social e política” exprimindo “de maneira invertida, dissimulada e imaginária, a práxis social e histórica concretas”. Disso, conclui a autora que haveria “na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que a ideologia democrática percebe e deixa perceber”. Aliás, como observa Bobbio[23], “hoje ‘democracia’ é um termo que tem uma conotação fortemente positiva. Não há regime, mesmo autocrático, que não goste de ser chamado de democrático”.


Há, todavia, um outro significado para ideologia e que Karl Loewenstein[24] explicita como sendo “um sistema coerente de idéias e crenças, que explicam a atitude do homem perante a sociedade e conduzem à adoção de um modo e comportamento, que reflete essas idéias e essas crenças e lhe são conformes”. E é sob esta perspectiva que Paulo Bonavides[25] acrescenta: “com respeito à democracia, sabemos que o termo se tornou equívoco, não por obra dos que a prezam e cultivam – estes nunca se enganam acerca de seu verdadeiro significado! – mas precisamente daqueles que a combatem e mistificam”.


Portanto, a democracia enquanto ideologia figura como uma idéia-força, que emprega valor e significado à vivência humana, refletindo a cosmovisão de uma sociedade ou indivíduo posto. Aliás, sob esse aspecto, a democracia deve ser encarada com o maior cuidado, sendo prudente evitar definições genéricas e comerciais como ‘o governo do povo, pelo povo e para o povo’, que antes de servir de ponto de referência com o mundo dos fatos, toma pelos sonhos e desejos sujeitos fartos da própria realidade.


6. UM COMPLEXO DE VALORES


Neste ínterim, vale ressalvar que a democracia, apesar de empregar valor, não constitui um valor em si, mas um complexo de valores que a circundam e a permeiam e que nela buscam um equilíbrio ideal, sem que com eles se confunda ou deles se torne autônoma.


Rousseau[26] afirma que o maior de todos os bens, e finalidade profícua de todas as legislações, resume-se a liberdade e igualdade. Bobbio[27], que “liberdade e igualdade são os valores que servem de fundamento à democracia”. Tem-se, assim, ao menos a princípio, os valores que mantém a mais íntima relação com a democracia – e que são objeto de análise.


6.1. Democracia e Liberdade


Benjamin Constant[28] distinguiu duas formas de liberdades: a) A dos antigos (ou negativa), que é a liberdade do indivíduo para agir em prol do gozo privado dos bens sem a intervenção estatal, correspondendo às liberdades civis ou individuais, sendo entendida por Bobbio como a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido, configurando assim uma ‘qualificação da ação’, diga-se: ação livre; b) A dos modernos (ou positiva), que é a liberdade do indivíduo no Estado enquanto sujeito participante, correspondendo às liberdades políticas ou públicas, sendo entendida por Bobbio como a situação na qual o sujeito tem a possibilidade de orientar seu próprio querer, configurando uma ‘qualificação da vontade’: diga-se vontade livre, autonomia ou autodeterminação.


Eis a razão pela qual Kelsen e tantos outros atrelaram à democracia a idéia de governo de maior liberdade política, pois, como se percebe, é nela que cada indivíduo tem a maior possibilidade de conceber e manifestar livremente sua vontade, influindo de maneira potencialmente decisiva nas convenções políticas das quais derivam as leis. Neste sentido, Rousseau[29] definiu liberdade como “a obediência às leis que cada um se determinou”.


É de se questionar, contudo, se existe alguma relação entre as duas liberdades e se isso gera efeitos face ao governo democrático. Segundo Canotilho, seria um dos princípios básicos do liberalismo político clássico que “o ‘homem civil’ precederia o ‘homem político’, o ‘burguês estaria antes do cidadão’” e que, por isso, “as liberdades políticas teriam uma importância intrínseca menor do que a liberdade pessoal e de consciência”[30]. O autor português ainda cita John Rawls: “Se alguém for forçado a escolher entre as liberdades políticas e as restantes liberdades, o governo do bom soberano que reconhecesse estas últimas e que garantisse o domínio da lei seria preferível”[31]. Bobbio[32], contudo, discorda:


“Na história do pensamento moderno, as duas liberdades são estreitamente ligadas e interconectadas, tanto que, quando uma desaparece, também desaparece a outra. Mais precisamente: sem liberdades civis, como a liberdade de imprensa e opinião, como a liberdade de associação e de reunião, a participação popular no poder político é um engano; mas sem participação popular no poder, as liberdades civis têm pouca probabilidade de durar. Enquanto as liberdades civis são uma condição necessária para o exercício da liberdade política, a liberdade política – ou seja, o controle popular do poder político – é uma condição necessária para, primeiro, obter e, depois, conservar as liberdades civis.”


Ou seja, Bobbio, ao contrário de Rawls, estabelece uma relação de mútua dependência entre as duas liberdades. Opinião compartilhada por Comparato[33], que acrescenta:


“A liberdade política, sem as liberdades individuais, não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários. E o reconhecimento das liberdades individuais, sem a efetiva participação política do povo no governo, mal esconde a dominação oligárquica dos mais ricos.”


Assim, percebe-se, de fato, que falar em democracia é necessariamente falar em liberdade política, a qual não se instaura nem sobrevive sem as liberdades civis. Todavia, embora democracia e liberdade possuam vínculos viscerais, não constituem tautologia, sendo certo que a igualdade também integra a noção de democracia.


6.2. Democracia e Igualdade


Liberdade indica um estado, igualdade, uma relação. Relação esta que se estabelece necessariamente entre uma pluralidade de entes e que deve adotar um liame específico entre os mesmos. Desta forma, é necessário dizer quais elementos são iguais e em quê esta igualdade se estabelece. Somente depois de traçado o liame conforme o critério eleito se é possível estabelecer um juízo de valor acerca da relação configurada, podendo esta ser materialmente mantida ou remodelada através de uma regra de justiça.


As mais importantes relações de igualdade que se podem estabelecer numa democracia são as que tangem a aquisição e gozo de direitos políticos. Quanto a isso, são muitos os critérios possíveis, podendo-se estabelecer graduações que vão da impossibilidade de sua aquisição até a sua existência, gozo e exercício plenos, sendo ainda possível estipular critérios de suspensão, perda ou mesmo cassação de tais liberdades.


Em Atenas, a idéia de igual liberdade política foi estabelecida legalmente tendo por base um jus sanguinis: só era considerado cidadão ateniense o homem maior de 18 anos cujo pai fosse ateniense e cuja mãe fosse filha de pai ateniense. A certo ponto, passou-se a exigir também que os cidadãos deliberantes tivessem se afastado de qualquer atividade econômica; medida tomada para garantir que não votariam por interesses particulares, mas com vistas à melhor gestão dos interesses da coletividade e da coisa pública.


Previa-se, assim, não apenas uma igualdade formal-legal, mas também uma mínima igualdade material a fim de se garantir a idoneidade e, então, a legitimidade e das votações. Uma atitude realçada na observação feita, séculos depois, por Rousseau[34]:


“Quereis dar consciência ao Estado? – aproximai tanto quanto possível os graus extremos, não suportai nem os opulentos nem os mendigos. Estes dois estados, naturalmente inseparáveis, são igualmente funestos ao bem comum – de um saem os fautores da tirania e de outro os tiranos. É sempre entre eles que se faz o tráfico da liberdade pública; um a compra e o outro a vende.”


Como se nota, o genebriano via na relativa igualdade material entre os cidadãos um elemento fundamental à democracia, justamente para garantir a legitimidade do ordenamento jurídico resultante, colaborando com a índole e a integridade do próprio corpo político.


Este é o motivo pelo qual muitos democratas do Estado Liberal negavam a extensão do voto às mulheres, aos jovens, aos escravos e aos operários, uma vez que estes, no mais das vezes, encontravam-se numa relação de dependência social, econômica e ideológica perante seus maridos, pais, senhores e patrões. O resultado desta postura foi a concentração dos bens políticos nas mãos de poucos privilegiados, tornando ainda mais excluídos os que assim já se encontravam política e socialmente, retirando-lhes a chance de fazer valer na prática as liberdades e igualdades que as liberais declarações de direitos haviam lhes conferido.


Apesar de tudo, as liberdades civis ao menos eram respeitadas, dentre elas o de imprensa, sendo por via destas que Marx, Engels, Saint Simon e outros deram início aos movimentos proletários, fazendo renascer o igualitarismo e a luta pelos direitos sociais e pela extensão dos direitos políticos. Neste ponto, quanto ao igualitarismo e o liberalismo, Bobbio[35] observa que “a proposição normativa ‘a igualdade é um bem digno de ser perseguido’ não deriva sub-repticiamente, neste caso, do juízo de fato ‘os homens nasceram ou são por natureza iguais’, mas do juízo de valor ‘a desigualdade é um mal’”.


De fato, tanto Hobbes quanto Rousseau partiram do ‘estado de natureza’ embora tenham chegado a conclusões diferentes: Hobbes concebeu o homo homini lupos, Rousseau, o ‘bom selvagem’. Marx, em seu comunismo científico, não parte do estado de natureza, mas chega ao igualitarismo tal qual Rousseau através daquilo que seus olhos viam: a desigualdade social do século XIX – que certamente era um grande mal a ser combatido por um Estado que tomasse a justiça distributiva como instrumento.


Obviamente era preciso garantir uma certa igualdade material entre todos os homens além daquelas formalmente reconhecidas. Mas, em que grau? Se é verdade que nem mesmo os socialistas utópicos pregavam que todos os homens deviam ser iguais em tudo, também é verdade que os liberais não negavam um mínimo de igualdade dentre os mesmos homens. Assim, se existe uma medida mínima de igualdade (aceita inclusive pelos mais liberais) e que pode e deve ser materializada, são as previstas nas declarações de direitos humanos, que são continuamente revistas à medida que novos critérios de justiça surgem.


Como defende Bobbio[36], muito embora haja a diversidade de posicionamento entre liberalismo (individualista, conflitualista e pluralista) e igualitarismo (totalizante, harmônica e monista), a mesma não vem a constituir empecilho a uma proposta de síntese teórica e solução prática entre liberdade e igualdade, na medida em que esses valores fundamentais à democracia são, além de não-antinômicos necessariamente, parcialmente complementares, como bem se exige tanto em tese quanto na prática dos governos democráticos.


Diante disso, a questão que resta a resolver entre liberdade e igualdade é: se a desigualdade é um mal, até que ponto a igualdade é um bem? Como afirma Comparato[37], “é o princípio da solidariedade que constitui o fecho da abóbada de todo o sistema de direitos humanos”, de forma que, hoje, se há um Estado que busca harmonizar liberdade e igualdade, este é o Estado Democrático de Direito, cuja gênese deu-se com a soma dos direitos de primeira dimensão (liberdades civis e públicas) e de segunda geração (direitos sociais) aos de terceira geração (direitos de solidariedade) visando estabelecer entre eles o equilíbrio ideal com base na dignidade inerente à condição humana.


6.3. Democracia e Fraternidade


Bobbio[38] diz que a fraternidade pertence a uma outra linguagem, mais religiosa que política. Todavia, em verdade, além de possível, é necessário compreender que a fraternité constitui o fio primeiro e um valor fundamental da democracia, como se passa a examinar.


Tal postura evidencia-se em Atenas: como dito antes, só gozavam de direitos políticos os homens cujo pai fosse ateniense e cuja mãe fosse filha de pai ateniense. Um jus sanguinis que invariavelmente remete o estudo às origens mitológicas da civilização helênica.


Conforme a mitologia grega, Deucalião e Pirra – equivalentes a Noé e sua esposa na Bíblia cristã – teriam sido os responsáveis por repovoar a Terra após o grande dilúvio provocado pela ira de Zeus sobre a humanidade. Dentre os filhos deles estaria Helen, considerado o pai de todos os gregos. Por esse motivo os gregos haveriam chamado sua terra de Hélade (terra de Helen) e a si próprios de helenos (filhos de Helen).


Assim, a origem comum (isogonia) e, portanto, a literal fraternidade entre os cidadãos atenienses, determinava a aquisição de direitos políticos e a igualdade legal (isonomia) entre os mesmos. Neste sentido, as palavras de Sócrates em trecho do Menêxenos, de Platão[39]:


Nós e os nossos – conclui –, nascidos irmãos da mesma mãe, não pretendemos ser entre nós servos e senhores, mas a igualdade de nascimento nos obriga a buscar também a igualdade legal e a não a ceder a ninguém mais, a não ser no apreço da virtude e da inteligência (239a).”


O relato se confirma pelo fato de que, realmente, a Ecklésia de modo excepcional tinha o poder de conferir a qualidade de cidadão a quem não preenchesse os requisitos consangüíneos ou sociais. Ressalte-se, aliás, que Bobbio[40] não ignora esses elementos:


“(…) não falta ao pensamento grego a idéia de que o ponto de partida da melhor forma de governo seja a igualdade de natureza ou de nascimento, a isogonia, que fez todos os indivíduos iguais e igualmente dignos de governar. (…). Para o [seu] ulterior enraizamento no pensamento político ocidental contribuiu a idéia cristã dos homens irmãos enquanto filhos de um único Deus (…)”.


A esta colocação, junte-se ainda o fato de que, para além da doutrina e do império cristãos, a idéia de fraternidade serviu inclusive para criticar a Igreja e o absolutismo. Tarefa esta muito bem retratada em irônica passagem do Contrato Social, de Rousseau[41]:


“Nada disse o rei Adão, nem o imperador Noé, pai dos três grandes monarcas que dividiram entre si o universo, […]. Espero que apreciem minha moderação, pois, descendendo diretamente de um desses príncipes, e talvez do ramo mais velho, quem sabe se não chegaria, depois da verificação de títulos, à conclusão de ser eu o legítimo rei do gênero humano?”


Hoje, a fim de se traçar uma ligação entre a antiga idéia de isogonia/fraternidade e a atual noção de solidariedade, poder-se-ia tranqüilamente entender como fundamento desta e como forma análoga daquela um liame muito mais fundamental e nítido: a condição humana. Eis a razão última da solidariedade e forma mais atualizada de isogonia enquanto fundamento de legitimidade e titularidade de direitos mínimos por todos os seres humanos. Direitos que, para além daqueles ditos humanos e fundamentais, se traduzem num conceito muito mais fluído, abrangente e substancialmente aferível denominado ‘dignidade da pessoa humana’.


Além disso, hoje a solidariedade não se liga só à noção de doação, mas também à de reciprocidade: o compartilhar e o participar baseados na (co)existência essencial estabelecida com ‘o outro’ na construção do indivíduo e da sociedade (alteridade). Idéia que se manifesta em elementos atuais, como direito à diferença, consciência social, sustentabilidade ambiental e na própria Internet – já proclamada ‘ágora digital da aldeia global’.


Esta solidariedade, contudo, também não é irrestrita – a exemplo dos demais valores informadores da democracia – já que deve encontrar um ponto de equilíbrio com a auto-superação do homem através da promoção de uma competição ética e saudável (fair play) com vistas ao desenvolvimento integral dos indivíduos em sociedade.


Assim, inevitável é a conclusão: o frágil equilíbrio entre liberdade e igualdade só pode ser obtido através de um terceiro elemento, fundamental à sobrevivência de um sistema democrático e inerente à própria dignidade da pessoa humana: a solidariedade entre os membros da ‘família humana’[42].


7. UM DIREITO FUNDAMENTAL


Este entendimento de que a democracia constitui um complexo harmônico e ideal de valores ganha o amparo de José Afonso da Silva[43], que afirma que a democracia não é por si um valor-fim, mas “meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos humanos”.


Disto, é de se questionar se a democracia constituiria, ela mesma, um direito humano ou fundamental, já que, se entrelaçando tão intimamente com valores de liberdade, igualdade e alteridade e respectivas gerações de direitos, não poderia ser ela de natureza tão diversa.


Segundo Paulo Bonavides[44], a democracia seria o ‘regime de garantia geral’ para a realização dos direitos fundamentais do homem, sendo ela mesma um direito fundamental da pessoa humana de quarta geração – juntamente com os direitos à informação e ao pluralismo –, de maneira que os direitos de primeira, segunda e terceira gerações seriam, na verdade, suas infra-estruturas que formariam “a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia”.


Comparato[45] acrescenta que da Declaração Universal de 1948 é possível extrair a “afirmação da democracia como único regime político compatível com o pleno respeito aos direitos humanos” (arts. XXI e XXIX, alínea 2), de modo que “o regime democrático já não é, pois, uma opção política entre muitas outras, mas a única solução legítima para a organização do Estado” e – acrescente-se – da sociedade.


O mesmo autor[46], com base no artigo 25 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ainda comenta ser possível afirmar que:


“(…) as constituições nacionais que não reconhecem, hoje, as instituições da democracia direita (plebiscito, referendo, iniciativa popular, orçamento participativo) são não apenas ilegítimas como na verdade contrárias à ordem internacional dos direitos humanos.”


Assim, ainda que grandes potências mundiais sejam regimes autocráticos, incentivem ou tomem iniciativas autoritárias, hoje, inegavelmente, a democracia configura-se como um direito humano e, no Brasil, também um direito fundamental (art. 14 da CR/1988)[47].


8. PRESSUPOSTOS?


Bobbio certa vez indagou se seria possível a sobrevivência de um Estado democrático numa sociedade não democrática[48]. De maneira genérica, isto leva a questionar se existem pressupostos à democracia – um ponto no qual a atenção com as palavras deve ser redobrada.


Se tomada a ‘democracia’ unicamente como democracia política, como parece fazer Ferreira Filho, há que se convir que “as circunstâncias e a conjuntura evidentemente condicionam o tipo e o grau de democracia que é possível a cada momento”[49], não existindo um modelo imutável e universal de regime democrático. Ou seja, assim como qualquer outra forma de governo, a democracia possível em uma dada realidade depende de questões sociais, econômicas, culturais, institucionais, dentre outras, tornando-se, por isso, verdadeiros requisitos, pressupostos ou condições para o seu real implemento.


Os que se colocam opostos a esta opinião tomam a democracia em termos mais amplos, estando dentre eles José Afonso da Silva, que afirma[50]:


Ora, em verdade a tese inverte o problema, transformando, em pressupostos da democracia, situações que se devem ter como parte de seus objetivos: educação, nível de cultura, desenvolvimento, que envolva a melhoria de vida, aperfeiçoamento pessoal, enfim, tudo se amalgama com os direitos sociais, cuja realização cumpre ser garantida pelo regime democrático. Não são pressupostos desta, mas objetivos. Só numa democracia pode o povo exigi-los e alcançá-los.


Finalmente, os que reclamam que a democracia nunca fora realizada em sua pureza em lugar algum concebem-na como um conceito estático, absoluto, como algo que há que instaurar-se de uma vez e assim perdurar para sempre. Não percebem que ela é um processo, e um processo dialético que vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução, incorporar conteúdo novo, enriquecendo novos valores. Como tal, ela nunca se realiza inteiramente, pois, como qualquer vetor que aponta valores, a cada nova conquista feita, abrem-se outras perspectivas, descortinam-se novos horizontes ao aperfeiçoamento humano, a serem atingidos.”


Posta a divergência, ambos as posições parecem estar corretas ao mesmo tempo em que se colocam opostas; e a razão desta ambivalência parece simples: são doutrinas muito mais complementares do que divergentes. E isto fica claro quando C. B. Macpherson, em outro contexto (apatia política), debruçou-se sobre a investigação de meios para impulsionar a democracia participativa, vindo ele a deparar-se com a seguinte verificação[51]:


“(…) não podemos conseguir mais participação democrática sem uma mudança prévia da desigualdade social e sua consciência, mas não podemos conseguir as mudanças da desigualdade social e na consciência sem um aumento antes da participação democrática.”


Macpherson, de certa forma, atingiu o mesmo paradoxo existente na oposição entre os discursos de Ferreira Filho e José Afonso: o primeiro verifica existirem condições materiais para a democracia e o segundo afirma serem improváveis tais pressupostos sem a prévia existência de uma verdadeira democracia (política e social). Segundo Macpherson, um ‘círculo vicioso’[52] no qual não se poderia esperar a mudança em um dos termos sem pressupor a mudança no outro, vindo a concluir[53]:


“Desse modo, devemos procurar saídas em outra parte do círculo, isto é, procurar mudanças já visíveis ou em perspectiva […]. Se verificarmos mudanças que sejam não só já perceptíveis mas que sejam, atribuíveis a forças ou circunstâncias que tenham probabilidade de operar com efeito cumulativo, então podemos ter alguma esperança de uma ruptura. E se as mudanças forem de natureza a incentivar mudanças recíprocas nos demais fatores, tanto melhor.”


Os dois requisitos de ordem material apontados pelo canadense (maior igualdade social e consciência política) são, no fundo, uma colocação genérica daquilo que Ferreira Filho pôs como pressupostos da democracia; já o movimento recíproco a ser implementado entre estes pressupostos e a maior participação democrática tem clara correspondência com o processo dialético apontado por José Afonso.


Com isso, a relação entre condições sócio-econômicas mínimas e consciência política como pressuposto para a participação político-democrática ressalta de sobremaneira a interdependência entre a democracia social e a democracia política. Uma imagem que reforça a atual idéia de que a democracia envolve necessariamente a participação constante do povo em termos mais amplos do que a simples participação periódica no processo eleitoral.


Concluindo, não há que se falar necessariamente em pressupostos para a democracia, pois constitui ela, sob seu aspecto histórico-evolutivo, um processo dialético contínuo e equilibrado entre a democracia social e a democracia política. A democracia só existe em movimento, o qual só é obtido com a contínua participação política do povo tanto na esfera propriamente política quanto na esfera social, sendo certo que, de maneira ideal, ambos, democracia política e democracia social, devem evoluir conjuntamente, sem grandes disparidades, a fim de que se garanta a solidez e o equilíbrio de seu processo evolutivo.


9. DICOTOMIAS DA DEMOCRACIA


Por fim, é possível ainda afirmar que este processo de evolução da democracia, enquanto sistema, parece vir se operando principalmente sobre quatro eixos autônomos, embora complementares, de idéias, que se revelaram à medida que a teoria democrática foi sendo historicamente posta em prática nas sociedades. São eles:


a. Poder Impessoal vs. Poder Pessoal:


Em verdade, trata-se da dicotomia feita entre o ‘governo de homens’, que se dá através de impulsos e ordens de natureza pessoal e arbitrária, e o ‘governo de leis’, que procede através de normas gerais e impessoais dotadas de validade consoante adequação à ordem jurídica pré-estabelecida[54]. Em suma: o Rule of Law [55] (Supremacia do Direito), composto de três princípios básicos ao Estado de Direito: legalidade, isonomia e devido processo legal.


Cuida-se, ademais, do diferencial existente entre a democracia e a ‘ditadura da maioria’, posto que aquela, diferentemente desta, submete-se a um Estado de Direito, e não só aos desejos de uma maioria eventual. A propósito, Bobbio[56], sob um prisma formal, conclui que “a democracia é o governo das leis por excelência”, posto que se traduz exatamente no “conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue”.


Contudo, atente-se que, como já visto, o paradigma legal vem sendo paulatinamente evoluindo para um outro, de índole ético-normativa, passando-se as discussões do espaço da estrita legalidade para o universo da juridicidade (legalidade + legitimidade)[57].


b. Poder Ascendente vs. Poder Descendente:


É o cerne da teoria democrática enquanto essência, constituindo a idéia de que o Estado e o governo legítimos são frutos da lei legítima (Rule of Law), e esta resultado da convenção na qual os detentores do poder soberano (o povo[58]) dispõem igualmente sobre suas liberdades de modo voluntário e consciente com vistas à consecução de um bem comum. Um processo autônomo de normogênese que, embora pareça se revestir de um caráter meramente procedimental, tem no respeito à dignidade da pessoa humana o seu fundamento último.


c. Poder Distribuído vs. Poder Concentrado:


Trata-se da teoria pluralista segundo a qual a sociedade não é homogênea, não estando o poder, a opinião ou a vontade política concentrados no Estado, e sim distribuídos e em constante movimento e transformação por todo o tecido social[59]. Aliás, na lição de Bobbio[60]:


“A teoria democrática e a teoria pluralista têm em comum o fato de serem duas propostas diversas mas não incompatíveis (ao contrário, convergentes e complementares) contra o abuso de poder; representam dois remédios diversos mas não necessariamente alternativos contra o poder exorbitante. A teoria democrática toma em consideração o poder autocrático, isto é, o poder que parte do alto, e sustenta que o remédio contra este tipo de poder só pode ser o poder que vem de baixo. A teoria pluralista toma em consideração o poder monocrático, isto é, o poder concentrado numa única mão, e sustenta que o remédio contra este tipo de poder é o poder distribuído.”


Contemporaneamente, seu surgimento operou-se em dois momentos: inicialmente, ampliando a base da democracia política com a extensão dos direitos políticos substanciais, especialmente o de sufrágio (quem vota?), gerando o pluripartidarismo das atuais sociedades de massa; e, posteriormente, ampliando as bases da democracia com a extensão de estruturas e sistemas democráticos para fora do edifício jurídico-político estatal (onde vota?), reconhecendo o teor político naquilo que não é propriamente estatal[61], atribuindo relevância política à sociedade, seus aparelhos e instituições sociais (e.g., a família, a escola, a empresa, a comunidade, o mercado etc.) e configurando as atuais democracias participativas.


d. Poder Cognoscível vs. Poder Incognoscível:


Cuida-se da teoria publicista, segundo a qual não existe república e nem representação política sem que haja sua visibilidade (cognoscibilidade[62]) por parte daqueles que teoricamente lhe dão legitimidade e fundamento[63]. E que, portanto, tudo aquilo que tanger aos direitos destes homens e não for passível de tornar-se de seu conhecimento – sem que haja justificação plausível e limitação no tempo[64] – são indignas de serem referentes a tais direitos, ou seja, são injustas ou, se preferir, ilegítimas[65].


É uma idéia óbvia para uma democracia direta na qual o povo deve saber sobre o quê delibera, mas que tem importância acentuada na democracia representativa onde se exige que os representantes ajam publicamente, mostrando que atendem ao interesse público.


Sem transparência e sem uma ética comunicante a coisa pública torna-se privada, restrita a um grupo privilegiado, deslegitimando o sistema e tudo que dele decorre. E apesar da simulação e dissimulação serem próprias das relações políticas, o Estado Democrático de Direito tem como um grande desafio hoje justamente esta cognoscibilidade do poder público, como condição à formação de uma opinião pública autêntica, consciente de seu papel participativo, de controle e de fomento[66] (de auto-afirmação dir-se-ia até) – veja-se, a propósito, a valorização da transparência, da ética, da consciência, da informação, da linguagem e comunicação, da interatividade etc. nas atuais ‘sociedades de controle’.


10. CONSIDERAÇÕES FINAIS:


O presente trabalho científico buscou trazer de maneira bastante sucinta e objetiva ao menos parte do conteúdo cultural adquirido pela idéia de democracia ao longo dos seus séculos de história, visando extrair dela uma ‘imagem conceitual geral’ apta a contribuir à melhor compreensão do elemento democrático, especialmente o contido na fórmula Estado Democrático de Direito, estabelecida no Brasil através da Constituição de 1988.


Neste exercício, verificou-se que definir o vetor sob a qual a democracia é enfocada (forma de governo, regime de governo, sistema de governo, ideologia, complexo de valores ou direito fundamental – dentre outros eventualmente possíveis) constitui requisito essencial à maior cientificidade dos estudos sobre este conceito que, definitivamente, não é unívoco.


Viu-se que não há que se falar necessariamente em pressupostos para a democracia, mas antes em um equilibrado processo dialético desenvolvido entre democracia política e democracia social e impulsionado pela participação política no Estado e nos mecanismos de poder que existem fora, abaixo e ao lado dele. Aliás, processo este que parece ampara-se e progredir sobre eixos de legalidade, legitimidade, pluralismo e cognoscibilidade.


Por fim, impende ainda asseverar que a principal conclusão obtida neste estudo é a de que a democracia constitui conceito que, em última análise, floresce da própria condição humana, sendo possível e necessário aferi-la em todas as relações traçadas entre os membros da ‘família humana’ como condição sine qua non à consecução do ambiente que favoreça o desenvolvimento integral do homem, tanto individual quanto socialmente.


 


Bibliografia citada

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Notas:

[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. Ver. Atual. São Paulo: Malheiros, p. p. 123. No mesmo sentido, Canotilho: “Se o estado de direito se revelou como uma ‘linha Maginot’ entre ‘Estados que têm uma constituição’ e ‘Estados que não têm uma constituição’, isso não significa que o Estado Constitucional moderno possa se limitar a ser apenas um Estado de direito. Ele tem de estruturar-se como Estado de direito democrático, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo. A articulação do ‘direito’e do ‘poder’ no Estado constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos. O princípio da soberania popular é, pois, uma das traves mestras do Estado constitucional. O poder político deriva do ‘poder dos cidadãos’.[…]. O Estado constitucional é ‘mais’ do que o Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir duas coisas: (1) uma é a da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado ‘impolítico’ do Estado de direito não dá resposta a este último problema: de onde vem o poder.  Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo poder vem do povo’ assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular, concretizando segundo procedimentos juridicamente regulados, serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de direito’ e o ‘Estado democrático’, possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 93-94 e 96)

[2] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001. p. XIV.

[3] BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 8. ed. Marco Aurélio Nogueira (Trad). São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 135.

[4] PLATÃO. O Político, [s.l.: s.d.]. Apud: BOBBIO, Estado…, Op. cit., p. 137.

[5] ARISTÓTELES. Política. Trad. Torrieri Gumarães. São Paulo: Martin Claret, 2001, passim.

[6] MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002, passim.

[7] MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002, passim.

[8] ROUSSEAU, Jean-Jaques. O Contrato Social. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002,  passim.

[9] BOBBIO, Estado…, Op. cit., p. 106, 138-139; Ver também BOBBIO, Norberto. Qual socialismo?: debate sobre uma alternativa. 4. ed. Iza de Salles Freaza (Trad). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. p. 79-80; e MELQUIOR, José Guilherme. O liberalismo antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 170.

[10] “(…) o poder é transmitido, ou de cima para baixo, ou de baixo para cima, na sua hierarquia política. No primeiro caso ocorre o ‘princípio autocrático’; no segundo, o que o politólogo italiano denominou de ‘liberal’, mas que parece mais adequado chamar de ‘democrático’. Segundo aquele princípio, das autoridades mais altas provém a autoridade das inferiores, que por elas serão escolhidas; segundo este último princípio, a autoridade, é conferida ao superior pelos subordinados, ou pelo povo”. (FERREIRA FILHO, A Democracia Possível. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 24, citando MOSCA, Gaetano. The Rulling Class. 3. ed. Nova Iorque: Mac Graw-Hill, 1965. p 50 et. seq. ).

[11] BOBBIO, Qual socialismo…, Op. cit., p. 55-56.

[12] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 8. ed. rev. ampl. Marco Aurélio Nogueira (Trad). São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 22-25, 30-33.

[13] Para ressaltar a diferença, basta visitar um exemplo clássico: o método democrático semi-direto determina o exercício da soberania diretamente pelo povo ou através de representantes escolhidos; isto posto, qual deverá ser o sistema representativo de governo: presidencialista ou parlamentarista? Mais: se parlamentarista, será unicameral ou bicameral? Como se sabe, a resposta ficará a critério de cada país, sem, contudo, descaracterizar um regime ou sistema democrático por violar as diretrizes do método democrático.

[14] FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 15. ed. Roberto Machado (Org.). Rio de Janeiro: Graal, 2000. p. 181.

[15] Id., Ibid., p 175.

[16] Id., Ibid., p. 164.

[17] Id., Ibid., p. 149-150.

[18] BOBBIO, O futuro…, Op. cit., p. 68.

[19] Id., Ibid., p. 67.

[20] Nesta linha, os artigos 10, 11, 31, §3º e 37, §3º da Constituição Federal; o artigo 1.511 do Código Civil; os artigos 16, V e VI, 88, II, e 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente; o artigo 5º, in fine, da lei 7.347; os artigos 2º, II, 43, 44 e 45 do Estatuto das Cidades; os artigos 82, IV, 105, 106 e 107 do Código de Defesa do Consumidor; e os artigos 10, caput e §1º, V e VI, e 46 do Estatuto do Idoso, além dos artigos 1º e 31 da Lei de Arbitragem, dentre vários outros dispositivos e diplomas legais. Tal acepção tange ao que se pode chamar de uma primeira espécie de colação da teoria pluralista à teoria democrática, quando a democracia, juntamente com o poder político, extrapola os limites do que é estatal trazendo a vivência política ao cotidiano social. Os sindicatos de trabalhadores são a grande referência histórica desse fenômeno.

[21] Para citar exemplos, temos a impenhorabilidade do bem de família, além de inúmeras previsões dos Estatutos da Criança e do Adolescente, do Idoso e da Micro-empresa e da Empresa de Pequeno Porte e do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser citado ainda a Lei da Assistência Social e as polêmicas ações afirmativas e políticas públicas de inclusão social por via de discriminação positiva de mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência, homossexuais, ex-detentos etc. Esta, por sua vez, traz referência a uma segunda espécie de incursão da teoria pluralista na teoria democrática, quando há a expansão da democracia dentro do próprio âmbito estatal, principalmente através da extensão dos direitos políticos e, que, historicamente, teve como grande marco o surgimento dos partidos de massa.

[22] CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. p. 122, 418, 430-431

[23] BOBBIO, Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Michelangelo Bovero (Org.); Daniela Beccarccia Versiani (Trad). 5. tir. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 375.

[24] BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 3. ed. 2. tir. ver. ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 189-190.

[25] Id., Ibid., loc. cit..

[26] ROUSSEAU, Jean Jacques. Rousseau: vida e obra. Lourdes Santos Machado (Trad). Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

[27] BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 3. ed. Nelson Coutinho (Trad). Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.p. 8.

[28] Id., Ibid., p. 48, 51-53, 62, passim.

[29] ROUSSEAU, Op. cit., p. 37.

[30] CANOTILHO, Op. cit., p. 95.

[31] RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa, 1993. p. 187. Apud: CANOTILHO, Ibid., p. 95.

[32] BOBBIO, Igualdade…, Op. cit., p. 65.

[33] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. rev. ampl. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 227.

[34] ROUSSEAU, Op. cit., p. 66.

[35] BOBBIO, Igualdade…, Op. cit., p. 39.

[36] Id., Ibid., p. 40-43, passim.

[37] COMPARATO. A afirmação…, Op. cit., p. 333.

[38] BOBBIO, Igualdade…, Op. cit., prefácio.

[39] PLATÃO. Menêxenos, [s.l.: s.d.], Apud: BOBBIO, Teoria Geral…, Op. cit., p. 378.

[40] BOBBIO, Teoria Geral…, Op. cit., loc. cit.

[41] ROUSSEAU, Op. cit., p. 25.

[42] Neste sentido, dentre outros, o preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.

[43] SILVA, José. Op. cit., p. 129.

[44] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 525.

[45] COMPARATO, A afirmação…, Op. cit., p. 231.

[46] Id., Ibid., p. 317.

[47] Vladimir Brega Filho, esclarece a distinção: “(…), embora em muitos ponto os direitos humanos possam ter o mesmo conteúdo dos direitos fundamentais, o certo é que os primeiros sã mais amplos e imprecisos, enquanto os direitos fundamentais possuem um conteúdo mais restrito e preciso, pois estão limitados aos direitos reconhecidos pelo direito positivo de determinado povo”. (BREGA FILHO, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 73.

[48] BOBBIO, O Futuro…, Op. cit., p. 156. Ver também Id., Ibid., p. 68.

[49] FERREIRA FILHO, A democracia possível…, Op. cit., p. 37. Ver também FERREIRA FILHO, A Democracia no Limiar…, Op. cit. prefácio, XI.

[50] SILVA, José. Op. cit., p. 130-133.

[51] MACPHERSON, Crawford Brough. A democracia liberal: origens e evolução. Tradução Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 103.

[52] Aliás, nas palavras do próprio autor: “Ora, se essas duas mudanças na sociedade (…) são pré-requisitos da democracia participativa, parece termos caído num círculo vicioso. Porque é improvável que qualquer desses dois requisitos sejam satisfeitos sem uma participação democrática muito maior do que agora. (…). Daí o círculo vicioso: não podemos conseguir mais participação democrática sem uma mudança prévia da desigualdade social e sua consciência, mas não podemos conseguir as mudanças da desigualdade social e na consciência sem um aumento antes da participação democrática.” (Id., Ibid., loc. cit.).

[53] Id., Ibid., p. 104.

[54] BOBBIO, O Futuro..., Op. cit., p. 166

[55] Há que se atentar que quando surge o Estado de Direito moderno (Rule of Law), este era concebido sob um viés jusnaturalista. Ou seja, não havia se operado ainda a distinção kantiana ‘quid jus’ ‘quid juris’, de modo que o direito positivado era sinônimo de direito justo, e cujo fundamento de validade estava no Direito natural.

[56] BOBBIO, O futuro…, Op. cit., p. 185.

[57] Vide nota 1.

[58] Quem ou o quê é o ‘povo’ não constitui objeto a ser aprofundado neste breve estudo, todavia, importante ressalva deve ser feita quando se considera a soberania popular um pressuposto democrático – o que parece não ser verdadeiro, visto que, mesmo as constituições mais democráticas, foram de uma maneira ou de outra, na sua forma (ainda que não em sua substância), impostas por um corpo constituinte; ou seja, jamais pelo ‘povo’.

[59] FOUCAULT, Op.cit., passim.

[60] BOBBIO, O Futuro…, Op. cit., p. 71. No mesmo sentido: “O reconhecimento e a necessidade de tutela desses interesses [coletivos lato sensu]  puseram em relevo sua configuração política. Deles emergiram novas formas de gestão da coisa pública, em que se afirmaram grupos intermediários. Uma gestão participativa, como instrumento de racionalização do poder, que inaugura um novo tipo de descentralização, não mais limitada ao plano estatal […], mas estendida ao plano social, com tarefas atribuídas aos corpos intermediários e às formações sociais, dotadas de autonomia e de funções específicas. Trata-se de uma nova forma de limitação ao poder do Estado, em que o conceito unitário de soberania, entendida como soberania absoluta do povo, delegada ao Estado, é limitada pela soberania social atribuída aos grupos naturais e históricos que compõem a nação” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Significado social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos, Apud: A Marcha do Processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 17-23. Apud: GRINOVER, Ada Pellegrini… [et. al.] Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. rev. ampl. atual. Cf. novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004).

[61] SCHIMITT, Karl. O conceito do político. p. 47. Apud: SUAREZ, Marcial A. Garcia. Modernidade técnica e violência: considerações acerca da técnica morna, da política e da guerra. Disponível em: www.societac.pro.br/dissertacao_marcial_suarez.pdf. Acesso em: 7 jul. 2006.

[62] Distinga-se: um edital pregado em uma árvore no meio da floresta é apenas visível; o mesmo edital pregado em um painel visível em uma praça pública é visível e público; por fim, se este mesmo edital pregado no painel visível em praça pública for escrito em código ou linguagem secreta, será ele visível e público, mas mesmo assim incognoscível, exceto para alguns. Em outros termos: de nada adianta a visibilidade ou a publicidade do edital se a mensagem nele contida estiver codificada em uma linguagem que impossibilita o conhecimento de seu conteúdo por parte do homem a que pretende (ou deveria pretender) atingir. Por isso, a sutil distinção é necessária: a democracia mais do que o governo do poder visível ou do poder público em público é o governo do poder cognoscível, pois a capacidade de conhecer da res publica deve ser livre e igualmente possível a todos.

[63] SCHIMITT, Karl. Verfassungslehre, duncker & humblot, München-Liepzig, 1928, p. 208. Apud: BOBBIO, O Futuro…, Op. cit., p. 101.

[64] NATALE, Michele. Catechismo repubblicano per l’instruzione del popoloe lar rovina de tiranni. Vico Equense, 1978. p. 71. In: BOBBIO, Ibid., p. 100.

[65] KANT, Immanuel. Risposta allá domanda: che cosa é l’illuminismo’, in Scritti politici e di filosofia della storia e del diritto. Utet: Torino, 1956, p. 143 e 148. In: BOBBIO, Ibid., p. 98.

[66] SILVA, Diego Nassif da. Democracia na era digital: a crise do estado democrático de direito brasileiro. Monografia de graduação em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro – UENP, Jacarezinho, 2006.

Informações Sobre o Autor

Diego Nassif da Silva

Advogado, graduado pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, campus da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), pós-graduado (especialista) em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes e em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina.


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Equipe Âmbito Jurídico

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