1. Considerações gerais: conceito e natureza jurídica.
Inicialmente, convém ressaltar que, sobre o desarquivamento, o atual Código de Processo Penal tem apenas dos artigos, o 17, que veda à autoridade policial arquivar os autos do inquérito, como já foi dito, e o 18, que possui a seguinte redação:
“Artigo 18 – Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para denúncia, a autoridade policial poderá proceder novas diligências, se de outras provas tiver notícia”.
A pretexto de interpretar esta regra, como salienta o Profº Afrânio Silva Jardim[1], o Supremo Tribunal Federal editou a súmula nº524, que possui o seguinte teor:
“Arquivado o inquérito policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas”.
Atualmente, toda questão relativa ao desarquivamento vem sendo, na prática, examinada e resolvida através da automática aplicação da mencionada súmula, como se ela nada mais fosse, como ressalta o Profº Afrânio Silva Jardim[2], do que uma interpretação extensiva do artigo 18 do Código de Ritos.
Não se percebeu a real diferença entre o que está dito na norma legal e aquilo que diz a jurisprudência sumulada. Mas, como salienta o mencionado professor[3], a diferença é notória e palpável, dando às regras campos de incidência distintos.
Enquanto o artigo 18 fala em “novas diligências”, a súmula fala em “início da ação penal”. E mais: enquanto, para estas duas situações diferentes, o artigo 18 exige apenas “notícia de novas provas”, a súmula pede a existência efetiva de “novas provas”, ou seja, provas já produzidas.
Em outras palavras, como observa o Profº Afrânio Silva Jardim[4]: o artigo 18 regula o desarquivamento, quando decorrente de carência de prova (falta de base para denúncia), só permitindo a continuação das investigações se houver notícia de novas provas. Já a súmula nº524 tão-somente cria uma condição específica para a ação penal quando ela vier lastreada em inquérito inicialmente arquivado: novas provas que já tenham sido efetivamente produzidas.
Certo que o desarquivamento pode importar na imediata propositura da ação penal, caso as novas provas tornem dispensável a realização de qualquer outra diligência policial. Mas isso, como enfatiza o Profº Afrânio Silva Jardim[5], não quer dizer que estes dois momentos possam ser confundidos: desarquivamento e apresentação da demanda.
Como foi salientado há pouco, para o desarquivamento é suficiente a notícia de novas provas, legitimando o prosseguimento das investigações encerradas pela decisão de arquivamento. Já a propositura da ação penal dependerá do sucesso destas investigações, ou seja, na efetiva produção de novas provas. Sem tal requisito, faltará justa causa para a ação penal, devendo a denúncia ser rejeitada nos termos do artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, da mesma que seria rejeitada, se não tivesse sido requerido o anterior arquivamento.
Destarte, o desarquivamento do inquérito policial nada mais significa, como assevera o Profº Afrânio Silva Jardim[6], do que uma decisão administrativa persecutória no sentido de modificar os efeitos do arquivamento. Enquanto este tem como conseqüência a cessação das investigações, aquele tem como efeito a retomada das investigações inicialmente paralisadas pela decisão de arquivamento.
Tratando-se de arquivamento das peças de informação, o desarquivamento poderá importar, como destaca o citado professor[7], no início das investigações policial e não na retomada do que não existia, como é intuitivo.
Releva notar, como lembra o Profº Afrânio Silva Jardim[8], que a natureza de ato administrativo persecutório é importante para entender porque o desarquivamento não deve ficar na dependência do Juiz. Este exercerá o seu controle quando a ação for proposta, nos termo da aludida súmula, conforme as considerações anteriormente feitas.
Por conseguinte, a decisão de desarquivamento tem natureza jurídica de ato administrativo simples, pois a atribuição é exclusiva do Ministério Público, sem ficar na dependência do Juiz.
Informações Sobre o Autor
Bernardo Montalvão Varjão de Azevêdo
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Ciências Criminais pela UFBA. Professor de Processo Penal da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Professor de Direito Penal da Universidade Salvador (UNIFACS). Analista Previdenciário junto à Procuradoria Federal Especializada do INSS na Bahia.