Resumo: Verifica-se, sobretudo nas últimas décadas, o desenvolvimento de um discurso pautado na preocupação com o esgotamento e exaurimento dos recursos naturais, em especial aqueles dotados de valor econômico, a exemplo da s matrizes energéticas (petróleo). Em um cenário de achatamento da população, sobretudo aquela considerada como vulnerável, condicionada em comunidades carentes e bolsões de pobreza, diretamente afetada pelos passivos produzidos, diante das ambições de desenvolvimento econômico, constrói-se um ideário de justiça ambiental, buscando, a partir de um crescimento que conjugue anseios econômicos com preservação socioambiental, assegurar a conjunção de esforços a fim de minorar os efeitos a serem suportados. Justamente, nesta delicada questão, o presente debruça-se em analisar a questão do racismo ambiental, potencializado pelo discurso de desenvolvimento econômico que tende a polarizar a problemática social, em busca pelo influxo de capitais na realidade local.
Palavras-chaves: Desenvolvimento Econômico. Meio Ambiente Urbano. Justiça Ambiental. Racismo Ambiental.
Sumário: 1 Considerações Iniciais; 2 O Espaço Urbano em uma Perspectiva Ambiental: A Ambiência do Homem Contemporâneo em Análise; 3 O Fenômeno da Industrialização como Elemento Agravador da Injustiça Ambiental: O Embate entre o Desenvolvimento Econômico e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; 4 O Racismo Ambiental no Território Brasileiro: A Injustiça Ambiental agravada em decorrência das condições sociais; 5 Comentários Finais
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No decorrer das últimas décadas, em especial a partir de 1980, os temas associados à questão ambiental passaram a gozar de maior destaque no cenário mundial, devido, em grande parte, com a confecção de tratados e diplomas internacionais que enfatizaram a necessidade da mudança de pensamentos da humanidade, orientado, maiormente, para a preservação do meio ambiente. Concomitantemente, verifica-se o fortalecimento de um discurso participativo de comunidades e grupamentos sociais tradicionais nos processos decisórios. Observa-se, desta maneira, que foi conferido maior destaque ao fato de que a proeminência dos temas ambientais foi içada ao status de problema global, alcançado, em sua rubrica, não apenas a sociedade civil diretamente afetada, mas também os meios de comunicação e os governos de diversas áreas do planeta. Tal cenário é facilmente verificável na conjunção de esforços, por partes de grande parte dos países, para minorar os impactos ambientais decorrentes da emissão de poluentes e os adiantados estágios de degradação de ecossistemas frágeis.
Nesse passo, a industrialização de pequenos e médios centros urbanos, notadamente nos países subdesenvolvidos, encerra a dicotomia do almejado desenvolvimento econômico, encarado como o refulgir de uma nova era de prosperidade em realidades locais estagnadas e desprovidas de dinamicidade, e a degradação ambiental, desencadeando verdadeira eco-histeria nas comunidades e empreendimentos diretamente afetados. Por vezes, o discurso desenvolvimentista utilizado na instalação de indústrias objetiva, em relação à população diretamente afetada, expor tão somente os aspectos positivos da alteração dos processos ambientais, suprimindo as consequências, quando inexistente planejamento prévio, socioambientais. Diante deste cenário, o presente, a partir do referencial adotado, busca conjugar uma análise proveniente do entendimento da justiça ambiental, colhendo das discussões propostas por Henri Acselrad, Selene Herculano e José Augusto de Pádua, sobretudo, no que se refere à caracterização de variáveis repetidas nos processos de instalação de empreendimento econômicos, em especial a população diretamente afetada.
De igual modo, o presente socorre-se do aporte doutrinário apresentado pelo Direito Ambiental e pelo Direito Urbanístico, calcado nos conceitos tradicionais e imprescindíveis para o fomento da discussão, utilizando, para tanto, do discurso apresentado por Paulo Affonso Leme Machado, Paulo Bessa Antunes Filho, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, José Afonso da Silva e Romeu Thomé. Ora, os conflitos socioambientais, advindos do agravamento da injustiça ambiental experimentada por comunidades, dá ensejo à discussão acerca do embate entre os princípios constitucionais do desenvolvimento econômico e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ambos alçados à condição de elementos para materialização da dignidade da pessoa humana.
2 O ESPAÇO URBANO EM UMA PERSPECTIVA AMBIENTAL: A AMBIÊNCIA DO HOMEM CONTEMPORÂNEO EM ANÁLISE
Inicialmente, ao adotar como ponto inicial de análise o meio ambiente e sua relação direta com o homem contemporâneo, necessário faz-se esquadrinhar a concessão jurídica apresentada pela Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (2013), que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Aludido diploma, ancorado apenas em uma visão hermética, concebe o meio ambiente como um conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Nesse primeiro momento, é possível deixar em clara evidência que o tema é dotado de complexidade e fragilidade, eis que dialoga uma sucessão de fatores distintos, os quais são facilmente distorcidos e deteriorados devido à ação antrópica.
José Afonso da Silva (2009, p. 20), ao traçar definição acerca de meio ambiente, descreve-o como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2012, p. 77), por sua vez, afirma que a concepção definidora de meio ambiente está pautada em um ideário jurídico despido de determinação, cabendo, diante da situação concreta, promover o preenchimento da lacuna apresentada pelo dispositivo legal supramencionado. Trata-se, com efeito, de tema revestido de maciça fluidez, eis que o meio ambiente está diretamente associado ao ser humano, sofrendo os influxos, modificações e impactos por ele proporcionados. Não é possível, ingenuamente, conceber, na contemporaneidade, o meio ambiente apenas como uma floresta densa ou ecossistemas com espécies animais e vegetais próprios de uma determinada região; ao reverso, é imprescindível alinhar o entendimento da questão em debate com os anseios apresentados pela sociedade contemporânea. Nesta linha de exposição, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, já salientou, oportunamente, que:
“[…] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal.” (BRASIL, 2013b).
Pelo excerto transcrito, denota-se que a acepção ingênua do meio ambiente, na condição estrita de apenas condensar recursos naturais, está superada, em decorrência da dinamicidade da vida contemporânea, içado à condição de tema dotado de complexidade e integrante do rol de elementos do desenvolvimento do indivíduo. Tal fato decorre, sobremodo, do processo de constitucionalização do meio ambiente no Brasil, concedendo a elevação de normas e disposições legislativas que visam promover a proteção ambiental. Ao lado disso, não é possível esquecer que os princípios e corolários que sustentam a juridicidade do meio ambiente foram alçados a patamar de destaque, passando a integrar núcleos sensíveis, dentre os quais as liberdades públicas e os direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente” (THOMÉ, 2012, p. 116).
Diante do alargamento da concepção do meio ambiente, salta aos olhos que se encontra alcançado por tal acepção o espaço urbano, considerado como a ambiência do homem contemporâneo, o qual encerra as manifestações e modificações propiciadas pela coletividade no habitat em que se encontra inserta. Trata-se, doutrinariamente, do denominado meio ambiente artificial ou meio ambiente humano, estando delimitado espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como salienta Fiorillo (2012, p. 79). Extrai-se, desse modo, que o cenário contemporâneo, refletindo a dinamicidade e complexidade do ser humano, passa a materializar verdadeiro habitat para o desenvolvimento do indivíduo. Neste sentido, inclusive, Talden Farias descreve que:
“O meio ambiente artificial é o construído ou alterado pelo ser humano, sendo constituído pelos edifícios urbanos, que são os espaços públicos fechados, e pelos equipamentos comunitários, que são os espaços públicos abertos, como as ruas, as praças e as áreas verdes. Embora esteja ligado diretamente ao conceito de cidade, o conceito de meio ambiente artificial abarca também a zona rural, referindo-se simplesmente aos espaços habitáveis pelos seres humanos, visto que neles os espaços naturais cedem lugar ou se integram às edificações urbanas artificiais.” (FARIAS, 2009, p. 07).
É possível, assim, caracterizar o meio ambiente artificial como fruto da interferência da ação humana, ou seja, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial” (BRITO, 2013). Neste cenário, o proeminente instrumento legislativo de tutela do meio ambiente humano, em um plano genérico, está assentado na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, afixando os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana, de maneira que a cidade extrapole sua feição de apenas um grupamento de indivíduos em um determinado local, passando a desempenhar a função social. Fiorillo (2012, p. 467), ao tratar da legislação ora mencionada, evidencia, oportunamente, que aquela “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo”.
Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal, são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito se relaciona à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida” (FIORILLO, 2012, p. 549), tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. A questão em discussão já sofreu, inclusive, construção jurisprudencial, sendo possível, apenas a título de ilustração, transcrever:
“[…] Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). […]. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012)” (BRASIL, 2013a).
O meio ambiente humano passa a ser dotado de uma ordem urbanística, consistente no conjunto de normas, dotadas de ordem pública e de interesse social, que passa a regular o uso da propriedade urbana em prol da coletividade, da segurança, do equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos. “A ordem urbanística deve significar a institucionalização do justo na cidade. Não é uma ‘ordem urbanística’ como resultado da opressão ou da ação corruptora de latifundiários e especuladores imobiliários, porque aí seria a desordem urbanística gerada pela injustiça” (MACHADO, 2013, p. 446). Nesta perspectiva, está-se diante de um nível de planejamento que objetiva estabelecer patamares mínimos de organização do uso dos diversos fragmentos de um determinado recorte espacial, atentando-se para as potencialidades e capacidades inerentes aos sistemas ambientais desse espaço, sobremodo na ambiência urbana que, devido à complexidade a população, apresenta interseções peculiares. Ao lado disso, não é possível deixar de destacar que os ambiente urbanos tendem a ser diretamente influenciados e modificados pela realidade social.
Trata-se de uma significação em busca por uma ordem na utilização do espaço sob planejamento, de maneira que assegure a integridade ambiental, a manutenção dos serviços ambientais, a reprodução de seus recursos e “a manutenção dentro de uma trajetória evolutiva ‘estável’ (o que significa não criar um desequilíbrio irreversível que leve à degradação da paisagem). Enfim, é a busca pela sustentabilidade na utilização do espaço” (VICENS, 2012, p. 197). Ultrapassa-se, diante do painel pintado, a concepção de que os centros urbanos, por sua essência, são apenas aglomerados de indivíduos, por vezes, estratificados em decorrência de sua condição social e econômica. Absolutamente, ainda que esteja em um plano, corriqueiramente, teórico, é possível observar que a preocupação em torno das cidades foi alçada à condição de desenvolvimento de seus integrantes, passa a sofrer forte discussão, em especial quando a temática está umbilicalmente atrelada aos processos de remoção de comunidades ou, ainda, alteração do cenário tradicional, a fim de comportar os empreendimentos industriais.
3 O FENÔMENO DA INDUSTRIALIZAÇÃO COMO ELEMENTO AGRAVADOR DA INJUSTIÇA AMBIENTAL: O EMBATE ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
O modelo de desenvolvimento liberal, estruturado no de individualismo econômico e mercado, consistindo na confluência de articulações entre a propriedade privada, iniciativa econômica priva e mercada, passa a apresentar, ainda na década de 1960, os primeiros sinais da problemática socioambiental. “Esse modelo de crescimento orientado por objetivos materiais e econômico puramente individualista, regido por regras jurídicas de natureza privada, dissociou a natureza da economia, alheando desta, os efeitos devastadores dos princípios econômicos na natureza” (FRAGA, 2007, p. 02). Entre o final da década de 1960 até 1980, o discurso, envolvendo a questão ambiental, explicitava a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais que eram dotados de maior interesse econômico, sobretudo no que se referia à exploração do petróleo. Verifica-se, neste primeiro contato, que a questão do meio ambiente estava cingida à preocupação com a sobrevivência da espécie humana, num aspecto puramente econômico.
Diante da possibilidade do exaurimento dos recursos naturais dotados de aspecto econômico relevante, é possível observar uma crise civilizatória advinda não apenas da escassez daqueles, à proporção que são degradados, mas também em decorrência do modelo econômico adotado, o qual, por seu aspecto, desencadeou um desequilíbrio ambiental maciço colocando em risco a sobrevivência da espécie humana, assim como, na trilha dos efeitos produzidos, o aumento do desemprego pela mecanização dos meios de produção, a miséria e a marginalidade social. O processo predatório ambiental potencializa um cenário caótico urbano, verificado, sobretudo, nos grandes centros, com formação de comunidades carentes e favelas, reduto da população marginalizada, constituindo verdadeiro bolsão de pobreza.
Conforme Lester R. Brown (1983, p. 05), as ameaças à civilização são provocadas pela erosão do solo a deterioração dos sistemas biológicos e esgotamento das reservar petrolíferas, além do comprometimento de elementos essenciais à existência humana, como, por exemplo, acesso à água potável. Aludidas ameaças desencadeiam tensões ambientais que se concretizam em crises econômicas, causadas pela dependência de alguns países dos produtos alimentícios oriundos de outros países, bem como das fontes de energia produzidas pelos combustíveis fósseis. É possível, neste cenário, verificar que a crise socioambiental, surgida nos Estados Unidos, a partir da década de 1960, devido à mecanização dos meios de produção e a dependência de recursos naturais, em especial matrizes energéticas (petróleo), de outros países, forneceu o insumo carecido para a construção da justiça ambiental, advinda da criatividade dos movimentos sociais forjados pela luta da população afrodescendente que protestava contra a discriminação causada pela maior exposição desta população aos lixos químicos, radioativos e indústrias geradoras de poluentes. Selene Herculano, ao abordar a definição do tema, coloca em destaque:
“Por Justiça Ambiental entenda-se o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas […] Complementarmente, entende-se por Injustiça Ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis”. (HERCULANO, 2002, p. 03).
Pela moldura ofertada pela justiça ambiental, infere-se que nenhum grupo de pessoas, seja em decorrência de sua condição étnica, raciais ou de classe, suporte ma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo. “Complementarmente, entende-se por injustiça ambiental a condição de existência coletiva própria a sociedade desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos ambientais” (ACSELRAD; HERCULANO; PÁDUA, 2004, p. 09). Diante do exposto, o termo justiça ambiental afigura-se como uma definição aglutinadora e mobilizadora, eis que permite a integração de dimensões ambiental, social e ética da sustentabilidade e do desenvolvimento, corriqueiramente dissociados nos discursos e nas práticas. “Tal conceito contribui para reverter a fragmentação e o isolamento de vários movimentos sociais frente ao processo de globalização e reestruturação produtiva que provoca perda de soberania, desemprego, precarização do trabalho e fragilização do movimento sindical e social como todo” (ACSELRAD; HERCULANO, PÁDUA, 2004, p. 18).
Neste quadrante, mais que uma expressão do campo do direito, justiça ambiental assume verdadeira feição de reflexão, mobilização e bandeira de luta de diversos sujeito e entidades, ais como associações de moradores, sindicatos, grupos direta e indiretamente afetados por diversos riscos, ambientalistas e cientistas. Joan Martínez Alier (2007, p. 35) colocou em destaque que, “até muito recentemente, a justiça ambiental como um movimento organizado permaneceu limitado ao seu país de origem”, conquanto o ecologismo popular, também denominado de ecologismo dos pobres, constituam denominações aplicadas a movimentos populares característicos do Terceiro Mundo que se rebela contra os impactos ambientais que ameaçam a população mais carente, que constitui a ampla maioria do contingente populacional em muitos países. É aspecto tradicional dessas movimentações populares, a base camponesa cujos campos ou terras destinadas para pastos têm sido destruídos pela mineração ou pedreiras; movimentos de pescadores artesanais contra os barcos de alta tecnologia ou outras foram de pesca industrial que impacta diretamente o ambiente marinho em que desenvolve a atividade; e, ainda, por movimentos contrários às minas e fábricas por parte de comunidades diretamente atingidas pela contaminação do ar ou que vivem rio abaixo das instalações industriais poluidoras.
Ao lado disso, em realidades nas quais as desigualdades alcançam maior destaque, a exemplo do Brasil e seu cenário social multifacetado, dotado de contradições e antagonismos bem peculiares, a universalização da temática de movimentos sustentados pela busca da justiça ambiental alcança vulto ainda maior, assumindo outras finalidades além das relacionadas essencialmente ao meio ambiente, passando a configurar os anseios da população diretamente afetada, revelando-se, por vezes, ao pavilhão que busca minorar ou contornar um histórico de desigualdade e antagonismo que se arrasta culturalmente. Trata-se, pois, de um discurso pautado na denúncia de um quadro de robusta injustiça social, fomentado pela desigual distribuição do poder e da riqueza e pela apropriação, por parte das classes sociais mais abastadas, do território e dos recursos naturais, renegando, à margem da sociedade, grupamentos sociais mais carentes, lançando-os em bolsões de pobreza. É imperioso explicitar que os aspectos econômicos apresentam-se, no cenário nacional, como a flâmula a ser observada, condicionando questões socioambientais, dotadas de maior densidade, a um patamar secundário. Selene Herculano coloca em destaque que:
“A temática da Justiça Ambiental nos interessa em razão das extremas desigualdades da sociedade brasileira. No Brasil, o país das grandes injustiças, o tema da justiça ambiental é ainda incipiente e de difícil compreensão, pois a primeira suposição é de que se trate de alguma vara especializada em disputas diversas sobre o meio ambiente. Os casso de exposição a riscos químicos são pouco conhecidos e divulgados, […], tendendo a se tornarem problemas crônicos, sem solução. Acrescente-se também que, dado o nosso amplo leque de agudas desigualdades sociais, a exposição desigual aos riscos químicos fica aparentemente obscurecida e dissimulada pela extrema pobreza e pelas péssimas condições gerais de vida a ela associadas. Assim, ironicamente, as gigantescas injustiças sociais brasileiras encobrem e naturalizam a exposição desigual à poluição e o ônus desigual dos custos do desenvolvimento”. (HERCULANO, 2008, P. 05).
A partir das ponderações articuladas, verifica-se, no território nacional, o aparente embate entre a busca pelo desenvolvimento econômico e o meio ambiente ecologicamente equilibrado torna-se palpável, em especial quando a questão orbita em torno dos processos de industrialização, notadamente nos pequenos e médios centros urbanos, trazendo consigo a promessa de desenvolvimento. Neste aspecto, a acepção de “desenvolvimento” traz consigo um caráter mítico que povoa o imaginário comum, especialmente quando o foco está assentado na alteração da mudança social, decorrente da instalação de empreendimentos de médio e grande porte, promovendo a dinamização da economia local, aumento na arrecadação de impostos pelo Município em que será instalada e abertura de postos de trabalho.
“O grande atrativo aos centros urbanos faz com que o crescimento se dê de forma desordenada, gerando diversos problemas cuja solução passa pela implementação de políticas públicas, necessariamente antecedidas de um planejamento” (ARAÚJO JÚNIOR, 2008, p. 239). Constata-se, com clareza, que o modelo econômico que orienta o escalonamento de interesses no cenário nacional, sobrepuja, de maneira maciça, valores sociais, desencadeando um sucedâneo de formas de violência social, degradação ambiental e aviltamento ao indivíduo, na condição de ser dotado de dignidade e inúmeras potencialidades a serem desenvolvidas. Todavia, não é mais possível examinar as propostas de desenvolvimento econômico desprovida de cautela, dispensando ao assunto um olhar crítico e alinhado com elementos sólidos de convicção, notadamente no que se refere às consequências geradas para as populações tradicionais corriqueiramente atingidas e sacrificadas em nome do desenvolvimento econômico.
“Não é mais possível corroborar com a ideia de desenvolvimento sem submetê-la a uma crítica efetiva, tanto no que concerne aos seus modos objetivos de realização, isto é, a relação entre aqueles residentes nos locais onde são implantados os projetos e os implementadores das redes do campo do desenvolvimento; quanto no que concerne às representações sociais que conformam o desenvolvimento como um tipo de ideologia e utopia em constante expansão, neste sentido um ideal incontestável […] O desenvolvimento– ou essa crença da qual não se consegue fugir -carrega também o seu oposto, as formas de organização sociais que, muitas vezes vulneráveis ao processo, são impactadas durante a sua expansão. É justamente pensando nos atores sociais” (KNOX; TRIGUERO, 2011, p. 02).
É imperioso conferir, a partir de uma ótica alicerçada nos conceitos e aportes proporcionados pela justiça ambiental, uma ressignificação do conceito de desenvolvimento, alinhando-o diretamente à questão ambiental, de maneira a superar o aspecto eminentemente econômico do tema, mas também dispensando uma abordagem socioambiental ao assunto. A reestruturação da questão “resulta de uma apropriação singular da temática do meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas com a construção da justiça social” (ACSELRAD, 2010, p. 108). Salta aos olhos que o processo de reconstrução de significado está intimamente atrelado a uma reconstituição dos espaços em que os embates sociais florescem em prol da construção de futuros possíveis. Justamente, neste espaço a temática ambiental passa a ganhar maior visibilidade, encontrado arrimo em assuntos sociais do emprego e da renda.
Tal fato deriva da premissa que o acentuado grau de desigualdades e de injustiças socioeconômicas, tal como a substancializada política de omissão e negligencia no atendimento geral às necessidades das classes populares, a questão envolvendo discussões acerca da (in)justiça ambiental deve compreender múltiplos aspectos, dentre os quais as carências de saneamento ambiental no meio urbano, a degradação das terras usadas para a promoção assentamentos provenientes da reforma agrária, no meio rural. De igual modo, é imperioso incluir na pauta de discussão o tema, que tem se tornado recorrente, das populações de pequenos e médios centros urbanos diretamente afetados pelo recente fenômeno de industrialização, sendo, por vezes, objeto da política de remoção e reurbanização. Ora, é crucial reconhecer que os moradores dos subúrbios e periferias urbanas, nas quais os passivos socioambientais tendem a ser agravados, em razão do prévio planejamento para dialogar o desenvolvimento econômico e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É mister que haja uma ponderações de interesses, a fim de promover o desenvolvimento sustentável, conversando os interesses econômicos e a necessidades das populações afetadas de terem acesso ao meio ambiente preservado ou, ainda, minimamente degradado, de modo a desenvolverem-se, alcançando, em fim último, o utópico, porém sempre recorrido, conceito constitucional de dignidade humana. O sedimento que estrutura o ideário de desenvolvimento sustentável, como Paulo Bessa Antunes (2012, p. 17) anota, busca estabelecer uma conciliação a conservação dos recursos ambientais e o desenvolvimento econômico, assegurando-se atingir patamares mais dignos e humanos para a população diretamente afetada pelos passivos socioambientais. Paulo Affonso Leme Machado destaca, ao esquadrinhar o conceito de desenvolvimento sustentável, que:
“O antagonismo dos termos – desenvolvimento e sustentabilidade – aparece muitas vezes, e não pode ser escondido e nem objeto de silêncio por parte dos especialistas que atuem no exame de programas, planos e projetos de empreendimentos. De longa data, os aspectos ambientais foram desatendidos nos processos de decisões, dando-se um peso muito maior aos aspectos econômicos. A harmonização dos interesses em jogo não pode ser feita são preço da desvalorização do meio ambiente ou da desconsideração de fatores que possibilitam o equilíbrio ambiental” (MACHADO, 2013, p. 74).
De outro modo, denota-se que o fenômeno de industrialização, em especial atividades mineradoras e petrolíferas, nos pequenos e médios centros urbanos tem apresentado um discurso pautado no desenvolvimento. Trata-se, com efeito, de uma panaceia, na qual a possibilidade de injeção de capital na realidade local, proveniente da ampliação do aumento de arrecadação de tributos, tal como a disfarçada promessa de geração de postos de emprego e dinamização da economia, tem afigurado como importante pilar para o apoio de tais processos. “É assim que a força econômica das grandes corporações transformou-se em força política – posto que eles praticamente habilitaram-se a ditar a configuração das políticas urbanas, ambientais e sociais” (ACSELRAD, 2006, p. 31), obtendo o elastecimento das normas com o argumento de sua suposta capacidade de gerar emprego e receitas públicas.
Neste aspecto, ao suprimir variáveis socioambientais, em especial a remoção de populações para comportar a instalação de empreendimentos industriais, tende a agravar, ainda mais, o quadro delicado de antagonismos sociais, nos quais a vulnerabilidade das populações diretamente afetadas agrava o cenário de injustiça ambiental. A população, sobretudo aquela colocada à margem da sociedade, constituinte das comunidades carentes e favelas que materializam os bolsões de pobreza dos centros urbanos, é desconsiderada pela política econômica, alicerçada na atração do capital que, utilizando sua capacidade de escolher os locais preferenciais para a instalação de seus investimentos, forçando as populações diretamente afetadas a conformar-se com os riscos socioambientais produzidos pelo empreendimento instalado na proximidade de suas residências, alterando, de maneira maciça, o cenário existente. Tal fato decorre, corriqueiramente, da ausência das mencionadas populações de se retirarem do local ou “são levadas a um deslocamento forçado, quando se encontram instaladas em ambientes favoráveis aos investimentos” (FRAGA, 2007, p.08).
A atuação das empresas é subsidiada pela ação do governo, no sentido de apresentar ações e conjugação esforços para o denominado desenvolvimento sustentável, agindo sob o argumento do mercado, objetivando promover ganhos de eficiência e ativar mercados, ambicionando evitar o desperdício de matéria e energia. Concretamente, a lógica em destaque não prospera, mas sim padece diante de um cenário no qual, devido à industrialização e instalação de empreendimentos, sem o prévio planejamento, há o agravamento da injustiça ambiental, em especial em locais nos quais a vulnerabilidade da população afetada é patente, havendo o claro sacrifício daquela em prol do desenvolvimento local. “A injustiça e a discriminação, portanto, aparecem na apropriação elitista do território e dos recursos naturais, na concentração dos benefícios usufruídos do meio ambiente e exposição desigual da população à poluição e aos custos ambientais do desenvolvimento” (ACSELRAD; HERCULANO; PÁDUA, 2004, p. 10).
4 O RACISMO AMBIENTAL NO TERRITÓRIO BRASILEIRO: A INJUSTIÇA AMBIENTAL AGRAVADA EM DECORRÊNCIA DAS CONDIÇÕES SOCIAIS
Diante dos conceitos e aporte apresentados, é possível destacar que a concepção de racismo ambiental está atrelado às injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre etnias vulnerabilizadas. “O racismo ambiental não se configura apenas por meio de ações que tenham impacto racial, mas igualmente por meio de ações que tenham impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem” (HERCULANO, 2008, p. 16). Trata-se, com efeito, de uma espécie de desigualdade e de injustiça ambiental dotado de proeminente especificidade, recaindo, corriqueiramente, sobre etnias, tal como grupo de populações consideradas como tradicionais, dentre os quais é possível computar ribeirinhos, pescadores, extrativistas, quilombolas, caiçaras, que têm se defrontado, cada vez mais, com a instalação de grandes empreendimentos impulsionados pela busca do desenvolvimento. Quadra destacar que mencionados empreendimentos apresentam, como traço característico, a busca pela modificação e alteração do traçado tradicional, expelindo as populações de seis territórios e acarretando desorganização na cultura.
Tais desdobramentos tendem a empurrar as populações afetadas para as favelas das periferias urbanas ou, ainda, quando permanecem na área exposta, são obrigado a conviver com um cotidiano de envenenamento e degradação do ambiente em que estão inseridos. No mais, “se tais populações não-urbanas enfrentam tal chegada do estranho, outras, nas cidades, habitam as zonas de sacrifício, próximas às indústrias poluentes e aos sítios de despejos químicos que, por serem sintéticos, não são metabolizados pela natureza e portanto se acumulam” (HERCULANO, 2008, p. 16).
As consequências advindas da instalação de indústrias e empreendimentos econômicos, sobretudos nos pequenos e médios centros urbanos, não produzem efeitos tão somente com a ampliação econômica dos Municípios, mas também desencadeia uma sucessão de consequências socioambientais, em razão do aumento dos bolsões de pobreza e do agravamento da questão ambiental. Diante deste cenário, no qual o agravamento da injustiça ambiental é observável, em decorrência da materialização de um desenvolvimento econômico sem planejamento, produzindo questões socioambientais dotadas de complexidade. Tal fato decorre da premissa que o desenvolvimento econômico conjugado ao crescimento urbano desordenado, sobretudo nas comunidades periféricas, produz um cenário caótico, em virtude da ausência de políticas públicas e de infraestrutura. A estrutura adota e os processos sociais implementados pelo racismo ambiental naturalizam as hierarquias sociais que estratificam etnias e consideram como vazios os espaços físicos nos quais os territórios estão integrados por uma população que se caracteriza por depender, de maneira estreita, do ecossistema no qual se insere. “Em suma, trata-se aqui da construção e permanência de relações de poder que inferiorizam aqueles que estão mais próximos da natureza, chegando a torná-los invisíveis” (HERCULANO, 2008, p. 17).
Não é possível perder de vista que o racismo apresenta-se como a forma pela qual há uma desqualificação do outro, anulando-o como não semelhante, descaracterizando a condição de indivíduo inserido no contexto social. Em uma moldura nacional, é corriqueiro observar o racismo ambiental, diariamente, sobremaneira com os fluxos migratórios, em especial os contingentes vindos do Nordeste, em busca de postos de emprego, sendo esses considerados como invasores da metrópole, dos centros urbanos que se desenvolvem, assentando-se à margem da cidade oficial. Ao lado disso, em decorrência da situação social que a população atraída pela promessa de desenvolvimento passa a ocupar, verifica-se que a ampliação da pobreza e da vulnerabilidade de maciça parcela da população brasileira, caracterizada pela pouca escolaridade, sem renda, despidos de políticas sociais de amparo e resgate, decorrente da estratificação social consolidada, refletindo em um verdadeiro racismo ambiental, florescendo à margem dos centros urbanos oficiais.
A situação encontrada, atualmente, nas grandes cidades decorre da adoção de um modelo urbanístico vigente no Brasil, o qual se divide em duas searas distintas, a saber: a cidade oficial, que compreende as áreas, devidamente, registradas em órgãos municipais, e a cidade periférica, que alcança os territórios ocupados de maneira desorganizada, nos quais se observa a concentração das populações periféricas e o inchaço dos bolsões de pobreza. Nos pequenos e médios centros urbanos, a população oculta tende a florescer nos locais em que o Poder Público tem sua atuação mais frágil, notadamente nos distritos afastados e comunidades tradicionais. Constata-se, justamente, nos núcleos urbanos periféricos, à margem dos padrões estruturados pelos núcleos urbanos convencionais, o confronto entre a preservação ambiental e a urbanização; o desenvolvimento econômico e a estruturação de políticas públicas afirmativas; a exploração dos recursos naturais e a recuperação da dignidade/identidade das comunidades diretamente afetadas pelos passivos socioambientais produzidos. Defronta-se, por sua vez, com o voraz embate entre o desenvolvimento e a preservação ambiental, sendo que aquele, impulsionado por declarado apoio dos Administradores Público, tende a ser privilegiado.
Trata-se de situação agravada pela ausência de planejamento urbano, eis que os pequenos e médios centros não estão adaptados ao surgimento de comunidades à margem da cidade oficial. As consequências dessa desorganizada ocupação dos núcleos urbanos ocultos são conhecidas: enchentes; assoreamento dos cursos de água, em decorrência do reiterado desmatamento e ocupação das margens; desaparecimento das áreas verdes para atender o fluxo migratório que se instalar nas áreas periféricas; desmoronamento de encostas, em razão da instalação não planejada. Meirelles (2000) frisa que a situação tende a piorar com o surgimento de epidemias sazonais, como as que ocorrem durante o verão. Ora, há que se reconhecer que o processo de industrialização não se dá em regiões no qual a elite social esteja instalada, mas sim em locais que a vulnerabilidade da população local é algo patente. Selene Herculano, com bastante pertinência, destaca que:
“Os desastres ambientais não se resumem, porém, à dita fúria dos elementos da natureza. Há aqueles causados pela ação humana direta: vazamentos de produtos tóxicos e explosões, tanto em processos industriais quanto em operações de transporte. Estes desastres ambientais da ação humana direta também podem assumir tanto a forma aguda, abrupta, de algo que ocorre de repente, quanto a forma gradual, continuada, como, por exemplo, o envenenamento de trabalhadores agrícolas pelo manuseio constante de agrotóxicos e pesticidas. O lançamento e o abandono propositais de resíduos tóxicos e perigosos em terrenos baldios, nas margens de estradas vicinais de áreas pobres, são outros exemplos de um verdadeiro processo de construção social gradual e paulatina de catástrofes” (HERCULANO, s.d.).
Guerra & Cunha (2006 p. 39) destacam que, nas situações em que o crescimento urbano não é acompanhado pela ampliação equitativa dos investimentos em infraestrutura e democratização do acesso aos serviços urbanos, é uma tendência que as desigualdades socioespaciais sejam produzidas ou, quando existentes, se agravem. Essa realidade é, facilmente, verificável nos centros urbanos em que há exploração dos empreendimentos de grande porte, eis que, embora haja um aumento significativo da arrecadação, inexiste planejamento que dialogue o desenvolvimento econômico com as questões socioambientais. A busca é o aumento da arrecadação e a promessa do desenvolvimento da economia local pelo Município, sem que haja qualquer atenção aos impactos socioambientais a serem produzidos. Neste aspecto, a recente onda de industrialização dos pequenos e médios municípios, sobretudo nas regiões sul e sudeste tende a agravar, ainda mais, o quadro de disparidade social, tornando crônico o quadro de injustiça ambiental.
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Ainda incipiente, a discussão consciente dos processos de industrialização e instalação de empreendimentos econômicos com potencial poluidor elevado, à luz de uma moldura caracterizada pela justiça ambiental, faz-se necessária. Em realidades nas quais as desigualdades alcançam maior destaque, a exemplo do Brasil e seu cenário social multifacetado, dotado de contradições e antagonismos bem caracterizadores, a universalização da temática de movimentos sustentados pela busca da justiça ambiental alcança vulto ainda maior, assumindo outras finalidades além das relacionadas essencialmente ao meio ambiente, sobretudo com o agravamento e acentuação do racismo ambiental, estratificando aspectos históricos e mazelas sociais que são polarizadas e fomentadas pela busca do desenvolvimento econômico. Ao lado disso, em um território dotado de uma intrincada e complexa realidade social, na qual a segregação advinda da constituição de populações carentes, renegadas à margem da sociedade, formando bolsões de pobreza, é algo cada vez mais corriqueiro, salta aos olhos que o agravamento da injustiça social é uma realidade tangível, fruto da concentração histórica de renda e a suplantação de um contingente populacional robusto, atraído por promessas de desenvolvimento econômico, por meio da geração de postos de emprego e o aumento na arrecadação de tributos. Sobretudo nas áreas urbanas mais frágeis, despidas de planejamento urbano, as quais passam a ser ocupadas desordenadamente por aqueles atraídos pela esperança de melhoria nas condições sociais vivenciadas.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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