Resumo: 1-Prisão Pena e Prisão Processual. 2-O flagrante. 3- Prisão Temporária. 4-PrisãoPreventiva. 04 5- Prisão decorrente de pronúncia.6- Prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível.7- Conclusões
1-Prisão Pena e Prisão Processual
Desde que nascemos, somos submetidos diariamente a um contínuo processo de assimilação cultural, e passamos a conceber institutos de uma forma tão natural que sequer nos percebemos de suas origens e de um processo evolutivo que subjaz.
Assim é com a prisão, cuja dicotomia é por vezes esquecida, especialmente nos meios leigos. Destarte, podemos ter a prisão-pena e as prisões de cunho-cautelar, cujas naturezas e pressupostos diferem diametralmente, embora existam institutos e direitos que estão presentes tanto em uma, quanto nas outras.
A prisão pena é, ao contrário do que se pensa, algo relativamente recente. Antes das reformas penais que marcaram o período do Iluminismo, capitaneadas por Beccaria, dentre outros, a prisão tinha um cunho quase que exclusivamente cautelar, pois as penas tendiam a ser sanções corporais ou patrimoniais, com execuções, mutilações, banimentos e confiscos, funcionamento, como regra, a prisão tão somente para assegurar a aplicação de tais penas.
Hodiernamente, a prisão-pena é um dos pilares da política de repressão criminal, embora de há muito se questione sua eficácia, especialmente no que se refere aos delitos de menor gravidade, pois é notório que, ressalvadas raras exceções, o cárcere não melhora o comportamento de ninguém. Pelo contrário.
Consagrado o direito de liberdade como direito fundamental pela grande maioria das modernas cartas constitucionais ocidentais, assenta-se, hoje, como fundamento da prisão-pena somente o decreto condenatório transitado em julgado, em atenção ao princípio da inocência (artigo 5º, inc. LVII da CF/88). Afasta-se, portanto, a possibilidade de execução provisória da pena[1].
Assim sendo, a prisão-pena tem uma natureza de direito material, ou seja, é materialização de uma sanção prevista no direito material penal. Em contraponto, temos a prisão de cunho cautelar, ou seja, de natureza processual[2].
Atualmente temos cinco espécies de prisão cautelar, quais sejam: a) a decorrente de flagrante; b) a preventiva; c) a temporária; d) por sentença de pronúncia, e e) por sentença pena condenatória recorrível, as quais passaremos a ver adiante, analisando seus pressupostos e eficácia.
A Constituição Federal de 1988 impossibilitou a subsistência da prisão administrativa, prevista nos artigos 219 e 320 do CPC. Igual destino deu-se à prisão prevista no artigo 35 da Lei de Falências[3], ainda que existam precedentes que o neguem[4].
2-O flagrante
A própria etimologia do vocábulo flagrante é elucidativa a respeito do instituto. Vem de “flagrans” ou seja, aquilo que flameja, reportando-se a uma situação que é apanhada ainda flamejante, quente, no calor dos fatos, referindo-se, portanto, a uma situação que está acontecendo ou acaba de acontecer.
A prisão em flagrante é a única exceção à necessidade de ordem escrita e fundamentada[5] de juiz competente. Da mesma forma, também é única prisão que pode ser executada por “quisquis de populo”. Tanto assim é que preleciona o artigo 310 do CPP que qualquer do povo poderá e as autoridades policias e seus agentes deverão efetuar prisão daquele que se encontrar em estado de flagrância.
Para tal desiderato, por certo que poderá o popular empregar a força necessária, dentro dos limites da lei, pois atua no exercício regular de um direito.
Por outro lado, existem restrições a prisão em flagrante de algumas pessoas. É o caso dos diplomatas. Sendo o flagrante uma espécie de prisão cautelar, não se há falar em flagrante daquele que está, desde já, imune à jurisdição brasileira. O menor está sujeito a ser detido se surpreendido em execução de infração, mas não se trata de prisão em flagrante, pois a restrição da liberdade se faz em vista da apresentação posterior do adolescente à autoridade competente. Os Magistrados e membros do Ministério Público somente poderão ser presos em caso de crime inafiançável (artigos 33, inc. II, da LOMN, e 40, inc. III, da LONMP). Neste caso, a prisão deverá ser comunicada respectivamente ao Presidente do Tribunal de Justiça e ao Procurador-Geral de Justiça.
No caso dos membros do Congresso Nacional, surge o artigo 53, § 2º da CF/88, somente podendo ser detidos por crime inafiancável. Neste caso os autos deverão ser encaminhados á casa respectiva em 48 horas para que delibere a respeito da prisão por maioria de seus membros. Este direito se aplica desde a expedição do diploma. Por extensão do artigo 27, § 1º, da Constituição Federal, a mesma regra aplica-se aos deputados estaduais, no que couber.
A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três espécies de flagrante à luz da letra da lei vigente, quais sejam: o flagrante próprio, ou em sentido estrito; o flagrante impróprio; o “quase flagrante” e o flagrante “ficto”, ou “presumido”. Tais hipóteses correspondem exatamente aquelas elencadas no artigo 302 do Código de Processo Penal.
Nas hipóteses do flagrante próprio também se encontra a do artigo 302, inc. II, que a rigor não caracterizaria uma situação de flagrância, pois o indivíduo, em tal hipótese, na verdade acaba de cometer a infração. Trata-se de uma opção do legislador. As situações dos incisos III e IV correspondem a presunções nas quais não deixa de haver um certo grau de subjetivismo. Mas o que deve ser afastada é a crença de que o prazo de vinte e quatro horas é um delimitador para o estado de flagrância. Tal prazo está relacionado à entrega de nota de culpa, após efetuada a prisão, mas podemos ter estados de flagrância se perpetuando por dias, ou mesmo semanas, nas hipóteses de perseguição. Da mesma forma, o preso poderá ser apresentado mesmo após vários dias, desde que sua apresentação imediata fosse impossível. Nem por isso estará afastado o flagrante.
Fala-se, ainda, em flagrantes “preparados” e “esperados”. A primeira forma tem sido identificada com as situações nas quais existe a indução do agente ao delito, ostentando, portando, caráter de ilegalidade. Mas diversa é a situação do flagrante esperado, no qual inexiste a figura do “agente provocador”, ou seja, a atividade das autoridades reside em colocar-se em posição de vigilância, não havendo atuação positiva na cadeia causal. Por outras palavras, a ação é somente monitorada, sem interferência direta da autoridade policial.
O flagrante esperado poderá dar ensanchas a uma situação de crime impossível, desde que a vigilância torne a consumação do delito virtualmente impossível, incidindo na espécie, a súmula 145 do STF, segundo a qual “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.
Em verdade, gera-se um impasse, pois há situações nas quais a vigilância aparentemente afastaria logicamente a execução do delito (seria crime impossível), e nas quais, no entanto, o agente logra perpetrar a infração. Há, assim, uma “zona cinzenta” na qual não se pode afirmar com certeza que a vigilância torna, a priori, impossível a consumação da infração.
O flagrante não pode ser “revogado”, revogar é retirar a “vox”, o comando, e na prisão em flagrante não há um comando, uma decisão anterior, já que ela decorre do fato em si. Ao receber o flagrante, o juiz o homologa ou não, e no segundo caso temos um relaxamento da prisão, pois a ilegalidade da constrição enseja o seu relaxamento.
Mas se o flagrante é homologado, ou seja, se é afastado o relaxamento, cabe, então, analisar se a hipótese é de liberdade provisória ou não. Atualmente, consoante a redação do artigo 310, parágrafo único, do CPP, a manutenção da prisão somente ocorrerá se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva ou se houver vedação legal à liberdade provisória.
Chegou-se a pensar, em vista disso, que a manutenção da custódia após o flagrante passou a requerer a decretação da prisão preventiva. Por outras palavras, não poderia mais o custodiado ser mantido preso por “força do flagrante”. Esta perspectiva labora em equívoco.
Em verdade o que a lei fez foi apenas condicionar a manutenção da prisão em decorrência de flagrante aos pressupostos da prisão preventiva, mas isso não é transformar a prisão decorrente de flagrante em prisão preventiva, se não apenas emprestar-lhe os pressupostos. Permanece vigente, desta forma, a possibilidade de manutenção de uma custódia decorrente de flagrante no curso do processo. O que ocorre é que ela somente permanecerá se estiver vedada a liberdade provisória[6] ou presentes os requisitos da preventiva.
Caso não estejam presentes, deverá ser concedida a liberdade provisória.
A decisão que conceder liberdade provisória está sujeita a recurso em sentido estrito, assim como a que relaxar a prisão em flagrante ilegal (artigo 581, inc. V, do CPP). A que deixar de conceder a liberdade provisória ou de relaxar a prisão ilegal está sujeita a habeas corpus.
3- Prisão Temporária
A prisão temporária é uma modalidade de custódia cautelar que tem fundamento na Lei nº 7.960/89. Trata-se de uma modalidade de custódia que é exclusiva da fase inquisitorial, e tem por pressuposto a existência de um procedimento de inquérito policial, consoante se depreende do artigo 1º, inc. I, da referida lei.
Não pode ser decretada de ofício, carecendo representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, ao contrário da prisão preventiva. Também está limitada a um requisito temporal, no caso 5 dias, no máximo, prorrogável, em caso de necessidade fundamentada, por igual prazo. Mas não podemos olvidar que a lei dos crimes hediondos estabelece um prazo de trinta dias (artigo 2º, § 3º da citada lei), podendo ser igualmente prorrogado por igual período. Este prazo por óbvio que somente se conta a partir da execução da ordem, significa dizer, a partir da prisão, pois são prazos de duração máxima da custódia.
Uma leitura apressada do artigo 1º da Lei nº 7.960/89 poderia levar a uma amplitude gigantesca do instituto, desde que se considerasse que a presença de uma só das hipóteses do artigo já autorizaria a prisão. A melhor doutrina, e na sua esteira a jurisprudência predominante, têm, todavia, restringido o espectro de possibilidades de aplicação do instituto, requerendo-se que esteja presente o caso do inciso I e ou dos casos dos incisos II e III.
Assim sendo, a prisão temporária somente poderá ser decretada quando imprescindível à investigação do inquérito policial. (inc. I) Mas, além disso, deverá o acusado não possuir residência fixa ou não fornecer elementos para sua identificação(inc. II), ou, ainda, haver indícios de autoria ou participação do acusado em um dos delitos elencados no inciso III, do mesmo artigo, quais sejam: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado de morte, envenenamento de água ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de entorpecentes, e crimes contra o sistema financeiro.
O magistrado dispõe, segundo a lei (artigo 2, §2 º), de 24 horas para apreciar a representação ou requerimento. Tal regra, na prática, somente vale para o requerimento, pois a representação depende de manifestação prévia do Ministério Público. Neste caso, a melhor interpretação é a que deve o feito ser remetido em 24 horas ao Parquet, e posteriormente, quando do seu retorno, tem o magistrado 24 horas para apreciar o pedido. O mesmo vale para o caso de requisição de informações ou de apresentação do preso.
A decisão deverá, em qualquer caso, ser fundamentada (artigo 93, inc. IX, da CF/88 e artigo 2º, § 2º da Lei nº 7.960/89).
À prisão temporária poderá suceder a prisão preventiva, que demandará presença dos requisitos e decisão fundamentada.
A prisão temporária poderá ser relaxada ou revogada. O relaxamento se destina aos casos de ilegalidade, inclusive de falta notória dos pressupostos, pois a prisão realizada sem os requisitos formais ou materiais é ilegal. A revogação, ao revés, destina-se aos casos de alteração da situação fática que façam desaparecer os motivos ensejadores da prisão.
O decreto de encarceramento poderá, também, ser contrastada por via do habeas corpus em caso de ilegalidade. O recurso cabível da denegação do pedido é o recurso em sentido estrito.
4-Prisão Preventiva
Ao contrário da prisão temporária, a prisão preventiva poderá ser decretada de ofício, por representação da autoridade policial e por requerimento do Ministério Público.
Vale lembrar que a representação da autoridade policial não difere do requerimento do Ministério Público. Ambos devem expor os fatos, enquadrá-los dentro dos permissivos legais, declinando as razões da custódia e formulando seu pedido. A particularidade reside no fato de que a representação da autoridade policial é remetida ao Ministério Público para parecer prévio.
Da mesma forma, é bom lembrar que a representação deve ser fundamentada, até porque é ato administrativo que não prescinde da motivação. As manifestações do Ministério Público, de seu turno, devem sempre ser motivadas, sejam elas quais forem (artigo 43, inc. III, da Lei nº 8.625/93).
O caput do artigo 311 do CPP prevê, ainda, a possibilidade a decretação da custódia em qualquer fase da do inquérito policial ou da instrução criminal.
Aqui surge uma questão. É que a lei fala em instrução criminal, e esta, tecnicamente, encerra-se com a abertura da fase do artigo 500 do CPP ou após a oitiva das testemunhas, dependendo do rito.
Ocorre, porém, que alguns dos fundamentos da custódia elencados no artigo 312 do CPP podem ocorrer após esta fase, como, por exemplo, a asseguração da aplicação da lei penal ou a garantia da ordem pública. Seria cabível a prisão após esta fase diante desta constatação?
Antes mesmo de entrar em qualquer discussão jurídica acerca do vocábulo instrução criminal e do seu alcance, é de se apontar que pode haver instrução no segundo grau, após a sentença, pois a instância ad quem pode determinar a conversão do julgamento em diligência se ocorrerem, por exemplo, fatos novos. De outra banda, o artigo 316 refere a “correr do processo”[7].
Mas para decretação da prisão mister a presença de dois requisitos basilares, dentre outros. Há necessidade de prova da existência do delito e indícios suficientes de autoria (artigo 312 do CPP).
A prova de existência do crime se traduz, no mais das vezes, em sua materialidade. Evidentemente que um juízo definitivo acerca da existência do criem somente advirá na prolação da sentença, pois pode ocorrer absolvição com fulcro no artigo 386, incs. I e II.
Deverá haver, portanto, prova segura de que ocorreu fato apto a caracterizar crime, ficando sua exata comprovação, sob crivo do contraditório, e qualificação postergada para fase seguinte.
Já quanto à autoria, bastam indícios, significa dizer, fatos provados sumariamente, ou conhecidos, que indiretamente apontem para o acusado. É evidente que fica um largo campo dentro do qual o julgador pode transitar a fim de considera ou não presentes indícios suficientes de autoria. Toda a cautela é recomendada, portanto, pois trata-se da liberdade de uma pessoa que ainda não pode ser considerada culpada.
Além da presença destes requisitos básicos, devem estar presentes os fundamentos da custódia que são referidos também no artigo 312 do CPP. São eles: a garantia da ordem pública ou ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou asseguração de aplicação da lei penal.
A garantia da ordem pública ou econômica está fundalmentalmente associada à possibilidade de perpetração de novos delitos. Como raramente, ou, dir-se-ia, quase nunca, os réus costumam publicizar sua intenção de cometer novos delitos, na verdade nunca se tem certeza disso completamente. Os indícios, sobretudo dados pessoais, e, especialmente, a vida pregressa do acusado é que fornecem esteio para se presumir que isso ocorreria. Claro que há casos nos quais há elementos de convicção bastante robustos, como, ad exemplum, quando se apanha uma quadrilha altamente especializada e equipada, onde a probabilidade de que seriam cometidos novos delitos é elevada.
Mas a garantia da ordem pública também se faz necessária nos casos de delitos que causam clamor público, ainda que este seja um fator muito indeterminado. Que se há de entender por clamor público? Qual o limite de repercussão que passa a autorizar a custódia?
Ora, isso de pende de região para região, de época para época. Em uma pequena e pacata cidade interiorana, pode causar enorme clamor público um delito que em um grande centro é apenas mais um. Como não há como fazer uma “pesquisa de opinião”, na verdade se cai em um certo grau de subjetivismo na aferição do clamor público. Mas apesar destas reservas e dificuldade, é certo que quando um delito tem repercussão grave, atentaria contra a credibilidade do Poder Judiciário e causaria alarma social a liberdade de um acusado, sendo, portanto, um fundamento válido, desde que fundamentado.
A conveniência da instrução criminal liga-se principalmente à possibilidade de que o réu venha a ocultar provas ou intimidar testemunhas. Na prática, a prisão não impede que isso ocorra, pois o causado pode se valer de terceiros, na medida em que não fica incomunicável. Porém, é certo que ao menos fica dificultada sua ação.
No caso de prisão decretada por conveniência da instrução criminal, há que se salientar que a custódia fica condicionada a um prazo razoável de tramitação do feito nesta fase, tendo a jurisprudência criado o fictício lapso de 81 dias para um processo que tramite sob o rito codificado dos delitos apenados com reclusão[8].
Tal excesso de prazo não dará azo à revogação da custódia ou concessão de hábeas corpus, todavia, se decorrer devido a providências requeridas pela defesa, conforme consta da súmula 64 do STJ.
Segundo o verbete sumular nº 52 do mesmo pretório, encerrada a instrução, fica superada a alegação de excesso de prazo.
Já a asseguração da aplicação da lei penal tem como hipótese típica a revelia do acusado, indicando que pretende se evadir da responsabilização penal, mas também pode ocorrer em hipótese nas quais indícios indicam uma fuga ou esta é facilitada por circunstâncias particulares.
Para ilustrar estas hipóteses, poderíamos citar os casos em que o réu começa a desfazer-se de bens ou nos casos em que o distrito da culpa fica próximo à fronteiras ou regiões de fácil ocultação, como regiões inóspitas ou desabitadas, ou que facilitam a fuga, como grandes entroncamentos rodo-ferroviários.
Mas há, ainda outros requisitos, estes previstos no artigo 313 do CPP. Em regra, somente os delitos apenados com reclusão admitem a prisão preventiva. Por exceção, os delitos apenados com pena de detenção a admitem quando o acusado é vadio e há dúvida sobre sua identificação, não fornecendo elementos para seu esclarecimento.
Mas o que é um “vadio”?. Desde que exista em algum lugar um conceito jurídico, dele devemos nos valer. No caso em apreço a opção lógica para uma definição está no artigo 59 da Lei de Contravenções Penais. Assim sendo, para que o indivíduo seja caracterizado como vadio, deverá entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho e não tendo renda suficiente para prover sua subsistência, oriunda de ocupação lícita. Logo, quem vive, exemplificativamente, de rendas, ainda que não trabalhe, não é vadio.
No que diz respeito à identidade, uma vez que o acusado tenha fornecido documento, nãos e pode exigir-lhe outra identificação[9]. Nada impede, porém, que existam fundadas dúvidas acerca da veracidade da documentação apresentada. Neste caso, legítima se torna a prisão preventiva.
Também será decretada a prisão preventiva daquele que tiver sido condenado definitivamente pela prática de crime doloso, ressalvado o transcurso do prazo de reincidência. Esta hipótese pode suscitar discussões assemelhadas a que ocorre quando à agravante da reincidência, a qual, segundo isolados entendimentos jurisprudenciais, representaria um bis in idem, pois um delito cuja pena já fora expiada pelo réu vem a produzir novamente efeitos contra si.
Por outro lado, também se pode afirmar que o fato de ter o réu cometido outro crime não é indicativo necessário de periculosidade a ensejar sua custódia.
O primeiro argumento não grassa acolhida, porque não se está impondo nova pena ao réu. Mas o segundo de fato pode suscitar ponderações, porque automatiza a prisão em vista de um fato pretérito, criando uma presunção legal. Mas se fosse seguir-se esta premissa, acabaríamos por chegar a um ponto no qual a prisão preventiva se tornaria legalmente inviável, pois os conceitos envolvidos quase sempre se reportam a presunções de fato ou de direito.
Conclui-se assim, que deverão estar presentes os pressupostos do artigo 311, algum dentre os do artigo 312, e algum dentre os do artigo 313.
Assim como ocorre com a prisão em flagrante, a prisão preventiva é incompatível com a presença das excludentes da ilicitude, conforme o artigo 314 do CPP.
Escusado referir que a alteração dos fatos no curso do processo tanto poderá determinar a decretação da prisão preventiva como sua revogação, sempre, porém, por decisão fundamentada (artigo 93, inc. IX da CF/88 e 315 do CPP), embora o artigo 315 do CPP fale, erroneamente, em “despacho”.
A prisão preventiva poderá ser relaxada, se ilegal, ou revogada, se houver alteração da situação fática.
A decisão que nega pedido de prisão preventiva está sujeita a recurso em sentido estrito (artigo 581, inc. V, do CPP), sem efeito suspensivo. A que decreta a prisão, está sujeita a habeas corpus, ao qual pode ser agr5agado pedido liminar.
5- Prisão decorrente de pronúncia
O procedimento do Júri, destinado aos delitos dolosos contra a vida, tentados ou consumados, apresenta-se dividido em duas fases no primeiro grau de jurisdição. O judicium acusationis, que inicia com o recebimento da denúncia e vai até a fase dos artigos 408 e seguintes, e o judicium causae, que terá início partir do trânsito em julgado da sentença de pronúncia.
Ao julgador, colocam-se quatro alternativas ao fim do judicium acusationis. Se estiver convencido da existência de crime e de indícios de autoria na(s) pessoa(s) do (s) acusado(s), acolherá a denúncia pronunciando, ocasião em que determinará os dispositivos legais nos quais incidiu o réu, sejam ou não exatamente os da denúncia, recomendando-o na prisão ou decretando-lhe a prisão, salvo se primário e de bons antecedentes.
Se estiver cabalmente comprovada causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, absolverá sumariamente o réu[10], remetendo, de ofício, esta decisão a reexame pelo 2º grau de jurisdição[11].
Se não se convencer da existência de crime ou de indícios de autoria, impronuncia. Trata-se de um julgamento singular, pois quanto à motivação e embasamento lógico, aproxima-se da sentença absolutória do artigo 386, inc. I, II, II, IV, e VI do CPP, mas não impede a propositura de nova ação penal pelo mesmo delito, desde que não operada a prescrição, e que surjam novas provas, sendo que a decisão proferida com espeque no artigo 386, no procedimento comum, ou nos especiais que se valem supletivamente do CPP, se absolutória, impede a propositura de nova ação penal, ainda que surjam novas provas.
Por fim, se o magistrado se convence de que o delito não é crime doloso contra a vida, procederá a desclassificação do delito, remetendo o feito ao juiz competente, se ele não o for, ocasião em que será reaberto prazo para defesa e oitiva de novas testemunhas.
A prisão por pronúncia somente ocorrerá em caso de ser o réu pronunciado. Nesta hipótese, a prisão por pronúncia passa a ser o novo fundamento da custódia se o réu já estava preso preventivamente ou por força de flagrante[12]. Mas e se a sentença de pronúncia for cassada[13], como fica a situação do réu preso?
Ora, se houve anulação, então o estado de prisão preventiva ou em decorrência de flagrante não teria sido alterado pela sentença, e é a este título que o réu permaneceu preso e assim poderá permanecer, caso subsistam os requisitos da custódia cautelar a que estava antes submetido. Por outras palavras, a cassação da pronúncia não implica, ipso faco, revogação da prisão anterior ou concessão de liberdade provisória[14].
A prisão decorrente de pronúncia dá ensanchas à questionamento acerca de sua constitucionalidade. Estabelecidos os primados do estado de inocência e da liberdade como regra, as prisões automáticas decorrentes de comando direto da lei, sem outras razões de fato, podem ser questionadas.
Já se decidiu que “a prisão provisória, como efeito jurídico-processual decorrente da sentença de pronúncia, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”[15]. Correto, pois a custódia cautelar não ofende, qualquer que seja a sua modalidade e abstratamente considerada, a Constituição Federal.
Na realidade, é possível uma interpretação perfeitamente compatível dos dispositivos do CPP com a Constituição. Se o réu já estava preso, seja por flagrante ou por prisão preventiva, é porque a liberdade provisória era vedada ou não era possível, por estarem presentes as circunstâncias do artigo 312 do CPP, aplicável às duas modalidades de prisão (flagrante ou preventiva).
Poderá, ainda, se houver primariedade e bons antecedentes, revogá-la (preventiva), ou conceder liberdade provisória (flagrante)[16].
Se o réu estava solto, o fato de ter sido pronunciado o conduz à prisão caso não seja primário e de bons antecedentes, consoante diz a lei, mas não se pode admitir a automatização da prisão.
De outra banda, ainda quando esteja em situação de primariedade e com bons antecedentes, poderá lhe ser decretada a prisão se existirem razões para tanto. Quais? As do artigo 312 do CPP, pois não poderá o juiz, existindo espécie de prisão própria para a pronúncia, decretar a prisão preventiva, ainda que estejam presentes os requisitos para tanto, Cumpre-lhe valer-se dos parágrafos 1º e 2º, do artigo 408 do CPP, e fundamentadamente, determinar a captura do réu.
Se o magistrado atentar para a necessidade de fundamentação, a prisão nesta fase não decorrerá de mera aplicação mecânica da lei, mas sim de demonstração de que os antecedentes e a reincidência,, ou as circunstâncias do artigo 312 do CPP recomendam a custódia[17].
A prisão decorrente de pronúncia poderá ser revogada pelo decisor a quo quando apesar de bons antecedentes e primariedade, foi o réu preso por ocasião da decisão, por estarem presentes os requisitos da preventiva, ou, ainda, quando apenas fora mantida preventiva ou prisão em flagrante anteriormente existente, sendo o réu primário e de bons antecedentes, desde que em todas as hipóteses tenha se alterado o quadro fático.
Poderá, também, ser objeto de relaxamento ou revogação no segundo grau. Neste caso o decisum pode ser vergastado pelo recurso em sentido estrito, ex vi do artigo 581, inc. IV[18], do CPP, pois a decretação da custódia também integra a decisão.
O recurso poderá voltar-se à anulação da sentença. Caso acolhido, se o réu estava preso anteriormente, repristina-se a aplicação do antigo motivo, caso ainda exista. Se somente foi preso por ocasião da decisão, uma vez que reste cassada, deverá ser posto em liberdade.
Poderá também, ser reconhecida a ilegalidade da custódia, mantendo-se a pronúnci,a porém. Neste caso, o tribunal poderá conceder habeas corpus de ofício, determinando a soltura do réu.
Por fim, poderá haver alteração na situação fática ou nova avaliação dos fatos que ensejaram a prisão, ocorrendo, então, revogação da custódia, seja o provimento do recurso total ou parcial.
De gizar que ainda que não conhecido o recurso, em caso de ilegalidade da prisão, poderá ser concedido habeas corpus de ofício pela instância ad quem.
Mas poderá, igualmente, ser manejado habeas corpus diretamente[19], em caso de ilegalidade da prisão, caracterizando-se, porém, caso de falta de interesse rescursal o manejo das duas impugnações simultaneamente, ou sucessivamente com o mesmo fundamento.
6- Prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível
Esta forma de custódia cautelar encontra fundamento nos artigos 393, inc. I, e 594 do CPP.
Consoante o artigo 5º, inc. LVII, somente após o trânsito em julgado de decisão condenatória alguém poderá ser considerado culpado. Tal dicção levou a concluir-se que estaria revogada a possibilidade de custódia cautelar, pois esta significaria, na prática uma verdadeira execução antecipada da pena privativa de liberdade que poderia eventualmente ser imposta.
O dissídio na tardou a bater às portas dos Tribunais Superiores, onde se consignou que o princípio da inocência não é incompatível com a custódia cautelar[20].
Absolutamente correta esta exegese, pois embora sob o ponto de vista prático o fundamento de uma custódia possa fazer pouca diferença concreta para que está preso, o certo é que a prisão cautelar é diametralmente diversa da prisão-pena sob o ponto de vista jurídico.
A coincidência entre os efeitos práticos de uma prisão provisória e de uma prisão-pena não autoriza a identificarmos os gêneros.
Aliás, se identidade houvesse sob o ponto de vista prático, então uma simples multa de trânsito poderia ser equiparada a uma pena pecuniária de natureza penal.
De outra banda, a prisão cautelar é, infelizmente, uma necessidade inarredável à repressão penal e ao controle social. O Estado e a sociedade não podem se escudar na palavra do réu ou investigado de que não irá fugir, coagir testemunhas ou repetir o delito. Aliás, se o delinqüente tivesse algum compromisso com o Estado e a sociedade, em regra sequer teria cometido o delito.
Assim, resta de todo superada a alegação de que a custódia cautelar é inconstitucional, em que pesem algumas raras e ultrapassadas invocações em processos criminais deste argumento.
Uma coisa, porém, é certa, o mero fato de ser condenado recorrivelmente não pode servir de lastro único para a custódia do réu, mormente se se livrou solto durante o processo[21].
Neste passo, com razão se afirma que o regime de liberdades assegurado pela Constituição Federal, havendo expressa consagração da liberdade como direito fundamental, assim como o princípio da inocência, é incompatível com a automatização das prisões.
Em um tal contexto, melhor se nos antolha atrelar a prisão decorrente de sentença pena condenatória recorrível à presença dos requisitos da prisão preventiva, seja por já estarem presentes anteriormente, seja por advirem após o édito condenatório[22], ou, no mínimo a antecedentes que possam fazer antever que a liberdade do réu é um perigo para a sociedade ou prejudicial ao processo. Destarte, “da presunção constitucional de não culpabilidade decorre ser cabível, ao réu condenado por sentença recorrível, apelar em liberdade, se inexistentes os pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva.”[23], pois “a prisão do réu, dentro no sistema processual penal vigente, é efeito da sentença condenatória recorrível (Código de Processo Penal, artigo 393), cuja desconstituição somente, e por exceção, é admitida, quando se cuidar de primário e portador de bons antecedentes e se fizerem ausentes os motivos que determinam a prisão preventiva, elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal.”[24]
A referida hipótese de custódia, portanto, no mais das vezes, tomaria a feição de mera mudança no fundamento de uma custódia já existente anteriormente por força de prisão decorrente de pronúncia ou prisão preventiva ou decorrente de flagrante.
Nestas hipóteses, após condenar o réu, o magistrado, analisando as condições concretas do caso, deverá conceder ao réu, ou não, o direito de apelar em liberdade.
O que não se pode admitir, repita-se, é o simples fato de alguém ter sido condenado, decisão esta ainda sujeita a reforma, servir de base exclusiva para um encarceramento, o mesmo argumento valendo para a sentença de pronúncia.
Nos casos de necessidade de custódia para apelar, a rigor não estaria o réu preso por força de cumprimento de uma pena, e, portanto, seria impossível conceder-lhe benefícios como livramento condicional e progressão de regime.
Destarte, era comum a menção à formação do denominado “PEC provisório”, algo juridicamente inexistente, pois não existe possibilidade de uma execução provisória de pena[25].
Recente verbete sumular do STF[26], no entanto, tem por admissível uma verdadeira execução provisória ao admitir que ao preso provisório sejam estendidos benefícios próprios de uma situação de execução de pena, na qual ele não se encontra na realidade.
Esta situação cria a possibilidade de ter o juiz de analisar se devem ser concedidos benefícios em vista do caso concreto, mesmo estando o réu preso por força de prisão provisória, pois embora agora seja um direito seu ter assegurados estes benefícios próprios da execução, circunstâncias especiais podem recomendar que não lhe sejam deferidos.
A prisão decorrente de sentença penal condenatória poderá ser relaxada, se ilegal, ou revogada, sempre pela instância ad quem, seja apreciada a questão como matéria de apelação (preferencialmente como preliminar), seja como objeto de habeas corpus.
7- Conclusões
Não resta dúvida que hoje a liberdade é um dos mais caros direitos individuais. Da mesma forma, não se pode sustentar, hodiernamente, em um Estado Democrático de Direito, que alguém possa ser considerado culpado sem que exista uma sentença condenatória transitada em julgado, prolatada após um devido processo legal, onde tenham sido garantidos com plenitude a ampla defesa e o contraditório.
Por outro lado, não menos verdade é que a custódia cautelar ainda é uma necessidade inarredável, pois a natureza humana ainda se presta aos mais vis atos, e, por vezes, a asseguração da eficácia do próprio processo, ou a defesa da sociedade, recomendam o encarceramento do indivíduo que não tem, ainda, sua culpa formada.
A custódia cautelar, portanto, qualquer que seja sua forma, não é incompatível logicamente com o princípio da inocência e com a consagração da liberdade como direito de máxima envergadura, pois não se pode sustentar de forma razoável que qualquer direito subjetivo individual seja absoluto, notadamente quando confrontado com o direito de toda uma sociedade.
Porém, uma visão fulcrada nos primados filosóficos e jurídicos que norteiam a existência de um Estado Democrático de Direito, implica, também, em uma postura responsável diante da custódia cautelar, que passa a ser regida pelo princípio da excepcionalidade.
Da mesma forma, repelindo o exercício legal e democrático do poder qualquer pessoalização, e tendo em vista o ato extremo que representa o encarceramento, os atos que o tenham por conseqüência deverão, por óbvio, ser devidamente fundamentados, excetuadas as hipóteses legalmente previstas, onde a análise posterior do fato é relegada para a autoridade competente.
A fundamentação da decisão que determina a custódia cautelar é corolário lógico do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório.
Desta forma, atentos a esses princípios, poderemos encontrar nas prisões cautelares um valioso instrumento de combate à criminalidade, que cresce a olhos vistos, não obstante alguns “visionários” ainda pugnem pela possibilidade de resolução deste grave problema a partir de uma perspectiva puramente social, o que tem se demonstrado um rematado equívoco.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Colombelli Mezzomo
Juiz de Direito Substituto, atuando na 2ª Vara Cível e Anexo da Fazenda Pública de Erechim-RS