Desembargador Federal? A que propósito?

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A Constituição Federal,
na cabeça do artigo 76, prevê expressamente que “o Poder Executivo é
exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de
Estado”. Não é preciso qualquer conhecimento jurídico aprofundado para
concluir que, portanto, a denominação do cargo do Chefe do Poder Executivo,
queira ele ou não, é “Presidente da República”.

Não haveria qualquer
problema mais sério se ele – o Presidente da República – solicitasse ou
exigisse que seus assessores de confiança, familiares e amigos o tratassem por
“Imperador”, “Rei”, “Comandante-em-Chefe” ou
“César”. Seria ridículo, mas não ilegal. Ilegal seria se ele baixasse
Decreto prevendo que, a partir de então, o Chefe do Executivo não se
intitularia mais Presidente e sim, por exemplo, “Primeiro-Ministro”.

Mas a Constituição não
nomeia apenas o Chefe do Executivo. Os integrantes do Senado Federal,
obviamente, são os Senadores (§ 1º do artigo 46). O Chefe do Poder Executivo
Municipal é o Prefeito (§ 6º do artigo 14). Os Legisladores Municipais são os
vereadores (letra d do inciso VI do § 3º do artigo 14). Por isso, acredita-se
que nenhuma Câmara cogitaria de emendar a Lei Orgânica do Município com o
intuito de alterar a denominação dos seus integrantes para “Senadores
Municipais” – a zombaria seria retumbante.

No âmbito do Poder
Judiciário, a Constituição também é expressa. Os juízes do Supremo Tribunal
Federal denominam-se Ministros (artigo 101), assim como todos os integrantes
dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM). No sistema federal, tanto os
magistrados dos Tribunais Regionais do Trabalho (artigo 115) quanto os dos
Tribunais Regionais Federais (artigo 107) intitulam-se simplesmente
“juízes”; que é exatamente a mesma denominação atribuída aos
magistrados de primeiro grau (inciso II do artigo 106 e inciso III do artigo
111).

E é possível concluir,
com absoluta segurança, que a expressão juiz não indica simplesmente o gênero;
ao contrário, é a própria denominação do cargo. Basta ver que a Constituição
expressamente declara que o Superior Tribunal de Justiça (inciso I do parágrafo
único do artigo 105) é formado de “um terço dentre juízes dos Tribunais
Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça,
indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal”.

Eis aí uma curiosidade:
o que é um Desembargador? Por uma questão de lógica – visto que a conclusão
decorre da literalidade do texto da Constituição -, Desembargadores são juízes
que integram os Tribunais de Justiça dos Estados. A denominação é mais antiga
que o Brasil e foi mantida pela tradição,
como veremos mais abaixo.

Um Tribunal de Justiça é
a mais alta Corte do sistema judiciário estadual e, portanto, possui
importância análoga à do STF no âmbito federal. E o que se diria de uma reforma
do regimento do Tribunal de Justiça mediante a qual fosse alterado o seu
próprio nome para “Supremo Tribunal Estadual” e os seus
Desembargadores passassem a se denominar “Ministros Estaduais”? Sem
dúvida, a chacota seria geral. E, talvez por isso, não haja registro de
semelhante delírio na nossa história.

Por causa disso, é
impressionante tenha passado despercebida a alteração
do Regimento Interno do Tribunal Federal da 4ª Região (cujos integrantes são
constitucionalmente denominados “Juízes”). Por meio dela (Assento Regimental
n. 34, de 27-8-2001), foi alterado o parágrafo único do artigo 33, cuja redação
passou a ser a seguinte: “os integrantes do Tribunal terão o título de
Desembargador Federal, receberão o tratamento de Excelência e usarão capa como
traje oficial; conservarão o título e as honras correspondentes mesmo depois de
aposentados, sendo o título extensivo aos já anteriormente aposentados”.

A idéia não é original,
pois desde a implantação do Tribunal Federal do Rio de Janeiro (2ª Região), em
1989, os seus integrantes ostentam tal título. Nisso foram imitados pelo
Tribunal de São Paulo, em seguida pelo do Recife. O da 1ª Região, com sede em
Brasília, era o único que resistia à mudança. No entanto, também sucumbiu.
Porém, o mais interessante é o fato de que a questão tão-só veio à tona quando
os Juízes de um Tribunal Regional do Trabalho tomaram atitude idêntica. A
iniciativa foi desaprovada formalmente até mesmo pelo Presidente do Supremo
Tribunal Federal.

“Desembargador
Federal”? Como pode haver Desembargador Federal, se Desembargador – como
se viu, por determinação expressa do Legislador
Constituinte – é o integrante do Tribunal de Justiça do Estado? Não seria algo
tão esdrúxulo quanto a existência de um
“Presidente do Governo Estadual”?

A explicação, conforme
notícia veiculada pelo Tribunal no dia 6-9-2001
(http://www.trf4.gov.br/trf4/noticias/index.htm), é a seguinte: “O
objetivo da modificação é proporcionar uma identificação mais direta do nome do
cargo com a condição de julgadores de uma corte, tendo em vista que o termo
desembargador já é bastante conhecido da população quando se refere aos membros
dos Tribunais de Justiça dos Estados”.

Duas questões: é muito
provável que a esmagadora maioria da população não saiba o que seja um
Desembargador ou uma “corte”; menos ainda a diferença entre um
magistrado que integra uma “corte” e outro que não a integra. A
segunda e primordial: qual o problema se um Juiz do Tribunal Regional Federal
não se identificar de uma forma mais direta com um magistrado que induvidosamente
ostenta a “condição” de julgador de uma corte?

E ainda que fosse algo
extremamente insuportável ser confundido com um juiz de primeira instância,
nada se poderia fazer, pois é essa a vontade do legislador constituinte. Tanto
que o artigo 34 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – plenamente recebida
pela Constituição de 1988 – expressamente declara que “os membros do
Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos, do
Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal
Superior do Trabalho têm o título de ministro; os dos Tribunais de Justiça, o
de desembargador; sendo o de juiz privativo dos integrantes dos outros
tribunais e da magistratura de primeira instância”.

A coisa toda aparenta
ser uma ninharia, mas não é. É o Poder Judiciário – a quem compete cumprir e
fazer cumprir as Leis e a Constituição – praticando um ato direta e
insofismavelmente contrário à própria Constituição e à Lei Orgânica da
Magistratura Nacional. Trata-se, sem dúvida, de um péssimo exemplo.

Por isso mesmo é que
defendo o seguinte ponto de vista: sendo algo tão relevante alterar a
denominação dos cargos dos integrantes dos Tribunais Regionais da União, ao
menos que isso se faça de forma válida, mediante a aprovação de mais uma Emenda
à nossa já bastante remendada Carta. Assim, todos seriam Desembargadores –
Federais, do Trabalho e Eleitorais. Por certo, continuaria a ser um tanto
grotesco, mas pelo menos seria legítimo.

Ademais,
é importante saber de onde vem a palavra “desembargador” e
sua total incompatibilidade com a Justiça Federal, apesar de também existirem
recursos de embargos nesta, a origem vai antes do Brasil ser colonizado pelos
portugueses, ou seja, era de uma justiça exercida pelo Rei de
Portugal na Idade Média, que podia conceder a clemência régia e para isto
dispunha de desembargadores para auxiliá-lo, coordenados por um Regedor.
Como as súplicas tinham que ser direcionadas ao Rei, e este tinha várias
atribuições, eram estas tidas por embargos, ou seja, um estorvo, obstáculo que
limitava o Rei com questões menores. E como ele tinha que atender aos seus
súditos para não ter sua coroa ameaçada, nomeava os desembargadores que
já traziam tudo pronto para  a aprovação real. Mais ou menos como os
atuais assessores de magistrados e até mesmo estagiários fazem em nossas
cortes de Justiça. Não me parece que os Juízes Federais que compõem a 2ª
instância nos TRFs se
enquadrem nestes moldes.

Já os atuais
desembargadores, reconhecidos pela Constituição Federal vigente, que compõem a
cúpula do Judiciário Comum, que é estadual, utilizam-se do termo por uma
conexão histórica de evolução dos Tribunais da Relação, que ainda existem em
Portugal e são as Cortes de Apelação da Justiça Comum, assim como os nossos
Tribunais de Justiça. Para entendermos melhor o instituto,
faremos uma incursão pela História da Justiça Portuguesa e Brasileira.

Nos primórdios da vida
portuguesa, depois de uma parte da Cúria ou Consilium
visigótico se ter especializado na administração da Justiça e passado a
desempenhar funções jurisdicionais de 1ª instância ou de recurso, em nome do
Rei, admitia-se uma revisão do decidido, em última instância, para o próprio
Monarca, presidindo a um Tribunal supremo.

Como juiz supremo do
reino, na idade média, o rei fazia-se acompanhar freqüentemente de juízes, a
quem atribuía o julgamento das questões que lhe fossem submetidas. Tratava-se
do Tribunal da Corte ou do Tribunal da Casa do Rei ou Casa da Justiça da Corte
que acompanhava o rei nas suas deslocações. Esse Tribunal era composto por
Juízes que se designavam de “Sobrejuízes”,
exatamente porque tinham poderes de reapreciação do decidido em instâncias
inferiores. A primeira lei em que aparece a designação de “Sobrejuiz” data de 11 de Abril de 1266.

Até Afonso V, o tribunal
supremo era designado por “Casa d’El
Rei”; todavia já no reinado de Afonso IV, embora timidamente, o tribunal
era denominado também de “Desembargo do Paço”, porque se pedia aos
“Sobrejuízes” que “desembargassem os
feitos o mais asinha possível”
, o que motivou que os seus
Juízes passassem também a ser designados como “Desembargadores”,
designação que ainda hoje subsiste para os Juízes de 2ª Instância, isto é para
os Juízes dos Tribunais da Relação de Portugal. Em tempo, Paço quer dizer o
local onde está instalada a corte, de Palácio, dá a idéia de proximidade com o
Rei.

Só em 1477, no reinado
de D. João II, o Desembargo do Paço passou a ser um tribunal distinto da Casa d’El Rei, com funções de
“Tribunal de Graça”.

Nas Ordenações Afonsinas, a Casa da Justiça da Corte era presidida por um
regedor e governador, cujas principais atribuições era
conhecer, em 1ª instância das questões submetidas à corte, isto é, dos feitos e
litígios que ocorriam nos lugares onde o monarca se encontrasse e ainda das
súplicas nos casos em que não fosse possível a apelação ou o agravo.

Pelas Ordenações Afonsinas, a Casa da Justiça ou Desembargo do Paço foi
dividida em duas seções ou “Mesas”: A “Casa d’El Rei”, propriamente dita, também conhecida
como “Mesa Grande”, e que mais tarde, com D. João I, veio a ser a
“Casa da Suplicação” ou “Casa da Soppricaçom”,
nome que lhe veio de nos recursos de natureza penal respeitantes aos crimes
mais graves, se suplicar
a benevolência real no tocante à medida das penas; e a “Outra
Mesa”, depois designada por “Casa do Cível” e, posteriormente,
“Relação” ou “Rollaçom”, que veio
a sedentarizar-se em Lisboa e mais tarde no Porto e
de cujas decisões se podia recorrer, em certas circunstâncias, para a
“Mesa Grande”.

Como
reminiscência curiosa desta divisão entre a “Mesa Grande” e a
“Outra Mesa”, refere-se que, ainda hoje, no Supremo Tribunal de
Justiça de Portugal, existe uma sala de reuniões com uma mesa grande e três
outras salas menores com mesas pequenas, destinadas, inicialmente, a reuniões
plenárias, a primeira, e a reuniões com menor número de Juízes, as restantes, e
que no Século XVIII, na “Casa da Suplicação”, além da “Mesa
Grande”, em que decidiam os dez Desembargadores dos agravos, havia mais
seis “Mesas”, para as restantes matérias.
O Tribunal da Relação é pois fruto da evolução dessa
Mesa Grande, Rollaçom ou Casa do Cível dos tempos de
antanho, como veremos a seguir.

A estrutura
orgânica das Ordenações Afonsinas mantém-se até as
Ordenações Manuelinas de 1514, mas em 1521 os desembargadores do Paço deixam de
ser considerados “Juízes da Casa” para formarem um corpo autônomo,
separado e único. Despacham diretamente com o Rei, e passam
a reunir-se numa sala diferente e especial – sala do Paço – denominada
popularmente “casinha”, que vai originar um novo Tribunal – O DESEMBARGO
DO PAÇO – consolidando o termo. Pode-se notar que em diversas épocas chamou-se de Desembargo do Paço órgãos jurisdicionais
semelhantes, porém distintos, pois o nome trazia a imagem de agregado ao
Rei. No domínio destas Ordenações, o tribunal mais alto do reino era
considerado “A CASA DE SUPLICAÇÃO” cuja missão era “fazer rollaçom”, ou seja, dar audiência e fazer justiça às
partes. Nesta Casa da Suplicação eram empossados e prestavam juramento todos os
corregedores, ouvidores e juízes de fora nomeados pelo Rei.

Junto do seu regedor
funcionava o chanceler-mor do Reino e compreendia desembargadores do agravo,
desembargadores das ilhas, ouvidores, juízes dos feitos de el-rei,
além do promotor de Justiça e procurador. Estes juízes eram genericamente
designados por desembargadores e reuniam em mesa grande, em mesas separadas ou
em audiências (cf. Ordenações Manuelinas, Livro I, títulos 1 a 12).

Filipe I, por Lei de 27
de julho de 1582, atendendo as inúmeras reclamações acerca dos encargos e
outros prejuízos sofridos na administração da Justiça, tornou permanente a
“Casa da Suplicação” fixando-lhe a sede em Lisboa. E transferiu a
Casa do Cível, de Lisboa para o Porto, tomando o nome da Casa do Porto. A Casa
da Suplicação compreendia as províncias do centro e sul bem como as ilhas e
colônias. A Casa do Porto compreendia as províncias do norte.

Ambas, todavia, tinham
competência civil e criminal nos respectivos distritos judiciais. A “CASA
DA SUPLICAÇÃO” e a “CASA DO PORTO” são normalmente consideradas as antecedentes dos atuais Tribunais da Relação de Lisboa e
Porto, respectivamente, aos quais se juntaram em 1918 – Decreto nº 2450 de 8 de Maio – a de Coimbra e em 1973 – Decreto-lei
nº 202/73 de 4 de Maio – a de Évora.

Voltando para o Brasil
colônia, após o descobrimento, entre os anos 1501 e 1532, estabeleceram-se os
núcleos de colônia onde não havia legislação sistemática. Em seguida, vieram as
capitanias hereditárias. Foi a partir de 1549 que, oficialmente, temos notícia
do primeiro magistrado. Era ele o Ouvidor, que atendia o primeiro
Governador-Geral na administração da Justiça, em Salvador (Bahia), então
capital da colônia.

Com o Brasil dividido em
capitanias hereditárias cada Governador já trazia consigo o seu Ouvidor, que
cumulava funções judiciárias e administrativas. Denominava-se ouvidor porque
conhecia – tomava ciência – dos pedidos e apelações. Na segunda metade do
século XVII, a Coroa Portuguesa criou o cargo de Ouvidor-Geral do Sul do
Brasil, com jurisdição sobre os ouvidores das capitanias.

Durante 58 anos de
administração da Justiça no Brasil colônia, os recursos das decisões de
primeiro grau eram julgados na corte portuguesa. Eles seguiam para Portugal de
caravelas, único meio de transporte e de comunicação da época. Isto tornava a
prestação jurisdicional extremamente difícil e morosa e, em conseqüência desta
dificuldade e dos muitos reclamos, criou-se o primeiro tribunal brasileiro. Foi
instalado na Capital, Salvador, em 1607, com o nome de Tribunal de Relação, que
foi a origem do Tribunal de Justiça Comum, na capital do país e, portanto, a
origem do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Em 1808, o Tribunal
estava com cerca de 200 anos quando a Corte portuguesa veio para o Brasil,
fugindo da guerra na Europa. Os tribunais e órgãos judiciários foram
transferidos de Lisboa, juntamente com a Corte, e instalados no Rio de Janeiro:
– a Casa da Suplicação, o Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens.
O Rio de Janeiro passou a ser a capital do Brasil e, neste mesmo ano, o
Príncipe regente, Dom João VI, por meio de um decreto régio, criou um Conselho
Supremo Militar, o Banco do Brasil e substituiu o Tribunal de Relação do Rio
pelo Desembargo do Paço: era o Tribunal de Justiça do DF da época. Naquela
ocasião, os magistrados julgavam embargos, termo que já tinha perdido seu
caráter pejorativo da época de Afonso IV,
portanto “desembargavam”, fato que deu origem à
palavra “desembargador” no léxico jurídico, que se
generalizou nos Tribunais de Relação das províncias, ingressou no Direito brasileiro
e, hoje, é denominação constitucional dos membros dos Tribunais de Justiça do
país.

O regime imperial durou
65 anos. Os juízes e desembargadores eram nomeados pelo Imperador, ele os
escolhia entre os nobres ou lhes conferia títulos de nobreza. Os primeiros
juízes, denominados Ordinários, não eram necessariamente bacharéis em leis. Eleitos pelos
homens qualificados da comunidade, e confirmados pelo Ouvidor, usavam a vara
vermelha como insígnia. Os Juízes de Fora, entretanto, deveriam ser bacharéis em
leis, nomeados pelo Rei, em substituição ao Juiz Ordinário, e usavam como insígnia a vara branca, sinal da distinção
régia. A Vara era um símbolo da antiga magistratura e constituía um sinal de
jurisdição. Hodiernamente esta palavra foi incorporada à Magistratura nacional
e ao Direito Pátrio.

O Dr. Francisco Lourenço
de Almeida foi o primeiro juiz togado nomeado pelo Príncipe Regente, D. João,
através da Mesa do Desembargo do Paço, para as terras catarinenses, no cargo de
Primeiro Juiz de Fora do Cível, e Crime e Órfãos da Vila do Desterro; tendo
prestado juramento no Rio de Janeiro, perante o Ministro Tomaz
Antônio Vila Nova Portugal, em 29 de julho de 1812, apresentou-se à Câmara da
Vila do Desterro em 17 de agosto do mesmo ano. A carta patente da sua nomeação,
pelo prazo de três anos em face da precariedade das condições de atuação dos
juízes ordinários, concedia-lhe ainda o lugar de Provedor da Fazenda dos
Defuntos, Capelas e Resíduos.

Após a Proclamação da
Independência, Dom Pedro outorgou a Constituição Imperial, voltando a
denominar o Desembargo do Paço em Tribunal de Relação, e criou uma nova corte
para julgar as causas em segunda e última instância: o Supremo Tribunal de
Justiça, composto de desembargadores advindos dos Tribunais de Relação, conforme
a antigüidade.

As bases do poder
judiciário nas províncias brasileiras, no período imperial brasileiro, foram
assentadas pela Constituição de 25 de março de 1824. O Supremo Tribunal de
Justiça veio a ser criado por lei em 18 de setembro 1828, composto por
dezessete magistrados, advindos das Relações por antigüidade,
e por ministros dos extintos tribunais das Mesas do Desembargo do Paço e da
Consciência e Ordens.

O Supremo Tribunal de
Justiça instalado na sede do Reino, em 1829, substituíra a Casa de Suplicação,
nos moldes do sistema judiciário português, e com atribuições de julgar
Revistas, em grau de recurso e conhecer originariamente de atos dos ministros e
membros do alto escalão, bem como os casos de conflito de jurisdição. Seus
membros recebiam o título de Conselheiro e o tratamento de Excelência, sendo o
Presidente da Corte Suprema nomeado diretamente pelo Imperador. Seu primeiro
presidente foi o Conselheiro José Albano Fragoso.

Os Tribunais da Relação
foram os mais antigos tribunais coletivos no Brasil. O primeiro foi instalado
em 1609 na Bahia, e o segundo, em 1751 no Rio de Janeiro. Estes tribunais
julgavam os embargos através de magistrados denominados desembargadores, cuja
decisão chama-se acórdão, do verbo arcaico acordar. Até o terceiro quartel do
século XIX foram criadas apenas mais duas Relações, a de Pernambuco e a de São
Luiz do Maranhão.

Estes tribunais, órgãos
da segunda instância, passaram a ser instalados nas principais províncias do
Reino. Em agosto de 1873, através do Decreto 2.342, foram então criados sete
tribunais da Relação, sendo um na cidade de Porto Alegre, com jurisdição nos
Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A Carta Magna de 25 de
março de 1824, no seu artigo 163, definiu que as Relações ficariam sujeitas ao
Supremo Tribunal de Justiça sediado na Capital do Império. Em razão do rígido
centralismo da Carta do Império, que não permitia a criação de Relações por
iniciativa local, Santa Catarina permaneceu jurisdicionada  à Relação de Porto Alegre até o início
da República.

Até 1889 funcionou no Império uma Justiça única, de âmbito nacional. A
administração da Justiça até então era confiada a magistrados singulares,
nomeados e demitidos livremente pelo Rei, e aos Tribunais da Relação, que
podiam também decidir questões administrativas.

Com a derrubada do Império e a instalação da primeira Constituição
republicana em 1891, o Tribunal passou a se chamar Tribunal de Apelação; com a
Constituição de 1934, Corte de Apelação, quando passou a jurisdicionar os
Territórios Federais; em 1937, retornou a Tribunal de Apelação. Foi somente com
a Constituição de 1946 que recebeu a nomenclatura de hoje – Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e dos Territórios.

Durante 123 anos os ministros do STF foram oriundos do Tribunal de Justiça
comum da capital do país, e isto só mudou em 1946, com a criação do Tribunal
Federal de Recursos.

A idéia da transferência da capital do Brasil para o Centro-Oeste
começou a ser defendida em 1789. Quando ela ocorreu em 1960, a lei de Organização
Judiciária de número 3.754, de 14 abril de 1960,
passou a regulamentar o Poder Judiciário da Nova Capital. Por essa lei, o
quadro da Magistratura de Brasília ficou composto da seguinte forma: sete
Desembargadores; seis Juízes de Direito (um na Vara Cível, dois nas Varas da
Fazenda Pública, um na Vara de Família, Órfãos, Menores e Sucessões e dois nas
Varas Criminais) e cinco Juízes Substitutos. O Ministério Público ficou
constituído por um Procurador-Geral, dois Curadores, dois Promotores Públicos e
dois Defensores Públicos.

No dia 20 de abril de 1960 deu-se a última sessão do Tribunal de Justiça
do antigo Distrito Federal. No dia seguinte, o Tribunal do Rio de Janeiro
passou a ser um órgão da Justiça do Estado da Guanabara. Porém, somente em maio
foram instituídos os órgãos que completariam a magistratura brasiliense.

O Tribunal de Justiça do DF, já na nova Capital, realizou sua sessão
inaugural em 5 em setembro de 1960, sendo o seu primeiro presidente o
Desembargador Hugo Auler.

Inicialmente, o Tribunal funcionou em turma única, depois desdobrou-se em duas, compostas de 3 membros. Em 1967, seu
número foi aumentado para dez membros, continuando a funcionar com 2 turmas, já
com 4 membros cada. O primeiro concurso para juiz substituto realizou-se em
outubro de 1960, trazendo para Brasília candidatos de diversas partes do
Brasil.

O Tribunal de Justiça funcionava no quinto andar do bloco 6 da Esplanada
dos Ministérios. Foi somente em 1969 que foram inauguradas as instalações
definitivas do TJDFT, erguidas segundo as diretrizes urbanísticas, que situavam
a Justiça local em frente ao Palácio da Municipalidade. Vale registrar que a
partir do dispositivo que deu início à construção da Capital, esta se
encontrava física e juridicamente desmembrada do estado de Goiás para as decisões
legais necessárias. Na época, o Governo Federal estabeleceu que a respectiva
jurisdição seria responsabilidade das cidades de
Formosa, Luziânia e Planaltina até a instalação da
nova Capital e de sua Justiça.

Para concluir e ilustrar melhor a passagem histórica, além de deixar
patente a atuação real juntamente com seus conselheiros
da Mesa do Desembargo do Paço, cito exemplo
em que D. João VI, o Clemente, rei de Portugal, Brasil e Algarve, promove a qualidade de Vila a hoje conhecida
cidade de Niterói – RJ:

Alvará com força da Lei pelo qual se erige em Vila o Sítio e Povoação de
São Domingos da Praia Grande; na forma que abaixo se declara:

“Eu, El-Rei, Faço saber aos que este
Alvará com força de Lei virem: Que Sendo-me presente
em Consulta da Mesa do meu Desembargo do Paço a necessidade que há de se criar
uma Vila no Sítio e Povoação de São Domingos da Praia Grande do Trº desta Cidade, pa. melhor e
mais pronta administração da Justiça assim dos moradores da dita povoação, como
das quatro Freguesias vizinhas da São João de Icaraí, de São Sebastião de
Itaipu, de São Lourenço dos Índios, e de São Gonçalo, avista dos grandes
embaraços, que todos eles experimentam no largo trajeto do mar entre aquela
Praia, e esta Cidade, que são obrigados a passar freqüentemente para promoverem
nela os seus recursos, litígios e dependências; tendo aliás crescido muito a
sua população, que excede já a mais de treze mil habitantes na sua total
extensão, e que diariamente vai crescendo cada vez mais pelas vantagens, que
oferece a sua situação próxima a esta Capital e ao seu Porto: Ponderando-se
mais na consulta a circunstância de ter sido especialmente honrado o dito Sítio
e Povoação com a Minha Augusta Presença, e da Minha Real Família no fausto Dia
13 de maio de 1816, concorrendo ali a Corte formalmente e os Tribunais, e
estando também ali acampada a Divisão das Minhas Tropas ora denominadas
“dos Voluntários Reais d’El-Rei” a quem Fui
então servido agraciar com especiais demonstrações da Minha Soberania elevar o
sobredito Sítio e Povoação à classe e dignidade de Vila: Propondo-se finalmente
na referida consulta que por todos estes motivos houvesse Eu por bem criar não
só a dita Vila mas um lugar de Juiz de Fora do Cível, Crime e Órfãos para ela,
o qual exercitasse também a sua jurisdição na Vila da Santa Maria de marica e
seu Termo, que é confinante, e fica na distância de seis e sete léguas, segundo
as diversas estradas, que para ela se dirigem, tudo ao fim de se facilitarem
aos povos de uma e outra Vila os meios de mais pronta e segura administração da
Justiça por um Magistrado Letrado, e de maior confiança.

E tendo consideração ao referido e ao mais que se expendeu na mencionada
consulta, em que foi ouvido o Proc. da Minha Coroa e Fazenda, com o Parecer do qual houve por
bem conformar-me Souvido erigir em Vila o sobredito
Sítio e Povoação de São Domingos da Praia Grande com a denominação de
“Vila Real da Praia Grande” a qual terá por Termo as quatro
freguesias vizinhas de São João de Icaraí, de São Sebastião de Itaipu, de São
Lourenço dos Índios, e de São Gonçalo, que ficaram desde logo desmembradas do
Termo desta Cidade a que pertenciam; e gozará de todas as Prerrogativas e
Privilégios de que gozam as demais Vilas de Meus Reinos; e os moradores dela e
do seu Termo serão obrigados a aprontar à sua custa o Pelourinho, Casa da
Câmara, Cadeia e mais oficinas debaixo das Ordens da Mesa do Meu Desembargo do
Paço. A Câmara da dita nova Vila se comporá na forma da lei do Reino de três
Vereadores, e um Procurador do Conselho, que hei por bem criar para ela, assim
como dos Almotacéis, dos Tabeliães do Público,
Judicial e Notas, um Alcaide, e o Escrivão do seu Cargo; ficando anexas ao Ofº de primeiro Tabelião os d’Escrivão da Câmara, Almotaçaria
e Sisas, e ao segundo tabelião o d’Escrivão dos
Órfãos: E as pessoas que forem providas nos ditos empregos os servirão na forma
das Leis e Regimentos que lhe são respectivos. À mesma Câmara ficarão
pertencendo todos os rendimentos estabelecidos no mencionado Sítio e Povoação,
e nas quatro Freguesias acima declaradas, que até agora percebia o Senado da
Câmara desta Cidade; além duma Sesmaria duma légua de terra em quadro conjunta
ou separadamente, aonde a houver desembaraçada, a qual lhe será concedida pela
Mesa do meu Desembargo do Paço para se aforar em pequenas porções com foros
razoáveis e o Laudêmio da Ordenação do Reino; procedendo-se a respeito de tais
aforamentos na conformidade da Lei de 23 de julho de 1766. Sou outrossim Servido criar para a dita nova Vila um lugar de
Juiz de Fora do Cível, Crime e Órfãos, e anexar a referida Vila de Santa Maria
de Marica e seu Termo á Jurisdição do mesmo Juiz de Fora; o qual vencerá o
ordenado, prós e percalços, que diretamente lhe competirem, e servirá com os
mesmos Escrivães e Oficiais, com que atualmente servem
os Juízes Ordinários; e dos Órfãos da dita V.ª de Santa Maria de Marica, cujos
lugares ficarão suprimidos desde o dia da posse daquele Ministro; subsistindo
unicamente os Vereadores e Procuradores do conselho, na forma que se observa
nas outras Vilas aonde há Juízes de Fora. Pelo que mando à Mesa do meu
Desembargo do Paço e da consciência e Ordens, Presidente do meu Real Erário,
Conselho da minha Real Fazenda, Regedor da Casa da Suplicação, e a todos os
Tribunais, Ministros da Justiça, e quaisquer outras pessoas a quem o
conhecimento, e execução do presente Alvará haja de pertencer o cumpram e
guardem, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contém, não
obstante quaisquer Leis, Alvarás, Regimentos, Decretos, ou Ordens que o
contrário determinem; porque todas e todos hei por
derrogados como delas e deles fizesse expressa e individual menção para o
referido efeito somente; ficando aliás sempre em seu vigor e observância. E
valerá como Carta passada pela Chancelaria, posto que por ela não há de passar e o seu efeito haja de durar mais dum ano, sem
bem.º da Ordem. em contrário. Dado no Rio de Janeiro, a
dez de maio de 1818 – El Rei com Guarda.

Alvará com força de Lei, pelo qual Vossa Majestade há por bem erigir em
Vila o Sítio e Povoação de São Domingos da Praia Grande do Termo desta Cidade
com a denominação de Vila Real da Praia Grande – Designando o Termo,
Rendimentos, e patrimônio que lhe hão de pertencer. E há
outrossim por bem para a mesma Vila um lugar de Juiz de Fora do Cível,
Crime e Órfãos; anexando à sua jurisdição a Vila de Santa Maria de Marica, e
seu Termo, que lhe é confinante, tudo na forma que acima se expressa e declara.
Para S. Majestade ver. Por imediata Resolução de Sua Majestade de 12 de
fevereiro de 1819 tomada em Consulta da Mesa do Desembargo do Paço de 8 do
mesmo mês e ano – Monsenhor Almeida, José d’Oliveira
Pinto Botelho e Mosquêra – Bernaro
José de Souza Lobato o fez escreve. Joaquim José da Silveira
o fez.”

A História está colocada. Ao menos, se insistirem num erro será
conscientemente. Resta saber o resultado do julgamento da Ação Ordinária 993 no
Supremo Tribunal Federal.

 


 

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Cláudio Tusco