Resumo: Os atos, deveres e direitos, quando amoldados sob a face de uma pessoa jurídica, distinguem-se dos de seus. Todavia, é necessário pôr freios, evitando a sua utilização inadequada. Para tanto, surgiu a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. A regra no Direito brasileiro é a desconsideração pela teoria maior, devendo ser constatado o abuso, desvio e confusão patrimonial. Na seara trabalhista, face a natureza alimentar de seus créditos, a teoria adotada foi a menor, e assim carece apenas da demonstração de insolvência da pessoa jurídica e a comprovação de que seu controlador ou sócio é solvente.
Palavras-chave: Desconsideração da personalidade jurídica. Teoria menor. Créditos trabalhistas.
Abstract: The acts, duties and rights, when shaped in the face of a legal entity, distinct from those of his. However, it is necessary to put brakes to avoid its misuse. Therefore, the possibility arose of piercing the corporate veil. The rule in Brazilian law is the greatest disregard for theory and should be verified abuse, diversion and confusion sheet. At harvest labor, food face nature of their claims, the theory used was smaller, and thus requires only the demonstration of corporate insolvency and proof that your partner is solvent or controller.
Keywords: Disregard of legal entity. Theory smaller. Labor credits.
Sumário: Introdução. 1. Pessoa Jurídica. 1.1 Breves Considerações sobre a regulamentação no Código Civil de 2002. 2. Aspectos relevantes da desconsideração da personalidade jurídica. 2.1. Teorias de aplicabilidade da desconsideração. 3. A desconsideração no Processo do Trabalho. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O legislador quando da criação da pessoa jurídica pretendeu fomentar o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas reduzindo os riscos de quem investisse nessas iniciativas. Isso porque, os atos, deveres e direitos quando amoldados em tal instituto distinguem-se dos da pessoa física que cria a jurídica. Dessa forma, não há confusão entre o patrimônio do criador e da criatura.
Apesar da interessante ideia, por vezes há o desvio da finalidade para qual foi criada a pessoa jurídica. Nesse contexto, surge outro instituto, a desconsideração da personalidade. A disregard of legal entity, não nasceu no Brasil, mas vem sendo amplamente utilizada por nossos tribunais.
O Código Civil de 2002 disciplina a temática em seu artigo 50, apresentando alguns requisitos para por em prática a matéria. As condições estabelecidas para que se possibilite a desconsideração são: abuso, desvio e confusão patrimonial.
Entretanto, o que abordaremos no presente estudo é a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa devedora de créditos trabalhistas, apenas com a comprovação da sua insolvência e a ciência de que os seus sócios podem arcar com a obrigação, preterindo os requisitos apresentados no código citado. Isso porque os magistrados trabalhistas estão valorizando o princípio da proteção, basilar do direito do trabalho, e a natureza alimentar do crédito trabalhista.
Para o desenvolvimento dessa análise mapeamos os estudos científicos acumulados sobre a temática através da pesquisa bibliográfica com uma abordagem qualitativa buscando descrever significados que são socialmente construídos sem preocupação com dados estatísticos. O método utilizado para tanto foi o dialético que consiste na arte de dialogar, argumentar e contra-argumentar posto que a nossa função foi esmiuçar a matéria.
Dividimos o estudo em três etapas. Inicialmente abordaremos o nascimento da pessoa jurídica, e em seguida construiremos um caminho sobre a desconsideração da personalidade jurídica, analisando os seus aspectos e, principalmente, as teorias erigidas para fundamentar o seu emprego. Por fim, chegaremos ao ponto chave que é a disregard no processo do trabalho, explorando os motivos, as formas e conseqüência da aplicação de tal instituto.
1. PESSOA JURÍDICA
1.1 Breves considerações sobre a regulamentação no Código Civil de 2002
O Código Civil (CC) de 2002 em seu Titulo II dispõe a cerca das Pessoas Jurídicas, sendo este instituto ponto de fundamental importância para o presente trabalho. Cumpre analisarmos inicialmente o artigo 40 e seguintes do Código supracitado.
A pessoa jurídica consiste em uma unidade de pessoas naturais ou mesmo de patrimônios, destinados à obtenção de certas finalidades, perfilhada por nosso ordenamento jurídico como sujeito capaz ou suscetível de direitos e deveres.
As pessoas jurídicas integram dois grandes grupos: as de direito público interno ou externo e as de direito privado. As de direito público interno estão elencadas nos incisos do artigo 41 do Código Civil, sendo elas a União, Estados, Distrito Federal, Territórios, autarquias, incluindo as associações públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei. Cumpre ressaltar que as pessoas jurídicas citadas são responsáveis civilmente pelos atos de seus agentes que em tal condição provoquem danos a terceiros, observada a possibilidade do direito de regresso.
Quanto às pessoas jurídicas de direito público externo, elas se submetem à regulamentação do direito internacional público, compreende as nações estrangeiras, a Santa Sé e os diversos organismos internacionais.
Embora tenhamos trazido a lume as diversas pessoas jurídicas, o presente trabalho trata especificamente da pessoa jurídica de direito privado apresentada no artigo 44 do CC. Desse modo, serão objetos da desconsideração da personalidade jurídica as associações, as sociedades, fundações, organizações religiosas e partidos políticos. Isto porque, os débitos da União e demais pessoas de direito público serão saldados por meio de precatórios e em alguns casos pela Requisição de Pequeno Valor.
De acordo com os artigos 45 e 46 do Código Civil de 2002, as pessoas jurídicas de direito privado começam a existir legalmente com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.
A personalidade que o ordenamento jurídico confere por meio do registro dá capacidade à pessoa jurídica e, em decorrência disso, poderá exercer todos os direitos subjetivos, não se limitando à esfera patrimonial. Segundo os ensinamentos no ilustríssimo professor Fredie Didier Jr. (2008): “A pessoa jurídica é um instrumento técnico-juridico desenvolvido para facilitar a organização da atividade econômica, sendo desta forma exercício legítimo do direito de propriedade, onde sua atuação deverá atender a função social que lhe é imposta, onde um dos instrumentos para tornar eficaz os referidos princípios é o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.”
Infelizmente, esse instituto que visa a atender a um fim econômico e social tem sido em diversas vezes utilizado se distanciando de sua real finalidade e, dessa forma, acarretando prejuízo para toda sociedade.
Essa realidade pode ser facilmente detectada quando uma empresa contrai para si de má fé, empréstimos, bens, e outras obrigações pecuniárias sem que exista em seu patrimônio meios suficientes para satisfazer seus credores.
Assim, diante de uma decretação de falência, os sócios estarão protegidos do prejuízo, enquanto que os credores e a própria sociedade arcará com as conseqüências.
Nesse contexto, como meio de evitar tal injustiça, surge o instituto da desconsideração da personalidade jurídica que veremos adiante.
2 ASPECTOS RELEVANTES DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Em determinados casos, para impedir o uso da pessoa jurídica de forma a prejudicar seus credores, é necessário desconsiderar a distinção existente entre o seu capital e o patrimônio de seus sócios.
O artigo 50 do Código Civil de 2002 traz alguns requisitos para utilização desse mecanismo: “Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Nesse diapasão, podemos considerar que a desconsideração da personalidade jurídica trata-se de uma disposição legal com o fim de preservar o real objetivo da criação desta ficção que é a personalidade jurídica. Isso porque, a pessoa jurídica é reconhecidamente um recurso que tem como objetivo o incentivo ao desenvolvimento econômico e social.
Desse modo, é necessário pôr freios evitando a sua utilização inadequada, posto que é merecedora de alguns privilégios e quando exercidos com má intenção podem trazer riscos ao bem-estar social.
Nas palavras de Thereza Chistina Nahas (2007, p.110) o abuso de direito assim se explica: “Abusar de um direito é cometer o ato de forma legal, mas excessiva, ultrapassando os limites traçados pelo legislador ou pelo contrato. Há um desvio da função da norma, causado pelo uso irregular ou anormal do direito. A afetação do ente moral é permitida para que ele possa cumprir uma finalidade social, voltada à melhoria da condição do próprio homem. Todavia, os administradores, manipulando indevidamente a pessoa jurídica, desvirtuam a finalidade originária, causando prejuízos a terceiros que com ela negociam acreditando no cumprimento da finalidade buscada.”
O mecanismo em estudo não é uma agressão ao instituto da pessoa jurídica, consagrado pelo direito privado brasileiro. Pelo contrário, é uma forma de evitar fraudes já constituídas e acobertadas por suas prerrogativas. Assim, utilizando-se desse processo, o Estado-juiz transpõe a barreira protetora e atinge as pessoas responsáveis pelos atos ilegais, predominantemente as que possuem o controle da empresa, não atingindo, assim, os empregados sem poder de direção.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu nos Estados Unidos – disregard doctrine ou disregard of legal entity, como forma de impedir o uso fraudulento da pessoa jurídica, evitando que se transformasse em um instituto inatingível. Assim, os tribunais começaram a responsabilizar as pessoas físicas, utilizando seus patrimônios para garantir as dívidas realizadas e acobertadas pelo manto da ficção jurídica.
Torna-se imprescindível salientar que a desconsideração não aniquila a personalidade, apenas desapega a pessoa jurídica em detrimento do patrimônio pessoal de quem está por trás desse manto para que não faça uso como meio de escusar-se do adimplemento de obrigações.
2.1 Teorias de aplicabilidade da desconsideração
Existem duas categorias em se tratando dos pressupostos de incidência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. São elas: teoria maior e teoria menor.
A teoria maior, regra no direito brasileiro, estabelecida no Código Civil de 2002, indica que a disregard doctrine não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se a prova da insolvência, a demonstração de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
O desvio de finalidade é a ação dos sócios, intentada em fraudar terceiros, com o uso da personalidade jurídica. A confusão patrimonial destaca-se pela inexistência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios. Já a prova da insolvência se dá pelo inadimplemento da obrigação.
Por outro lado, a teoria menor da desconsideração, adotada, por exemplo, no Direito Ambiental (artigo 4º da Lei nº. 9.605/98) e no Direito do Consumidor (artigo 28, §5º, da Lei nº 8,078/90), apresenta algumas diferenças relevantes. Para incidência da desconsideração baseando-se na teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
3. A DESCONSIDERAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO
O crédito trabalhista, por sua própria natureza alimentar, se reveste de predileções legais. Assim, merece ser atendido com a maior rapidez possível. Isso porque o trabalho, fonte de dignidade da vida humana, existe justamente para manter o fiel sustento do que necessitamos. Se assim o é, carece de imediatidade principalmente quando as normas trabalhistas são desrespeitadas e faz surgir a pretensão. Desse modo, caberá ao Judiciário utilizar de todos os meios legais para responder com a maior brevidade possível ao trabalhador, dado que o Direito do Trabalho possui como função a melhoria das condições de vida do trabalhador.
Entre os meios de assegurar com instantaneidade o crédito trabalhista está a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica da empresa empregadora, alcançando o patrimônio do sujeito que fica por trás dessa ficção jurídica, o sócio.
No processo trabalhista, a teoria adotada para utilização da disregard doctrine é a Teoria Menor. Para tanto, basta a demonstração de insolvência do patrimônio da pessoa jurídica e a comprovação de que o seu controlador ou sócio é solvente. Feito isso, a responsabilidade pela quitação da dívida assumida pela empresa no tocante à satisfação do crédito, transfere-se para a pessoa física, atingindo o seu patrimônio pessoal.
Nesse diapasão, percebemos que se torna muito mais fácil a desconsideração na seara processual trabalhista do que no âmbito civil, por exemplo. Isso porque como visto, o artigo 50 do Código Civil exige requisitos como abuso, desvio e confusão patrimonial para que haja a possibilidade de atingir o patrimônio particular, requisitos esses incompatíveis com a principiologia juslaboralista, pois o trabalhador não pode ficar a mercê dos riscos de uma execução insuficiente.
Essa facilidade ocorre segundo alguns doutrinadores, em virtude da hipossuficiencia do trabalhador. Em outros ramos do Direito em que há uma parte reconhecidamente mais debilitada também ocorre este procedimento simplificado. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, ratifica o exposto, necessitando para a incidência do instituto em estudo, apenas o descumprimento da obrigação e a ciência de solvabilidade da pessoa física constituinte da empresa reclamada.
Ao defender esta aplicação subsidiária, destaca Renato Saraiva (2008, p. 595): “O CDC, na parte processual é totalmente aplicável à execução trabalhista, ainda mais pelo fato da Lei da Ação Civil Pública determinar em seu artigo 21, a aplicação do CDC às ações coletivas e individuais, no que for compatível, se insurgindo como mais um fundamento a ensejar a aplicação também ao processo do trabalho.”
A corroborar com todo o exposto, trazemos à baila a lição de Amador Paes de Almeida (2007, p. 161): “Durante longo período de tempo relutou a doutrina em aceitar a possibilidade de penhorar os bens particulares dos sócios, sob o argumento de que a pessoa jurídica de uma sociedade comercial tem existência distinta de seus membros. Toda sociedade, seja civil ou comercial, é considerada uma pessoa, tem individualidade própria, e com ela jamais se confundem as pessoas que a compõem. Com o passar dos tempos, todavia, cuidou a história de mostrar que a resistência de parte da doutrina, em aceitar a possibilidade de se alcançar os bens particulares dos sócios, não tinha razão de ser. Isto porque, a idéia de personalidade jurídica não pode sobrepor-se a usar de uma máscara, para a ressalva de interesses próprios em detrimento dos interesses sociais, devendo por sua vez, ser desmascarados.”
Nesse contexto, aplaudimos o entusiasmo daqueles que buscam dar efetividade à tutela jurisdicional laboral, protegendo os créditos trabalhistas, dignificando o princípio da proteção.
CONCLUSÃO
A análise que fizemos sobre a temática nos permite concluir sobre a importância da Disregard doctrine como forma de impedir o uso fraudulento da pessoa jurídica, evitando que se transformasse em um instituto inatingível.
Quando constituída essa personalidade ficta o que se buscou foi fomentar a atividade econômica cumprindo uma função social. Assim, ao ver-se deturpado o fim para o qual foi criada e por vezes sendo utilizada de forma a fraudar as obrigações contraídas, o instituto da disregard surge como um remédio a combater esse mal, sem destruir a pessoa jurídica.
A utilização desse mecanismo no processo do trabalho surge com algumas peculiaridades que a distingue da sua aplicação na seara cível. Isso o torna mais eficaz e em consonância com os princípios juslaboralistas. Como vimos, basta a demonstração de insolvência do patrimônio da pessoa jurídica e a comprovação de que o seu controlador ou sócio é solvente para que se ignore a personalidade jurídica e atinja o patrimônio particular.
Dessa forma, constatamos que esse instituto se reveste de conotação própria no âmbito trabalhista devido à natureza alimentar de seus créditos e à proteção jurídica que se dá ao hipossuficiente.
Informações Sobre os Autores
Thiago Gonçalves da Costa
Advogado Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus
Jarbenia Franc Pereira dos Santos
Advogada Graduada em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus